Dear Gringo escrita por Gaby Molina


Capítulo 1
Capítulo 1 - Allison não abraça sua vadia interior


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem e deixem um review bonito para deixar uma autora feliz ;3



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Allison

Segundo ano. Aquele ano onde você não é legal e maduro o bastante para ser do terceiro, mas pelo menos não tem que fazer vestibular.

E no meu caso, uma secundarista que tinha todo o futuro planejado, e ao mesmo tempo não fazia ideia de como alcançar esse futuro, era um grande alívio.

— Allison Peruzzo, a orientadora quer vê-la — foi a primeira coisa que ouvi a professora de Português dizer, mesmo que ela já estivesse na sala há quarenta minutos.

Certo, talvez eu tivesse passado os primeiros quarenta minutos do primeiro dia de aula devaneando, o que não me preocupava, porque não era nem 5% do tempo que eu teria passado devaneando quando o ano acabasse.

Sim, eu era uma daquelas pessoas que nunca faziam lição de casa e vegetavam em metade das aulas, mas que no fim do bimestre não tinham menos de 8.5 no boletim. Vocês podem me odiar agora. Tudo bem.

Entrei na sala da orientadora já dizendo que não tinha sido eu. Como sempre.

— Sente-se — disse ela, me fitando por cima dos óculos. Possuía cabelos cor de fogo e uns trinta e cinco anos. Era ruiva natural, o que era extremamente incomum no Brasil, então eu a invejava um pouco por isso. E por isso, porque o resto da vida dela não me atraía nem um pouco. — A senhorita deve estar ciente do novo programa de intercâmbio do colégio.

— Não — respondi, sincera.

— Bem, agora está. Receberemos nossos primeiros dois alunos hoje, diretamente do...

Não diga nenhum país anglôfono, não diga nenhum país anglôfono, não diga...

—... Tennessee.

Merda.

— Já sei aonde vai chegar, e a resposta é não.

A orientadora — qual era o nome dela, mesmo? Olhei para seu crachá. Não havia crachá — semicerrou os olhos, me fuzilando.

— Essa — ela jogou uma pilha enorme de papéis na mesa. — é a sua ficha. E pela sua ficha, você provavelmente já deveria ter sido suspensa duas vezes. E é exatamente o que a coordenadora ia fazer, mas ela teve outra ideia.

Eu não tinha medo de muita coisa, mas tinha medo das ideias da coordenadora. A velha era totalmente pirada.

— A sra. Calixto começou um programa onde os alunos mais conturbados prestam serviço à escola. E também está escrito na sua ficha — ela me fitou. — que a senhorita fala Inglês fluente.

I should have studied greek, no one would take advantage of that (Eu deveria ter estudado grego, ninguém tiraria vantagem disso) — murmurei.

— Não sei o que disse, mas soa como Inglês.

Bufei.

— Então os gringos merdinhas não falam Português?

— Olhe a boca!

— Vai fazer o quê?! Escrever na minha ficha?

Ela suspirou e contou até dez. Depois disse:

— Eles têm um bom conhecimento da língua, mas imaginamos que se sentiriam mais confortáveis se alguém falasse sua língua materna.

— Claro, porque eu deixo todo mundo confortável — zombei. — Não pode só me suspender?

— Não. Eu disse a Isaac e Emily que você os encontraria em frente à lanchonete no início do segundo tempo.

— Então... Vou perder aula?

Ela assentiu.

— Certo, talvez não seja tão ruim — admiti. O sinal do segundo tempo bateu. — Tchauzinho — levantei-me e saí da sala.

Bianca pulou em mim no caminho.

— Se ferrou? — perguntou ela.

— Quase isso. Tenho que mostrar a escola aos dois alunos novos de intercâmbio.

— Está falando do gringo gostoso e da irmã dele?

— Sei lá. Deve ser.

— Nossa, que tragédia — ela zombou. — Olha, gato, essa aqui é a lanchonete. Olha, gato, esse aqui é o armário de limpeza. Olha, gato, esses aqui são meus lábios. Me beija.

— Você acha mesmo que eu vou agarrá-lo no armário de limpeza? Ou, simplesmente, que eu vou agarrá-lo?

Bianca suspirou e colocou uma mão em cada ombro meu.

— Alli, você tem de abraçar sua vadia interior.

— Eu não tenho uma vadia interior.

— Vamos ver se aquele pedaço de mau caminho ali desperta uma em você — ela fixou-se em um ponto atrás de mim e me empurrou.

Quase voei nas duas figuras paradas em frente à lanchonete. Uma garota um pouco mais alta do que eu, com cabelos louros e olhos verdes. Seu irmão tinha cabelos um pouco mais dourados e olhos acizentados. Usava óculos de aro fino que caíam nele perfeitamente. Vestia uma camiseta do A7X, o que foi uma surpresa ligeiramente agradável, porque eu estava esperando chapéu de cowboy e botas esquisitas.

Hi-i! — a garota sorriu, acenando. O cara mexia intensamente em seu iPhone, pouco se fodendo para o mundo. Estava com os dois fones de ouvido, cantarolando baixinho algo que identifiquei como Lynyrd Skynyrd. — Isaac — Emily deu uma cotovelada de leve no irmão, que xingou-a num resmungo e continuou cantando.— Isaac!

Oh my God, shut up! — ele bufou, mas tirou um dos fones e me fitou por um minuto como se me analisasse. Aquilo me irritou. — You must be Allison. (Você deve ser a Allison)

Gostei de como meu nome soou no sotaque dele. Á-li-san. Muito mais leve e bonito do que o jeito brasileiro de falar.

— Não vou falar com você em Inglês, se vira.

— A diretoria fala muito de você — disse ele com leve sotaque que o fez soar como um bêbado do interior.

Da melhor forma possível.

— Bem ou mal? — tentei.

— Mal. Muito mal. — ele deu de ombros, ainda mexendo em seu celular. — Mas fala. Shit. Agora é que ela vai me largar, mesmo. — apontou para a irmã, que estava falando animadamente com umas três garotas do primeiro ano.

— Isaac, elas vão me mostrar a escola, está bem? — disse Emily e, antes que o irmão pudesse responder, as quatro novas melhores amigas (o que aquelas garotas estavam fazendo fora da aula, afinal?) saíram correndo e rindo pelos corredores.

Isaac bufou.

— Emily é uma chama inquieta, só esperando para atear fogo ao mundo.

Atear — repeti. — Impressionante. Nem eu uso essa palavra.

— E você é algum tipo de referência?

— Vá se foder.

— Eu não sei o que isso significa, mas soa como um palavrão. Então vá se foder também.

Comprimi um sorriso.

— Vamos acabar logo com isso.

—Você pode pular as partes estúpidas do tour — disse ele. — Like, eu sei que ali é a lanchonete, porque está escrito. E conheço a diretoria porque passei a manhã toda preenchendo uma fucking papelada de transferência lá.

— Qual é a sua próxima aula?

Math.

— Matemática.

— Tá aí algo que eu queria perguntar — ele ainda não tinha desviado os olhos do próprio celular. — Like, na América, a gente chama Mathematics de Math. Vocês fazem isso com Matemática? Chamam de Mate, ou algo do tipo?

— Isso seria estranho. Não, nós apenas dizemos todas as sílabas torturantes. Você está em que ano?

— Último. Sala three B.

—Hã... É aquela ali — apontei para a terceira sala do lado direito do corredor. — O professor é muito entediante.

— É um pré-requisito para alguém que quer passar o resto da vida descobrindo quando vale X.

Era engraçado, porque ele falava Português bem, mas parecia ter faltado na aula de números e do alfabeto.

— Me dê essa merda — tirei o iPhone dele, que me encarou como se eu tivesse tirado seu oxigênio. Entrei no Youtube e coloquei em alguma música da Xuxa ou sei lá que repetia o alfabeto sem parar, e pus a música dos patinhos na lista de reprodução. — Pronto. Aprenda a dizer xis e depois venha falar comigo.

— Vá se foder — ele resmungou, puxando o r do final.

O sinal tocou, anunciando o começo da segunda aula.


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