Um presente de Natal escrita por Katsune-chan


Capítulo 1
Um presente de Natal




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Dia 23, 23h49. Em um lugar muito ao Norte e frio, uma casa de três andares desliga as luzes. Todos dormem muito cansados do trabalho que fizeram o ano todo. Menos o misterioso homem sorridente que se espreita para fora da casa...

***

Simultaneamente, em outro lugar do mundo, um casal discute no hall de entrada de sua residência. Ao lado deles, uma menina parece sofrer.

— Snif... Por favor, parem... — Diz a menina, Celeste, de nove anos. É amável e se esforça para ser uma boa filha. Odeia ver brigas, como a que está acontecendo agora, principalmente quando acontece entre seus pais.

— Você sempre faz isso! Passa o ano inteiro com seus malditos casos e quando chega o Natal quer comemorar conosco, como se nos tivesse visto todos os dias do ano! — É a mãe, Fabrícia, que se preocupa muito com a filha e que queria a família sempre reunida. Quando está sobrecarregada de trabalho, faz o máximo para estar perto da família, mesmo levando parte dos afazeres para casa. Infelizmente, o marido não pode fazer o mesmo.

— Sei como preza por nos manter unidos, mas você sabe que minha profissão nem sempre permite isso! — É o pai, Carlos Machado, um inspetor de polícia famoso por solucionar casos difíceis, desde simples furtos a homicídios. Por seu trabalho ser cada vez mais reconhecido, está ficando mais atarefado e com menos tempo para sua família. —Por que você acha que estou tentando, pelo menos, passar o Natal em casa?!

— Chega! Não vou mais aturar isso. Vamos, filha! — Fabrícia pega sua mala, abre a porta da casa, e puxa a filha para o táxi que as espera do lado de fora.

— Por favor! Deixe-me mais uma vez tentar consertar as coisas neste ano. — Diz o homem, implorando de joelhos.

Mas a mulher não se vira. Ela segue firme seu caminho, deixando uma lágrima escorrer por seu rosto.

***

Três dias depois, uma delegacia está agitada. Machado foi chamado por seu chefe para falar sobre um estranho incidente, onde suas habilidades são necessárias na solução do caso. Ele entra em uma sala com janelas fechadas por persianas. É o escritório do delegado.

—Oh, Machado! Que bom que respondeu ao meu chamado! — É Batista, o chefe da delegacia. Um senhor de meia idade um pouco rechonchudo e brincalhão. Acompanha Machado desde que este iniciou sua carreira.

— Como não responder se um grande amigo meu precisa de socorro? Qual é o incidente?

— Talvez não acredite em mim, mas neste ano todas as crianças do mundo não receberam presentes!

— Do... mundo todo?

— Sim! — Diz, puxando Machado pela gola, e começa a se exaltar. —Que sacrilégio, coitadas delas...! — Rodopia pelo gabinete, atraindo olhares curiosos dos que passam pelo corredor.

— Acalme-se, Batista. Sei que você adora crianças, mas isso não é o fim do mundo. Será que os pais que não compraram presentes por estarem atarefados? — As lembranças de três dias atrás voltam. Seu olhar fica vazio, mas disfarça.

— Claro que não! É o Papai Noel quem faz as entregas! Sua filha não recebeu presente?

— Não sei... Eu e minha esposa discutimos na noite do dia 23. Desde então, não vejo mais as duas...

— Oh, sinto muito... Mas realmente preciso que você veja isso.

Para fazê-lo entender, Batista liga a televisão.

“Ontem, crianças do mundo inteiro não receberam presentes. Nossa equipe entrou em contato com nossos correspondentes, que confirmaram esse estranho acontecimento. Alguns países já enviaram equipes de investigação para o escritório oficial do Papai Noel, no Polo Norte, na esperança de solucionar o caso. Testemunhas informaram que o Papai Noel também sumiu, mas as renas e o trenó permaneceram no celeiro. Ontem a presidente decidiu também enviar uma equipe para a Lapônia finlandesa.”

— Entendeu a gravidade?

— E onde entro nessa história? Não me diga que...

— Sim. Enviaram um chamado presidencial para cá. Você deve ir para o escritório oficial do Papai Noel hoje para participar das investigações. As passagens serão custeadas pelo governo.

— Maldição!!!

O homem bate com os punhos cerrados na mesa, enquanto tenta conter as lágrimas.

— Sinto muito, mas são ordens dos superiores.

Então ele teria mesmo que investigar algo que nunca viu e nem sabe se existe? E, se existisse, que diferença faria? Não tem mais família, nem luz na vida. Depois daquela noite, seu coração se encheu de vazio e solidão. É aquele o presente do Papai Noel para quem não se comportou direito o ano todo? Por não ter sido um bom marido e pai? E, somente porque superiores ordenaram em um momento em que as suas crenças foram destruídas, teria que se encontrar justo com a que lhe presenteou com desgraça? É isso que o destino lhe reserva? Mais dor?

— Deixa para lá. — Machado se recompõe — Que diferença faz ir ou não ir? Não tenho mais esposa para reclamar que trabalho demais... — O homem riu melancolicamente.

***

— Eis as passagens. O voo sairá às 20h.

— Duas?

— Samir o acompanhará. Ele será seu assistente, tendo em vista a probabilidade de serem mesmo só vocês dois.

Um rapaz abre a porta da sala do chefe. É alto, magro, moreno. Tem curtos cabelos escuros e a franja repartida ao meio. Seus olhos são castanhos, cobertos por óculos de armação ovalada. Parece tímido e retraído, mas é só impressão.

— Bom dia, chefe e inspetor Machado. Sou Samir, muito prazer. — Estica a mão para cumprimentar o inspetor.

— Espera! Só nós dois?! — Machado puxa, com raiva, o chefe pela gola, ignorando Samir.

— Claro que sim! Não recebi informações de outras delegacias sobre o chamado, então serão só vocês dois! Além disso, os outros investigadores daqui estão atarefados! E não ignore o garoto! Olha só, você o fez chorar!

Em um canto da sala, agachado, Samir chora feito criancinha.

—... Desculpe-me, Samir. O prazer é todo meu.

— B-b-b-buááá! — Fica tão contente que pula em Machado.

— Idiota, solte-me! Pare de esfregar essa cara molhada na minha roupa! Eeei, tenho cara de pano para assuar o nariz em mim?!

— Atééé!

— Batista de uma figa! Um dia você vai ver!

O chefe os empurra para fora da delegacia, enquanto as pessoas ao redor não param de rir do escarcéu que Machado faz. Abana um lenço branco em sinal de despedida e fecha a porta.

***

À noite, a dupla vai ao aeroporto e pega o voo para Helsinki, Finlândia. Embarcam no avião sem muitas dificuldades, apesar de, no caminho, Samir ter parado na maioria das lojas dentro do aeroporto e ter se atrapalhado para encontrar o portão de embarque.

— É a minha primeira vez indo para o exterior. Para mim, isso tudo está sendo muito emocionante!

— É mesmo? — Machado diz desanimado. Achava que Samir fosse uma pessoa calma, mas foi cansativo acompanhar alguém cheio de energia como uma criança. E não parava de falar...

— Gosto muito do Natal. Minha família é grande, e só assim que conseguimos reunir todos. Que pena isso acontecer... Meus priminhos ficaram tristes, mas tentei animá-los com brincadeiras. E o seu Natal, inspetor?

— Passei sozinho, numa casa imensa e solitária. Minha mulher me chutou e levou minha filha junto. Uma droga de Natal... Acho que nunca fiquei tão bêbado como naquela noite.

— S-sinto muito, inspetor. Não quis magoar, fazendo-o se lembrar dessas coisas...

— Esqueça, você não tem nada a ver com isso. Aliás, não me chame de inspetor. Não quero alarmar os outros passageiros.

— C-certo...

Machado fecha os olhos e se culpa. Samir estava contente falando sobre seu Natal e ele tirou sua alegria ao desabafar. Mais que isso: fez de propósito, para machucar, pois invejava sua família, sua felicidade. No entanto, queria que alguém o compreendesse. Sabia que sozinho não conseguiria suportar aquela dor. Precisava falar, mesmo custando o sorriso de alguém. Depois de tanto pensar, o inspetor dorme um sono sem sonhos.

***

No dia seguinte chegam ao destino. Foi uma longa viagem cansativa de duas conexões. Nos aeroportos em que desceram, Samir queria visitar as lojas, o que Machado evitou, para não perder os embarques. Ainda conversava com todos que encontrava no caminho: comissários de bordo, aeroportuários, até outros passageiros. Esgotara o inspetor. Perguntaram o motivo das roupas pesadas e o que fariam quando chegassem à Finlândia. Samir por diversas vezes quase revela a missão deles, mas Machado, “gentilmente”, consegue evitar expor-se demais. Ao menos, terão tranquilidade em Helsinki. Ou não.

— Inspetor, não precisava ser grosso! Já tinha uma desculpa na ponta da língua! — Samir puxa sua mala da esteira do desembarque.

— Cale-se, imbecil! Não dá para relaxar quando você provoca a situação e quase estraga tudo! E me chame de Machado!

— T-tá, ins... — o outro quase o fuzila com o olhar — Digo, Machado. É meio-dia, o que faremos?

— Vamos encontrar nosso intérprete.

As portas do setor de desembarque se abrem e os dois avistam um rapaz mais alto, de cabelos loiros muito claros, e olhos azuis transparentes como água cristalina. Aparenta ser calmo e usa gorro e casaco grosso acolchoado. Ele aguarda algum passageiro, segurando uma placa com o nome de duas pessoas.

— Veja, deve ser ele. — Machado se aproxima do rapaz — Com licença? Eu sou o inspetor Carlos Machado e este é o Samir. — Estica a mão para cumprimentá-lo.

— Oh, muito prazer. Sou Onni Halla. Acompanhá-los-ei como intérprete. — O rapaz responde ao cumprimento — Vão agora ao escritório oficial do Papai Noel?

— Sim. Qual o melhor trajeto?

— Podemos ir de trem, se não se importarem do percurso maior. Tem um que parte agora, mas chegaremos somente à noite.

— Pode ser. Quanto mais rápido, melhor.

O estômago de Samir ronca.

— Q-que tal uma pausa rápida? Nós ainda não almoçamos. E você, Onni?

— Tudo bem. Até porque vocês parecem cansados. Já vi quais são os horários disponíveis para o trem, e creio que o melhor seja pegarmos o que vai direto para Rovaniemi. Além disso, quanto menos transferências de ônibus e trens, melhor. Também é melhor pegarmos o trem expresso, que tem vagões-dormitórios de dois andares. O único que se encaixa nisso é o das 22h, chegando ao destino pela manhã.

Parecendo enérgico, ia mostrar o smartphone para os dois, mas vê que o olham como se não tivessem entendido nada do que falara.

— V-vocês não estão mesmo nada bem... Então, vamos à seção de restaurantes comer!

Após parar de falar, Machado, que pensava que os finlandeses fossem acanhados e taciturnos, quase desmaia. Iria aguentar a “criança” Samir e ainda outro companheiro alegre demais. Definitivamente a sorte não está do seu lado.

***

Os três passam aquela tarde no aeroporto. Já compraram as passagens com seu próprio dinheiro. Depois do almoço, Samir explora o lugar conversando com Onni. Machado se sente como um pai levando crianças ao passeio no shopping. Nada mais humilhante para um homem de quarenta anos estar acompanhado por dois marmanjos de trinta que não agem como adultos. Ainda por cima, em um aeroporto, onde pessoas do mundo todo podem postar a cena em redes sociais.

À noite, embarcam no ônibus onde trocam para o trem expresso. Seguem ao vagão-dormitório, ao compartimento das famílias.

— Comentava com Samir que é triste o Papai Noel ter desaparecido... — Diz Onni — Mesmo morando relativamente perto, só percebi ontem. É que não tenho mais tanto contato com parentes distantes, então não soube do sumiço dos presentes... Apesar disso, meu Natal foi bom. Reuni-me com meus pais, depois de trabalhar o ano todo.

Isso relembra Machado daquela noite e o irrita.

— A-acho que é melhor não falar isso...

Onni ignora Samir e continua falando.

— E seu Natal, inspetor?

Machado soca a parede do vagão. Onni cutuca sua ferida e ainda fala de lembranças felizes em uma época que lhe fora triste. Além disso, possui olhos angulares e pequenos, e o rosto triangular. A perfeita expressão de uma hiena, prestes a debochar do sofrimento alheio, como se fosse divertido magoar. Esse é mais irritante do que qualquer criança hiperativa.

— E-esse soco foi forte! Ainda bem que não danificou... V-você está bem? — Onni percebe finalmente aquele comportamento alterado.

— P-perdoe-o! O inspetor brigou com a esposa perto da véspera de Natal, então passou o Natal sozinho...

— Cale-se! — Machado se acalma — Digo, já te disse para não me chamar de inspetor. Onni, peço desculpas.

— Eu é que devo me desculpar. Não sabia disso. Sinto se minhas palavras trouxeram tristes recordações.

Por um momento, Machado se pergunta se Onni realmente sentia.

— Não é culpa sua. Se discuti com minha esposa, foi um erro só meu. Não posso descontar em outros — “Mesmo que desconfie das pessoas”, pensa por um momento — Assim como você, também não vi minha família direito o ano inteiro, mas no caso de pai e marido é mais imperdoável do que no de filho, não? Afinal, espera-se que os filhos, ao adquirirem sua independência, partam de casa; mas um esposo e pai não deve fazer isso, senão é abandono.

Há um silêncio mortal. Onni não vê problema; sabe que calar-se é melhor do que dizer besteiras. Já para Samir aquilo é opressor, mas não sabe como quebrar o gelo.

— Inspetor, “Onni” significa “bendito”. Espero que contribuindo nesta investigação, eu possa lhe transmitir sorte e você recupere sua família. — Dá-lhe um sorriso sincero.

— Obrigado.

Samir apaga as luzes, aliviado por o clima não estar mais pesado. Eles dormem e se preparam para enfrentar a investigação no dia seguinte.

***

Chegam a Rovaniemi às 10h40 do dia 28. Saem da estação e pegam um ônibus para o Santa Park. Lá, deparam-se com um portal colorido de vermelho, verde e dourado.

— Então aqui é o escritório oficial do Papai Noel! Mas eu sempre achei que ficasse na Groelândia.

— Na verdade, a casa dele fica aqui, no Círculo Polar Ártico, na Lapônia. Pode parecer só um parque, mas é a real localização de sua moradia. — Diz Onni orgulhoso. — É a primeira vez que venho. Quando criança meus pais eram atarefados e não dava tempo. Depois, eu também fiquei abarrotado de trabalho. Quem diria que quando adulto realizaria meu sonho de infância...

— Parque... Então precisaremos de ingresso? — Samir fica preocupado. E se fossem bloqueados logo no início da investigação?

— Há! Este é o ingresso! — Machado mostra uma carta de autorização recebida ainda no Brasil.

Dirigem-se à casa principal. É grande, extensa, colorida, possui três andares e seu telhado está coberto de neve. Aproximam-se da soleira e ouvem um burburinho vindo de dentro da casa. Abrem a porta e veem equipamentos sofisticados na sala principal. Várias pessoas de diferentes nações correm de um lado ao outro falando diversas línguas. Lembra uma “casa da mãe Joana”, coberta de cabos que alimentam seus computadores. Se para uns é a reunião dos mais complexos sistemas de última geração, para outros é um monstro de filmes de terror e ficção científica.

— Bem-vindos. Precisam de ajuda?

Um homem baixo e magrelo aparece na frente deles. Seus olhos e cabelos são negros. Usa uma blusa verde com gola até o pescoço, uma touca vermelha na cabeça, e um par de botas bege que cobrem as calças. Suas orelhas um pouco pontudas se mexem.

— Não vão responder? O gato comeu suas línguas?

“Que grosseria...” Pensam os três.

— Somos da equipe brasileira de investigação: detetive Carlos Machado e Samir. Eu sou Onni Halla, o intérprete deles.

— Hunf, não precisam disso aqui. — Diz o duende.

Onni sente uma pontada no peito.

— Todos desta casa podem falar quaisquer línguas. — Responde-os em inglês — Enfim, prazer. Sou Mustanen, o secretário do Papai Noel. Os que estão abarrotando este lugar e correndo daqui para lá são investigadores de outros países. Tem até de países que não comemoram o Natal. Bom, arrumem suas coisas e façam logo seu trabalho.

Dá uma longa olhadela nos três e em seus pertences. Uma mala, e duas mochilas. Não parecem trazer equipamentos para investigações. Além disso, estão em um grupo minúsculo.

— Cadê seus materiais?

— Ah, nós não temos... — Antes que pudesse concluir, Samir recebe do inspetor uma cotovelada no estômago.

— Precisamos apenas da nossa mente funcionando e de luvas para coleta materiais. Testemunhas e uma boa olhada no local serão suficientes.

— Pfff...! — Ri tão alto que os outros investigadores param seus trabalhos para olhar a cena — Só precisa de uma boa averiguação e de sua mente?! Você se acha muito prepotente, não? — De uma postura de escárnio, muda para uma ameaçadoramente agressiva — Pode ter acontecido um crime aqui, compreende?! — Sua voz soa firme e a expressão dura, mas percebe-se que tenta conter algo. Recompõe-se — Bem, os detetives são vocês; devem saber o que fazem. Como acabaram de chegar, saibam que reservamos o Santa Claus Village para os “senhores investigadores” se acomodarem.

Sai para um dos corredores da casa, porém o estrago já foi feito. Os outros já sabem quem são o trio e das suas precárias condições de trabalho. Alguns se compadecem, outros ignoram, ou tentam abafar risos de zombaria. No fundo, todos sabem que são pobres coitados abandonados em terras geladas.

— Sempre simpático... Não liguem. Ele é assim com todos.

Uma mulher se aproxima. Tem estatura mediana, é esbelta. Suas madeixas cor de mel prendem-se em um coque atrás da cabeça. Seus olhos azuis acinzentados lembram um céu tempestuoso. Aparenta ter entre trinta e quarenta anos, e veste blazer e calças cinza-escuros.

— Sou Marianne, da equipe americana. Soube que chegariam hoje, representando o Brasil. Muito prazer. — Cumprimenta-os — Vocês, novatos, precisam saber de algumas coisas. Devido à grande quantidade de material a investigar, decidimos na nossa primeira reunião que faríamos um grupão internacional, dividindo as tarefas. Esta casa tem quatro setores: comunicação, que mantém todos informados dentro da casa e durante a entrega de presentes no natal; produção, subdividida em cartas, design, fabricação, e empacotamento; transporte, que faz a manutenção do trenó, cuida das renas e ajuda o Papai Noel nas entregas; e suporte, que cuida de cozinha e limpeza, e passam recados entre setores ou servem o Senhor Noel. Vocês cuidarão das testemunhas dos setores de produção, transporte e suporte. Algumas câmeras já foram verificadas, contudo não custa investigar mais a fundo. Como fui escolhida a líder, podem falar comigo se precisarem de algo. Cada setor tem um chefe, então podem recorrer diretamente a eles. Mustanen é o superior direto dos chefes de setor, e o superior de todos é o Senhor Noel.

Depois desse longo discurso, a mulher sai. Vê-se fumaça saindo da cabeça dos três. Ela dá tantas indicações que parece impossível lembrar-se de tudo.

— Então, primeiro ao setor de produção. — Machado sorri em resposta ao desafio.

***

O setor de produção fica atrás da propriedade, em um enorme galpão conectado à casa principal por um longo corredor. Podem ver a neve caindo silenciosamente do lado de fora através da parede de vidro. Aquele lindo espetáculo branco é acompanhado de uma fraca luz alaranjada ao horizonte. Afinal, nessa época do ano a luz quase não chega, tornando os dias semelhantes à noite.

Chegam finalmente ao galpão, como indicado no mapa da casa, entregue anteriormente por Marianne. Lá veem várias esteiras paradas e máquinas gigantescas. Os duendes parecem deprimidos. Alguns levam materiais para o depósito. Outros respondem a perguntas de outros investigadores. Aquele lugar, que outrora deveria parecer cheio de vida com sua decoração natalina, agora está morto e deprimente.

Uma duende passa por eles. Seus cabelos castanho-avermelhados prendem-se em duas tranças. Sua roupa lembra a de Mustanen, porém a blusa é vermelha e usa um avental bege, uniforme dos produtores. Diferentemente dos outros daquele setor, traz um crachá no pescoço com uma estrela emoldurando sua foto.

— Com licença, você é a chefe de setor? — Machado pergunta.

— Desculpe. Não entendi o que disse.

Machado reflete. “Então Mustanen não só era antipático, como passou informações erradas sobre seus subordinados?”

— Não é que não fale inglês, mas não tenho muita prática auditiva. — Cora um pouco. — Sou Beth, chefe do setor de produção. — Fala agora em finlandês.

— Posso conversar com ela. De fato minhas habilidades se fazem necessárias aqui, hu, hu, hu... — Onni vira-se para Beth — Sou Onni e eles, inspetor Machado e Samir. Pode nos dizer o que houve na última vez que viu o Papai Noel?

Enquanto Beth conta tudo o que sabe, Onni a intermedia com o inspetor e seu assistente. Realmente, o seu superior foi visto pela última vez naquele dia. Até às 23 horas, o setor finalizava os presentes. Ela se lembra de o secretário e o Senhor Noel terem passado lá para averiguar por volta de 23h15. Estavam todos contentes por terminar tudo antes da véspera. Depois, desligaram as luzes, fecharam o local e todos foram dormir.

— No dia seguinte fomos buscar os presentes para preparar o trenó, mas eles sumiram. Logo depois, o secretário anunciou no autofalante interno que o Papai Noel não estava em seu quarto. Procuramos por ele freneticamente, e a equipe de transporte achou que as renas tivessem sumido, mas viram elas e o trenó lá. Esperamos até o dia seguinte para ver se não era alguma traquinagem, mas ele não apareceu...

— Estranho... Não faz sentido desaparecer, mas deixar o trenó e as renas aqui... — Machado vê Samir mexendo em uma das máquinas — Seu idiota, não mexa nas evidências tão despreocupadamente!

— Inspetor, veja o que achei!

Samir corre segurando algo entre as mãos. Machado veste suas luvas. Não pode contaminar uma prova.

— Um pedaço de pano vermelho...?

— Pelo tecido parece ser do gorro que nós duendes usamos, mas não sei de quem pode ser... Ah! Na sala de vigilância, talvez as câmeras nos mostrem algo!

Sobem as escadas de metal e entram em um cômodo pequeno com ampla janela, de onde se pode ver o galpão inteiro. Em outro canto, há computadores e uma mesa com vários botões. Beth aperta um deles e mostra as gravações do dia 23, concentrando-se no período das 22h à 1h do dia seguinte. Demoram-se observando. Aquele é um trabalho que exige paciência, o que eles têm de sobra.

— Não aguento mais, inspetor...

— Então saia e não atrapalhe, Samir! — Mal grita, Machado vê uma imagem escura em um dos vídeos. — Pare isso.

— Achou algo, inspetor? — Pergunta Samir.

— Uma sombra...? — Comenta Onni.

Na gravação da porta de entrada do galpão, vê-se alguém, um pouco baixo, carregando o que parecia ser sacolas. Aparenta usar um gorro e ser um pouco rechonchudo.

— Reconhece-o?

— Não... — responde Beth — Como as luzes do galpão estavam apagadas, fica difícil identificar...

— Mesmo assim é uma pista! Na próxima reunião, vamos relatar isso! — Samir se anima. Parece que as coisas estão caminhando.

***

Eles ficam com uma cópia da fita para a discussão daqui a três dias. Passaram a noite no vilarejo perto dali, indicado por Mustanen, e cada grupo tem sua casa. Machado não descansou direito pensando naquele caso. Alguém rechonchudo furtou os presentes... São poucas pistas, mas talvez em breve as coisas comecem a se encaixar.

Estão no setor de transporte, fora da casa. Foi um pouco complicado chegar devido à neve espessa sob seus pés. Semelhante ao outro, este setor se acomoda em um galpão, mas muito maior que aquele. Na frente vê-se o trenó e uma estrutura de oficina mecânica. Ao fundo há um celeiro, onde estão as renas.

Falam com o responsável pelo setor, Yuri. Ele é um pouco mais alto que Mustanen, usa goggles preto e verde na cabeça e tem cabelos castanho-claros espetados.

— Naquele dia nós fizemos os últimos ajustes e polimos o trenó. As renas dormiram antes da gente. No dia seguinte ouvimos o alarme do secretário e viemos checar se o chefinho não começou seu trabalho mais cedo. Só que tudo estava intocado! Já as renas pareciam meio agitadas...

Yuri mostra o celeiro. Uma das renas está chorando.

— Rudolph, não fique assim. Veja, esses são os investigadores Machado, Samir e o intérprete Onni.

— Prazer, chuif. Sou Rudolph, a rena do nariz vermelho.

“Ela fala!” Os três pensam surpresos.

— Posso afagar sua cabeça? — Samir diz com os olhos brilhando.

— Perdoe-nos por isso. Pode nos dar seu testemunho? — Interroga Onni.

Enquanto Samir abraça, Rudolph comenta o mesmo que Yuri.

— Ele sempre fala que gostaria de descansar, mas não sumiria assim sem avisar...

***

É véspera do ano novo e a equipe brasileira participará de sua primeira reunião.

Enquanto caminha para a sala principal, Machado pensa no significado das palavras de Rudolph. Descanso? Será que o Papai Noel fugiu de seus afazeres? Não, seria muita irresponsabilidade. Mas e o recado? Fora que a gravação mostra um homem um pouco mais baixo... Talvez quem investigou o setor de comunicações saiba algo. De qualquer forma, aquela hipótese podia ser descartada. O Papai Noel nunca abandonaria sua tarefa por lazer.

— Então, o que descobrimos até agora? — Marianne bate na mesa com furor. Tem o perfil de líder, pois consegue animar os outros, com olhos vivos como os de raposa. No entanto, parece ser um pouco autoritária.

— Na suíte de Noel encontramos um azulejo da parede quebrado perto da pia e com vestígios de sangue, e fios de cabelo na tesoura dentro do armário detrás do espelho. — diz um rapaz moreno.

— E vocês do Brasil?

Machado relata sobre o homem misterioso da fita, o pedaço de pano vermelho e o comentário da rena.

— Talvez haja algum recado dele. O que se sabe do setor de comunicações? — Finaliza.

Levanta uma moça oriental, que sequer dirige o olhar para Machado.

— Nós checamos as gravações de três dias antes e depois do incidente, e tinha apenas as dos próprios duendes, com orientações sobre produção e transporte de materiais. Do senhor Noel, só há as instruções costumeiras para os ajudantes. Nada comprovando sua suposição. — Lança-lhe um olhar.

— Sendo assim, só posso concluir que havia outra pessoa, de gorro, interagindo naquele dia. Ele atacou o Papai Noel no banheiro. Houve briga, explicando o azulejo trincado e a marca de sangue. Talvez o tenha forçado a cortar seu cabelo para evitar que fosse reconhecido ao fugir. Foi ao galpão de produção e saqueou os presentes, mas quando passou pelas máquinas, sua roupa rasgou, explicando o pano. Em suma: sequestraram o Papai Noel. Nosso culpado pode ser alguém de dentro, ou está rondando pelo mundo. — Concluiu Marianne.

Jornais de diversos países são avisados e anunciam o sequestro. Polícias do mundo inteiro são alertados para reconhecer o idoso. Enquanto isso, no caminho para casa, uma menina passa por uma loja de eletrodomésticos e vê, em uma das televisões, a reportagem, que trazia os nomes dos investigadores participantes.

— Papai...

***

Depois da reunião, todos voltam para os alojamentos para uma pausa. Em breve será meia-noite, então tentam comemorar animados pela virada. Tentam.

— Faltam quinze minutos, inspetor! Pegue as suas uvas!

— Obrigado, Samir, mas não quero. — Responde na lata.

— Vamos... Pode não ser a melhor comemoração, mas estamos nos esforçando. Você tem que fazer “o seu pedido”, não é? — Onni tenta ser otimista e lhe entrega três uvas.

Machado não recusa, porém não acredita mais nessas baboseiras de desejos. Caso se realizassem, desejaria sua família de volta, mas ele é realista. Uma vez partido, é muito difícil reatar um laço.

Sai do chalé. Do lado de fora, há outros investigadores conversando. Enquanto caminha a esmo, pensa se devia considerar o que Onni disse. Talvez ele não seja ruim. Quanto a Samir, mesmo parecendo um fardo, suas besteiras lhe trazem algum conforto. Para quando vê uma mulher olhando céu.

— Olha se não é a Marianne.

A mulher se vira de supetão.

— Que susto, inspetor Machado! Não chegue silencioso como um fantasma!

— Posso tentar... — “Mesmo me sentindo como um”, pensa — O que faz aqui? — Pergunta sem má intenção.

— Por que quer saber? — Desconfia.

— Vi que observava o céu. Por que se fixar tanto nele?

— Não lhe interessa. — Percebe o veneno de suas palavras e se arrepende. — Apreciava a beleza da aurora boreal e me lembrei de algumas coisas.

— Entendo... — Diz com tom triste.

— Saiba que sou casada. Não conseguirá nada comigo com uma aproximação desse tipo.

— Quê?! Não tenho segundas intenções! Além disso, também sou casado! Ou era...

— Como assim?

— Não gosto de relembrar, mas tive uma discussão e minha esposa me chutou.

— Você não tem mesmo jeito com mulheres! — Começa a rir — Voltando à realidade, sinto pelo ocorrido. Lembrava-me da minha família. Tenho dois filhos que logo perceberam algo estranho neste Natal. O mais novo e sensível ficou triste quando confirmaram que eu viria para cá. Prometi-lhe que voltaria logo, e resolveria o caso! — Falou com convicção — Afinal, é meu dever como líder do grupo salvar o Natal das crianças do mundo todo! Mas parece que vai demorar... Pareço forte, mas na verdade estou desesperada para retornar.

— Não se preocupe. Resolveremos o caso o mais rápido possível.

— Obrigada. — Ela vê as uvas na mão dele — Espero que seu desejo se realize.

Ele agradece e engole as uvas, desejando voltar para sua família.

***

No dia seguinte voltam ao trabalho. Enquanto Marianne manda um grupo verificar as digitais da tesoura encontrada e os gorros, a equipe de Machado investiga o setor de suporte. Eles se separam: Samir e Onni checarão a cozinha e Machado, os assistentes da limpeza. No corredor do terceiro andar da casa principal, o inspetor vê um duende muito baixo sair de um dos quartos.

— Sabe onde encontro o chefe do subsetor de limpeza?

O duende vira-se assustado. Veste um avental azul-marinho e segura uma vassoura. Sua franja escura cobre seu rosto, mas é possível perceber a expressão serena de quem já viveu muito, mesmo parecendo um menino.

— Você deve ser quem investigará o setor de suporte. Sou Markkus, o chefe da limpeza. Este é o quarto do Senhor. Entre, vamos conversar.

Machado obedece. É um quarto médio, com a parede decorada em vermelho e verde. A cama é grande e à sua frente tem um armário de mogno escuro. Markkus fecha a porta e permanece de pé, olhando a cama.

— No dia 24, o secretário acordou pressentindo algo ruim e veio para este quarto fazendo muito barulho. Como durmo perto daqui, acabei despertando. Quando ele abriu a porta, vimos a cama feita, como se ninguém tivesse dormido aqui. Ele achou que o Senhor tivesse nos abandonado e abriu a porta do armário. — Dirige-se para o móvel e reproduz o movimento — Parecia organizado como sempre, mas algumas roupas sumiram.

Machado examina o armário. É como Markkus disse: sem outras marcas, perfeitamente limpo. Apenas se nota alguns espaços vazios no cabideiro e nas gavetas. Contudo, o quarto era uma suíte.

— Viram o banheiro?

— Não. Mustanen ficou tão chocado, que correu direto para o setor de comunicações para anunciar o sumiço Dele.

— Esse Mustanen parece ter se importado exageradamente com isso...

— Como foi encontrado abandonado pelo Senhor em um dia de Natal, desde então tem todo esse carinho; mas por causa do seu histórico, teme outro abandono. Se bem que eu não esperava um comportamento tão agressivo... Desde aquele dia que ele está mal-educado daquele jeito. Parece-me até um amor doentio...

Aquela evidência fica gravada na mente do inspetor.

Enquanto isso, Samir e Onni estão na cozinha conversando com o chefe de subsetor Anthonny. É rechonchudo e baixo. Veste um uniforme branco de chef e parece ser muito detalhista.

— Que cheiro bom... — Comenta Samir.

— Claro que é. O chef desta casa é Anthonny, e meu faro nunca falha.

— O senhor viu algo suspeito naquele dia? — Pergunta Onni.

—Naquele dia em específico, não. Fiz o jantar como sempre. Já no dia 24, fui para a despensa pegar os ingredientes para fazer o café-da-manhã, mas reparei que as carnes sumiram, desde linguiças e salsichas, até...

— J-já entendi, chef Anthonny. Obrigado, mas já vamos.

Onni puxa Samir antes que o duende não os deixasse mais sair. Tentara entupi-los com diversas comidas, mas estavam realmente satisfeitos. Correm e só param quando chegam ao salão principal, onde estão os outros investigadores.

— Ah... Estava tudo tão bom...

— Mas sua barriga está quase explodindo! — Onni não consegue conter o riso, fazendo Samir corar constrangido — Você parece um amigo meu da época da faculdade. Ele também era muito engraçado! Isso me lembra de que fazia parte de um grupo que pesquisava sobre o Papai Noel, porém saí por eles serem muito fanáticos.

— Será que o culpado é desse grupo?

— Hum... Existem outros além daquele, e não acho que chegariam a ponto de cometer violência. Eles nunca machucariam o Papai Noel.

Nesse momento, Mustanen passa e Onni percebe algo: seu gorro tem um furo.

— Já volto. Preciso relatar algo à líder.

***

Três dias depois, os investigadores se reúnem. A análise das digitais da tesoura concluiu que pertenciam a Mustanen, enquanto que as bordas do pano vermelho batiam com a marca de rasgo de seu gorro. No mais, o duende vinha tendo um comportamento estranho. Em vista disso, ordenaram sua prisão preventiva para que não interferisse na investigação, já que era suspeito de furto seguido de sequestro. O motivo: uma paixão doentia pelo Papai Noel.

***

A maioria pensava que o caso estava concluído, tanto que alguns fizeram as malas para voltar para casa, não fosse a convocação para uma reunião emergencial.

— Interroguei ontem o suspeito e concluo que ele não é quem procuramos.

Ouve-se um burburinho na sala. Como não é ele?

— Acalmem-se. Em seu depoimento, Mustanen disse que costuma cortar o cabelo do Papai Noel com aquela tesoura, explicando as digitais, mas nunca atentaria contra ele. Já o rasgo no gorro ocorreu no dia 21, durante a inspeção da produção, quando um duende tropeçou e quase o atropelou com um carrinho cheiro de presentes. Então, ele pulou para não ser atingido, e o gorro caiu em uma das esteiras, sendo prensado por uma máquina. Aqui estão as gravações daquele dia e uma testemunha do setor de produção para confirmar. Ela estava trabalhando naquela esteira quando viu o que aconteceu. Podem soltar o secretário.

Muitos ficam incrédulos. Machado errou? A pista era falsa? Quem é o culpado? Nesse momento, Onni tem um estalo. Talvez aquela hipótese tivesse sido descartada, mas e se fosse a pista correta?

— Marianne, poderia me dar permissão para investigar o setor de comunicações?

Mustanen, que acaba de ser libertado, vê quando Onni faz o pedido e o segue. Algum tempo depois, Machado nota o sumiço do rapaz e pede para Samir procurá-lo.

***

Samir procurou pela casa toda. Já estava arfando, quando decide subir novamente para o terceiro andar e vira para um corredor de iluminação fraca. Evitou aquele lugar por dar medo, mas foi o único não visitado. Entra e vê diversos computadores e telões. Na frente de um deles está Onni.

— Onni? O que faz aqui?

— Oh, é você! Lembra-se de quando a rena comentou sobre o Papai Noel deixar um recado se fosse sair? Estou vendo se não há algum neste setor.

— Um dos grupos já não investigou isso?

— Sim, mas minha intuição diz que a resposta está aqui. Só não consigo achar... Não tem mesmo nenhuma mensagem que se encaixe nessa suposição... E olha que procurei nas gravações de mais de dois dias atrás do que aquele grupo...

— E se tentar esse botão?

— N-não, isso é...!

Onni tenta avisar, mas Samir é mais rápido. A princípio, nada de estranho acontece.

— Seu idiota! Ué...? Achei que... — Onni parece nervoso e Samir lhe olha com ar interrogativo — Nada, esquece.

Desligam os computadores e saem. Logo depois, uma sombra se espreita para fora.

***

Durante a reunião rotineira, Marianne abre a mesa para alguém falar: é uma acusação.

— Eu, Mustanen, acuso Onni de ter ligação com o sequestro do senhor Noel.

Machado levanta-se bruscamente da cadeira. Onni congela.

—Três dias atrás, logo após ser libertado, ouvi Onni pedir à líder para investigar o setor de comunicação. Estranhei, pois aquela área já foi vista, então o segui. Ali, percebi que ele mexia nos computadores. Aparentava ser uma investigação normal, mas percebi que algumas gravações, que já tinha ouvido em outras ocasiões, pareciam estar sendo adulteradas.

Muitos ficam chocados. Machado olha incrédulo para Onni, que está tremendo de medo.

— Tenho quase certeza que foi ele. Convoco Samir como testemunha.

Dois homens corpulentos puxam Samir para frente da sala, que, surpreso, tenta se soltar.

— Naquele dia, vi que Samir entrou, logo depois de mim, naquele setor. Por que você foi lá?

— Hein? Fui porque o inspetor me pediu para procurar por Onni.

Machado sente seu peito pesado: culpa. Por ter mandado Samir procurá-lo, em vez de ele próprio ter ido; por não ter conseguido evitar que Samir testemunhasse; e principalmente por Samir ser a testemunha, logo alguém que com certeza falaria algo incriminador, mesmo que sem má intenção e que o acusado não tivesse a menor ligação com o caso.

— O que você viu?

— O-onni investigava os computadores, só isso.

— Pode provar isso e que ele não alterava as gravações?

Samir se cala. Não tem como provar. Além disso, naquele momento em que apertou o botão, Onni pareceu saber como aqueles computadores funcionavam. Em todo caso, a dúvida estava plantada.

— Acha que ele teria algum motivo ou ligação com o caso?

— Não. Ah, mas ele me disse ter participado de um grupo que pesquisava sobre o Papai Noel. Talvez eles saibam...

Não consegue terminar. É a pista que coloca Onni como suspeito. Aqueles mesmos dois homens puxam o rapaz.

— E-esperem! Não tenho relação com o caso! Sou inocente!

— Se for mesmo, as provas mostrarão. — Responde Marianne, tentando não parecer abalada.

Enquanto é levado, Onni berra para Machado, que tenta livrá-lo dos brutamontes.

— Inspetor, a suspeita de Rudolph pode ser verdade! Precisa ir ao setor de comunicação!

***

Dois dias depois descobrem uma gravação, do dia 23, em que Onni responde alguém, como se fosse pego no flagra. Começam as suposições de que o homem da fita do setor de produção seja Onni, um pouco curvado, considerando que ambos usam gorros.

Machado sente-se impotente. Lembra-se de quando Mustanen disse se acharem prepotentes. Talvez estivesse certo. Não conseguiu fazer nada por Onni, justo de quem desconfiara no princípio, mas que depois se mostrou um homem de valor. O secretário provou que não é tudo aquilo que dizem em sua terra natal, e tirou a única coisa que recuperou após aquela noite: autoconfiança. Agora não resta nada. Só Samir, um idiota. Mas ele não tem todo o mérito da culpa. Aquilo foi armado, para obrigá-lo a incriminar o companheiro. Enquanto pensa, o inspetor olha para a janela do chalé, sem prestar atenção em nada.

— Inspetor, não fique assim. Sinto por aquele dia. Como pude ser tão idiota? Acabei aumentando a suspeita sobre o Onni... — Abaixa a cabeça, enquanto tenta reprimir as lágrimas.

— Não é culpa sua. Mustanen é um bom observador. Ele sabia como você agiria sob pressão. Além do mais, isso foi uma vingança. Afinal, suspeitamos dele o tempo inteiro, e Onni conseguiu a prova do gorro.

— Inspetor... E agora?

— Enquanto era levado, Onni me disse para ir ao setor de comunicações.

— Ah, pode haver algum recado do Noel, seguindo a pista da rena!

— Isso. Para evitar bisbilhoteiros como Mustanen, nós iremos depois de todos dormirem.

***

Entram na casa e se escondem no corredor do terceiro andar. Precisam ser precavidos, pois Mustanen provavelmente liga o alarme à noite. Todos acabam de dormir e ninguém passa pelo corredor. Machado e Samir entram no setor e esperam. Como previram, ouve-se o barulho de um alarme nas portas sendo acionado. Agora estão presos, pelo resto da noite.

— Então, estes são os computadores do setor. Cuidado para não apertar nenhum botão errado, Samir.

— Tá. Inspetor, foi neste computador que Onni procurou por mensagens daquele dia.

Os dois ficam de frente para uma das máquinas. Machado lê as indicações dos botões. Não podem errar. Procuram pelas gravações. Diferentemente do que Mustanen disse, para Samir nada mudara em relação àquele dia.

— Heh, naquele dia apertei um botão e Onni ficou furioso, mas não aconteceu nada...

Machado vê qual é o botão. Enquanto analisa, uma gravação diferente aparece.

“Seu idiota! Ué...? Achei que... Nada, esquece.”

Os dois estremecem. Por que há uma gravação com a voz de Onni no dia 23?

— I-inspetor, eu conheço isso. Foi quando apertei o botão errado, só que aconteceu no dia 6 de janeiro. Como pode estar com uma data anterior?

Machado vasculha o computador até descobrir o programa responsável pelas gravações.

— A data pode ser selecionada. Isso significa que é possível gravar um recado no dia errado.

— Então mudaram depois de gravar?

— Não, foi antes. Da mesma forma que nas câmeras fotográficas de filme, é possível ajustar a data antes de bater a foto, mas quando é tirada, a data escolhida fica gravada no filme.

— Se é assim, então alguém pode ter feito isso beeem antes do dia 23...

Ambos têm um estalo. Acharam a peça faltante. Ao mesmo tempo, o celular do inspetor toca.

***

No dia seguinte, Marianne convoca todos para uma reunião de emergência e deixa Machado falar.

— Encontrei a prova que faltava para concluir o caso.

Muitos olham incrédulos. Como um grupo tão pequeno encontrou a pista que solucionava o caso? Logo os que não tinham mérito ali e cujo companheiro ainda era suspeito?

— Eis aqui a fita do Noel, dizendo que este ano faria o trabalho sozinho. Estava no setor de comunicação.

— Como isso é possível? Minha equipe já investigou esse setor! — Levanta bruscamente a oriental.

— Vocês investigaram apenas dos dias 20 ao 26, um intervalo muito curto. Esta gravação data do dia 9 de dezembro.

— Então não é a pista que procuramos!

— Acontece que ela foi alocada na data errada. Tenho aqui uma testemunha da comunicação para explicar o que ocorreu.

A duende explica o funcionamento do sistema de datação das mensagens.

— Na tarde do dia 23 estávamos tão ocupados terminando as tarefas, que os baderneiros decidiram largar o restante do trabalho para os outros. Começou a briga e provavelmente foi nessa hora que apertaram os botões para reajuste das datas. Acredito que o senhor Noel tenha vindo gravar seu recado depois.

— M-mas como ele teve autorização para ir lá investigar?

— Eu autorizei. — Marianne pesa a frase e olha gelidamente para a moça oriental. Mente e sabe que Machado investigou sem sua autorização, mas ele tem sua confiança, afinal, ele lhe deu apoio emocional na virada do ano. Alguém capaz de compreender e se preocupar com os outros, mesmo carregando um grande fardo no coração, jamais seria capaz de praticar o mau. Por isso, o defende.

— Então cadê o Papai Noel? E o homem das gravações, a cena de briga no banheiro e o suspeito Halla? — Pergunta um rapaz ruivo.

— Onni não é culpado. Aquela gravação também faz parte das fitas com data errada. Foi feita no dia seis, quando ele, com autorização da líder, — Olha para Marianne, grato pelo apoio — decidiu procurar pela mensagem do Noel, mas fizeram uma gravação por engano. Sabemos o desfecho infeliz que a situação teve, mas ele é inocente.

Onni é libertado e dirige um olhar, para o inspetor, que mescla orgulho e gratidão.

Ouve-se um barulho fora da casa. A porta abre, deixando um vento gelado entrar. É ele, retornando.

— Ho, ho, ho! Feliz natal atrasado!

O bom velhinho rechonchudo chega, segurando duas sacolas meio vazias. No entanto, veste um casaco vermelho longo, sem cinto, e calças de lã um pouco folgadas. Chega contente, mas ao abrir os olhos encontra um monte de caras incrédulas olhando para ele.

— Visitas? Mas o Natal já passou! — Noel inclina a cabeça, em ar interrogativo.

— PAPAI NOEL?!

— Ele não foi sequestrado?!

— Eu? Claro que não! Quem faria uma atrocidade dessas?

— Senhor Noel, por favor, explique o que aconteceu desde o dia 23 até o momento de seu retorno. — Pede Marianne.

—Claro! Naquele dia todos trabalharam tanto para acabar antes e estavam tão cansados que tomei uma decisão:

“Esperei que fossem dormir. Liguei para um amigo esquimó que me emprestou seus cachorros e um carro de neve. Fui ao banheiro, fiz a barba e cortei o cabelo para não me atrapalhar na minha jornada, mas me desequilibrei e me cortei sem querer... Peguei uma muda de roupas e vesti um gorro, pois nevava muito. Depois passei no setor de produção para pegar os presentes. Não lembrava onde ficava o interruptor, então peguei tudo no escuro. Como os presentes pesavam, saí dali curvado. Passei na despensa da cozinha para pegar carne para os cachorros, para que não passássemos fome. Depois, saí e comecei minha jornada.”

“Só que os cachorros eram agitados! Acabamos nos perdendo e então veio uma nevasca... Abrigamo-nos em um buraco na neve e ficamos lá não sei por quanto tempo. Quando a comida já tinha acabado, finalmente conseguimos sair. Perdi meu GPS e demorei em me localizar, mas encontrei alguém no caminho que nos deu comida e nos orientou. Troquei de roupa, pois meu uniforme ficou esfarrapado... Quando percebi, já era dia 10 do ano novo e corri para fazer as entregas. Primeiro passei pela Europa, depois Ásia, Oceania, África, América do Sul, e Central e do Norte. Então, voltei hoje.“

— Sinto pela demora, mas os cachorros não são mágicos, então usei transportes convencionais. Ah, já devolvi os bichanos quando passei pela Sibéria.

— Os presentes foram entregues?! — Perguntaram outros investigadores.

— Sim. Ontem o chefe da minha delegacia me ligou informando isso. Na verdade, a notícia está em circulação já tem quatro dias. Aposto que não viram por estarem “entretidos” com o caso. — Responde Machado em um leve tom de escárnio.

O caso foi concluído. O próprio Papai Noel foi o culpado por seu sumiço, e fez isso para não desgastar seus companheiros.

— Então você não abandonou a gente? — Chorando, Mustanen se aproxima do Noel, mexendo as orelhas.

— Nããão, eu nunca faria isso com vocês...

Mustanen e outros duendes correm e o abraçam chorando.

— Pretendia voltar no dia 25 e fazer uma surpresa. Assim, vocês também receberiam a visita do Papai Noel, mas deu errado... — Vira-se para os investigadores. — A propósito... Quem são vocês mesmo?

— Seu Noel de uma figa! — Zangaram-se todos.

Começa uma briga. Socam e chutam uns aos outros até que ninguém sabe mais quem bate em quem.

***

Os investigadores fazem suas malas e dezenas de helicópteros pousam para levá-los para suas casas.

— Tudo fica bem quando acaba bem! — Fala Samir contente.

— Não, ainda falta uma coisa. — Responde Onni, sorrindo.

Papai Noel se aproxima de Machado.

— Durante minha viagem encontrei uma menina parecida com você, que estava sempre acompanhando o noticiário meio tristinha. Perguntei o motivo da tristeza e me disse que os pais brigaram. Ela foi a única criança que ainda não recebeu seu presente. Aqui, pegue este papel. Abra quando chegar ao seu país.

Machado pega o papelzinho e guarda no bolso. Tem uma intuição do que se trata.

***

A dupla se despediu de Onni ainda em Helsinki. Agora estão no Brasil, em frente à delegacia.

— Está preocupado? — pergunta o, agora, ex-assistente Samir.

— Um pouco. Não sei se ela vai me aceitar de volta.

— Relaxa, inspetor! Você mudou: carregava ódio, mas agora parece mais sereno e forte. Antes sempre brigava e parecia desconfiar de todos, mas durante esse caso senti que passou a confiar em mim, no Onni, ajudou a Marianne a recuperar o astral e ainda concluiu o caso! Você não precisa se preocupar. Vai dar tudo certo.

— Se consegui, foi porque vocês três me ajudaram. Mas tem razão. —Ia se afastar de Samir, quando vira — Gostei de trabalhar neste caso junto com você. É mais competente do que imagina. Não se deixou abalar em nenhum dos momentos em que discutimos e ainda tentou animar o clima pesado. Obrigado. Talvez trabalhemos juntos de novo.

Machado se afasta definitivamente, ouvindo Samir berrar em despedida.

***

Abre o papel que estava no bolso. É um endereço que não fica longe dali. Chega à frente de um prédio de cinco andares. Toca a campainha do apartamento indicado no papel. Uma criança abre a porta.

— Pa... Pai... — Voltou-se para dentro do apartamento — Manhê, é o papai!

— O que está dizendo, filha... —Vai ao hall e para de falar. Ele está de volta.

— Voltei, querida. Desculpa por tudo o que aconteceu. Nunca mais farei isso de novo e vou cuidar melhor da minha família de agora em diante...

Não conclui. A mulher pula em seus braços, berrando e chorando “Você voltou!”. A menina se junta e chora também.

Esse é o melhor presente de natal que poderiam ganhar.


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Notas finais do capítulo

Agradeço a Kisara (http://fanfiction.com.br/u/70947/) por ter betado minha fanfic. Graças a ela pude ver a dimensão que a fic tomou.

Apenas estranhei o contador do Nyah! acusar 8274 palavras, quando tinha dado 7975, ainda tendo que descontar o título (ou seja, daria 7971). Até cortei grande parte do que comentaria aqui, nas notas finais, na esperança de marcar menos de 8000. Bom, de fato consegui reduzir de 8300 para as 8274, mas não são ainda as 7971, como conta o Word...

Enfim, espero que tenham se divertido com a minha versão do sumiço do Papai Noel. Até a próxima!