O corpo se remexia na cama com bastante desespero. O garoto suava enquanto lágrimas escorriam pelas suas maçãs do rosto marcadas por suas várias sardas. Vez ou outra, seus lábios rosados se abriam e algumas palavras saiam murmuradas. Seu coração batia desesperado demais para alguém que devia estar dormindo. Em sua mente seu pesadelo era revivido.

Stiles se via correndo entre as árvores próximas a mansão Hale. O nome de Derek escapava constantemente pelos lábios do garoto. Ouvia gritos e tiros por todos os lados. Sabia que seus amigos corriam perigo, mas só conseguia pensar em uma pessoa. Só conseguia pensar em Derek. Não se importava se alguém o atingisse e se morresse. Tudo que importava era achar ele. Precisava encontra-lo.

Nunca soube ao certo quando a guerra explodiu. Só sabia que agora era todo mundo contra todo mundo. Os Alphas. O pack de Derek. Os caçadores. Cada um por si. E Stiles perdido no meio. Era um absurdo. Mas não tinha como evitar. Certo, Boyd e Cora realmente haviam perdido o controle durante uma lua cheia e quase mataram alguém. O que os tornava perigosos para os caçadores. E os Alphas realmente haviam matado Erica, o que declarava guerra contra o pack do Derek. Era mais Alphas e caçadores contra o pack. Se os caçadores e os Alphas não se odiassem. O que não era a verdade.

E então, Stiles tinha vindo com a intenção de intermediar a briga. Por algum motivo, os caçadores davam atenção a ele e os Alphas escutavam Scott, talvez se Derek escutasse um dos dois também... Eles precisavam tentar, não é? Era o que ele achava. Foi quando decidiu que iria sozinho. Derek sempre o ameaçava, mas nunca o machucava de verdade. Talvez ele soubesse do amor que o garoto mantinha escondido dentro de si. E talvez, por pena, ele nunca poderia fazer mal ao garoto. E nem tinha chances se ele decidisse fazer algo, de qualquer forma.

Foi nesse ponto que as coisas desandaram. A conversa fluía sem problemas, mas de repente todos os lobos pararam o que faziam. E os Alphas invadiram a mansão. Não diria ao certo quando se espalharam pela floresta e muito menos quando os caçadores chegaram. E agora ele estava perdido tentando ter uma única certeza de que pelo menos Derek estava vivo.

Sim, Derek. Ele se odiava por isso. O cara nem ao menos ligava pra ele! Mas ele precisava saber que ele estava bem! Ou vivo. Ele era o principal alvo, afinal. E com certeza seria o primeiro a morrer se algo desse errado. E bem, já tinha dado tudo errado.

Um berro fez com que Stiles parasse de correr. E se ele pudesse ver os outros, ele teria percebido que todos haviam parado o que faziam assim que ouviram. Um arrepio correu pelo seu corpo e ele disparou por onde ele acreditava ter vindo. E então ele viu. Lá estava ele.

Derek se contorcia no chão enquanto as chamas consumiam sua pele e carne. Ao seu lado dois caçadores sorriam de canto. Malditamente satisfeitos. Stiles correu até o alpha, mas foi impedido por um dos dois. E, droga, ele era extremamente forte. Ele mantinha o garoto parado, mas seu rosto estava voltado para o lobisomem enquanto o observava agoniado o cara pelo qual era apaixonado ser consumido por chamas. Estava tão horrorizado que as lágrimas nem ao menos escorriam pelo seu rosto. Ele apenas observava sem conseguir ter alguma reação. Ele queria socar os dois idiotas, queria ajudar Derek. Impedir que ele sofresse mais. Queria poder fazer algo. Mas só conseguia ficar parado, chocado demais para agir. Até que um grito escapou pelos seus lábios, transmitindo o seu pavor.

O grito escapou pela garganta do garoto enquanto ele acordava desesperado. As lágrimas não paravam assim como sua voz. John entrou correndo, assustado, pronto para acudir o filho. Stiles se remexia na cama, vez ou outra batendo-se na cabeceira ou na parede. John sabia a única maneira de impedir que o filho se machucasse e o envolveu em um abraço apertado. O menino ainda se debatia em seus braços enquanto se mantinha chorando e gritando.

“Está tudo bem, Stiles. Se acalme.” Pedia com certo desespero, mas sabia que era inútil. Faz duas semanas que era acordado com os berros do filho e nunca achava uma maneira de acalma-lo. Apenas se mantinha lá, abraçando o garoto, impedindo que ele se machucasse. Não tinha muito mais o que fazer.

Percebeu que o Stiles estava se acalmando quando os gritos pararam dando lugar a um choro quase silencioso se não fosse pelos soluços. O menino se acomodou nos braços do pai e respirou fundo. Odiava lembrar disso. Odiava sonhar com aquela noite. Mas continuava acontecendo. E continuaria por um bom tempo, ele sabia disso.

“Desculpe.” Stiles sussurrou para o pai que apenas apertou o abraço e depositou um beijo no topo da cabeça do filho. Um gesto que mostrava que não tinha porque o garoto se desculpar. Então observou Stiles se acalmando e o sono voltar a dominar o seu corpo magro.

Stiles não sabia dizer quando os outros chegaram até Derek. E nem quanto tempo até a polícia e a ambulância chegarem. A última coisa que ele lembrava foi ver o corpo de Derek ser levado pelos médicos e ele já estava dentro da viatura de seu pai. Ouvia pessoas falando consigo, mas não conseguia achar sua voz para responder. Não conseguia nem ao menos absorver o que acontecia. Só ficava revivendo Derek sofrendo em várias vezes seguidas.

Seu despertador tocou cedo demais para a sua opinião. Sentia-se esgotado. Mas não era novidade. Não lembrava direito quando havia dormido totalmente bem por uma noite inteira. Levantou-se lentamente da cama e se arrastou até o banheiro. Já havia faltado todo se tempo, mas não mais um dia. Não faltaria de novo. Os lobisomens podiam sentir mesmo que estava acabado, não precisava esconder.

Fez sua higiene matinal e se vestiu como sempre antes de pegar sua mochila no canto e descer. O xerife ainda estava em casa. Seu pai havia se tornado mais presente desde quando o menino começou a berrar pela madrugada. Sabia que não estava sendo algo fácil para o filho e queria ao menos dar apoio.

“Tem certeza que quer ir?”

“Não posso fugir para sempre.” Stiles deu um pequeno sorriso para seu pai enquanto pegava um dos pratos com ovos.

“Eu sei que está sendo difícil. Ninguém te culparia por se afastar por um tempo.” John argumentou, mas o menino apenas deu de ombro.

“Derek não era nem ao menos meu amigo.” Stiles respondeu o mais frio que conseguiu. O que não foi nem perto de disfarçar a mentira.

“Não digo por Derek.” John se viu obrigado a ceder à mentira. Se ele não tivesse nenhum tipo de afeição pelo outro, não gritaria o nome dele durante a noite. “Você viu uma pessoa sendo queimada viva, Stiles. Isso não é fácil. Não é algo que você supera de um dia para o outro. Por mais que você não goste da pessoa.”

Stiles apenas deu de ombros e continuou a comer em silêncio. Seria algo raro se não tivesse se tornado recorrente. Cada dia que passava o menino se fechava cada vez mais em seu mundo e parecia não dar chance de ninguém entrar. Terminou de comer e lavou rapidamente a louça. Subiu mais uma vez para o banheiro onde escovou os dentes e se olhou uma última vez no espelho. Estava mais pálido que o normal e as manchas escuras em baixo dos olhos cada vez mais aparentes, mas não tinha como fugir. Precisava encarar.

Despediu-se de seu pai e partiu para a escola no Jeep. A primeira vez que entrou no veiculo depois do ocorrido, Stiles cedeu a uma crise de choro que deixou a todos confusos, mas agora conseguia se controlar. Pelo menos, o nó em sua garganta não era tão grande para que não conseguisse engoli-lo. Não teria outra crise de choro por causa das lembranças que o Jeep trazia. Recusava-se e sabia que se acontecesse, seu pai insistiria em trocar seu carro e simplesmente não. Ele não podia dar esse trabalho e adorava seu Jeep.

O caminho até a escola foi tranquilo e rápido demais. Queria que durasse mais. Porque seria a parte mais fácil do seu dia. Assim que estacionou na sua vaga, Stiles suspirou e fechou os olhos. Por que era tão difícil superar isso? Certo, ele tinha uma paixãozinha por Derek, mas nem Cora está sofrendo tanto! Era como se só ele tivesse sido verdadeiramente afetado. Ok, ele realmente havia visto toda a cena, diferente dos outros, mas por que só ele estava sofrendo? Por que só ele acordava berrado de madrugada e tinha crises de pânico e de choro?

Batidas na janela do motorista fizeram com que Stiles saltasse de susto. Olhou desesperado para fora, deparando-se com um Scott sorrindo de canto e atrás dele estavam Lydia, Allison e Isaac com a mesma expressão. Forçou um pequeno sorriso enquanto pegava a mochila e saia do carro.

“É bom ver que você veio!” Scott comentou, enquanto abraçava o amigo. Stiles retribuiu o abraço de maneira simples antes de se afastar.

“Não tenho porque não vir.”

“Não minta para nós, Stiles.” Lydia comentou enquanto puxava o garoto para um abraço mais apertado que o de Scott. “Nós sabemos que você tem sim porque não vir.”

“Certo, mas eu não posso fugir pra sempre, de qualquer maneira.” Stiles deu de ombros e Lydia concordou com a cabeça. Allison se aproximou do garoto de maneira tímida e um tanto constrangida.

“Eu preciso pedir desculpas para você, Stiles.” Um sorriso pequeno apareceu nos lábios da garota enquanto ela olhava nos olhos do garoto. “Eu... Eu ainda estava meio irritada com Derek então quando fomos para lá, eu meio que falei que era para eles capturarem ele, mas nunca achei que fariam aquilo. Principalmente na sua frente. Especialmente na sua frente. Você não tinha nada a ver com você. Não era para você ver aquilo...”

“Espera!” Stiles interrompeu o discurso da menina, em um tom irritado. “Você está pedindo desculpas por eu ter visto a cena? Você só está arrependida porque eu vi Derek sendo morrendo e não porque os seus malditos caçadores o mataram? Eu não acredito nisso! O Derek foi a maior vitima disso tudo e vocês só pensam que o pior foi o fato de eu estar lá e ter visto cada minuto daquilo! Ele morreu e vocês nem ao menos se importam!”

“Stiles, ele...” Scott começou, mas Stiles o interrompeu.

“Nem comece, Scott. Eu realmente deveria ter ficado em casa”

Stiles andou apressado até o grande prédio da escola. Agora teria que evitar seus amigos também para não ser mais incomodado. Como se já não estivesse difícil o suficiente com os pesadelos e a culpa, ainda tinha que lidar com seus amigos mais preocupados com os seus traumas do que com a morte do Hale.

Está bem, ninguém sabia sobre os seus sentimentos pelo lobisomem. E sabiam menos ainda que o que ele fazia com que ele sofresse era o fato de que Derek havia morrido sem que nunca tivesse tido a chance de se declarar de verdade. Ou só tivesse a chance de ter dito uma palavra sobre o que realmente sentia.