Entrei na sorveteria com a minha melhor cara de falsa felicidade.

“Olá, você deve ser a Megan! É um prazer finalmente conhece-la!” estendi a mão esperando um aperto, porém ganhei uma batida e um soquinho.

“E você é quem?” ela perguntou. Não crie um conflito, Mycroft. Você é superior a tudo isso.

“Meu amigo Mycroft que eu te falei, lembra?” Greg respondeu, me olhando com uma expressão de eu-posso-explicar.

“Ah, é verdade, Pompom, eu tinha me esquecido.” Ela riu.

“E eu sou Sherlock e estou aqui contra minha vontade!” disse e foi se sentar em uma das mesas coloridas.

“Ele é assim mesmo...” me desculpei.

Ficamos os três lá sem assunto. Eu precisava urgentemente falar em particular com Greg.

“Hm, eu acho que vou ao banheiro.” Dei a deixa. “Greg, você não quer me acompanhar?”

“Não, eu fui ao banheiro em casa.”

“Tem certeza?” falei, chutando a canela dele.

“Ai, por que você fez isso, cara? Tenho, claro que tenho.”

Fechei os olhos e respirei fundo. Aquilo não estava acontecendo.

Nos juntamos a meu irmão, na mesa colorida.

“Vou comprar de chocolate pra gente, tudo bem?” Greg perguntou para Megan.

“Chocolate é meu favorito! Que mágico! Como você adivinhou?”

“Todo mundo gosta de chocolate” eu falei “É óbvio demais, bem clichê mesmo, não tem motivo nenhum para você ficar surpresa.”

Ela não respondeu nada e Greg apenas me olhou com um olhar bem zangado.

“Mycroft, que tal irmos até o caixa?” Greg sugeriu, me puxando pela gola da camisa.

“Calma, calma” soltei-me e ajeitei o colarinho “Você vai querer de quê, Sherlock?”

“De cérebro.” Disse, com a cara enfiada na mesa.

“Okay, então são três de chocolate. Vamos lá, Greg.”

Tinham sorvetes de todos os sabores possíveis e imagináveis. Escolhi um de pistache e Greg pediu logo os três de chocolate. Enquanto esperávamos a moça colocar o sorvete nos potinhos, meu amigo colocou as mãos nos meus ombros e me olhou de uma forma muito séria.

“Nem adianta me olhar desse jeito, eu é que estou aborrecido. Ela não deveria estar aqui.” Falei.

“Eu sei, eu sei, mas eu não tive escolha. Ela me pegou de surpresa enquanto eu saía de casa, perguntando pra onde eu ia e sabe, ia ficar estranho se eu não a convidasse.” Ele disse e eu meio que concordei. “Por favor, Mycroft. Aja como uma pessoa normal, sem criar conflito. Só hoje, tudo bem?”

“Mas eu estou agindo! Você mesmo viu, eu sorri enquanto cumprimentava ela.”

“Seu sorriso desdenhoso não me engana.”

“Eu estava sendo sincero, eu realmente fiquei feliz em conhecê-la.”

“Hm, por que isso me soa falso?” ele encarou o teto “Já te disse, Mycroft. Só por hoje, me prometa que vai ser legal.”

“Fique tranquilo, eu sempre sou legal.”

"Sem sarcasmo, me prometa que não vai criar um conflito."

"Ai, tudo bem, eu prometo."

Greg suspirou e pegamos os sorvetes. Ficamos quietos comendo. Todos exceto Sherlock.

“Chocolate?! Você sabe que eu não gosto de chocolate.”

“Mas você não me disse o que queria!”

“Viu?” Megan se intrometeu na nossa discussão “Nem todo mundo gosta de chocolate, sua teoria é furada.”

Eu estava pronto para lutar por aquele argumento até a morte, porém Greg pousou seu olhar sério sobre mim e eu engoli tudo que ia dizer. Apenas sorri e voltei pro meu sorvete.

Resolvi ficar quieto pelo resto da tarde, mas também não foi uma boa decisão. Ficar assistindo Greg e Megan dando sorvete na colherzinha um para o outro definitivamente não era minha ideia de diversão. Aquilo estava monótono.

“Mycroft, vamos jogar dedução? Seus amigos são chatos demais.” Sherlock disse, trazendo vergonha para a nossa família.

“Agora não, Sherlock.”

“Como se joga dedução?” Megan se interessou.

“Você supõe informações da vida de uma pessoa apenas a partir das coisas que observa.” Sherlock respondeu “Mycroft é muito bom nisso!”

“Ah é? Mas que legal! Eu quero jogar.” Megan se animou, enquanto seu namorado se corroía de medo do que estava prestes a acontecer.

“Não acho que seja uma boa ideia...”

“Silêncio, Pompom. Eu fiquei curiosa. O que você deduz sobre mim, Mycroft?”

“Bem...”

E o resto do diálogo foi uma confusão. O que importa é que no fim da tarde, eu estava com um olho roxo e com a camisa manchada de sorvete de chocolate. Tudo o que eu queria era tomar uma boa chuveirada e entrar debaixo das cobertas, mas é claro que antes eu teria que responder o questionário da minha mãe.

“Mike, meu amor, o que houve com você?”

“Mãe, eu aprecio sua preocupação, mas não é necessário. Está tudo bem.”

“Ele disse pra namorada do amigo dele que ela é adotada.”

“Mike...!”

“E também falou que ela fuma cigarros escondida dos pais e...”

“Sherlock, não se meta!”

“Mas é verdade!”

“Sherly, vá buscar gelo pro olho do seu irmão.” Ela se aproximou. “Olha, querido, eu sei que deduzir é divertido, mas as pessoas podem se ofender com o que você diz, mesmo que seja verdade. Isso vale pra você também, Sherlock!”

“O que você disse?” ele gritou da cozinha.

“E nada de vingança, ouviu Mycroft Holmes? Vou ficar muito decepcionada se eu tiver que ir de novo ao colégio ouvir pais de alunos dizendo que meu filho fez alguém chorar.”

“Tenha uma boa noite, mãe.”

“Você ouviu o que eu disse?”

Passei na cozinha pra pegar minha compressa de gelo que Sherlock levou séculos preparando. Retomei meus planos de ducha e cama. Sinto muito, figura materna, mas agora a questão entre mim e Megan era pessoal.