O restaurante estava lotado, pois era a hora do almoço. Não conseguimos mesa, então sentamos naqueles bancos altos perto do balcão. O talharim de lá era maravilhoso. Coloquei todos os acompanhamentos que eu tinha direito. Divino.

Greg também parecia gostar da comida. Ele estava com o rosto todo lambuzado de molho de tomate.

“Você come que nem uma criança”

“Ah, desculpa” ele limpou o rosto com o guardanapo “a gente deveria fazer mais passeios como esse.”

“Absolutamente” falei, terminando de mastigar “a gente poderia voltar aqui amanhã.”

“Não posso amanhã, eu tenho um compromisso”

“Desempacotar coisas?”

“Um encontro.”

“Como?”

“Sim, um encontro” ele repetiu “Você sabe o que é um encontro, certo?”

“Claro, porém não entendi como você conseguiu um encontro, eu digo, você sendo você? Sem ofensa.”

“Não enche, Mycroft.”

“Posso saber com quem?”

“Hm, não, não pode.” Fiquei boquiaberto. “Eu não gosto de falar da minha vida pessoal.”

“Como se eu me interessasse pela sua vida pessoal” fiquei enrolando o macarrão no garfo “É que eu achei que você não fosse esse tipo de pessoa”

“Que tipo?”

“Com vida amorosa agitada”

“Bem que eu queria, mas não. Sinto muito desapontá-lo, mas eu sou uma pessoa normal” levantei uma sobrancelha “Pois é, o mundo não é só feito de Mycrofts.”

“Uma pena” suspirei e voltei para meu talharim celestial.

Quando cheguei em casa, minha mãe estava corrigindo provas e Sherlock estava caçando insetos atrás do sofá. Fui direto para o quarto. Fiquei pensando em quem poderia ser a pessoa misteriosa que ia se encontrar com Greg. Eu sempre observo as ações de todos a minha volta, não sei como eu deixei isso passar. Talvez eu esteja ignorando-o demais. Só sei que esta curiosidade toda estava me matando. Eu detesto não saber o que está acontecendo. Se eu pudesse, acho que espionaria todas as ruas de Londres. Resolvi deixar pra pensar nisso depois e fui arranjar algo útil pra fazer com a minha tarde.

Tínhamos uma coleção de livros excelente em casa e eu passava horas folheando eles. Resolvi reler “A República”, de Platão. Era o meu livro preferido no momento. Na verdade aquele livro nem era meu, era do meu pai, mas eu o lia muito mais do que ele. Terminei às sete da noite e fui buscar outro na prateleira. Sherlock me interrompeu.

“Mycroft não se mova!” Gelei. “Tem uma traça naquele livro e eu preciso dela na minha coleção.” Peguei o bicho na mão.

“Essa aqui, é?” e fiz como se fosse esmagá-la.

“Nãaao!” levantei-a e ele começou a dar pulinhos, tentando alcançá-la. Foi aí que tive uma ideia genial.

“Eu te entrego a refém com vida se você me ajudar amanhã.”

“Ajudar com o quê?” apertei um pouco o inseto “Tudo bem, tudo bem, eu ajudo!” entreguei o bicho na mão de Sherlock, que foi saltitante juntá-lo aos outros. E quanto a mim, fui correndo higienizar as mãos, eca.

Antes de dormir, passei no quarto de Sherlock. Ele ainda estava acordado.

“Sobre o negócio da ajuda, quer tentar adivinhar o que vamos fazer amanhã?”

“Brincar de pirata?” os olhinhos dele brilharam.

“Não, vamos brincar de detetive!”

“Eu não sei se isso vai ser legal”

“Confie em mim, você vai gostar.” Fechei a porta e fui em direção ao meu quarto. Já estava quase deitando, quando ouvi alguém chamar meu nome.

“Que foi, Sherlock?”

“Você pode me contar uma história?” ele apontou para a prateleira, cheia de livros.

“Ah, faça-me o favor, você sabe ler!”

“Por favor.”

“Hoje não, Sherlock, estou com sono.”

“Por favor, eu preciso ouvir a voz de alguém pra me dar sono” ele se levantou, pegou um livro de capa amarela e me entregou. “Por favor.”

Sherlock voltou para debaixo das cobertas e sentei-me na beirada de sua cama.

“Hm, A Fantástica Fábrica de Chocolate” olhei para ele “Tem certeza? Não me parece muito instrutivo.”

“É só uma história de dormir, Mycroft”

Suspirei e comecei.