O monstro dentro de nós escrita por Sayu


Capítulo 1
Cheiro de remédio


Notas iniciais do capítulo

Oi gente. Começando aqui uma nova história! Espero que gostem.



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Ainda lembro-me do cheiro daquele lugar. Tinha cheiro de remédio. Acho que de tanto ficar ali, acabei ficando enjoada com esse cheiro. Era um lugar triste e foi impressionante saber que um lugar tão triste conseguiu me proporcionar tanta felicidade. Não o lugar em si, mas parar lá mudou totalmente meu futuro.

Eu nunca fui alguém muito feliz, mas nunca fui alguém muito triste. Eu era grata. Grata pela minha família, pela minha casa, pelos sorrisos das pessoas queridas e de muitas mais coisas. Mas eu perdi tudo repentinamente.

Passei anos me perguntando como uma só pessoa podia destruir o mundo inteiro de alguém. Foi tão rápido, meus olhos quase não acompanharam os tiros que saíram da arma prateada que o homem segurava em suas mãos.

Minha cabeça ainda dói lembrando disso, realmente não quero compartilhar isso com ninguém. São memórias ruins e memórias ruins devem ficar trancadas em algum lugar da minha mente. Porque se elas são soltas... Eu acabo tornando-me alguém que eu mesma não consigo reconhecer.

Era apenas uma criança, tinha em torno de dez anos. E vim parar aqui por que as pessoas que deveriam me acolher tinham medo de mim. Não posso culpa-los, naquele momento até eu estava com medo do monstro que parecia dormir em mim.

Mas assim como eu perdi um mundo, eu acabei ganhando outro. Esse mundo foi um garotinho de olhos grandes e azuis que repentinamente apareceu em minha frente. Assim que o vi, soube que ele era como eu.

Pra ser sincera, não fiquei animada em fazer amizade. Mas ele me seguia para todos os lugares, me perseguindo com aqueles olhos vidrados e um pouco assustadores. Eu conhecia aqueles olhos, eu os vi na lista que ficava bem na porta da sala.

O título era: Assassinos. Estava em ordem de mais perigo, e em primeiro lugar estava aquele garoto de cabelos castanhos e olhos azuis vidrados. Em seu rosto estava um grande sorriso, como se debochasse daquele lugar.

Aquele garoto parecia ter minha idade, só que era mais alto. Era muito difícil imaginar ele assassinando uma pessoa. E eu nem consegui ter medo dele, porque sempre me lembrava de que por pouco não parava naquela perturbadora lista.

Como é o seu nome? o garoto perguntou, colocando-se a minha frente.

Karin. Karine, na verdade. Mas pode me chamar de Karin. estava um pouco nervosa, talvez sejam aqueles olhos que me deixavam assim.

Karin, nome legal. Eu nunca tinha conhecido uma Karin. ele sorriu. A partir de agora somos amigos então, não é.

Ok. Não sabia o que fazer diante daquela personalidade invasiva que me deixava desconfortável.

Meu nome é Hector. Eu não costumo fazer muitas amizades por causa daquele aviso chato na porta.

Então... Você realmente fez aquilo?

Matei alguém? Ah sim, eu fiz. ele disse, com tanta naturalidade que me causou revolta. Mas aquelas pessoas mereceram. Eu nunca faria isso com um amigo ou alguém inocente.

Pessoas? Foram mais de uma?

Ah, sim. Depois eu te conto tudo e

Não! gritei, sem querer.

O garoto estava assustado com aquela reação repentina.

Desculpa... Eu só não gosto de ouvir sobre coisas desse tipo, elas me lembram de coisas ruins...

Tudo bem. ele disse, com naturalidade. Eu não te contarei sobre coisas assim então. Mas não tenho muitas memórias que não tenham coisas desse tipo envolvidas.

Não precisamos falar de memórias. Apenas vamos falar de coisas divertidas. Como borboletas... Ou pipas... Cachorros... Essas coisas.

Meu pai matava borboletas e colocava num vidro.

Isso é terrível! E não é algo divertido.

Desculpa, é minha memória relacionada a borboletas. Eu nunca soltei pipa, então também não sei nada sobre isso. Mas eu as achava bonitas no céu e invejava os garotos que podiam soltar elas... E sobre cachorros. Eu os acho legais, mas meu pai odiava animais. Eu tinha medo do que ele poderia fazer com algo que ele odeia, se ele fazia coisas ruins com quem ele dizia que amava.

Já disse, não precisa falar de memórias. Se só tem memórias ruins, podemos criar memórias boas. Eu meio que tento me conformar pensando assim. Passado é passado. Você não me parece alguém ruim, então vou ignorar o que você fez antes.

Obrigado. ele sorriu. Você é muito legal. Nem consigo imaginar por que está aqui. Mas penso que deve ser uma das coisas que você não quer conversar.

Exatamente. Eu quero esquecer.

Certo. ele deu uma longa pausa, enquanto encarava o assoalho. - E problemas psicológicos?

O que tem eles?

Você tem algum?

Não sei se conta, mas eu tenho depressão. Mas não é sempre, de vez em quando dão algumas crises e só. disse rápido para ele não suspeitar que eu omiti algumas coisas. -E você?

Falaram que eu tinha indícios de sociopatia. Mas isso só deve ser uma bobagem. ele riu. Eu fiz coisas e não sinto remorso. Eu só me protegi, não acho que as pessoas tenham que ser tão sérias sobre isso.

Acho que isso te faz um sociopata.

Pare de falar bobagens, Karin. ele sorriu. Por que não brincamos de algo? Aqui é sempre chato e tedioso, mas acho que podemos nos divertir enquanto estivermos juntos.

Okay. tentei parecer mais calma ou confiante nele. Mas na verdade, ele me assustava.

Os dias se passaram, e ficamos cada vez mais próximos. Ele era alguém incrivelmente gentil comigo. Mas eu sempre ouvia gritaria vinda do seu quarto e depois disso vinham mais e mais enfermeiras para contê-lo. Nunca tive coragem de ver de perto o que acontecia.

Mas em um dia, por acidente, acabei vendo. Hector gritava histericamente enquanto atirava coisas nas enfermeiras que tentavam se aproximar do garoto. Ele estava completamente furioso e eu queria saber o motivo.

Hector, se acalme. Nós não vamos mais mexer em suas roupas, ok? Não fique tão nervoso. a enfermeira falou, tentando manter sua voz firme.

Sim, sim, vocês falaram isso da última vez. Parem de fazer isso, que droga! Vão pro inferno, suas velhas idiotas! o menino gritou. Me deixem em paz! Eu só quero que não entrem na droga do meu quarto!

Hector, pare com isso. Você é só um garotinho.

Eu matei cinco pessoas em um só dia, realmente acha que eu sou só um garotinho? Se eu tivesse uma faca agora, ela já estaria em seu pescoço!

Pare com isso! entrei na frente da enfermeira. Foi um ato estúpido, mas não consegui controlar.

Oh, Karin. O que faz aqui? Hector estava calmo, como se absolutamente nada estivesse acontecido.

Pare de fingir que está tudo bem. não consegui conter as lágrimas.

Ei, não chore. ele se aproximou de mim. Eu só me alterei um pouco, mas agora estou melhor.

Levantei minha cabeça e observei o olhar chocado das enfermeiras. Elas não acreditaram na mudança brusca de personalidade de Hector. Na verdade, parecia que o garoto nunca havia se comportado gentilmente na frente daquelas pessoas.

Não faça mais isso, por favor. pedi, sem querer olhar em seus olhos. Apesar de imaginar que eles estariam exatamente iguais, vidrados.

Tudo bem. Apenas não chore, ok?

Enquanto voltávamos para a sala, percebi que cometi um erro. Hector e eu não éramos iguais. Hector não tinha medo, não tinha remorso, não tinha pena. Ele apenas não se importava na hipótese de machucar alguém. Estive então duvidando de minhas próprias palavras, será que o passado realmente não importava?


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Se gostaram, comentem, favoritem e acompanhem!