Em meio a papéis, muitos papéis, Eliana se viu sentada no chão de mármore do hotel espanhol. Estava preocupada em recolher tudo para não atrasar mais quem quer que estivesse saindo às pressas do elevador, levantando o olhar e tentando levantar-se. Pensou ter visto o homem que estava parado em sua frente um pouco assustado em algum lugar mas não conseguia lembrar-se. Com tanta gente nova se apresentando, era quase impossível guardar os rostos de todos, apesar desse ser familiar.

– Acho que agora estamos quites, não acha?

O tem brincalhão na voz do rapaz não combinava em nada com suas roupas e sua expressão. Eliana aceitou a mão por ele estendida e levantou-se sem mais dificuldades, entregando os papéis que conseguira recolher.

– Me desculpe. Eu deveria ter prestado atenção, eu...

– Bem, não foi a primeira vez – interrompeu-a - mas acredito que dessa vez quem atropelou alguém fui eu.

Agora sim se lembrava! O moço atropelado do aeroporto, mal humorado e quase nada simpático. Esse deveria ser seu dia de sorte, pensou Eliana, como se já não bastassem hostilidades por parte da secretária, agora estava hospedada no mesmo hotel que esse senhor. E ainda por cima, as únicas frases ditas por ele foram de escárnio. Ótimo.

– Me desculpe. Não tem que se preocupar comigo, eu atraio esse tipo de situações, como pôde perceber. – Eliana respondeu rispidamente.

Ele terminou de recolher os papéis que restaram no chão e recebeu os que estavam na mão de Eliana. Agradeceu e se despediu da moça, apesar de não obter nenhuma resposta quando essa entrou no elevador.

Eliana se sentiu extremamente boba enquanto o elevador subia. Não era possível que tivesse se comportado com tanto descontrole, sendo que, primeiro, havia sido um acidente, e segundo, ninguém tinha se machucado. Ponderou que o rapaz fizera comentários sarcásticos, mas esse não era nenhum motivo para trata-lo como havia tratado. Deus, o que estava acontecendo?

Talvez o momento não fosse oportuno. Depois de ter visto o e-mail em sua caixa de entrada, Eliana não pode mais se concentrar em nenhuma atividade. No almoço, esteve distraída e pedia a Sarah que repetisse cada coisa que lhe contava, isso porque pretendia ter uma amiga e aliada nesse tempo que passaria em Madrid. Depois, deu qualquer desculpa para a companheira de trabalho e correu para o hotel, na intenção de estar em um ambiente privado enquanto lia aquele e-mail que tanto a perturbava, mas acabou tratando mal um rapaz que estava em seu caminho – e que por acaso já tinha se encontrado antes – se passando por ridícula. Não estava bem, definitivamente.

Eliana chegou em seu apartamento, ansiosa para ligar o computador portátil, mas claro que esse era o momento oportuno para que o sistema operacional instalasse algumas atualizações. Não havia muito o que fazer, senão esperar a boa vontade da máquina.

Minutos depois, a caixa de entrada deu espaço a uma mensagem bem humorada e um pouco preocupante, do ponto de vista de Eliana. Ela precisou ler várias vezes antes de ter certeza de ter lido corretamente. E claro, não acreditou em nada...

“Senhorita Jones,

Acredito que talvez eu não tenha sido claro em minha mensagem anterior. Uma explicação mais detalhada pode ser mais útil para que a senhorita me ajude a conseguir o lugar ideal.

Como já havia comentado, tenho um cômodo com as dimensões de 10x6m o qual pretendo usar como hall, sala, quarto e cozinha. O intuito é de receber pessoas confortavelmente sem que minha privacidade seja posta em risco. Também havia dito que tenho como prioridade a colocação de flores no ambiente.

Destes detalhes a senhorita já tinha conhecimento, mas sua resposta publicada não me foi útil. Creio que devo ser mais específico. Uma das coisas que talvez deva levar em consideração é que eu recebo a visita de mulheres, mas, ao contrário do que pensa, não pretendo agradá-las com o visual do meu cômodo. O design criado precisaria ser acolhedor, já que as mulheres que me visitam passariam algum tempo me fazendo companhia, mas não deveria ser feminino.

Quanto à colocação das flores, gostaria de ressaltar que flores vermelhas seriam ideais para o que tenho em mente. E gostaria também de dizer que ambientes bem delimitados poderiam ajudar muito.

Bem, tendo especificado mais detalhes de como eu pretendo que a senhorita trabalhe, mudarei de assunto. A senhorita se lembra, por acaso, do enigma que lhe deixei no e-mail anterior? Esperava que a senhorita pelo menos tentasse desvendá-lo. Como não obtive resposta quando a isso, deixarei a segunda parte.

‘Três homens preparam a um urso uma caçada

O segundo, idoso e paciente,

Prepara uma armadilha bem planejada

Enquanto confunde, do urso, a mente’

Tente responder todos os temas, senhorita. Eu não me pareço tanto ao segundo homem do enigma.

Atenciosamente,

Mr. Flowers”.

Eliana fechou todos os programas antes de desligar o aparato. Provavelmente Eddy lera o e-mail antes de encaminhá-lo e provavelmente não esperava que um mesmo leitor escrevesse duas vezes. Também acreditava que Eddy não pretendia que Eliana respondesse aquele enigma. Muito menos que entrasse em discussão sobre o assunto. Porém, a probabilidade de que ele logo enviasse um e-mail repreendendo seu trabalho, uma vez que o leitou voltou a escrever, era altíssima.

Ter que replanejar um trabalho anterior era um pouco difícil, na concepção de Eliana, já que teria que desfazer uma ideia que já tinha e substituí-la. Além disso, teria que pensar em que resposta daria ao dito enigma. Suspirando, ela apoiou o rosto nas mãos e agradeceu ter escutado Sarah. Adiantar o trabalho da nova revista lhe permitiria um tempo a mais para pensar.

A jornalista arrumou o necessário para voltar à redação e, enquanto caminhava apressada, destinou seus pensamentos aos acontecimentos do dia. Novo ambiente profissional, reencontros inusitados, e-mails inusitados...

***

A parte da tarde não fora tão complicada... Exceto pelos incessantes recados que o editor chefe lhe enviava a cada cinco minutos pedindo a ela que consertasse algo no texto que Eliana entregara pela manhã. Parece que o homem gostava de ‘ir por partes’, e mandava detalhadamente a Eliana o que deveria acertar em cada parágrafo, atividade que durou toda a tarde, não permitindo que ela conseguisse dedicar tanto tempo ao e-mail misterioso.

Pela noite, porém, depois de um banho e uma refeição, ela pôde concentrar-se melhor. Leu e releu o e-mail de Mr. Flowers na tentativa de transfigurar todo o trabalho que já tinha feito, pensando desta vez nas novas considerações proporcionadas pelo leitor. Talvez o que necessitasse de fato fosse uma nova perspectiva.

Sendo assim, Eliana saiu de seu aposento e tomou o elevador, com a intenção de chegar ao último andar, no qual havia salas comuns e até uma biblioteca, entre outros ‘atrativos’ do hotel, como indicado por uma placa estrategicamente posicionada ao lado dos botões do elevador.