Era outono. Começo das aulas. Via-se por todos os lados, crianças saltitantes brincando e pulando em pequenos montes de folhas alaranjadas. O vento roçava preguiçoso nas arvores quase nuas. As botas batiam no chão frio, que agora parecia quase sempre molhado. Ela estava usando um grosso casaco de lã, acompanhado por luvas. O jeans preto e velho com as botas de motoqueiro e a sua famosa touca. A mochila vinho ia atrás, pendurada por só uma alça e tremulando a cada passo. Os cachos loiros pareciam o único ponto vivo e feliz de sua figura. A pele pálida não ajudava nem um pouco, e muito menos as roupas sombrias que ela usava. Os olhos azuis oscilavam sempre, junto com seu humor. Pegou o atalho pelo bosque e colocou o iPod no volume máximo. Cantarolou algumas partes da musica bem baixinho. Observava a paisagem a sua volta. Tudo muito melancólico e igual. Seattle quase não havia mudado desde de 1960. As arvores um pouco mais velhas e algumas coisas progrediram mas fora isso nada. Os cabelos se agitaram com o vento que passou. Espera...aquilo não era o vento. Sam parou de cantarolar e de andar. Uma figura se mexia sinistramente rápido em volta de Sam, até ela ver a figura tomar uma forma. A forma que Sam mais sentia falta.

- Carly! – Abraçou forte a amiga que não via a mais de trinta anos.

- Sam! – A outra retribuiu. Separou o abraço e encarou a morena a sua frente. Nada havia mudado, exceto pelas roupas. Cabelos lisos e negros, olhos castanhos profundamente escuros e pele pálida. As roupas mudaram um pouco, seguiam o padrão da época em que estavam. Calça jeans preta, botas de couro negras e que sempre pareciam estar polidas, blusa de lã violeta escura, as velhas luvas e a touca.

- Não mudou nada. – Comentou a amiga logo voltando a caminhar com Sam.

- Nossa que engraçado. – Ironizou Sam fazendo Carly rir.

- Você também não mudou nada Shay. – Disse com um sorriso engenhoso no rosto. Carly ajeitou a mochilas nas costas.

- Vai estudar onde dessa vez? – Perguntou. A loira refletiu um pouco e guardou o iPod.

- Ridgeway. Ridgeway High School. – Falou Sam sem parar de andar.

- Também. Mau posso esperar para ver quem entrou. – Se empolgou Carly. Andaram trocando idéias e matando a saudade até chegarem no colégio. Entraram e viram. As pessoas não eram as mesmas, mas os grupos eram. As cheerleaders, os jogadores de futebol, os emos, os descolados, os nerds, os excluídos, os hippies, os alternativos, os sonhadores...Enfim, mesmos grupos, diferentes pessoas. O olhar da morena percorreu todos até parar nele.

- E... parece que nada mudou desde a década de 60... – Comentou a amiga suspirando cansada.

- Não mesmo. – Disse Carly ainda encarando o rapaz. Puxou levemente a manga do casaco de Sam para que ela se virasse.

- Ah meu deus... E ele? – Perguntou.

- Sim. – Confirmou a morena que ainda encarava. Era igual ao pai. Cabelos loiros escuros e olhos profundamente azuis. Vestia o uniforme do time de futebol e sorria ao conversar com os seus amigos.Aquele sorriso. Ela nunca esquecera. Era o mesmo. Aquela sensação que ele despertara nela, lembrava dor e ao mesmo tempo nostalgia e amor, como encontrar seu amado depois de anos longe dele. Mas ela sabia que por mais que se parecessem, não era o mesmo. O rapaz finalmente olhara para ela e a encarou durante alguns segundos, terminando com uma expressão de familiaridade, como se já a conhecesse.

- Droga! – Sussurrou para si mesma. Foi até a amiga que estava no armário.

- Sam, seria possível ele me reconhecer? Quer dizer, ele nunca me viu. E impossível, não e? – havia uma pontada de desespero na voz. A amiga parou por um momento e a encarou com seriedade.

- Não e impossível, e você sabe disso. – Retrucou agarrando os livros.

- Eu sei mas...quer dizer, ele queimou as fotos, ele não poderia as guardar, certo? – Carly já estava a ponto de ficar eufórica. Sam lhe lançou um olhar calmante.

- Só tem um jeito de descobrir. – Disse saindo ao ver que o rapaz caminhava em sua direção. Carly amaldiçoou a amiga por deixá-la ali sozinha.

- Desculpa mas, eu te conheço? Tenho a leve impressão de que já te vi. – Aquele doce som de sua voz. Hipnotizou ela, e a carregou até uma época guardada em sua memória.

FlashBack

Estava arrumando os últimos preparativos para o baile de primavera. Entrelaçando os barbantes azuis e rosas uns nos outros, quando vê um lindo rapaz no canto com o time de futebol. Em seu rosto um sorriso irradiante emoldurado pelos cabelos loiro escuro. Os olhos azuis igual ao mar. Parecia feliz conversando com os amigos e vestia o uniforme do time. Ela o encarava, como se fosse a mais bela escultura. Por tanto, o rapaz notou que estava sendo observado, e quando virou, seus olhos encontraram os dela. A bela morena de vestido azul e cardigan cor de rosa o encarava timidamente com um sorriso no rosto. Ele caminhou em sua direção.

- Desculpa mas, eu te conheço? Tenho a leve impressão de que já te vi. – A suave voz dele cortou o transe em que ela se encontrava.

- Achei que por ser do time de futebol, faria coisa melhor. – Sorriu a menina. Ele riu.

- Então, só porque sou um jogador, tenho que ser galanteador? – Ele beijou as pálidas mãos dela.

- Sim. – Respondeu astuta a morena.

- A propósito, meu nome e John, John Mitchel, prazer.

- Sou Carlota Shay, prazer.

FlashBack

- Me desculpe, acho que não. – Respondeu finalmente Carly.

- Não estou ficando louco, tenho certeza que já te vi em algum lugar... – Ele esforçava-se ao máximo para lembrar de onde tinha a visto, e se odiava por esquecer tão belo rosto.

- Acho que isso e impossível, já que sou nova aqui em Seattle. - Mentiu, sabendo que a maior parte de toda sua vida ela passara naquela cidade.

- Ah sim. Bem, de qualquer jeito, meu nome e Kevin, Kevin Mitchel. – Ele disse sorrindo. Não, não, não... Não pode ser. Seus olhos se arregalaram. Quantos Mitchel’s podem existir em Seattle? Era só um sobrenome, pra que tanto nervosismo?

- Bom pra você. – Falou sem pensar se soltando da mão do garoto bruscamente. Saiu de lá no mesmo instante. Queria chorar mas não podia, queria se arrepender mas não podia, queria sentir, mas não podia. Simplesmente não podia. O sinal tocou e ela correu para a sala, encontrando a amiga no fundo da sala, no canto. Parecia pensar arduamente. Se sentou na cadeira a seu lado. Teriam as mesmas aulas todas as segundas, terças, quintas e sextas. As quartas teriam somente três aulas juntas. A loira respirou fundo. Não queria acreditar. Depois que se separara de Carly, fora diretamente para a secretaria. Andava normalmente presa em seus pensamentos, até esbarrar com alguém. O cheiro não lhe era estranho.

- Idiota. – Murmurou pegando os livros.

- Eu ouvi isso. – A voz grossa falou. Ele era alto e forte. A roupa inteira era preta, exceto pelo cachecol azul marinho, que parecia ser a peça mais colorida ali. Sam se arrumou, mas quando iria sair dali, o estranho lhe agarrou pelo braço. Sentiu uma formigação familiar. Subiu os olhos e encontrou uma pele alva, olhos castanhos e cabelos da mesma cor. Não. Não queria reencontrá-lo. Não ali, não agora.

- Me solta. – Ralhou baixo desviando os olhos.

- Não se lembra de mim? – Ele disse um pouco abalado pelo encontro repentino.

- Não. – Disse, sabendo que era mentira, pois conhecia a pessoa a sua frente melhor do que conhecia a si mesma.