Sinal escrita por Universo das Garotas


Capítulo 8
8º capítulo




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8º capítulo - Beatriz

Estou tentando me concentrar no trabalho desde ontem, depois que aquele sujeito arrogante esteve aqui no meu escritório com uma proposta para lá de cabeluda. Não conseguir esquecer o semblante dele e a maneira como sua boca se mexia. Como pode dizer coisas como aquelas com tamanha naturalidade? Fez parecer que quem não estava sendo razoável era eu.

O cara, por causa de uma arranhão queria um carro novo de meio milhão de reais e ainda tinha o disparate de querer me conhecer melhor. Isso foi uma cantada? Que horas eu dei uma bandeira dessas e não notei? Estava fula da vida, mas como meu dia não rendeu nada fui para casa dormir. Novamente tinha a impressão que iria rolar na cama toda, sem pregar no sono quando acordei sobressaltada pelo meu despertador.

Ai que ódio! Hoje tinha que acordar cedo, pois a perícia tão esperada tinha sido marcada para 8hs da madrugada! Ninguém merece. Empurrei meus pés para fora da cama, com raiva do sol já ter nascido e me joguei no chuveiro. Tomei uma xícara de café correndo e coloquei uma barrinha na bolsa, maquiei um pouco mais do que normal (geralmente é base+pó+batom nude+rímel) colocando até blush e delineador.

Olhei para os sapatos louboutins no chão do quarto e calcei eles só para confrontar o Sr. Frederico. Será que ele acompanhará a perícia? Sua presença não foi determinada pelo juiz mas algo em mim dizia que ele iria... Consegui chegar na porta do pátio das máquinas, às 08hs em ponto, onde meu cliente trabalhou por doze anos e quase morreu por uma queda. Desci do carro e me apresentei na portaria. Fui caminhando para o que parecia ser um elevador hidráulico acompanhado de um técnico de segurança do trabalho local. O lugar era imenso.

Uma grande mineradora e na área externa estavam dispostas umas cem máquinas empilhadeiras que transportavam terras e rochas de um lado para o outro. A empresa do Sr. Frederico prestava serviços no ramo de mineração alugando máquinas de todo tipo. A perícia seria feita na parte mais inferior do lugar (descrito pelos trabalhadores como quente, úmido e mal iluminado, ou seja, o inferno na terra). Entrei no elevador, que não possuía qualquer parede apenas grades de ferro e fomos descendo para o subnível em marcha lenta, o que era no mínimo assustador visto que saímos de uma imensa altura entrando para dentro da terra.

Quando elevador parou suspirei aliviada. Estava apavorada. Realmente não deveria ter vindo com sapatos tão altos. O chão era todo irregular, cheio de pedras e partes soltas de ferro. Quase chorei ao constatar que meu sapatos estavam sendo danificados por causa do desgaste. Avistei um grupo de quatro pessoas mais a frente, que se viraram na minha direção quando notaram a minha chegada.

– Dra. Beatriz! - chamou o Sr. Reginaldo, perito conhecido da Justiça do Trabalho quando este me viu.

– Olá Reginaldo, Bom dia Senhores – somente nessa hora notei um homem de camisa polo azul marinho, calça cargo e botas de proteção. Era o Sr. Frederico que sem disfarçar olhou para mim e desceu olhar até as minhas pernas, pés, notando que eu estava de vestido e saltos altos. Um sorriso cruzou seu lábios por meio segundo, até ele me cumprimentar:

– Olá, Dra. Aguardávamos para começar. Seguimos por uma trilha escura que adentrava ainda mais aquele lugar que me lembrava um caverna. Não que eu já tivesse entrado em uma, mas era estranho como as paredes de terra cobriam as nossas cabeças dificultando a visão.

O perito analisava tudo, fazia anotações. Acompanhou até um funcionário que estava manobrando uma empilhadeira, fazendo perguntas e tirando fotos. Eu apenas acompanhava a comitiva. Notei que o Sr. Frederico, que caminhava mais atrás ao meu lado e estranhamente não pronunciava meu nome, olhava para mim diversas vezes. Isso me deixava incomodada e vermelha como pimentão (ah essas minhas bochechas sempre me entregam)

– Dra. Beatriz, deseja acrescentar algo para analisar – todos se viravam em minha direção após o perito me questionar mas eu simplesmente fiz que não com a cabeça. Queria logo sair dali. - Bom nesse caso então, preciso apenas digitar esse relatório para os senhores assinarem. Há algum lugar em que se pode usar um computador por aqui?

– Sr. Juliano, mostre a sala de computação para o Sr. Reginaldo – falou Frederico – fica no nível acima do solo Sr. Reginaldo. O perito apenas agradeceu e todos nos dirigimos para o elevador. Na porta percebi que dois homens hesitaram entrar, quando Sr. Frederico esclareceu:

– Vão na frente todos vocês, inclusive você Sr. Reginaldo, que a lotação máxima permitida por questões de segurança é de três ocupantes. Assim, foram subindo na frente o Sr. Reginaldo acompanhado do que parecia serem dois funcionários da empresa. Fiquei para trás como Sr. Frederico e um silêncio constrangedor apareceu entre nós. Olhando de lado para ele percebi que me olhava novamente os pés, com um sorriso nos lábios. Meus pés estavam me matando, tamanho era o desconforto causado pelo uso de saltos tão altos em terreno irregular.

Não falei nada. Ficamos aguardando o retorno do elevador quando de repente um barulho seguido do apagar das luzes, nos surpreendeu. Defensivamente tateei ao redor procurando algum lugar para apoiar. O lugar ficou um breu, não enxergava nada.

– Segura minha mão Dra. A luz pode ter caído mas não se preocupe, porque logo se acenderão as luzes de emergência – Senti suas mãos me tocar e um arrepio percorreu meu corpo. Não me desvencilhei de cara, apenas apoiei uma das minhas mãos no seu braço. Ele foi chegando mais perto e logo estava encostada no seu peito. Inalei o seu perfume, não reconheci o cheiro mas era muito bom. Ficamos assim, escutando a respiração um do outro por uns cinco minutos até que fracas luzes se ascenderam ao longe. Mas como estava um breu qualquer feixe de luz fez uma enorme diferença. Separei do seu corpo quase imediatamente e perguntei:

– O que está acontecendo? Alguma chance de subir sem elevador para o nível do solo?

– Alguma pane elétrica ou mesmo falta de luz. Nessa região, sou informado de muitas ocorrências. Mas não há forma de subir sem elevador, Dra. Vamos encontrar algum lugar para sentarmos, porque pode levar horas até o retorno da luz.

Senhor Cristo, o que vou fazer aqui? Horas com esse sujeito? Estreitei os olhos para ver alguma saída mas não parecia haver nenhuma. Ele não se importou comigo, foi andando na frente em direção as luzes de emergência enquanto eu tropeçava atrás dele. Logo encontramos umas caixas de madeiras que serviriam de encosto e improvisamos assentos. Sentamos em silêncio e agradeci mentalmente a oportunidade de tirar aqueles sapatos. Estiquei as pernas e encostei minha cabeça na parede. Ele não tirava os olhos de mim. Mesmo na meia luz, eu podia ver um sorriso.

– O que vamos fazer? Perguntei em um tom desesperado. Você não tem como ligar para alguém resolver isso?

– Calma, Dra. - disse ele em uma voz espirituosa – observe seu celular, não temos nenhum sinal aqui embaixo. Além do mais, a comitiva que subiu na nossa frente sabe que estamos aqui e farão de tudo para nos tirar o mais rápido possível. Não sei porque mas as palavras dele ao invés de tranquilizarem me deixaram ainda mais nervosa. Como vou ficar aqui? Ao lado desse cara por talvez horas? Ele me dá arrepios... Ficamos em silêncio, e logo comecei a questionar quanto tempo ficaríamos ali sem que ficasse louca. Cedendo ao momento, puxei um papo do mesmo jeito da conversa anterior:

– Entao, Sr. Frederico, o Sr. é casado? Tem filhos?

– Não Beatriz, não sou casado e não pretendo ter filhos – disse ele e pela primeira vez me chamou pelo meu nome. Aquele jeito de falar sem formalidade, me deixou sobressaltada! Me corrigi a tempo de responder:

– Hum, interessante. Mas porque não pretende ter filhos?

– É uma longa história, Dra. – ora voltamos com as formalidades...

– Bom acho que não temos muito que fazer aqui embaixo enquanto esperamos o milagre da energia elétrica, de modo que sou toda ouvidos...

– Ora, basicamente não tive um pai na minha vida, assim não tenho referências familiares que me permitem criar uma criança. Assim, não pretendo ter filhos.

– Entendo. Na verdade não entendo mas compreendi como você pensa. Então deduzindo, o Sr. é um homem solitário, que mora sozinho e...

– Não, Beatriz, não sou solitário. Costumo ter companhias em minha vida mas nenhuma constante.

– Então é sozinho. Solitário digo. Sou assim também, mas eu prefiro, fiz uma opção pela solidão e aceito de bom grado o que isso me traz. Não tenho ninguém para quem contar o dia, ou ver um filme, mas também não devo satisfação a ninguém sobre minha vida. Sente-se assim também?

– Não. Posso te afirmar que tenho muitas pessoas ao meu redor, literalmente. Elas são apenas passageiras. Ao contrário de você, pelo que me diz, vou a cinemas acompanhado e conto com vários funcionários para me relatarem o meu dia. Não comentei essa frase do sujeito. Era definitivamente um sujeito solitário, mas que se enxergava como a última cereja do bolo.

Pelo amor de deus, quem acha que contar sobre seu dia tem haver com relatórios profissionais só pode ter problemas sérios. Continuei meu questionamento sem contradizê-lo:

– Então vai muito ao cinema?

– Um pouco. Quando era criança, eu amava a estreia de um bom filme. Cheguei a trabalhar como assistente de um projetista. Ele me dava uns trocados enquanto eu o ajudava a encaixar o rolo de filme. Era um sujeito velho, que estava perdendo o jeito. Essas horas em que trabalhava no seu cinema eram as melhores do meu dia – Ele disse essas últimas palavras olhando para um ponto imaginário como que recordando alguma cena... Será que notei um pouco de emoção? Meu Deus, esse cara sempre me surpreende. Opa! Mudei de pensamento na hora porque eu estava prestando muita atenção no rosto dele vendo o indício de uma convinha enquanto ele sorria me observando. - Gostei tanto disso que mandei fazer uma sala de cinema na minha casa. Gostaria de ver essa sala? Poderia te convidar hoje mais tarde, quando sairmos daqui. Prefiro clássicos, algumas adaptações literárias mas não curto ficção – não acredito que o cara gosta de clássicos! Mas não poderia me trair e logo disse:

– Nossa! Ainda estou meio perplexa com a ideia de você gostando de estreia de filmes. Obrigada pelo convite, cinema é meu segundo hobby favorito – eu apressei em dizer algo que não significasse que eu havia aceitado o convite. Ele fingiu cair na minha resposta e continuou, pegando assim a minha indireta:

– segundo? Qual seria o primeiro? – disse isso com um sorriso para lá de sensual!

– O primeiro será para sempre livros – eu disse sorrindo também por que sabia qual seria a reação dele. Mas ele me surpreendeu. Baixou o rosto, balançando negativamente a cabeça de maneira lenta e disse:

– Essa eu deveria supor. Você é formada em Direito. Leva uma vida solitária como disse. Usa óculos para leitura. Se veste sobriamente até para uma garota da virada do século XX – enquanto ia dizendo tudo isso eu ficava mais vermelha do que um pimentão roxo – é romântica da cabeça aos pés o que me leva a crer que deve preferir romances, provavelmente os de literatura inglesa que combina com sua personalidade. Meu Deus! Eu não acredito no que acabei de ouvir! O cara me descreveu como um raio x.

Eu estava muito corada e envergonhada, mas não seria esse Heathcliff que me derrubaria.

– Você me analisou tanto assim? - não esperei ele responder e logo emendei – Você não parece ter muita coisa para fazer, porque fica analisando muito as pessoas...

– Isso é exatamente o que faço, Beatriz. Analiso pessoas. Ganho dinheiro com isso. Ganho mais ainda ao analisar bem meus inimigos – Ah essa eu não ia deixar passar...

– Considera-me sua inimiga, Sr Frederico?

– Na verdade não. Deveria?

–Somente empresários inescrupulosos que ganham em cima de fraudes trabalhistas poderiam me considerar. Mas já que é apenas o empregado de uma grande empresa, não tem porque temer – ah eu não ia perder a oportunidade dessa indireta. Ele não sorriu. Pelo contrário, seu rosto tornou-se sombrio (me lembrou das feições de Anakin Skywalker). Mas ele se recuperou rápido, quando me olhou foi diretamente e ele disse apenas isso:

– Então não somos inimigos. Isso faz de você uma amiga para mim – dizendo essa última palavra ele se aproximou de mim lentamente, se abaixou até a altura em que eu estava sentada, tão perto que eu poderia tocá-lo com meus próprios dedos. Então ele apenas estendeu a mão dele e disse:

– Vamos, a luz já voltou – eu nem havia percebido até ele dizer. Realmente, ao fundo de onde estávamos já havia sinal de luzes se acendendo e o barulho do que pareceu ser o elevador chegando a nosso nível. Meu Deus! Eu estava tão concentrada que nem percebi quando a luz voltou. Será que fazia muito tempo? Eu não poderia dizer. Olhei para o relógio, enquanto andava ao lado do Sr. Skywalker, até onde estava o elevador. Gzuis! Já eram quase 13:00hs!! Só agora percebi que não tinha comido nada além de uma barrinha de cereal! Estava faminta.

Entramos em silêncio na cabine do elevador enquanto éramos suspendidos para o nível do solo. Ele não me olhava, mantinha uma postura fria e distante, tão diferente do começo da nossa conversa! Não quebrei o silêncio, nós passamos praticamente mais de três horas conversando sem que eu tivesse percebido. Foi a coisa mais surpreendente. O papo fluiu como se conhecêssemos há mais tempo. Eu fiquei o tempo todo com as pernas cruzadas em posição de índio, de uma forma natural como não fazia desde a época do colegial. Ele também ficou assim, apenas intercalando com uma levantada de perna para apoiar um dos braços. Ele ficava muito atraente nessa posição...

– Dra. Beatriz, por favor chegamos – de novo eu estava absorvida em meus pensamentos e nem movimentei para fora do elevador quando este parou no solo.

– Obrigada – e fui seguindo em direção ao pátio até aonde estava estacionado meu carro. Não olhei para trás, para não me trair de novo. Mas ele veio atrás de mim e logo me alcançou:

– Deve estar com fome. Eu estou. Gostaria de almoçar comigo? Meu Deus! O que respondo. Não poderia. Já estava abalada demais pelo tempo que passamos juntos no subsolo. Minha roupa colava no meu corpo, minha pele deveria estar toda oleosa, e meus sapatos (não olhei para eles para não me trair de novo) eu sabia que deveriam estar totalmente danificados. Mas eu já tinha escapado furtivamente do seu convite de cinema em casa então logo me apressei em dizer:

– Adoraria, se não fosse meu estado – apontei para minhas roupas mas o olhar dele foi direto para meus sapatos - Eu poderia comer toda a minha despensa mas como tenho que almoçar com minha mãe toda quarta vou indo. Mas obrigada! E fui virando, rezando mentalmente para ter colado a desculpa mas ele logo atacou:

– Seu estado não poderia estar melhor, com exceção dos seus sapatos – ele disse essa última olhando diretamente para mim com sorriso nos lábios do tipo “te avisei” – mas aceito sua desculpa com a promessa de vir a minha casa esse final de semana para uma sessão de cinema em casa. Ele disse cinema em casa?? Achei que só eu era velha demais aqui. Mas como sair disso? Seria prudente usar a ética de trabalho, já que ele “representava” uma das empresas em que eu litigava.

Mas não estava curiosa demais sobre a vida de alguém que parecia ser responsável por uma mega fraude trabalhista? Ele havia me dito que conhecendo-o eu poderia entender das empresas. Ele pareceu notar meu desconforto porque logo inclinou a cabeça me indicando que esperava minha resposta:

– Ok! Só aceito se assistirmos um clássico!

– Não aguento a ansiedade, seria qual especificamente? – ele me disse rindo (eu não consigo pensar muito bem quando ele faz isso)

– Bom, aquele que cresci aprendendo a amar: Tempos Modernos! – arrha! A cara que ele fez foi impagável porque óbvio que ele percebeu a ironia de vermos um filme que tratava da alienação trabalhista em meios de produção. Mas tudo que ele disse foi:

– Ótima ideia! – fingi que acreditei na inocência dele quanto a minha ligeira ironia. Mas logo ele foi, me dando as costas, sem dizer o endereço e nem o horário. Bom, talvez por um milagre eu tenha me livrado dessa sinuca de bico. Fui para casa, dirigindo no caminho todo ouvindo Demons, do Imagine Dragons, surpresa pelo tanto que a música me preenchia naquele momento.


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