Os novos herois do Olimpo escrita por valberto


Capítulo 35
Capítulo 35




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A solidão da busca

A madrugada de Fortaleza era surreal. Uma cidade que durante o dia era tão movimentada, cheia de vida e tão famosa por suas festas e carnavais fora de épica tinha uma madrugada sinistra, para dizer o mínimo. Poucos carros passavam solitários pelas avenidas vazias. As luzes de trânsito e de iluminação pública dançavam discretamente quando o vento úmido e quente vindo do mar soprava, empurrando a poeira das calçadas em pequenos rodamoinhos de sujeira. Dentro da caminhonete da Giges o clima era pesado. Jade desatou num sono solto e agitado. Deitada com a cabeça no ombro de Lucas ela gemia levemente. Os amigos decidiram revezar no trato com ela. Tinham a esperança que a presença isolada de algum deles fosse ajudar a menina a se recobrar.

Apesar da situação crítica e do clima pesado Oliver não largava o frank. Seus dedos passavam pela tela num balé furioso, trocando de telas e informações numa rapidez estonteante. Era nesse caos que a mente agitada do semideus brilhava. O TDH dele lhe dava uma vantagem na navegação caótica e ultraveloz do tablet que ele mesmo construiu. Por fim ele pediu que parassem o carro num posto de gasolina que surgira na esquina. Pediu que Eric abastecesse a caminhonete e enquanto isso falou aos amigos.

– Olha gente não sei como dizer isso, mas acho que passamos tempo demais no shopping. Quando chegamos ao carro notei que ele estava muito sujo e empoeirado, como se tivesse passado dias no estacionamento. Mesmo quando liguei o frank percebi que ele dava atualizações sem parar, como se tivesse ficado muito tempo fora da rede. Eu encontrei apenas uma explicação para o caso. No tempo que ficamos no templo, enfrentando seus desafios, o tempo passou de forma acelerada aqui fora. Acho que perdemos pelo menos cinco dias mortais.

– Cinco dias? – Lucas parecia incrédulo – como é possível?

– Não sei explicar. Tenho pouca experiência nessa coisa de semideus. Mas li uns relatos de missões quando estava no Santuário, sobre lugares que dobram o tempo. Existem uns poucos lugares que aprecem deslocados da realidade mortal e neles o tempo pouco ou nada significa. Existem alguns lugares conhecidos como um Cassino Lotus, em Las Vegas. Mas lá funciona como se fosse uma prisão de semideuses, de acordo com os relatos que eu li.

A palavra prisão pareceu estourar uma bolha em Isabel. Ela estivera os últimos anos numa prisão, atormentada por Marmo, uma ex-aliada de sua mãe. Mas ela sabia agora que aquela não era uma prisão comum. Ela estivera fora por séculos. O mundo que ela conhecia, todos os seus amigos, todos os seus parentes – exceto sua mãe, a poderosa deusa Hécate – estavam mortos. Ela vinha lidando razoavelmente bem com a situação, aprendendo os costumes daquele novo mundo como uma esponja absorve água de um balde, passando horas lendo a wikipedia na seção de história e vendo vídeo-aulas no youtube sobre a evolução da humanidade. Mas aquelas palavras a fizeram despertar de seu sono, como se tivesse acordado para a terrível realidade de estar deslocada de seu tempo. Ela se encolheu discretamente e baixou a cabeça tentando esconder as lágrimas que teimavam em brotar silenciosamente de seu rosto.

– Sim, faz sentido – sentenciou Nathália – Eu li outros registros que falam a mesma coisa. Mas o que será que perdemos nestes cinco dias?

– Eu não sei – respondeu Oliver um tanto desconcertado – estou tentando filtrar informações no frank que possam ser úteis para nós.

De repente a tela do tablet escureceu e passou a carregar um streaming de vídeo online. A tela mostrou um estúdio de TV, desses bem cafonas, onde um rapaz de cabelos loiros parecia lutar contra o calor num terno dos anos setenta.

– Bem-vindos à previsão do tempo dos deuses, mais um programa informativo e de qualidade da TV Olimpo! Esse é seu apresentador, Noto, o senhor do vento sul, trazendo o calor do verão para todo o norte e nordeste brasileiro. Este programa é um patrocínio dos Correios: sedex dos deuses, mandou chegou!

O nome dos correios ficou brilhando na tela como se fosse feito de neon barato e uma foto de Hermes, vestido a caráter, fazendo o sinal de positivo com um sorriso digno de vendedor de carros usados foi desvanecendo até sumir completamente. O foco da câmera mudou para um sátiro. Não era bem um sátiro e sim um meio sátiro, como se fosse o resultado de uma noitada de um sátiro com uma semideusa. Ele estava sentado atrás de uma bancada, como um comentador esportivo. A sua camisa tinha as cores do Ceará e os dizeres comemorativos logo abaixo da linha do peito: Campeão da Copa do Nordeste 2015. Ele pegou um pratinho cheio de lasquinhas de metal e latas de alumínio picotadas e começou a mastigar calmamente uma delas, como se não se desse conta de que estava sendo filmado. Alguém por trás das câmeras fez um sonoro “psiu” para ele, que se virou para a câmera, percebendo que estava sendo filmado. Ele cuspiu algumas lascas de alumínio mastigado e colocou o prato no colo numa rapidez cômica.

– Boa noite amigos. – falou ele com um sotaque carregado do interior do nordeste – aqui quem fala é Genânion Katsíka, o seu comentarista de segurança. Com hoje fazem quatro dias que ninguém sabe do paradeiro de alguns semideuses que estavam em missão para o santuário do Vale do Amanhecer. Parece que estes meliantes de alta periculosidade conseguiram fugir até mesmo das garras das mais habilidosas caçadoras de Artemis.

As fotos dos meninos começaram aparecer na tela, como se fossem mugshots de bandidos procurados no velho oeste. Para cada um o bode fazia algum comentário espirituoso, mas sempre usando de predicados pouco lisonjeiros. Eric não sabia o que era um “peba”, mas sabia que não gostava de ser chamado assim. Por fim o bode afirmou que a recompensa por cada um do grupo girava em torno de mil dracmas.

– Mil dracmas!? – Lucas engasgou como se estivesse bebendo água e descobrisse uma lagarta de fogo no meio de sua garganta. – pelo Olimpo! Todos os caçadores de recompensa deste lado do Atlântico vão estar à nossa procura. É isso. Eu não deveria ter jogado erva daninha na cara de Apolo. – ele caiu sentado no chão, desalentado.

– Calado cara! – rosnou Oliver – eu quero ouvir.

O sátiro continuou falando, descrevendo as atitudes dos meninos como se fosse um desses comentadores de jornal policial sensacionalista. A imagem tremeu, congelou e por fim o streaming de vídeo parou.

– Coloca de volta! – implorou Eric – temos de saber mais do que estão nos acusando.

Oliver tentou sem sucesso trazer o streaming de vídeo de volta. Desde que desenvolvera mais o seu lado semideus o seu tablet parecia ficar cada dia mais rebelde. Ele já pensara em mudar o nome de frank para R2D2 em franca referência à unidade teimosa de mesmo nome da série Guerra nas Estrelas. A situação havia se complicado. Nos dias em que estiveram fora, Apolo aproveitou para incrimina-los e colocar todos os que poderiam ajudar contra eles.

– Temos de voltar ao hotel. Tentar descobrir a próxima pista do pergaminho. Não podemos deixar Apolo vencer. – a voz de Nathália soava decidida como se ela tivesse um grande plano esperando por todos no hotel, mas a verdade é que ela estava insegura e com medo, como todos ali.

Com Eric de volta ao volante o carro serpenteou pelas ruas vazias em direção à pousada onde estavam alojados. Entrando por uma rua apertada do centro o carro parou abruptamente, num solavanco duro. O motor estava desligado, morto, como se algo tivesse cortado completamente o seu funcionamento. Alguma coisa soou errado na mente de Eric. Ele sabia o que poderia estar causando aquilo.

– Temos problemas – sentenciou Eric passando a mão na sua adaga de bronze celestial – vamos descer devagar, esperando pelo pior.

Desceram do carro quando as luzes dos postes tremeluziram. Ali adiante uma figura masculina pareceu materializar-se em meio às sombras da rua. Era uma figura delgada, alta, vestindo uniforme de soldado grego. O elmo grande demais dava a impressão de uma criança que vestia as roupas do seu pai. Na sua mão repousava um bastão de aparência mecânica e tecnológica. Atrás dele dois holofotes montados sobre jipes acenderam revelando outros vestidos iguais ao primeiro. O clima estava cada vez mais tenso. Nathália pôs Jade no chão, encostada num poste e avançou destemida.

– Larga de encenação Dezan! Eu conheço você e essa sua armadura folgada desde que você a colocou pela primeira vez. Não é hora de bancar o grande líder. Jade está ferida. Precisamos reunir o conselho o quanto antes! Temos notícias importantes para contar de nossa missão.

Lucas que estava junto dos outros relaxou. Ele viu os amigos baixarem a guarda e ficarem mais tranquilos. Dezan levantou a cabeça. Seu semblante estava sério como nunca estivera na vida.

– Eu, Dezan, chefe do Santuário do Vale do Amanhecer, líder da casa de Afrodite e capitão dos lanceiros protetores, decreto a prisão de vocês por alta traição aos deuses e ao Santuário. Baixem suas armas e rendam-se sem luta e prometo que os tratarei com decência e garantirei a justiça no julgamento por seus crimes. – ao terminar de falar Dezan pressionou um botão em seu bastão. O som de um estampido hidráulico, como um pistão de freio de caminhão, foi ouvido e o bastão cresceu até ficar do tamanho de uma lança. O relógio na sua mão esquerda expandiu meia dúzia de lâminas de bronze fino que se uniram em volta do braço do rapaz formando um escudo redondo, mais ou menos do tamanho de uma pizza extra-grande. Logo depois ele se colocou em posição de luta. Uma sequência de estampidos se ouviu atrás dele quando os lanceiros se posicionaram em formação junto a ele.

– Você só pode estar brincando, não está? – Lucas titubeou, avançando um passo para frente. Ele olhou nos olhos de Dezan e percebeu uma frieza que ele nunca tinha visto antes. Ele soube, de modo indelével, que o jovem guerreiro a sua frente estava falando sério. Mortalmente sério.

– Que acusações pesam sobre nós? – empertigou-se Nathália avançando com passos firmes e decididos, parada pouco além do alcance perigoso da lança de Dezan. – Fale!

– Eu não recebo ordens de traidores! – a voz de Dezan soou firme, mas amarga e carregada de remorso – Mas em homenagem à nossa velha amizade eu vou lhe responder. Vocês são acusados de trair e atacar os deuses, desrespeitar as leis do Santuário e... – a voz dele falhou – tramar a queda de Zeus!

– Mas que mentira deslavada! Se tem alguém aqui que é traidor é o maldito filho de uma cachorra do Apolo. O besta quer dominar o mundo! Eu não caio nessa e você não deveria cair nessa também. – o sangue de Oliver parecia ferver em suas veias e a espada parecia que ia saltar de sua alma para a batalha. De fato, num flash de luz a espada surgiu em sua mão, brilhante e ameaçadora. – Você sabe que foi Zeus que nos atacou, a mim e a minha mãe e foi a sua própria lei estúpida que nos meteu nesta enrascada.

– O funeral é de vocês. As ordens que recebi do senhor Apolo é trazer vocês de volta. Com vida ou não depende de vocês. – ao terminar de falar ele baixou a viseira do elmo e colocou a lança em posição de ataque. Atrás dele seus hoplitas fizeram duas fileiras intercaladas de soldados.

Oliver deu um passo a frente, espada em riste, antecipando a ação que viria a seguir. Foi barrado pelo firme braço de Nathália. Ele olhou para ela, incrédulo. Ela sustentou o olhar, fazendo o filho de Astréia recuar.

– Eles estão seguindo ordens, manipulados pelos deuses, mas ainda são meio-sangues como nós. Não bastasse isso são nossos companheiros. Não vou levantar nenhuma espada contra um companheiro de acampamento, não importa o quanto me ameacem. E não vou deixar ninguém aqui fazer o mesmo. – a voz de Nathália tinha um tom férreo e inflexível.

– Ah é? E o que vamos fazer? – disse Eric terminando de guardar sua adaga de bronze celestial.

– Vamos lutar por nossas vidas, mas vamos lutar apenas para nocauteá-los. Não quero a morte de nenhum deles na minha consciência. Se os matarmos, qualquer um deles, deixamos Apolo vencer. – Nathália cerrou os punhos, contendo o desejo de invocar a armadura de Ares. – Vamos luta acreditando na nossa própria força!

Lucas suspirou. Sabia que estava tudo perdido.


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