Os novos herois do Olimpo escrita por valberto


Capítulo 64
Pondo a conversa em dia.




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Nathalia corria pela floresta esparsa, deixando-se banhar abundantemente pelos raios do sol. A sua armadura de bronze escuro faiscava, fustigada pelo brilho do sol. Deveria poder ser vista a uma centena de metros. Estava na cara que a guerreira estava tentando chamar a atenção de qualquer um, amigo ou inimigo. Na verdade ela achava que conseguiria chamar a atenção dos inimigos com mais facilidade. Achar talvez não fosse a palavra correta: ela esperava chamar a atenção de qualquer monstro que a visse. Ela estava sedenta por uma batalha. Por dentro seu sangue fervia e seu corpo ansiava pelo calor ainda mais intenso da batalha. Afinal de contas era a casa dela que estava sendo atacada e seus irmãos que estavam sendo caçados como animais. Ela entregaria sua vingança na forma de uma espada no peito de seus inimigos, uma polegada de cada vez.

Ela continuou correndo até chegar a estrada pavimentada que levava até o fortim do oeste. O fortim, como era chamado, era uma réplica de uma casamata romana do final do século VI, feito de pedras cortadas, encaixadas e unidas por argamassa. Não era muito grande, mas podia abrigar com alguma boa vontade pelo menos vinte combatentes adultos. Ela chutava que caberiam umas vinte ou trinta crianças: um número bem proporcional a todas as crianças que habitavam o santuário.

Enquanto corria Nathalia deixou a mente vagar. Quanto tempo fazia que Nathalia estava longe de casa? Mais tempo do que havia parecido quando a profecia foi cantada pela primeira vez. O tempo parecia voar quando a menina estava em batalha, mas quando estava fora dela, invariavelmente viajando com os amigos, ele parecia se arrastar miseravelmente. Subitamente a lembrança de dividir uma longa viagem de carro com Eric assombrou a sua mente e ela tossiu nervosa ao lembrar do chulé do menino.

Depois das colinas estava a curva da estrada que levava ao fortim, passando primeiro pela fazenda do velho Sallas. “O mais velho centauro do mundo”, como ele mesmo gostava de se chamar. Era pleno verão e as macieiras exalavam o cheiro gostoso dos brotos. A fazenda, assim como a estrada estava abandonada. Ninguém nos campos, vários trechos da cerca rompidos. Abandonada. Nathalia parou de correr e deixou se perder por uns minutos nas terras abandonadas do velho Sallas. E quando ela deu por si mesma, estava passando na velha casa da árvore.

– Era o nosso forte. – pensou Nathalia em voz alta, como se apenas pensar não fosse o bastante e ela tivesse que ouvir seus próprios pensamentos. – Eu e uns amigos o construímos para viver “grandes aventuras”.

Ela observou a construção. Parecia tão pequena agora, tão diferente dos largos salões que sua memória recordava. Tão pequena e vazia. Seu coração apertou-se ainda mais em melancolia quando viu o que estava na árvore: o túmulo de Tim. Ele era um grande amigo de infância. Morreu com o irmão mais velho quando um dragão mecânico fugiu da oficina de Hefesto e atacou o Santuário. Seu corpo nunca foi recuperado, por isso os amigos resolveram enterrar ali seus brinquedos favoritos, para que ele pudesse brincar com eles nos campos Elísios. A tabuleta de madeira estava seca e desgastada pelos anos e pela ação do clima, mas ainda estava firme sobre a pedra polida de mármore que foi usada como lápide. Quase não conseguia ver o que havia escrito nela. Nathalia parou um segundo e reforçou os escritos com sua adaga. Parecia o justo a se fazer.

Nathalia se recompôs e resolveu cortar caminho pelos campos. A estrada pavimentada dava a volta na fazenda toda. Quem sabe conseguisse compensar o tempo perdido. Mais adiante a silhueta do fortim surgiu como a resposta para uma prece.

Estava como sempre estivera. Uma imponente construção, feita só os deuses sabem quando, provavelmente trazida ali por algum poder divino ou propósito desconhecido. O fortim era o primeiro lugar onde os filhos de Ares conheciam sobre as estratégias da guerra. Todo mundo tinha que passar pelo menos uma vez pela sensação que é defender aquele lugar.

Chegando pela estrada ela divisou os primeiros sinais de luta. Manchas de explosão no chão, pedaços de flechas e lanças partidas e restos de armadura. Mas não tinha nenhum corpo. Não poderia ter mesmo uma vez que a maioria dos inimigos dos deuses evaporam ou se desfazem em poeira quando são destruídos. Mais alguns passos adiante e ela foi saudada por um rosnado. Dois lobos enormes patrulhavam o perímetro à frente da construção. Lobos daquele tamanho só podiam significar que a mão de Artêmis estava envolvida de alguma forma. Um dos lobos rosnou mais alto, como um alerta, quando ela chegou mais perto.

– Ora, cale sua boca, monte de pêlo, ou eu mesma vou reduzir você a um felpudo tapete na sala de troféus! - Nathalia vociferou em direção à fera, olhando fixamente para seus olhos. O lobo de Artêmis, ao contrário de muitas outras criaturas do mundo dos deuses, sabia quando era a hora de se retirar. A fera baixou a cabeça e deixou Nathalia passar.

Mal ela chegou perto da porta dupla de ferro a mesma se abriu e ela foi atacada pelo abraço conhecido de duas meninas filhas de Ares: as caçulinhas do chalé, Júlia e Amara.

– Suas pestinhas! – disse a guerreira em tom brincalhão – me pegaram de surpresa! Não é assim que um guerreiro honrado luta! – a risada das três encheu o ar por uns momentos.

– Ainda bem! – a voz férrea e inflexível de Hyparsia soou com um tom estranhamente satisfeito – eu detestaria que algum filho dos deuses morresse por alguma coisa idiota como “honra em combate”. – Nathalia largou as meninas de lado, avançando um passo com sua espada desembainhada. Ela deu mais dois passos antes de ser detida pelos braços estendidos de Hyparsia. – Uma trégua.

A filha de Ares parou, confusa. Não esperava encontrar caçadoras de Artêmis ali e muito menos Hyparsia. Pelo que sabia a sua cabeça ainda estava à prêmio e ela poderia muito bem estar indo direto para uma armadilha de Apolo. Instintivamente Nathalia perscrutou em volta, esperando alguma armadilha ou emboscada. Seus aguçados sentidos não detectaram nada.

– O que foi? – perguntou exasperada Hyparsia. – Eu disse “uma trégua”. Você tem que aceitar ou não. Não pode ficar bancando a mineira aí, em cima do muro.

– É bom aceitar a trégua – a voz conhecida de Eugênia veio acompanhada de sua figura vestindo uma tradicional armadura das filhas de Atenas. Por baixo da armadura ainda podia-se ver uma camisa que imitava o uniforme da tropa dos lanternas verdes. – Temos muito a conversar e tem uma pessoa aqui que está louca para ver você.

Nathalia aceitou a trégua e entrou no fortim, ladeada pelas gêmeas Júlia e Amara. O fortim tinha um pátio descoberto onde a maior parte das crianças brincava como se fosse o recreio de alguma escola. Pulavam corda, brincavam de pega-pega, rodavam piões e outros ainda brincavam de esconde-esconde. Pareciam alheias à guerra lá fora, devidamente protegidas.

– Conseguimos trazer quase todas para cá – disse Eugênia num tom tranquilizador e melancólico. – Perdemos algumas na batalha, mas... Estas aqui estão vivas e bem cuidadas.

– Você fez em bom trabalho Eugênia – disse Nathalia. – Eu não acho que poderia ter feito melhor diante das circunstâncias.

– Ah, eu não fiz tudo sozinha. Se não fosse a ajuda da irmandade das caçadoras de Artêmis não teria conseguido. Elas mantêm os inimigos longe. – Comentou Eugênia. Nathalia virou-se para Hyparsia. Era possível perceber e tensão entre as duas apesar de Hyparsia disfarçar com muito mais maestria. Por fim Eugênia pediu licença e saiu andando porque estava quase na hora de servir o lanche dos pequenos.

– Muito bonito proteger os moleques aqui. Quase me faz esquecer que você quase me matou e que suas comandadas vivem nos perseguindo. Mas saiba que eu não esqueci. Ainda temos contas a acertar. – Nathalia deixou escapar.

– Eu não peço desculpas e mesmo que pedisse acho que você não estaria inclinada a aceitar – disse pensativa Hyparsia – Mas só combatemos uma vez. Depois que a recompensa pela cabeça de vocês foi retirada por Apolo não tenho motivos para caçar você.

– É mesmo? – disse Nathalia desafiadora – e como você explica os lobos que enfrentamos na praça Roosevelt? Aquela sua caçadora, Kleynna, nos atacou com tudo.

– Kleynna não é mais uma caçadora de Artêmis, embora ainda mantenha seus poderes e sua imortalidade. Ela está obcecada em destruir você e aquele menino quatro olhos, o Oliver. Ela colocou o desejo pessoal acima do dever com a deusa. E isso não perdoamos.

Nathalia lembrou-se imediatamente de um antigo ditado popular associado às caçadoras de Artêmis. “Quer Artêmis tenha piedade de você, porque as caçadoras não terão nenhuma”.

– Somos muito sinceras em nossa devoção. Não há como ser de outra forma. Desobedecer à deusa é um crime de traição. Eu não gostaria de desperdiçar recursos combatendo você quando temos coisas mais importantes para discutir. Por exemplo, eu disse que havia uma pessoa que queria ver você. É sério que você não ficou nem curiosa para saber quem é?

Nathalia sentiu o rosto enrubescer. Estava sendo egoísta. Deixando que mágoas passadas nublassem seu julgamento. A pergunta de Hyparsia mal começou a atiçar sua curiosidade quando ela ouviu uma voz que nos últimos anos só tinha se manifestado em seus sonhos.

– Nathalia... – a voz de Verônica emergiu das sombras ao mesmo momento que a guerreira vestindo roupas de motoqueira também o fez. Era a mesma menina de dez anos atrás. Era como se o tempo não tivesse passado nenhum dia. Ela se parecia demais com Nathalia: cabelos vermelhos cortados curtinhos, pele clara e algumas sardas nas bochechas. Um pouco mais magra, como se a puberdade nunca tivesse chegado totalmente. Os olhos da guerreira se encheram de lágrimas e as duas correram ao encontro uma da outra. Abraçadas e chorando, tentando desesperadamente vencer a saudade de dez anos num único toque, ficaram por um longo tempo até que a urgência da situação as separou.

– Você está tão linda. Uma moça! Ouvi falar muito a seu respeito. – disse Verônica limpando o rosto.

– Eu senti tanta falta sua! – choramingou Nathalia. – Por que não me mandou uma mensagem do arco-íris, uma carta, um sms? Todos esses anos e ninguém nunca tinha nada para dizer de você, apenas que estava em “missão oficial dos deuses”. Essa aqui quase me matou porque eu perguntei.

– Mas eu estava em missão oficial dos deuses e se ela contasse alguma coisa eu mesmo teria de matá-la. Você e ela. – disse Verônica como se imitasse o cinismo confiante de Daniel Craig como James Bond. – Entenda mana... existem coisas que as caçadoras fazem que... bem, são secretas. Do tipo que não podem ser comentadas, saca? Mas garanto que é importante. Importante o bastante para deixar você no escuro por esse tempo todo.

– Não sei se entendo. Mas com você e as caçadoras do nosso lado a luta ficará mais fácil. – disse Nathalia.

– Infelizmente não – respondeu Hyparsia – as caçadoras não estão aqui para lutar pelos semideuses do santuário. Fomos contratadas para fazer uma missão de evacuação. Levar essas crianças em segurança para longe daqui, caso você e seus amigos falhem e aquele meteoro caia, matando tudo num raio de dezenas de quilômetros. Temos um ônibus pronto para partir e vai ser escoltado por mim, por sua irmã e por uma motorista que já está no checando o ônibus.

– Contratadas? Por quem? – exigiu saber Nathalia, deixando que seus sentimentos aflorassem novamente. Mal tinha reencontrado a irmã e estava em vias de perdê-la de novo.

– Uma deusa é nossa contratante. É tudo que eu posso dizer – respondeu solenemente Verônica, cujo tom deixava claro que não havia espaços para interpelações ou pedidos. Ela puxou Nathalia pela mão até uma pequena sala, onde sobre uma mesa repousava um mapa de fotografias via satélite das imediações. – O santuário está enganado se pensa que a maior parte da força invasora está atacando. A maior fatia das forças inimigas está fazendo um cerco nos limites do Santuário. O trabalho deles parece que é manter os semideuses confinados aqui, dentro do raio do impacto do meteoro. Seja lá quem estiver arquitetando isso quer matar todos os semideuses.

– Mas por que? – perguntou Eugênia, subitamente apreensiva, ao ouvir as notícias. – Por que querem nos destruir e por que vocês não me contaram isso mais cedo?

– Não sabemos quem... E para ser sincera isso não importa muito agora. Gaia, os gigantes, os titãs... tanto faz. O nosso objetivo é levar as crianças através do bloqueio para bem longe, em segurança. Precisamos de você calma Eugênia. Você é nosso laço, nosso contato com elas. Se elas virem você preocupada vão ficar também. Preciso de você calma, para me ajudar a salvar os pequenos, entende? – Verônica pousou a mão sobre o obro de Eugênia, encarando a filha de Atenas com respeito, como se quisesse instigar nela coragem e confiança.

– Se vocês tinham um plano de fuga tinham que ter falado comigo. Sou especialista em organizar este tipo de missão. Ninguém me vence nos Heists online de GTA! – disse por fim a menina filha de Atenas empertigando-se. Vamos revisar o plano Hyparsia. Tenho certeza de que posso melhorá-lo. – disse Eugênia puxando a motoqueira consigo para fora da sala.

– Eu acho que é isso. – disse Verônica sem esconder a tristeza dos olhos. – Queria ter mais tempo para focar com você. Quem sabe, eu não sei... Precisamos de uma guerreira extra nessa empreitada. Nosso poder de fogo é limitado e ia ser maravilhoso lutar ao seu lado.

– Eu adoraria... – começou Nathalia, sem impedir que as lágrimas rolassem pelo seu rosto – mas eu já tenho uma missão. Meus amigos precisam de mim. Eu não posso ir com vocês, mas eu posso estar com você em espírito, minha irmã – e dizendo isso ela desatarraxou o bracelete de bronze que tinha sido presente de Ares – Esta é a armadura de Ares. Forjada por Hefesto para o deus da guerra. Ele me deu de presente, eu acho. Eu quero que você a vista e a use para levar as crianças em segurança.

– Mas e você? – perguntou Verônica.

– Vou estar bem. O poder de um guerreiro não esta em sua arma ou em sua armadura. Ele esta no próprio guerreiro. Além do mais eu tenho amigos bem poderosos esperando por mim. Vou ficar bem, prometo.

– Bom, não posso levar esta armadura sem deixar nada em troca. Pelo que eu sei você te que ir até a sede do santuário. Daqui até lá é bem longe para ir correndo – subitamente na cabeça de Nathalia a imagem dos amigos se movimentando com rapidez lhe encheu de despeito. A palavra “exibidos” formou-se mais uma vez em seus lábios, mas ela calou. Verônica continuou. – Leve minha moto-lobo. Ela vai servir de montaria. Vai levar você com rapidez até lá. Vai combater a seu lado como se fosse eu.

– Eu achei que apenas as filhas de Artêmis pudessem montar os lobos sagrados da deusa...

– Não conte para ninguém – disse Verônica sorrindo, ao perceber que as crianças já estavam sendo embarcadas no ônibus. As irmãs se abraçaram e cada uma seguiu o seu caminho, o seu destino.

Lá do alto, sentada numa prancha na lateral de seu dirigível, Bárbara observava enquanto uma réplica do R2D2 postou-se a seu lado. E semideusa suspirou quando a projeção holográfica mostrou o rosto de Astréia.

– Você que pagou para as caçadoras levassem os meninos, não é? - perguntou ela sem muito tato.

– Sim, fui eu – respondeu soberana Astréia – O santuário não pode morrer.

– Deve ter custado uma fortuna...

– Sim, custou. – a cabeça holográfica piscou o olho. – Mas não fique triste. Você também está sendo muito bem paga.

– Posso fazer uma pergunta? – inquiriu Bárbara. – Por que o R2D2 e não o BB8 da nova trilogia? Ele é tão mais fofinho...

Astréia sorriu e do lado do R2D2 duas pequenas turbinas surgiram, erguendo o simpático robozinho alguns centímetros do chão.

– Esta unidade R2 pode voar...

Barbara riu e olhou para o seu relógio digital. Ele marcava uma contagem regressiva de 43 horas para a coroação de Apolo.


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