A Guardian's Diary 3 - Seasons of love escrita por Lino Linadoon


Capítulo 1
Capítulo 1 - Realização


Notas iniciais do capítulo

Ola minha gente querida! EU estou de volta com a terceira parte da minha serie "A Guardian's Diary"! :D

Nota de 2022:
O começo dessa fic acontece literalmente alguns dias depois de Guardian's diary 2!

EDIT: 20/12/2022 - CAPÍTULO REESCRITO!



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   “Alo~?”

   Dentiana desviou sua atenção das fadinhas que estava comandando, sorrindo ao ver o Espírito do Amor se inclinando contra uma das torres enfeitadas do palácio.

   “Cupido! Que bom te ver!” As duas trocaram um abraço.

   “Eu ouvi a novidade de uma de suas fadinhas.” Cupido sorriu, desviando os olhos para a barriga da Fada dos Dentes, ainda completamente lisa. “Meus parabéns, querida!”

   “Obrigada! Ah, eu estou tão animada! E nervosa...” Dentiana riu levemente.

   “Imagino.” Cupido riu. “Aposto que o Papai Noel está para além da lua!”

   “Ah, e como!” A Fada dos Dentes sorriu ao pensar no Guardião. “Ele não para de falar sobre isso, ele já começou a preparar um quarto para o bebê, e os brinquedos, e o berço...” Ele moveu a mão em um gesto bobo, seus olhos brilhando de repente. “E você ouviu sobre Jack?”

   “Não...?” O Espírito do Amor ergueu uma sobrancelha.

   “Pois é, é uma surpresa, mas ele também está grávido!” Dentiana disse e esperou para ver a reação da outra.

   Cupido piscou uma ou duas vezes enquanto processava aquela informação.

   “Sério?” Ela disse finalmente, um sorrindo aos poucos iluminando seu rosto. “Bem, isso é inesperado... E como eles estão lidando com tudo isso?”

   “Ah, eu não sei. Ambos pareciam bem chocados. O que não é uma surpresa!” Dentiana mencionou, tomando um pequeno momento para instruir suas fadas antes de voltar para a conversa, sua voz mais solene dessa vez. “Mas eu conheço Coelhão, ele está feliz, acho que ele só está nervoso pelo Jack...”

   “Sei.” Cupido assentiu, se inclinando contra a torre ao seu lado. “Bem, acabar grávido de repente quando você é um rapaz como ele não é algo fácil de aceitar.”

   “Tem toda a razão.” Dentiana assentiu.

   O silêncio cresceu entre as duas fadas, o som das asas das milhares de fadinhas e da Fada dos Dentes sendo o único som ao redor. Não era preciso dizer nada, ambas sabiam que estavam pensando na mesma coisa.

   “Ah...” Cupido disse finalmente, sorrindo. “Mas de qualquer modo, eu fico feliz pelo coelho...”

   “É, eu também...” Dentiana assentiu, retribuindo o sorriso, pensando sobre seu amigo Guardião e em tudo pelo qual ele já tinha passado.

—G-

   Jack e Coelhão estavam deitados no ninho, silêncio reinando entre os dois. Não era um silêncio comum e confortável, do tipo em que eles se encontravam muitas vezes envoltos, mas também não era desconfortável, ou tenso. Parecia ser mais uma mistura entre ambos os sentimentos, como se um tom agridoce flutuasse entre o casal.

   Jack brincava com os pelos da cintura do Pooka, enquanto Coelhão entrelaçava seus dedos pelos cabelos brancos do rapaz. Ambos perdidos em pensamentos.

   Até que o Guardião da Diversão suspirou, sua respiração gelada fazendo o outro tremer levemente.

   “Então...” Ele disse em um tom quase tímido. “Eu estou grávido.”

   “Aparentemente.” Coelhão assentiu, os olhos ainda presos no teto de pedra da toca.

   Uma pausa.

   “Mas como isso é possível?” Jack murmurou.

   “Eu não sei, Jack.” Foi a vez de Coelhão suspirar, balançando a cabeça. “Eu não sei...”

   Jack se remexeu, erguendo o olhar para o Pooka, examinando sua face, tentando encontrar alguma coisa – o quê, ele não saberia dizer. Se desvencilhando do braço de Coelhão, que caiu no ninho ao lado dele, ele se moveu até ficar acima de seu namorado, de modo que seus olhos pudessem se encontrar novamente.

   “Ei... Você está bem?” Ele perguntou, erguendo uma mão e afagando a bochecha felpuda do outro.

   Coelhão encarou Jack por um momento, os olhos verdes pesados e distantes. Jack não sabia como se sentia vendo aquilo. Após mais alguns segundos de silêncio, o Pooka suspirou, segurando a mão pálida do garoto com uma pata.

   “Estava tentando pensar em como isso pode ter acontecido.” Ele disse, levando a mão de Jack para seu peito e a segurando ali. Jack notou como a voz de Coelhão era tão distante quanto seus olhos. “Eu sou o Guardião da Esperança, eu tenho conexões com a primavera, a estação da vida. Tanto os Pookas quanto os leporidaes são conhecidos por se reproduzir rápido e em grande quantidade...”

   “Leporidae...?”

   “Coelhos.” Coelhão esclareceu.

   “Ah, claro...” Jack assentiu. “Você acha que isso tem relação?”

   “Talvez. E isso me preocupa...” Coelhão suspirou mais uma vez, suas sobrancelhas grossas se unindo. “Saber que isso é culpa minha, que eu fiz com que você...” Ele não terminou de falar, como se não gostasse nem de pensar naquilo.

   Jack piscou uma ou duas vezes, compreendendo o que tinha se passado pela mente de seu namorado esse tempo todo.

   “Coelhão, você não fez isso comigo...” Jack retrucou rapidamente.

   “E se eu fiz?” Coelhão interrompeu, sem tom um pouco mais forte, mas ainda com aquele mesmo tom de vergonha. “Eu tenho poderes ligados à natureza, Jack, inclusive ligados à fertilidade. E se eu... Te forcei a isso sem notar...”

   “Se você fez sem intensão então você não me ‘forçou’ a nada!” Foi a vez de Jack interromper. Ele agarrou o ombro de Coelhão, o forçando a se voltar para ele, de modo que olhasse em seus olhos e pudesse ver que o garoto não o culpava de nada. “As coisas não funcionam assim.”

   Coelhão abriu a boca para retrucar, mas nada saiu. Ele encarou os olhos do rapaz, azul no verde, e Jack pôde sentir a tensão dos músculos em baixo de seus dedos aos poucos se aliviar. O Pooka balançou a cabeça e suspirou.

   “Ainda assim, se eu tive alguma coisa a ver com isso sem a sua permissão, sem o seu consentimento, ainda é errado Jack.” Ele disse, seu tom de voz mais calmo agora, mas que ainda penitente. O garoto do inverno balançou a cabeça, mas se manteve quieto, inclinando o corpo contra o lado do outro e sentindo uma pata gentilmente tocar suas costas “Por anos eu aceitei que nunca teria alguém, tanto para amar quanto para ter uma família propriamente minha...” Coelhão manteve os olhos desviados, sem focar em nada em particular, como se ele não estivesse ali, mas em algum outro lugar, perdido em suas memórias. “Eu decidi que o máximo que eu podia fazer era me manter de pé, continuar vivendo, para manter o que resta dos Pookas vivo através de mim e de mim apenas...”

   O coração de Jack se apertou ao ouvir aquelas palavras e ele se aninhou mais ainda ao lado de Coelhão, desejando podê-lo envolver completamente com seu corpo.

   Essa não era a primeira vez que os dois conversavam sobre aquele tópico. Jack sempre tivera curiosidade sobre a espécie de Coelhão, mas ele nunca tinha conseguido muita informação do Pooka antes deles...

   Oh.

   O rosto de Jack esfriou consideravelmente e pelo modo como Coelhão se moveu, ele notou a mudança.

   “Ah, mas é claro...” O rapaz murmurou contra o ombro do Pooka.

   O Guardião da Esperança se moveu de lado, para poder ver melhor o rapaz.

   “Jack?” Ele perguntou, erguendo uma sobrancelha. A esse ponto ela já reconhecia o que aquele tom de voz queria dizer: Jack tinha pensado em alguma coisa séria, algo que só agora tinha chegado a ele, e que com certeza algo que tinha a ver com o tema da conversa.

   Dois olhos azuis brilhantes se voltaram para o outro com um ar tímido e Jack não se moveu mais que isso.

   “Eu... Acho que agora eu entendi o que aconteceu...” Ele disse simplesmente.

   “O que?” Coelhão perguntou, interessado.

   “Faz um tempo...” Jack murmurou, balançando a cabeça e prendendo os olhos nas marcas escuras no ombro felpudo do Pooka. “Mas você se lembra de uma conversa que a gente teve? Ano passado? Sobre Pookas.”

—-

   “Coelhão...”

   “Hm?” Coelhão nem levantou os olhos do ovinho que estava pintando.

   “Então...” Jack começou, tentando ter cuidado com as palavras que escolhia. Seus olhos estudaram o Guardião ao seu lado, das orelhas longas até a cauda felpuda. Ele respirou fundo, decidindo soltar de uma vez. “Você é um Pooka, não é?”

   “Sim.” Coelhão respondeu simplesmente, misturando com o pincel dois tons diferentes de verde.

   Jack assentiu. O Pooka ainda parecia relaxado.

   “E você não é desse planeta, né?” Ele continuou.

   “Não.” Coelhão balançou a cabeça, erguendo o ovinho e o examinando com os olhos. Seu focinho moveu levemente, os bigodes tremendo. “Porque a pergunta?”

   “Só curioso.” O Espírito do Inverno deu de ombros, desviando os olhos para o ovinho que ele devia estar pintando.

   Jack tinha se acostumado a ajudar o Pooka com seu dia festivo, aprimorando mais e mais sua habilidade artística com o tempo. Pintar ovos com Coelhão tinha se tornado uma de suas atividades favoritas na Toca. Se bem que, a esse ponto, Jack já tinha se acostumado a passar a maior parte do tempo na Toca do Coelho da Páscoa, exceto quando ele tinha trabalho para fazer ou quando sentia saudade de alguns amigos.

   Coelhão comentava como ele nunca tinha esperado gostar de ter o rapaz o tempo todo ao seu lado. Algo que fazia o rapaz rir no começo, até que, aos poucos, começou a fazê-lo pensar. Coelhão gostava de levar Jack para passear pela Toca, mostrando alguns cantos diferentes do lugar que o rapaz nunca tinha visto antes. Jack via marcas e imagens esculpidas nas rochas, imagens de coelhos gigantes e de ovos de tamanhos variados.

   Jack começou a imaginar como seria aquele lugar cheio de outros como Coelhão, vários coelhos gigantes andando para lá e para cá. A Toca era um lugar grande, que continuava por quilômetros e quilômetros em baixo da terra, Jack não se surpreenderia em saber que comunidades inteiras de Pookas podiam viver ali. Mas não havia mais ninguém ali, só ele e Coelhão.

   “E... Há outros Pookas por aí?” Jack perguntou, uma pergunta que já estava em sua cabeça há um bom tempo.

   Pela primeira vez, Coelhão reagiu. Ele parou por um momento, suas orelhas tremendo de leve. Jack não conseguia ver o rosto do outro do lugar onde estava sentado.

   “Não.” Ele disse alguns segundos depois, voltando a pintar o ovinho em suas patas.

   “Não?” Jack perguntou. Aquela palavra havia saído tão rápida, curta e direta ao ponto. O rapaz se sentiu desconfortável. “Eu estava falando sobre Pookas aqui na Terra, mas lá fora--”

   “Nem aqui, nem lá fora.” Coelhão disse simplesmente, sua voz não era forte, mas ainda assim foi capaz de fazer o garoto se calar no mesmo instante. Ele deixou que o ovinho saltasse para longe e que outro tomasse seu lugar, sem nenhuma vez se voltar para Jack. “Eu sou o único.”

   Jack piscou uma ou duas vezes, sentindo como se as palavras de seu namorado tivessem congelado sua voz. Havia um tom solene na voz de Coelhão, mostrando que aquele era um tópico sensível, mas também que, de algum modo, ele havia feito paz com aquilo.

   “O único...” Jack finalmente murmurou, processando aquela informação. “Tipo, no universo?”

   “Sim.” Coelhão disse, usando aquele mesmo tom. Ele suspirou, deixando o pincel de lado, mas ainda segurando o ovinho em sua pata. “Acredite em mim, Frostbite, eu procurei, eu tive esperanças por muito tempo de encontrar pelo menos um, mas...”

   “Mas... Como...?” Jack se ouviu perguntando antes que pudesse se segurar.

   “Breu.” A palavra saltou dos lábios do Pooka como se fosse veneno.

   “Ah...”

   “Antes mesmo da Idade das Trevas, Breu era muito poderoso.” Coelhão continuou falando, sabendo que o garoto iria querer mais informações. Jack não conseguia ler o tom de voz dele, era como se não houvesse vida alguma em suas palavras. “Meu povo sabia que ele e seus comparsas deviam ser parados. No fim...” Uma pausa. Um suspiro. Os ombros de Coelhão caíram levemente, assim como suas orelhas. “Eu fui o único que sobrou. O único ainda entre Breu e aquilo que ele tenta conquistar.”

   O garoto de gelo sentiu um arrepio descer por seu corpo e ele se encolheu um pouco, como se estivesse com frio – ironicamente. Mas ele sabia que não tinha se arrepiado de frio, nem sequer por causa de medo, mas sim por outro motivo, algo mais profundo.

   Jack prendeu seus olhos no ovinho que seu namorado segurava, vendo como esse afagava o pequeno presentinho de Páscoa com o polegar. Havia um tom reverente naquele ato, mas ao mesmo tempo melancólico, como se o ovinho representasse mais do que só o que era por fora.

   Jack abriu a boca para falar, mas não sabia o que dizer.

   Ele se levantou, deixando o ovo que pintava de lado, e se aproximando de seu namorado. As orelhas de Coelhão tremeram levemente quando Jack envolveu seus ombros em um abraço.

   “Eu sinto muito, Coelhão...” Jack murmurou contra o pelo cinza-azulado.

   Coelhão nada disse, apenas ergueu uma pata e gentilmente afagou os braços pálidos do rapaz. Jack tinha muitas perguntas ainda, ele queria saber como e quando, mas ele se segurou, decidindo que não era a hora para aquilo, talvez essa hora nunca chegasse.

   Os dois ficaram em silêncio novamente.

   Por trezentos anos Jack esteve sozinho. Demoraram alguns cem anos para ele se encontrar com outro espírito de estação, mas durante todos aqueles anos, Jack esteve em sua maioria sozinho. Por um tempo ele tentou dizer para si mesmo que ele estava bem sem ninguém, mas depois de uns duzentos anos, ele já não podia mentir para si mesmo.

   E agora que ele tinha os Guardiões, ele nem sequer conseguia pensar em tal coisa, em ficar sozinho de novo.

   Sendo um Guardião e vivendo entre esses, Jack notou como muito do que ele pensava sobre os Guardiões estava errado. Sim, eles eram amigos e eram um grupo que trabalha bem em equipe, e, de um modo ou de outro, pode-se dizer que eles eram como uma família. Mas ainda assim havia uma distância entre os quatro que não era notado por aqueles que os viam de fora. Cada um dos Guardiões tinha a sua própria história, e era claro que todos sabiam sobre a história de cada um, mas ainda assim, cada Guardião era seu próprio mundinho, e tais mundinhos pareciam nunca se colidir.

   Coelhão ainda era um pouco reservado sobre seu mundinho e Jack também era assim, mas aos poucos eles tinham começado a se abrir um para o outro. Jack tinha quase certeza de que ele sabia coisas sobre o Pooka, que os outros Guardiões não sabiam. Isso deixava o garoto feliz, tanto quanto o incomodava. Havia tanto ainda que ele queria saber sobre Coelhão, coisas que ele sentia que o Pooka revelaria para ele, aos poucos, se ele tivesse paciência.

   Jack ficava feliz sabendo que Coelhão confiava o bastante nele para contar-lhe essas coisas.

   Ele as vezes se perguntava se Coelhão era diferente de como ele é agora, quando ele tinha outros Pookas por perto. Jack sabia que perder todos que você conhece e ama é algo traumático, algo que mudava uma pessoa. Um Pooka com certeza não seria imune à tal coisa; e o modo como Coelhão tinha agido quando Jack falou sobre aquilo, demonstrava isso.

   “Então... Você é o último da sua espécie...” Jack murmurou contra o pelo de seu namorado. Coelhão fez um som baixo, mostrando que estava ouvindo. “Nem mesmo se você tivesse um... Um filhote, já que não há nenhuma Pooka fêmea por aí para--”

   “Nenhum Pooka em geral, macho ou fêmea. Qualquer um pode ter filhotes se quiser.” Coelhão esclareceu, movendo a cabeça de modo afirmativo. Jack estava surpreso com aquilo, mas não disse nada. “Mas, sim, você está certo. Minha espécie está praticamente extinta.”

   Só ouvir aquela palavra fez o coração de Jack doer.

   “É uma pena...” Ele murmurou sem saber o que dizer.

   “Sim, é uma pena.” Coelhão assentiu novamente e então deu de ombros, movendo o rapaz junto com ele. “Mas a vida continua.”

   “Pois é...” Jack suspirou. Tanto a palavra quanto o tom de Coelhão eram tão resignados que doía.

   O rapaz deslizou os braços dos ombros do Pooka, se sentando ao lado desse, de modo que pudesse ver o rosto do outro, mas sem entrar em seu caminho. Coelhão ergueu os olhos do ovo que ainda segurava, lançando um olhar curioso para seu namorado. Jack encarou aqueles olhos, tentando lê-los, sem sucesso.

   Mas havia um brilho aberto neles, como se Coelhão desejasse falar sobre aquilo, mas não tivesse coragem de confirmar tal coisa. Jack podia ajuda-lo com isso.

   “Você tinha uma família?” Ele perguntou, sorrindo gentilmente para o Pooka.

   Coelhão soltou uma risada baixa.

   “Famílias Pookanas são diferentes do que vocês humanos chamam de família, mas sim, eu tinha meus pais e meus irmãos e irmãs. Éramos muitos.” Ele disse, um sorriso surgindo em seu rosto. Era pequeno, um tanto melancólico, mas ainda assim um sorriso feliz.

   Jack assentiu, curioso sobre o que ele queria dizer sobre aquilo, sobre famílias pookanas. “Éramos muitos” ficou se repetindo em sua cabeça. Não era de se admirar mesmo que eles tinham muitos filhotes, já que os Pookas eram coelhos gigantes.

   Filhotes...

   Jack mordeu o lábio, sentindo suas bochechas congelarem levemente ao pensar naquilo.

   Coelhão era velho, bem velho, mais velho que o planeta terra de acordo com o que ele tinha contado para o espírito do inverno. E sim, fazia milhares de anos em que ele se encontrava sozinho, mas ainda assim, ele já devia ter vivido muito com seu próprio povo antes que eles...

   “Você...” Jack começou. “Você já teve... Um namorado antes? Ou namorada?”

   Coelhão ergueu os olhos do ovo que tinha voltado a pintar. Ele apertou as sobrancelhas levemente, examinando o rapaz em silêncio. Jack se perguntou o que ele estava procurando. Não era como se o garoto tivesse ciúmes do passado do Pooka, ele só estava curioso.

   “Sim.” Coelhão respondeu e Jack notou que esteve segurando a respiração esse tempo todo. “Alguns.” O Pooka adicionou com um tom quase brincalhão. Jack revirou os olhos, incapaz de segurar uma risadinha.

   “E...” Jack disse, timidamente, se sentindo um pouco nervoso. “Você já teve... Filhos? Filhotes?”

   Os bigodes de Coelhão tremeram e ele suspirou, o ar tremendo ao sair de sua boca.

   “Sim...” Ele disse.

   “Oh...”

   Então Coelhão já tinha tido filhos, ele já tinha sido um pai. Ele não tinha só perdido sua espécie inteira, ele tinha perdido seus companheiros e filhos também. Jack não conseguia imaginar como aquilo devia ter doido, como ainda doía.

   Mas, ainda assim, sua mente não conseguiu deixar de imaginar como Coelhão seria como um pai. Jack se lembrou do Guardião com a pequena Sophie e sorriu. Coelhão seria um bom pai. Ele se perguntou se cuidar de Sophie na Toca tinha de algum modo feito o Pooka se lembrar de outras crianças, de muitos anos atrás.

   “Se...” Jack perguntou, ainda examinando o outro para ter certeza de que não estava atravessando um limite. “Se você pudesse ter filhotes de novo, você teria?”

   Coelhão não respondeu de imediato. Suas orelhas se ergueram mais e ele voltou os olhos para Jack mais uma vez, íris verdes e brilhantes bem visíveis. Jack esperou, se sentindo nervoso enquanto os segundos se esticavam. O focinho e os bigodes de Coelhão tremeram, daquele modo que o rapaz já tinha aprendido querer dizer que ele estava pensando profundamente sobre o tema.

   Não era de se admirar. Jack se perguntava se ele desejaria ter uma família de novo depois de perder tudo o que tinha. Ele sentia que pessoalmente não tinha experiência o bastante para responder àquela pergunta.

   Coelhão desviou os olhos para os ovinhos que se amontoavam ao seu lado.

   “... Sim...”

   Jack soltou o ar que estava segurando com um tom de alívio ao ouvir a resposta.

   Sim. Coelhão teria interesse em ter filhotes de novo, em ter uma família só sua.

   Mas agora ele estava em uma relação com Jack. E Jack não era um Pooka. Eles não podiam...

   Jack sentiu seu rosto congelar ainda mais ao pensar naquilo. Ele se sentiu bobo com o nervoso que subiu por sua garganta, ainda assim, ele podia sentir a pergunta se esgueirando para fora de sua mente, de pouquinho em pouquinho, até que...

   “Se...” Ele hesitou só por um segundo, antes de decidir perguntar de uma vez. “Se você pudesse ter filhotes comigo... Você teria?”

   Jack esperou, mantendo os olhos presos em seus pés descalços. Seus dedos do pé brincavam com a grama clara, segurando algumas folhas com força. Ele só se sentia ainda mais nervoso com o passar dos segundos...

  “Isso não dependeria só de mim...” Coelhão disse finalmente.

   Jack ergueu o olhar. Coelhão o encarava, um olhar diferente em seu rosto, seus olhos verdes estavam brilhando de um modo mais familiar, mas suas sobrancelhas grossas estavam unidas novamente.

   O garoto piscou uma ou duas vezes, processando o que tinha ouvido.

   “Não, Coelhão, estamos falando de você--” Ele disse rapidamente.

   “Não.” Coelhão falou em um tom forte, calando o garoto. Sua expressão havia ficado mais dura, mostrando que ele queria que Jack o levasse a sério. Jack sentiu um arrepio subir por suas costas ao se encontrar em baixo daquele olhar. “Em um relacionamento todas as opiniões importam.” O olhar do Pooka pareceu se aliviar levemente. “Você gostaria de ter um filhote comigo, Jack?”

   Jack gaguejou por um momento, processando o fato de que o outro havia jogado sua própria pergunta contra ele.

   “É só uma pergunta hipotética...” Ele murmurou baixinho.

   “Hipoteticamente falando, você gostaria de ter um filhote comigo, Jack?” Coelhão reformulou.

   Jack hesitou.

   Ele encarou seu namorado e esse fez o mesmo com ele.

   Ele gostaria de ter filhotes com Coelhão...?

   “Sim...” Jack se ouviu falando.

   Uma pausa.

   Os olhos de Coelhão se abriram um pouco mais e ele piscou, processando a informação. Antes de desviar sua atenção para nada em particular.

   “Sim.” Ele repetiu.

   O silêncio retornou. Alguns dos ovinhos pareciam ter notado como aquela conversa estava demorando e continuaram em seu caminho em direção das plantas entrelaçadas, deixando os dois sozinhos.

   Jack não sabia o que dizer, sentindo um misto de sentimentos diferentes rondando sua cabeça. Ele estava nervoso, sem saber o que Coelhão estava pensando sobre aquela conversa; também estava envergonhado por admitir tal coisa, sem mesmo saber porque se sentia assim; mas ainda assim havia um pouco de alegria vibrando em seu peito, um sentimento de amor pelo Pooka que ele já conhecia bem; e, entre tudo isso, estava a melancolia que havia crescido com o que ele tinha ouvido sobre o Guardião e sua espécie ancestral.

   “Tipo... Isso não iria salvar a sua espécie, mas...” Jack murmurou, tentando encontrar uma desculpa para o que ele tinha perguntado, para toda aquela conversa, mas depois de um tempo, ele se calou. Não havia porque fazer aquilo. Ele sabia que Coelhão entendia.

   “É.” O Guardião da Esperança assentiu.

   E aquilo parecia o bastante para pôr um fim à conversa.

   Jack desviou os olhos para os ovos, observando enquanto eles desciam pelas colinas da Toca, sendo guiados pelos Ovos Sentinelas. O rapaz se lembrou de ver aquilo pela primeira vez, sete anos atrás, e de uma garotinha correndo atrás dos vários ovos.

   Mas por um momento ele não viu Sophie, e sim outro ser.

   Jack se ouviu rindo baixinho, o que chamou a atenção de Coelhão.

   “O que?” Ele perguntou, erguendo uma sobrancelha.

   Jack voltou seu sorriso para Coelhão, se sentindo um tanto bobo com aquele pensamento.

   “Nada, só imaginando um mini Coelhão andando pela Toca.” Ele admitiu.

   Os olhos de Coelhão se abriram um pouco mais e seu focinho tremeu. Ele observou seus ovinhos de Páscoa e Jack decidiu voltar a fazer o mesmo. Ele não sabia o que se passava na mente do outro...

   “Hum...” O Pooka murmurou e quando o garoto de gelo se voltou para ele, ele estava sorrindo. “Um Pooka da neve.”

   “O que?”

   O sorriso de Coelhão era ainda mais doce quando ele se voltou para seu namorado.

   “Um pequeno Pooka da neve. Pelo branco que nem o seu cabelo, os olhos azuis que nem os seus...” Jack sentiu seu rosto ficar ainda mais gelado e o sorriso do outro se esticou. Ele esticou uma pata e afastou as mechas brancas que caiam sobre a testa de Jack. “Uma gracinha.”

   O Guardião da Diversão não sabia o que dizer quanto àquilo, então ele só riu baixinho, apertando o rosto contra a pata de seu namorado, sentindo quando esse tremeu levemente com o frio de suas bochechas. A imagem que Coelhão tinha criado ficou presa em sua mente e quando o garoto acabou dormindo mais tarde em cima do outro, ele sonhou com filhotes de Pooka.

—-

   “Eu... Fiquei com aquilo na cabeça.” Jack admitiu.

   “Jack...” Coelhão disse, o nome do rapaz saindo como um suspiro de seus lábios.

   Jack ergueu os olhos, encontrando aquele mesmo olhar doce voltado para ele. Mas havia algo mais naqueles olhos verdes, uma estranha incerteza.

   “E... Alguns dias depois eu vi uma estrela cadente e...” O garoto continuou, se lembrando daquela noite. “Eu não desejei exatamente que eu ficasse grávido! Claro que não!” Ele esclareceu rapidamente. “Mas... Eu desejei que houvesse um jeito de... Bom, de fazer aquilo acontecer.”

   Houve uma pausa entre os dois.

   Jack timidamente manteve os olhos presos em Coelhão, esperando por alguma coisa. O Pooka parecia preso em pensamentos mais uma vez, mas sua atenção nunca deixou o garoto, os olhos verdes ainda brilhando em um rosto que demonstrava surpresa, choque talvez.

   “Às vezes estrelas realizam desejos de modos... Inesperados...” Foi só o que disse.

   “Bota inesperado nisso!” Jack riu.

   O silêncio voltou.

   Coelhão inclinou a cabeça para o lado, como que curioso. Jack o encarou, erguendo uma sobrancelha. E então uma pata grande pousou na mão gelada de Jack, quase fazendo o garoto pular; o polegar grande e felpudo, gentilmente afagou a pele pálida de Jack, a garra cega e escondida roçando contra os nós de seus dedos. Era um toque tão gentil. Jack sentiu seu corpo relaxar, notando pela primeira vez como cada músculo de seu corpo estava tenso, nervoso.

   Ele sorriu para o outro Guardião, recebendo outro sorriso em troca. Não era a primeira vez que Coelhão notava o quão tenso o rapaz estava, e também não era a primeira vez que ele o ajudava naquilo com apenas um toque.

   Coelhão era sempre tão atencioso. Ele seria um ótimo pai.

   Jack suspirou. Ele ergueu a pata felpuda para seu rosto, apertando o nariz contra a almofada na palma dessa.

   “Eu... Eu vou dizer a verdade, Coelhão...” Disse. “Eu não sei como eu me sinto quanto a isso.” Ele ergueu os olhos para seu namorado. “E não só a gravidez, o que já é bem estranho, mas... Sabe, toda a ideia de ser um pai.”

   “Sei...” Coelhão assentiu.

   “Mas...” Jack suspirou, sorrindo. “Ao mesmo tempo eu fico feliz em saber que... De algum modo eu posso fazer isso por você...”

   O Pooka não respondeu por alguns segundos.

   “Jack, eu te disse que em uma relação ambas opiniões importam...”

   “Eu sei. E é por isso que eu estou dizendo que estou feliz em ter seus filhotes. Ou filhote. Ou bebê. Ou sei lá o que.” Jack deu de ombros e então ficou sério novamente. “E não é só por você, Coelhão.” As sobrancelhas de Coelhão se ergueram com interesse e Jack sentiu suas bochechas esfriarem. “Eu nunca pensei em ter crianças, mas as vezes me vinha a cabeça, quando eu via as crianças lá fora com seus pais...”

   Ele se lembrou de todas as vezes que tinha parado para observar várias famílias mundo afora, como as vezes ele desejava estar no lugar das crianças, recebendo o amor de uma figura paterna ou materna; e como as vezes se imaginava no lugar dos pais, dando aquele mesmo tipo de amor para algum pequenino, alguém que significava para ele mais do que ele poderia imaginar.

   Sorrindo com a imagem, ele voltou os olhos para Coelhão novamente, seu peito esquentando ao pensar em seu namorado mais uma vez.

   “Se tem alguém com quem eu gostaria de ter uma família, esse alguém é você, Coelhão.” Ele disse.

   “Jack...” Coelhão disse, sua voz nada mais que um sussurro.

   Os Guardiões se encararam em silêncio.

   Havia um brilho diferente nos olhos de Coelhão, mas que Jack já tinha aprendido a notar. Era um brilho gentil, doce, que transmitia tanta coisa que o rapaz mal podia registrar. Mas ele conseguia sentir amor naquele brilho, além de algo mais, algo quase reverenciador...

   Aparentemente Coelhão olhava para Jack daquele modo já fazia um tempo, o rapaz só nunca tinha notado até dois anos atrás. Era estranho pensar em como sua vida tinha mudado naqueles últimos cinco anos.

   “Às vezes eu não consegui aceitar que tudo isso é verdade...” Ele murmurou baixinho, contra a pata do outro. “Saber que estamos juntos, que vamos ter uma família...” Ele desviou os olhos para sua barriga, ainda lisa. “Eu passei centenas de anos sozinhos. É estranho me sentir assim tão feliz convivendo com uma pessoa, ou Pooka.” Jack sorriu ao ver Coelhão revirar os olhos. “Eu sempre espero acordar sozinho, em um galho de árvore perto do meu lago...”

   As palavras morreram em sua garganta.

   Jack não gostava de pensar naquilo, mas aqueles pensamentos sempre retornavam em algum momento. Doía. Ele sempre precisava dizer para si mesmo que as coisas tinham mudado, que ele não estava mais sozinho e agora podia ter esperanças de que não ia, nunca mais, ficar sozinho.

   Esperanças...

   A pata na bochecha de Jack se moveu, agarrando os dedos do garoto e o tirando de seus pensamentos.

   “Jack?” Coelhão chamou, como que para ter certeza de que o rapaz ainda estava ali com ele.

   “Sim?” Jack encontrou os olhos do outro. Coelhão estava sorrindo.

   “Venha, tem algo que eu quero te mostrar...” Ele disse, se levantando e forçando o rapaz a fazer o mesmo enquanto segurava sua mão.

   “Tá bom...” Jack disse, sem saber sobre o que o outro falava, mas se sentindo curioso de qualquer modo.

   Coelhão sorriu mais uma vez, antes de puxar Jack em uma direção. Jack se deixou sendo guiado, passando por caminhos que ele já conhecia, até que eles fizeram um contorno que o garoto não estava esperando.

   Eles desceram por entre duas colinas, na direção de duas grandes paredes de pedra, que se uniam para formar o corredor longo de uma caverna. Jack sentiu seu corpo se arrepiar quando eles entraram na sombra da caverna, deixando a luz do céu artificial para trás; mas não era por frio, é claro que não, mas sim por causa de algum tipo de energia; havia alguma coisa ali, poderosa e antiga, e Jack conseguia senti-la em seus ossos.

   O caminho estreito aos poucos foi se abrindo, uma luz fraca e esverdeada iluminando o outro fim do corredor de pedra, e Jack pôde notar melhor que haviam desenhos cravados nas rochas.

   Ele não conseguiu definir muito as formas, mas eram parecidas com as demais marcas que enfeitavam vários lugares importantes da Toca, que Coelhão já tinha mostrado para ele e ele mesmo havia explorado. E na escuridão, Jack notou que o musgo nas paredes de pedra brilhava, um brilho verde e suave, as vezes azul cá e lá, as vezes amarelo.

   O corredor de pedra se abriu finalmente, revelando uma caverna muito maior. Mas não parecia ser só uma caverna, mas sim um salão enorme. Vigas de pedra se erguiam do chão ao teto, com formas ovais esculpidas em pedra, todas apresentando os mesmos detalhes que Jack já tinha visto nos Ovos Sentinelas, embora esses fossem feitos para ficar imóveis, para sempre presos em uma só posição. Pequenos córregos de água clara escorriam aos pés das vigas, e no silêncio do lugar, tudo o que se ouvia era o gotejar de água caindo provavelmente do teto.

   A luz verde vinha do musgo e das plantas nas paredes, no chão e no teto; enormes vinhas desciam do teto, envolvendo as vigas, tudo brilhando em verde, azul e amarelo. Jack se lembrou de algumas cavernas cheias de criaturas e plantas bioluminescentes que ele já tinha visto e visitado em sua longa vida. A única luz diferente vinha de um ponto ao fundo do salão de pedra, em que um facho que luz branca descia de um buraco no teto.

   Jack tomou alguns passos para dentro da caverna, notando as imagens esculpidas na parede. Imagens de coelhos gigantes além de ovos de variadas formas e tamanhos. Jack notou como o musgo enfeitava cada grupo de imagens, destacando partes em especial, que o rapaz notou serem as marcas em pelo mais escuras que Coelhão carregava em seus braços e na testa. Ele reconheceu as marcas em forma de flores que enfeitavam os Pookas nas paredes, mas viu que havia marcas diferentes, dependendo dos grupos de imagens.

   “O que... O que é isso aqui?” Jack perguntou, se voltando para Coelhão, que tinha parado ao lado das vigas na entrada.

   “Um templo. Por assim dizer.” O Pooka deu de ombros como se não fosse importante. “Fiz esse lugar como um tributo para meu povo.”

   “Você fez tudo isso?” Jack perguntou, maravilhado.

   Coelhão sorriu torto e o garoto se lembrou que, de acordo com os Guardiões, o mundo nem sequer seria redondo se Coelhão não tivesse interferido; criar um templo como aquele era coisa fácil para alguém como o Guardião da Esperança.

   “Esculpi cada uma dessas imagens.” Ele passou a pata pelos sulcos nas rochas. “Dos Pookas dos Vales até os Pookas da Neve.” Ele apontou do grupo que apresentava as mesmas marcas floridas dele para um outro grupo, longe desses. “Para ter certeza de que a memória desses continuaria aqui, comigo.”

   Jack se aproximou as imagens. Os Pookas da Neve não pareciam muito diferente dos outros, talvez só mais felpudos em algumas partes. A marca deles lembravam o garoto de um desenho bem simplista de um floco de neve. Era estranho pensar que existia um tipo de Pooka que estava conectado ao mesmo elemento do espírito do inverno. Jack tocou os sulcos com cuidado, sentindo o musgo fofo e levemente úmido afundar em baixo de seus dedos.

    “Incrível...” O rapaz disse.

   Ele ouviu passos se aproximando e se virou para seu namorado. Coelhão sorriu para Jack, pegando a mão desse e o guiando em direção do facho de luz no fim do templo.

   “E porque você me trouxe aqui?” Jack perguntou, curioso, incapaz de desviar seus olhos das imagens esculpidas. “O que você quer fazer?”

   “O que você disse me fez pensar...” Coelhão disse simplesmente e os dois pararam frente ao forte facho de luz. “Sobre solidão.”

   Jack desviou os olhos para o chão, notando que a luz caia sobre um pequeno amontoada de plantas. Raminhos finos e pequenos se entrelaçavam cá e lá e, entre eles, estavam duas flores, roxas e simples. Jack já reconhecia bem aquela planta, era uma Aster, o mesmo tipo de flor que aparecia sempre que um dos túneis de Coelhão fechava.

   “Eu achava que trezentos anos sozinho era muito, mas saber que você...” Jack disse, se encolhendo levemente ao falar aquilo. “Desculpe...”

   “Você tem razão.” Coelhão suspirou, seus dedos apertando mais a mão de Jack, mas seus olhos nunca desviando da flor. “Às vezes depois de milhares de anos, a gente para de pensar sobre isso. E é fácil chegar a um ponto em você para de valorizar o suficiente o que você tem.” Ele balançou a cabeça. “Eu, melhor do que ninguém, já devia ter aprendido isso.” E finalmente ele olhou de soslaio para o rapaz. “Mas as vezes é difícil, principalmente quando tem relação à um moleque como você.”

   Jack revirou os olhos, incapaz de segurar uma risada. Ele se inclinou, tocando seu ombro com o braço do Pooka. Coelhão se virou para Jack, o olhando daquele modo que fazia o coração do rapaz bater mais forte e seu corpo derreter por completo. Ele sentiu os dedos de Coelhão apertarem os seus mais uma vez, antes que a pata soltasse sua mão.

   “Mas eu decidi que já que as coisas estão mudando...”

   Coelhão se abaixou, agarrando um dos raminhos que se entrelaçavam com as flores. Ele o cortou com uma garra sem a menor dificuldade e se levantou novamente. Os olhos de Jack se desviaram das patas desse para seu rosto, tentando entender o que estava acontecendo.

   “Sabe, muitos Pookas não se importavam em fazer isso, enquanto outros gostavam de fazer coisas serem mais especiais.” O Guardião falou enquanto trabalhava. “Mas você é humano, então eu acho que o mínimo que eu posso fazer...” Ele se voltou totalmente para o rapaz, mostrando o que tinha criado com o raminho. “É isso.”

   Em seus dedos grandes, estava um anel, feito do raminho entrelaçado. Era tão bem feito que Jack quase nem podia acreditar que Coelhão tinha feito aquilo de modo tão rápido e com tamanha facilidade.

   Demorou ainda mais para Jack totalmente processar o que estava acontecendo ali.

   “O que? Coelhão...?”

   “Eu te amo, Jack.” Coelhão disse e o garoto sentiu suas bochechas ficarem azuis. Já fazia um tempo desde a primeira vez que os dois disseram “eu te amo”, eles já tinham repetido aquela frase várias vezes, mas ela ainda assim sempre conseguia uma reação do rapaz. “Você está carregando um dos meus filhotes. Você é minha família e significa tudo para mim. E, como eu disse, vocês humanos tem suas tradições.” Ele sorriu, novamente estendendo o anel para o garoto. “Então eu pergunto, como os humanos fazem, se você gostaria de casar comigo?”

   Jack não sabia como reagir. Tudo o que ele menos esperava na vida era ser pedido em casamento. Até mesmo quando ele tinha começado um relacionamento com Coelhão, ele nunca tinha pensado em casamento, era simplesmente algo desnecessário em sua opinião; ambos sabiam como se amavam e estavam felizes juntos, eles não precisavam daquilo...

   Mas agora, se vendo naquela posição...

   “Não precisamos de uma cerimônia, ou coisa do tipo. Eu só estou perguntando porque--"

   “Cale a boca.” Coelhão piscou, surpreso pela interrupção. Jack sorriu para o Pooka. “A resposta é sim.”

   Coelhão retribuiu o sorriso.

   Jack desviou os olhos para o anel. Ele nunca tinha usado nenhum tipo de joia ou ornamento, não estava acostumado aquilo e nem achava lá muito interessante. Ele ergueu as mãos, de repente notando o quão nervoso estava, tão nervoso quanto feliz.

   “Uh... Qual mão?”

   “Qualquer uma.” Coelhão disse simplesmente, pegando a mão esquerda do rapaz.

   Jack observou enquanto Coelhão gentilmente deslizava o anel em seu dedo, se perguntando como ele tinha deduzido o tamanho perfeitamente. Era estranho ter algo em seu dedo, mas Jack não reclamou, sentindo por algum motivo, que aquele pequeno anel feito de um ramo de planta era mil vezes mais confortável que um anel de ouro e diamantes.

   Coelhão continuou segurando a mão do rapaz, admirando-o em silêncio.

   “Olhe, Jack, você não precisa usar, eu só...” Ele começou a dizer, como se soubesse o que se passava na cabeça do garoto. Ou talvez ele só estivesse nervoso. Jack tinha notado como Coelhão começava a falar e balbuciar quando ficava nervoso.

   Era uma gracinha.

   Jack ergueu a mão esquerda, apertando os dedos contra os lábios do Pooka.

   “Eu já disse, Coelhão.” Ele sorriu. “Cale a boca.”

   E então trocou seus dedos por seus lábios.


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