Os novos herois do Olimpo escrita por valberto


Capítulo 37
Capítulo 37




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Ascensão

Marmo sentou-se na cadeira de balanço, tirando da cabeça o capacete de construção amarelo. Era obrigada a andar com aquela peça absolutamente fora de moda enquanto estivesse na área do sítio de reformas do seu resort. Ela soltou o cabelo negro, deixando cascatear como uma mancha de alcatrão sobre o vestido florido escuro de algodão. Tirou os pés das pesadas botinas de couro cru e deixou os dedos ao sabor do vento.

Era possível ver que as obras de reconstrução avançando em ritmo acelerado. Três turnos de diabretes se revezavam na reforma. Os monstrinhos vestidos como mini-trabalhadores da construção civil faziam uma visão curiosa e cômica ao mesmo tempo. Uma versão mais cruel e assustadora dos minions. Mas pelo menos eram mais competentes como pedreiros e carpinteiros de que como guerreiros e guardas. Usavam madeira trazida da mata e usavam a última palavra em tijolos ecológicos feitos com o próprio barro da região. Ela não sabia ainda como ia fazer na hora de pintar, mas quem sabe deixar apenas na madeira encerada não desse um toque mais rústico aos novos chalés?

Um diabrete vestido de mordomo, descalço e com a barra das calças arrastando no chão, aproximou-se dela trazendo uma bandeja de prata com porcelana chinesa. Ele colocou a bandeja numa mesa ao lado e serviu o chá.

– Vitae de crianças malcriadas, madame. – falou o diabrete imitando o sotaque britânico como se tivesse sido chutado fora da Inglaterra – menina, seis anos, birrenta. Colhido esta manhã.

– Obrigada – Marmo respondeu sem pensar. A reforma a tinha obrigado a reorganizar a sua vida. Repensar tudo o que tinha feito nos últimos anos. Estava vivendo com menos que um décimo do que normalmente gastava. Apesar de ainda nutrir um poderoso sentimento de vingança contra Eric e seus amigos ela secretamente os agradecia. Ela sentia que sua vida estava indo para uma direção nova. – “Aquilo que não me manda para o Tártaro me deixa mais forte”.

O mordomo parou e olhou para o horizonte.

– Temos visitas, madame.

– Impossível... – pensou Marmo em voz alta. Ainda estavam fechados à visitação. Ela calçou novamente as botinas antecipando que tivesse que expulsar mais alguns hippies-naturebas-veganos de sua propriedade. Quem sabe dessa vez pudesse extrair alguma vitae com efeitos parecidos com os que consumira em Woodstock. Ela sorriu deliciada com a ideia. O festival tinha sido um ponto alto de sua vida na América. O sorriso dela ficou ainda mais largo quando divisou a figura dos três surfistas, pranchas de surfe às costas, andando pela estrada, vindos na sua direção. Ela reconheceu o líder deles, alto e musculoso como sempre. Os irmãos gorgon estavam caçando de novo. Bem lá dentro Marmo sentiu que sua vingança contra Eric e seus amigos estava mais perto.

Isabel terminara de colocar o último dos sacos de lixo pretos sobre Jade. “Desculpe” ela pedia mentalmente, com medo que sua voz pudesse alertar seus perseguidores. “Sei que não cheira muito em, mas é melhor do que ser caçado”. A menina deu dois passos para trás e admirou sua camuflagem. Daria certo desde que os lanceiros não passassem por aí espetando tudo com suas lanças. Logo depois que Lucas foi derrubado Isabel fez a única coisa sensata que poderia: ela tratou de arrastar Jade para um lugar seguro e se preparava para combater os lanceiros. Mas ora, quem ela estava enganando? Não tinha qualquer treinamento de combate. O máximo que sabia era um pouco de esgrima flamenca que um antigo filho de criado tinha lhe ensinado. Não deveria ser o bastante para fazer nada, a não ser deixar de se espertar com um punhal. Arma que aliás, ela nem tinha.

Mas ela sabia que não poderia deixar as coisas como estavam. Os amigos haviam ficado do lado dela, pelo menos Oliver e Eric. Devia isso a eles. A sua honra não ficaria em paz se ela fugisse simplesmente. E ela não poderia deixar Eric para trás. Parecia errado demais.

A melhor estratégia, ou ainda, a única estratégia que conseguiu pensar foi a de levar os perseguidores o mais longe possível. Quem sabe um dos amigos acordasse e pudesse derrotar os lanceiros? Quem sabe Jade recobrasse seus poderes. Mas mesmo que fizesse isso, como uma simples semideusa poderia dar cabo de tantos lanceiros? Como ela poderia fazer isso?

Ela sabia que era filha de Hécate, a deusa da magia. Sabia que tinha magia poderosa correndo em seu sangue, mas não sabia como usar. Ela tinha lido tudo o que podia sobre wicca, e outras coisas sobre bruxas e a antiga religião da deusa e até tinha tentado alguns feitiços quando ninguém estava olhando, mas tudo o que conseguiu foi queimar os dedos com um isqueiro. Ela procurou lembrar de quando usou magia pela primeira vez, ainda lutando contra Marmo. Ela falara em latim. Será que aquele era o segredo? Lembrava que a mãe insistia que aprendesse latim, assim como conhecer o poder e as propriedades das ervas e dos animais. Tudo isso escondido, já que seu pai jamais aprovara nada assim.

Ela passou rápido pelas paredes do que antigamente era uma fábrica de cigarros encrustada no centro da cidade. Agora o muro da antiga fábrica servia apenas para separar o galpão, a muito sem uso, do resto do mundo. Uma placa indicava que a propriedade era privada, mas que por questões judiciais não estava a venda. Logo a frente dela a visão turvou e ela pareceu ver uma porta de madeira dupla. Mas chegando mais perto percebeu que era apenas ilusão. Ou será que não? Parte da mágica é fazer o outro ver o que ele quer ver. Pelo menos foi o que disse aquele mágico da TV, como era mesmo o nome dele? David Coperfield ou coisa assim. Ela tateou a parede em busca da porta e não achou nada.

De repente ela ouviu os sons de seus perseguidores. Inconfundíveis sons de peitorais de bronze chacoalhando cadencialmente. Estavam pertos. Isabel precisava de um lugar para se esconder. Como ela desejava achar a porta. Ela socou a parede com frustração e fechou os olhos. Foi quando sentiu a lisura do concreto dar lugar a aspereza rústica da madeira cortada e envelhecida. A porta estava ali, na sua frente. Ela tentou a maçaneta e entrou, poucos segundos antes dos soldados do santuário passarem pela calçada que ladeava uma antiga fábrica de cigarros encrustada no centro da cidade.

O cheiro do lixo finalmente fez Jade despertar. Ela se mexeu de leve, sentido o torpor que a envolvia se dissipar a cada movimento. Ela parecia estar despertando de um sonho. Quando empurrou o último saco de lixo e respirou ar puro a sua mente foi envolvida pela consciência das memórias das últimas horas. Tudo num flash enlouquecido como se a sua história estivesse sendo contada num clipe de música psicodélica e eletrônica. Ela se lembrava de tudo, mesmo do que tinha acontecido enquanto ela estava desmaiada. Ela se lembrara de tudo, mas como se tivesse visto tudo pelos olhos de outras pessoas. Era mais do que ter sido apenas uma testemunha ocular. Ela tinha sentido tudo, como se tivesse sentido pelos outros. Quando se recordava da subida da escadaria de mármore ela sentia o cuidado de Nathália ou o cansaço nas pernas de Lucas.

Ela se apoiou pesadamente na parede para se levantar. Ela parecia pesar uma tonelada. Sentia o corpo duro, pesado, lerdo. Era como se houvesse um considerável atraso entre o que sua mente pensava e o que seu corpo fazia. Ela cambaleou até a esquina, dando vistas a uma escura e mal cuidada praça. A poda das árvores centenárias tinham sido negligenciadas a tal modo que a trama dos galhos faziam uma teia, como se fossem galhos de uma árvore só. Num dia de sol criavam uma bem vinda sombra ao sol escaldante da capital cearense; mas na sua noite criavam um labirinto de sombras assustadoras. Ela divisou uma série de bancos longos ladeando o jardim, dando costas a um frondoso juazeiro. Sentada ali, vigiando, estava uma lanceira. O braço direito estava enfaixado e havia alguns curativos no rosto. A lança estava largada de lado. Com o braço machucado ela não poderia usá-la. Ao alcance do seu braço esquerdo estava uma espada curta, pouco mais que facão de uns 40cm de comprimento. Um gládio romano. Os lanceiros usavam um misto de equipamento romano e grego: embira os escudos e lanças fossem idênticos aos gregos, a armadura e a espada pessoal eram feitos como os de Roma. Mesmo ferida ela ainda era um desafio e tanto. Não era uma guerreira de elite à toa. Pouco além dela uma série de lanceiros estava largada sobre o banco, dormindo. Provavelmente sob o efeito poderoso do néctar de ambrosia. Mais adiante ainda, encostados numa arvore estavam seus amigos, todos algemados com pesados grilhões de ferro. Desacordados. Todos menos dois: Lucas e Isabel.

Na mente dela as imagens da transformação de Lucas surgiram, mescladas ao medo dos que viram ocorrer o fenômeno. Ela tentou afastar aquelas imagens de sua cabeça. Não tinha tempo para visões sem controle naquele momento. Ela pensou em como fazer para soltar seus amigos, mas qualquer plano que divisava terminava no seu fracasso e captura. Ela não era nenhuma filha de Atena, mas ninguém chega a ser chefe do chalé de Apolo sem saber um pouco de estratégia. E era isso que ela precisava: uma estratégia que garantisse a vitória dela. Quem sabe ela conseguisse dar a volta na praça, evitando a visão da lanceira. Podia tentar esgueira-se pelas sombras, de forma furtiva e derruba-la com um só golpe.

– Bom, você pode começar sendo uma menina educada: dê boa noite, diga como entrou, diga o que deseja e depois vá embora. – a voz era andrógina, doce e decidida e vinha de lugar nenhum. Isabel tentou descobrir de onde ela vinha, mas o ambiente à sua volta não ajudava. Ela estava num espaçoso salão, finamente decorado com o que as pessoas de hoje chamariam de arquitetura pós-moderna. As alvas paredes estavam decoradas com pinturas surreais e aqui e ali pipocavam estátuas com formas abstratas e de cores fortes. A casa inteira era o andar inteiro, sem divisões. Não dava para saber onde começava a sala de estar e onde terminava a cozinha; onde começava o quarto e onde terminava a biblioteca. Mas era tudo bem arrumado, fluído de bom gosto. Isabel resolveu fazer como pedia a voz, numa nova tentativa de localizar a sua origem.

– Eu sou Isabel de Ganon, primogênita do Duque de Ganon, primo de Afonso III, rei de Astúrias. – ela pensou um pouco sobre o nome e resolveu acrescentar – também sou filha de Hécate, a senhora da magia. Eu e meus companheiros estamos em missão sagrada, a fim de recuperar o pergaminho áureo e libertar o senhor Zeus de sua prisão. Eu e meus companheiros estamos sendo caçados... precisamos... – a sua voz falhou – eu preciso de ajuda. Por favor, senhor ou senhora... não quis invadir sua casa! Queria apenas um lugar para me proteger.

O silêncio tomou conta do ambiente novamente e Isabel sentiu-se terrivelmente só. As lágrimas quiseram brotar em seu rosto novamente, como vinham fazendo nos últimos dias, mas dessa vez ela foi capaz de detê-las. Ela se sentia inútil, incapaz, impotente. Seus amigos estavam em perigo. Eric estava em perigo. Ela faria qualquer coisa para salvá-lo. Ela fechou os olhos, aguçando ao máximo seus ouvidos quando sentiu uma mão pousar sobre seu ombro. Era um toque quente e acolhedor, que a tranquilizou imediatamente. Ela se virou e viu uma mulher feita, mas baixinha: longos cabelos negros lisos emolduravam a sua face alva, dando ainda mais destaque ao nariz arrebitado, as bochechas redondinhas e a boca, de um vermelho rubro de fazer inveja a qualquer maçã.

– Ora, é de bom tom que eu me apresente também. Eu sou Morgana, sacerdotisa e senhora da Ilha de Avalon, guardiã do corpo de Arthur Pendragon até o dia em que a Inglaterra dele precise novamente. Sou filha de Golrois e Igraine, um disfarce mortal para uma pessoa que você conhece bem e nos conecta de forma indelével. – o coração de Isabel tremeu. Ela sabia de quem Morgana falava – seja bem vinda à minha casa, irmã.

Os quarteirões de Fortaleza não se pareciam com nada que Jade já tinha visto. Eram diferentes das quadras de Brasília, que estava tão acostumada. Havia uma beleza taciturna em seus tamanhos e formatos diversos, pensou a semideusa enquanto tentava dar a volta na praça surpreender a lanceira. Ao virar a esquina ela se deparou com uma cena que não poderia esperar. Talvez ainda estivesse alucinando. Na frente dela três figuras altas: uma guerreira nórdica, de armadura e tudo mais; um guerreiro musculoso com vestes egípcias e cabeça de falcão e uma senhora oriental de cabelos negros. Todos com pelo menos três metros de altura e irradiando uma luz brilhante e quente que Jade conhecia bem. Todos irradiavam a luz do sol.


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