Sinal escrita por Universo das Garotas


Capítulo 41
41º Capítulo




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41º Capítulo – Beatriz

O cheiro era familiar, assim como as paredes e os móveis. Mantive fechada para que não se perdesse ou fosse atingida pelo tempo.

Eu sempre vinha aqui para manter meu coração batendo. Olhar aonde eu tive um dos melhores momentos da minha vida e pensar o que poderia ter sido diferente.

Passei minha vida negando tudo que meu pai tinha feito a trabalhadores. Apaixonei-me por um homem que conseguiu superar a falta de escrúpulos de meu pai.

E que mesmo assim, fez de tudo para me proteger e foi capaz de uma ação completamente altruísta: condenar a si próprio a prisão no intuito de prender quem me ameaçava.

Eu poderia ser capaz de perdoá-lo, algum dia?

Eu tentei acabar com essa dúvida indo visita-lo na prisão mas ele nunca me recebeu. Todas as minhas tentativas foram negadas. Eu sei o porquê ele fez isso mas ainda assim eu voltava furiosa e arrasada, todas as vezes.

Eu poderia ter envelhecido ao seu lado, porque além da cumplicidade de nossos corpos seríamos cúmplices na paixão por livros, filmes e projetos. Bastaria que estivéssemos juntos para que a vida tivesse mais cor.

Peguei a chave da casa de Fred nas mãos, dei uma última olhada para os móveis da sala, e tranquei a porta. Não olhei para trás. Eu tinha fechado a venda dela na última semana. Seguiria em frente com minha vida, de uma vez por todas.

Minha mãe convenceu-me a viajar para uma praia conhecida no nosso país, muito bela e com várias atividades radicais, como voo de asadelta e parapente.

Depois de só trabalhar e lamentar por cinco anos a minha vida, eu apenas aceitei para distrair minha cabeça.

Mas para desespero dela eu fiquei vários dias no Hotel, sem ir a praia um dia sequer, apenas assistindo a filmes na TV.

Até que um dia ela entrou esbaforida no meu quarto:

– Bia! Levanta daí, sua mãe vai cometer a primeira loucura da sua vida.

– Mãe, do que você está falando? Eu olhei espantada a cara de felicidade da minha mãe.

– Vou voar de asa-delta – disse sorrindo. Essa eu pagava para ver.

– Mãe, tem certeza?

– Tenho. Vem comigo?

E eu fui. Primeiro para ter certeza de que ela falava sério. Segundo, porque eu adorava voar, sempre acompanhava Felipe e Diogo nas aventuras que eles faziam no fim de semana. Mas minha mãe, jamais eu imaginaria em uma situação dessas.

Peguei minha bolsa, coloquei uma calca legging e blusa branca, e fomos a tal praia onde se praticava o esporte.

Já havia uma fila, de várias pessoas de diferentes idades. Uma menina de uns 14 anos estava afoita para seu primeiro pulo. Uma senhora, bem mais velha que a minha mãe já estava na sua décima vez. Ela contava a sua sensação para nós toda animada. E dizia assim:

– Eu só pulo com o rapaz. A mulher é meio seca, nunca passa com a gente sobre o mar. Mas o rapaz, além de lindo, sempre me leva para acima do mar. Ele faz as melhores curvas e manobras.

– Então vou com ele – minha mãe disse – quem sabe eu não arranjo um namorado hoje.

Isso provocou gargalhadas na Senhora que conversávamos. Até que foi a vez da menina. Na rampa, eu avistei dois homens e uma mulher. Foi ela quem recebeu a menina e a colocou dentro do equipamento de voo. Olhei para minha mãe e percebi que ela estava nervosa. Pensei, “ela não vai pular, não vai mesmo”.

Mas ela sorriu para mim e disse:

– Eu pulo Bia, se você pular na minha frente. Aí você me espera lá na praia. Eu encontro você.

Olhei para ela desconfiada, mas não a confrontei. Segui na sua frente e me dirigi para um rapaz que ajeitava a senhora que estava na nossa frente. Observei como suas mãos manobravam as fivelas no corpo da aventureira de maneira ágil e bem profissional. Ele tinha uma boa altura, pele morena e cabelos raspados. Estava de costas e tinha braços bem definidos. Bem, este devia ser o rapaz que ela havia dito. Não vi o rosto, mas eu arriscaria dizer que ele era bem bonito.

Eles pularam e o outro rapaz chamou-me como a próxima. Mas minha mãe agarrou meu braço e falou:

– Você não pode ir agora. Espere mais um pouco.

Eu não entendi nada. Ela justificou então:

– Se você pular agora Bia, eu vou ter que pular com a tal mulher. Não quero ir com ela.

Concordei então e deixamos a pessoa detrás passar na frente. Mas era uma família que queria pular todos juntos então ficamos mais uns bons minutos aguardando o instrutor de voo da senhora simpática retornar do seu pulo.

Ele retornava com a senhora de capacetes e traje especial de pulo. Minha mãe estava arfando com a proximidade dele e eu comecei a ficar preocupada com o pulo dela. Ela poderia passar mal, lá em cima, mas quando eu disse a ela pra voltarmos saindo dali, ela negou com a cabeça. E aí eu ouvir, a voz familiar que não escutava há anos:

– Vai pular de novo, Joana?

Virei meu corpo, com a minha mãe sorridente ao meu lado.

O rapaz congelou quando me viu. Eu simplesmente parei de respirar. Era Fred.

Olhei dele para minha mãe e aí eu percebi o óbvio. Ela tinha planejado tudo. Mas Fred, não parecia saber por que ele conseguiu ficar mais vermelho que um pimentão quando disse:

– Bia...

– Ela vai pular hoje Fred. Eu já fiz isso cinco vezes essa semana. – ela disse sorrindo para mim quando arregalei os olhos para ela – agora é sua vez filha, de pular.

Suas palavras me diziam algo. Minha mãe era a pessoa mais instruída que conheci sem um pingo de estudo superior. Tudo por causa das suas leituras e cultura de filmes clássicos. Ela estava ali, tentando me dizer algo da minha vida. Fred me deu as mãos, para que eu seguisse pela plataforma. Eu o acompanhei meio no automático, porque não sabia mais o que fazer.

Colocou os acessórios em mim, prendeu todos nossos cintos e quando estávamos prontos ele disse:

– Preparada?

– Sim.

E fomos. Voei por minutos que pareceram eternos com Fred ao meu lado. Ele estava mais magro e seus cabelos mais curtos. Pelas minhas contas ele devia estar em liberdade condicional, porque ainda não tinha cumprido toda a pena.

Mas mesmo com todos nossos problemas vividos e a nossa separação, a visão da praia e do mar, através da altura em que estávamos, encheu meus olhos. Foi o lugar mais lindo que já estive. Minha boca se abriu de contentamento. E Fred sorria do meu lado:

– É lindo, não é?

– Sim, Fred. Muito lindo.

E ficamos assim, contemplando a beleza das montanhas, da praia e de tudo mais a nossa volta. Eu sabia que um voo assim costumava demorar cerca de 15 minutos. O meu e de Fred demorou quase uma hora.

Ele manobrou para descermos na praia. Nossos pés tocaram juntos a areia. Ele freou bem devagar e eu não tive nenhuma sensação de arranco brusco, como era comum. Desvencilhei dos cintos e saí debaixo da asa-delta. Avistei minha mãe próximo da área de pouso, uns cinco metros na minha frente.

Ela acenava para mim toda feliz. Eu sorri da tentativa dela. Ela sonhava com um final feliz para mim. Agradeci o voo, para Fred. E saí andando na direção da minha mãe.

Ele disse quando me afastei:

– Foi bom revê-la Bia.

Eu o olhei triste, com todo vazio me preenchendo novamente. Apenas disse:

– Adeus Fred.

Alcancei minha mãe e seguimos andando pela praia, próximo das ondas que chegavam do mar. Ela me olhava pensativa e disse do nada:

– Sabe Bia, nunca te contei, mas seu pai me procurou um ano depois que nos separamos - vendo que eu a olhei surpresa ela continuou – infelizmente ele veio cedo demais, muito antes de eu consegui perdoá-lo.

Seguimos andando e ela continuou:

– Perdão é algo do tempo. Eu percebi depois. Você percebe que a vida corre mesmo com tudo que te aconteceu. Os anos pesam as nossas decisões e aquilo que um dia foi importante um dia no outro já não tem aquela importância toda.

– Mãe....

– Não Bia. Uma amiga está aqui, não a sua mãe. Como mãe eu me sinto orgulhosa pela pessoa que você se tornou. Mas como amiga eu percebo os erros que você comete ao não se permitir amar alguém com todos seus defeitos. Já ouviu aquele poema de Veríssimo?

Ela começou a declama-lo:

Pensando bem, em tudo o que a gente vê, e vivencia, e ouve e pensa, não existe uma pessoa certa pra gente. Existe uma pessoa, que se você for parar pra pensar, é na verdade, a pessoa errada. Porque a pessoa certa faz tudo certinho: chega na hora certa, fala as coisas certas, faz as coisas certas.Mas nem sempre precisamos das coisas certas. Aí é a hora de procurar a pessoa errada. A pessoa errada te faz perder a cabeça, fazer loucuras, perder a hora, morrer de amor. A pessoa errada vai ficar um dia sem te procurar, que é para na hora que vocês se encontrarem a entrega seja muito mais verdadeira.A pessoa errada, é na verdade, aquilo que a gente chama de pessoa certa. Essa pessoa vai te fazer chorar, mas uma hora depois vai estar enxugando suas lagrimas, essa pessoa vai tirar seu sono, mas vai te dar em troca uma inesquecível noite de amor. Essa pessoa pode não estar 100% do tempo ao seu lado, mas vai estar toda a vida esperando você.A pessoa errada tem que aparecer para todo mundo, porque a vida não é certa, nada aqui é certo. O certo mesmo é que temos que viver cada momento, cada segundo amando, sorrindo, chorando, pensando, agindo, querendo e conseguindo. Só assim, é possível chegar aquele momento do dia em que a gente diz: "Graças a Deus, deu tudo certo!", quando na verdade, tudo o que Ele quer, é que a gente encontre a pessoa errada, Para que as coisas comecem a realmente funcionar direito prá gente.

Ao final, eu já estava com lágrimas nos olhos. Parei meu passo, olhei para ela, aquela criatura que nunca parava de me surpreender. Que me amava tanto que foi capaz de ficar ao meu lado quando eu mesma denunciei meu pai para as autoridades. Mesmo quando ela tinha uma vida de rainha ao lado do homem que amava.

Ela estava ali, me dando a maior lição da minha vida. A que eu poderia permanecer inteira, feliz ao lado de quem eu amava. Porque o tempo havia passado. Frederico cumpriu todas as suas promessas.

E somente eu me agarrava com unhas e dentes a algo que eu não tinha mais: limite para amar!

Girei meu corpo, olhando para trás uma única vez, caminhando na direção contrária.

Eu iria descobrir em breve se era possível amar alguém por duas vezes na mesma vida.

Fim.


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