175 dias. escrita por Malloù Vicchenzo


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Chega de enrolação e que comece a história



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Já havia se passado um mês desde que eu anunciara para Joe a mais nova desgraça da minha vida. Ao meu redor, a unica pessoa que eu julgava desconfiar eram minha treinadora de ginática olímpica, que vivia notando meu corpo (cujo ainda mantinha o mesmo peso anterior, para início de conversa) e meus contantes enjôos durante as aulas. Se era arriscado continuar com toda aquela pressão? Sim. Agora, talvez eu quisesse passar por um pouco de risco. Talvez eu não estivesse realmente preocupada.

Meus pais haviam ido viajar à pedido do bloqueio criativo de meu pai. Durante toda a próxima semana eu estaria por mim própria em casa, fazendo o que é que eu quisesse para comer e se quisesse comer. Pensei sobre quando estava com Joe. Aquela seria uma oportunidade perfeita para passarmos a semana juntos fazendo loucuras que não envolviam possibilidades de eu engravidar. Não éramos, nunca fomos, aquele tipo de casal. E se com tais poucas chances eu engravidara, era porque era para acontecer aquilo.

Aquela manhã estava especialmente entediante. Minha barriga roncava desesperadamente e o ponteiro no relógio parecia não girar. Era o último período antes do almoço e eu já não aguentava mais ouvir a voz irritantemente calma da professora de álgebra. Toda aquela falação sobre números estava me deixando enjoada.

Estava prestes à me render a tentação de dormir quando a porta foi aberta e um veterano adentrou a nossa sala, provavelmente para esclarecer algo com a professora. Nada estaria realmente fora do comum se o veterano não fosse Nicholas, irmão de Joe.

Ele pigarreou antes de se postar em frente a todos, ajeitando a postura. Seus olhos passaram por todos da sala e finalmente, pararam sobre mim. E eu me perguntei se ele sabia. E, à julgar pela expressão em seu rosto, não havia dúvidas de que meu segredo havia sido compartilhado com mais alguém.

Senti meu estômago se revirar e levantei apressadamente, ignorando o olhar confuso de todos sobre mim enquanto corria para o banheiro mais próximo. Sequer me preocupei em fechar a porta da cabine. Apenas me debrucei sobre o vaso sanitário e joguei para fora toda aquela bile nojenta que insistia em subir por minha garganta mesmo com meu estômago vazio.

Ouvi a porta do banheiro bater e logo alguém segurava meu cabelo. Não precisei olhar para trás para saber que a pessoa quem me ajudava era minha melhor amiga, Candy.

Limpei a boca com as costas da mão e deixei que meu corpo caísse sentado no chão frio do banheiro.

– Pode me explicar o que isso significa, Terrence? - Candy cruzou os braços, batendo o pé no chão impacientemente.

Suspirei pesadamente, sem saber muito bem por onde começar. Se Candy soubesse de todos meus esforços pra manter segredo sobre aquela gravidez... Se ela, ao menos, soubesse como eu me sentia envergonhada em ter que falar daquilo com alguem. Olhei para ela timidamente, torcendo para que ela me dissesse que não precisava mais de explicações. Mas Candance era teimosa e não desistiria até que tudo estivesse esclarecido.

– Lembra quando disse que eu e Joe terminamos? – murmurei. Candy assentiu com a cabeça, dando-me permissão para continuar – Era porque ele não quis... Ele não quis... – senti minha voz ir morrendo conforme meus olhos deixavam as lágrimas escorrerem por meu rosto. Maldito quem dissera que o tempo cura todas as feridas. A minha apenas inflamava mais.

– Não quis assumir o bebê? – ela se abaixou à minha altura, adivinhando o que eu diria depois.

Fiz que sim com a cabeça, encarando-a. Não sei dizer o que seu rosto expressava. Decepção, pena, talvez até raiva. Ou apenas compaixão. Seus olhos eram uma completa mistura de emoções e eu não queria lidar com elas – se é que sabia como.

– Você deveria ter se cuidado, Terry. Deveria ter sido responsável.

Suspirei, sabendo que não seria a primeira vez que ouviria todo aquele discurso.

– E ele... Ele é um filho da puta. Ele te engravida e some, é isso? Por isso Nicholas tinha aquele olhar de culpa na sala de aula hoje. Que idiotas!

– Eu não sei nem o que dizer... – minha voz saiu em meio-fio. E antes que eu continuasse, ela me abraçou.

– Não diga nada. Você errou, mas agora não há mais nada a se fazer, tudo bem? Vou te ajudar até o fim.

Candy ficou alí, abraçada comigo, até que eu me acalmasse e depois saímos do banheiro, fingindo que nada tinha acontecido. Como havíamos perdido todo o horário de almoço, apenas juntamos nossos materiais e decidimos que cabularíamos as aulas da tarde em alguma sorveteria qualquer.

Candy tagarelava sobre coisas quaisquer e eu tentava ao máximo prestar atenção em tudo o que ela falava. Mas a verdade era que eu só conseguia pensar no que Nicholas diria para Joe quando ele chegasse em casa.

– Ouviu, Terry? – Candy acenou em frente à meu rosto.

– Oi?

– Disse que já são três horas. Você não tinha piano agora?

Levantei correndo, tratando de derrubar praticamente tudo que havia em cima da mesa com a mochila.

– Ai, droga. Deixa, eu pego! – abaixei pra juntar as coisas. Mas, quando eu estava prestes a levantar para colocar as coisas de volta na mesa, vi umpar de tênis bem conhecido por mim. Um all-star completamente tradicional com rabiscos e esmalte esguichado. Esguichado, é claro, por alguém como eu que não tomara cuidado o suficiente na hora de manusear o pincel e deixara todo o líquido derramar sobre o tecido branco e quase limpo o tênis.

Direcionei meu olhar para cima, apenas para constatar que sim, aqueles tênis que eu reconhecera eram mesmo de quem eu pensava que era. E eu estava alí, debaixo da mesa, com potes de sorvete vazios e cobertura na mão.

Levantei rapidamente e acabei por bater a cabeça com força na mesa.

Candy riu alto da minha situação e, sabendo que ela ainda não deveria tê-lo visto, belisquei-a.

Só então Joe reparou em mim.

E embora quem estivesse pagando o mico fosse eu, foram suas bochechas a ficarem ruborizadas e sua boca a abrir em formato de O.

Ajeitei a roupa e a bolsa em minhas costas.

– Candy, eu vou.. Hm, vou embora. Tchau.- virei para sair, dando uma última olhada de relance para Joe... Que havia saído. Apenas por notar que eu estivera lá.

O tempo do lado de fora já começava a dar seus primeiros sinais de chuva e eu sabia que tinha que me apressar se quisesse chegar ao conservatório a tempo. Apertei os passos, absorta em meus próprios pensamentos enquanto fazia aquele velho caminho que eu já conhecia de cor e salteado.

Não demorou mais alguns minutos até que eu estivesse sentada no banquinho almofadado do piano, estudando alguma composição clássica. Meus dedos passavam de nota para nota e não era preciso ser um profissional para reconhecer que naquela música não havia melodia – mas sim muitas notas fora do tom.

Antes mesmo que eu pudesse parar de tocar por mim própria, dona Eyre deu um tapa em uma das minhas mãos, fazendo com que o piano reproduzisse um som estrondoso e desafinado.

– Me desculpe, Eyre. Eu... Não estou com a cabeça boa hoje.

– Não importa. Quando tocar, tem que esquecer do mundo e se concentrar na música. Você não leva o menor jeito pra isso, mas pode se esforçar pelo menos? – ela disse, ríspida.

Engoli em seco, tentando ignorar as palavras duras dela. Eu não tinha a menor vontade de tocar piano agora, muito menos com alguém que me insultava ao meu lado. Olhei novamente para o Prelúdio de Bach que aguardava para ser tocado, mas ao invés de recomeçar o compasso, me levantei.

– Disse que não estou bem. Eu vou para casa. Ligo para remarcar a aula quando der, certo? – saí andando antes mesmo que ela conseguisse responder algo.

Como o que eu previra, já chovia do lado de fora.

Tinha um guarda chuva dentro da minha mochila, mas a tempestade ganhava uma força com a qual guarda chuva algum conseguia competir. Apenas deixei que a água me enxarcasse enquanto eu caminhava pela rua de paralelepípedos. Ainda havia um longo caminho para seguir e eu tinha todo o tempo do mundo para isso.


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Notas finais do capítulo

Readers?



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