Os novos herois do Olimpo escrita por valberto


Capítulo 47
Capítulo 47




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Caolhos e videntes

O Parque Ecológico do Cocó é um dos maiores parques urbanos da América do Sul e a mais importante área verde e de preservação da cidade de Fortaleza. Voltada para a preservação ambiental e ao lazer da população, o parque também serve como recurso didático, acolhendo muitas aulas de campo de diversas escolas e universidades da cidade, onde os alunos atravessam diversas trilhas ecológicas. É uma chance singular de acesso para as pessoas da zona urbana à espaços naturais, que outrora seria impossível, no atual oceano de prédios e estruturas de concreto que hoje chamam de Fortaleza. Além disso, o parque possui diversos campos gramados onde os moradores da região se socializam em diversas atividades esportivas. Tudo isso sem contar com o anfiteatro do parque, que oferece diversas atrações culturais e espaço amplo para a realização de reuniões, festas ou encontros.

Mas nada disso parecia interessar minimamente à Jade. Ela estava lá, sentada fazia pelo menos vinte minutos, completamente entediada. Estava sozinha num banco de madeira, à sombra frondosa de uma linda árvore, observando o movimento das crianças brincando no gramado à frente.

“É melhor você ficar aqui” tinha dito o tio Edu quando chegaram ao Parque. “A casa da sacerdotisa fica numa das trilhas mais profundas do parque e como toda filha de Apolo ela é meio geniosa. Não podemos correr o risco dela não nos atender por sua causa”. Jade sabia que as palavras do tio continham sabedoria e bom senso. Afinal de contas ela era a primeira filha “deserdada” de Apolo desde sempre. Podia ser que outros filhos de Apolo a odiassem. Mas ficar ali no meio do nada enquanto os amigos se aventuravam não aprecia a sua ideia de diversão. Bom, se servia de consolo Eric e Oliver também não estavam no parque. Eric chamou o Oliver para testar o meio de transporte para chegarem rapidamente à São Paulo – significasse o que fosse aquilo. Na verdade, bem lá no fundo, Jade achava que Eric e Oliver queriam simplesmente zoar pela cidade sem se preocupar em combater deuses enfurecidos e lanceiros caçadores de recompensa. O fato de a cidade sediar exatamente naquele fim de semana um evento de animes, séries de TV e jogos de videogame, parecia fortalecer ainda mais o pensamento de Jade.

Ainda tinha um agravante: as previsões dos deuses não são como pesquisar coisas na internet: a resposta, enigmática como fosse, poderia levar horas de transe de uma sacerdotisa. Jade bufou e depois suspirou longamente, ajustando-se no banco de madeira. Parecia que teria de chafurdar em mais níveis do “Titans’s Crush”, uma versão de Candy Crush para semideuses. Ela abriu o aplicativo no celular e começou a jogar quando ouviu um choramingo vindo do seu lado esquerdo.

Era uma menininha de no máximo dez anos de idade. Baixinha, pele morena pelo sol, cabelo liso, espesso e curto, rosto redondo adornado com lindos olhos puxados cor de caramelo. Era inegável sua descendência oriental. Ela segurava uma réplica de espada curta, feita de espuma encoberta com silver tape, enquanto olhava para um grupo de meninos e meninas brincando com as armas idênticas à sua.

– O que houve pequenina? – Jade perguntou, aproximando-se com doçura na voz.

– Eles não me deixam brincar – disse a menina sem virar o rosto, fungando de tempo em tempos – dizem que sou muito pequena e fraca para lutar ao lado deles. “Você é pequena demais, é fraca demais, vai se machucar...” – disse a menina imitando um tom de voz um pouco mais grosso que o dela, como se fosse um menino bobão.

Jade olhou com mais atenção o grupo de crianças. Estavam praticando um esporte que tinha começado num dos acampamentos meio sangue dos estados unidos lá pela década de 70 e depois ganhou o mundo mortal: o swordplay. Os praticantes criam réplicas de armas antigas como lanças e espadas, mas feitas de material de espuma, muito macio, justamente para não machucar os colegas e com eles travam verdadeiras batalhas campais. Alguns misturam isso a recriação histórica e até desenhos animados. A imaginação mortal não conhecia limites realmente. Ela viu um grupo de cavaleiros medievais usando espadas de piratas correndo contra um grupo de lanceiros usando escudos vikings feitos de papelão e cobertos com fita de demarcação. A maioria absoluta não tinha a menor ideia do que estava fazendo e apenas balançava a arma que brandia, imitando movimentos que deveria ter visto em filmes e séries. Se Filoctetes, o treinador de Hércules, estivesse ali, provavelmente teria uma convulsão.

– Olha, seus amigos não parecem saber o que estão fazendo também. Se fossem para uma batalha com guerreiros de verdade seriam aniquilados instantaneamente. Aquele ali com o escudo abre a guarda sempre que vai dar um golpe. Aquele outro com duas espadas está segurando uma delas com a guarda invertida. Seria mais fácil se ele se jogasse diretamente na arma do inimigo. E aquele outro com um machado? Por Odin, ele já se acertou tantas vezes com o machado que se fosse uma luta de verdade ele seria um guerreiro feito com carne moída.

A menina riu dos comentários de Jade, como se estivesse entendendo cada palavra que ela dizia. Jade ainda comentou sobre a postura dos rapazes até que viu a menina olhando para ela com admiração. Os olhos castanhos puxados pareciam brilhar.

– Você quer que eu te ensine a lutar?

– Você faria isso tia? – perguntou a menina empolgada, quase engasgada com as próprias palavras.

– Mas é claro. – disse Jade sorrindo – basta trazer para mim uma espada como a que você está usando. Como é seu nome, pequenina?

– Dejanira! - gritou a menina enquanto corria em direção a uma pilha de espadas de espuma.

De pronto a jovem aprendiz de guerreira trouxe a espada. Era a imitação de um gládio romano, um pouco mais leve e “rechonchuda” que o modelo original. Claro que Jade preferiria uma espada média ou mesmo uma kopis grega, mas aquela peça, feita de cano, espuma e silver tape, serviria perfeitamente.

– Não tenha medo da arma – dizia Jade entre uma finta e outra – Não mire na arma, mire no corpo do adversário... Isso mesmo, belo golpe! Não tenha medo! Tenha cautela, mas não deixe o medo dominar você! Não perca tempo e nem energia fazendo movimentos desnecessários... – disse ela imitando os garotos que lutavam bem ao lado – e nem se apresse em bloquear um ataque que obviamente não vai lhe acertar. E lembre-se: nada mais efetivo á curta distância que uma boa estocada.

A pequena Dejanira absorvia tudo como uma esponjinha. Em poucos minutos chegou a dominar posturas que Jade levara dias para aprender nos treinamentos do Santuário. Por fim Jade ajoelhou-se na frente dela, devolvendo a espada.

– Lá estão seus inimigos, guerreira. Liberte a fúria de todos os filhos da guerra sobre eles!

– Obrigado tia! – disse a menina correndo ao encontro de seus pares num efusivo grito de guerra. Era como ver uma pequena onda de devastação e morte, satisfeita consigo mesma, conseguindo o respeito daqueles que ela tinha derrubado em combate não mortal.

Jade observou de longe a sua pupila limpar o campo de batalha. Se ela fosse uma semideusa seria uma verdadeira campeã um dia. Um prodígio, mesmo entre os mais ferozes filhos de Ares.

– Bom trabalho mocinha. Eu não teria feito melhor.

Jade voltou-se para o dono da voz. Parecia uma versão magra do Papai Noel: alto, grisalho, com barba cheia. Usava uma calça social cinza, de risca de giz, sapatos sociais e uma camisa branca de mangas dobradas. Não usava cintos e sim um suspensório azul escuro que dava a ele uma aparência atemporalmente antiga. Parecia um desses avôs alemães de filme da sessão da tarde, menos por dois detalhes que chamaram imediatamente a atenção de Jade. Um corvo pousado sobre seu ombro esquerdo e um tapa-olho adornando seu rosto sério.

– Obrigada, eu acho – respondeu Jade de forma cautelosa – mas eu não fiz nada. A menina já tinha todo o potencial dentro dela.

– Não precisa usar de falsa modéstia. Dejanira é uma guerreira talentosa e será uma Skjaldmö (uma donzela escudeira) valorosa um dia. Você despertou nela o prazer pela luta. Acordou o espírito do lobo dentro da menina. Eu só tenho a agradecer.

Jade sentiu-se incomodada com a postura do senhor de idade. Ela já sabia o bastante do mundo sobrenatural para ter certeza que estava diante de alguém, ou alguma coisa, com muito poder. Apesar disso a cada minuto que se passava ele se tornava mais familiar para ela. Era como se seus olhos estivessem se acostumando à imagem da tela grade no cinema antes do filme começar. Ele ia mudando aos poucos de forma, até ficar mais forte, musculoso, roupas covertidas em armadura. Mas de repente ela sentiu uma pressão no seu ombro e espantou-se com outro corvo, igual ao primeiro pousado no seu ombro. A figura do vehinho voltou a ser o vovô alemão.

– Munin! – ralhou o senhor de idade estendendo a mão para o pássaro que pulou para o seu punho imediatamente – assim você vai assustar a menina. Desculpe querida, esse menino está muito irritado. Só pode ser esse calor – disse ele colocando a ave no seu ombro e caçando do bolso um saco de amendoins. Deu a cada um de seus corvos de estimação uma pelotinha de amendoim processado e depois comentou alguma coisa num idioma que Jade não reconheceu. As aves saíram voando, grasnando estridentemente, uma em cada direção.

– Você sabe quem eu sou Jade? – perguntou o senhor de idade colhendo algumas pelotinhas de amendoim e colocando na boca. Mastigou ruidosamente, como se os amendoins fossem mais duros do que pareciam.

– Eu suspeito que o senhor seja Odin, o grande pai. – disse Jade um tanto receosa. Duvidava que tudo o que sabia sobre etiqueta com deuses antigos gregos pudesse ser usado com os deuses nórdicos. Mas no fundo, no fundo Deuses eram todos iguais.

– Está correta dama guerreira! Balder escolheu bem ao oferecer a paternidade a você. O sortudo é ele porque você o aceitou. Nunca deixe que alguém lhe diga o contrário. Mas por que minha presença a incomoda tanto?

Jade sentiu-se ainda mais desconfortável. Os deuses nórdicos não se pareciam em nada com o que ela tinha visto n filme do Thor. Ela esperava deuses pomposos, falando como aristocratas do século passado. Não esperava palavras doces e tem coloquial. Encheu-se de coragem e falou:

– O senhor tem o mesmo arquétipo do senhor Zeus, que está preso. Sua presença não deveria estar proibida neste mundo? Ou ao menos impedida em parte?

– E quem disse que eu não estou? – disse Odin, mostrando os dentes enquanto sorria – você nunca meu viu aqui, não é verdade? – ele deu uma pequena cotovelada em Jade e arqueou as sobrancelhas, dando uma rápida piscadela. – Quando Zeus se deixou prender naquela brincadeira infantil ele colocou em risco boa parte do universo como conhecemos. Eu estava nesta forma intermediária e estou preso a ela por enquanto. Estranho como ser velho de verdade pode ser doloroso.

– Entendo – tentou emendar Jade, demonstrando empatia, embora ela mesma soubesse pouco ou nada sobre ser idosa.

– Bom eu tenho que ir. Mas quero te dar um presente.

Odin estendeu a mão e deu a Jade um anel. Era de ferro escuro e um pouco áspero. Jade hesitou em colocar o anel e Odin sorriu com isso.

– Esse é um anel forjado com um pouco de uru e com um fragmento do metal de Gram, a arma que o herói Siegfried usou para matar o dragão Fafner. É um anel de grande valor, mas o valor maior que ele tem não será para você. É um presente valioso, muito mais para quem dá do que para quem recebe.

– Eu não acho que estou entendendo... – disse Jade, quando ouviu um grito vindo de uma das trilhas. Um grito de terror. Jade agarrou sua mochila e correu na direção do contra-fluxo de pessoas que se afastavam...


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