Não conseguia pensar em outra coisa.

O desespero ainda estava em minha mente. Se tem uma coisa que eu aprendi é: não toque em coisas sinistras quando estiver desesperada. O transe foi rápido, porém doloroso. Claro, ninguém me machucou, o que doeu foi na alma. Sentimentos abalados, pensamentos confusos. O que fazer? Quando estava inerte, vi Ares. Ele estava calmo, por incrível que pareça. Suas palavras ainda reverberavam em meus pensamentos.

“Junte-se a mim, posso te dar uma segunda opção. Trair seus amigos? Não! Apenas mudar o rumo de suas vidas. Claro, você não faz muita diferença para eles. Sinto muito, Ana. Posso te proteger, você nunca mais ficará sozinha.”

Aquilo ia e vinha em minha mente, e ficou assim até eu dormir. Quando finalmente adormeci, o que descobri não melhorou muito meu humor. Vi Hécate, a mesma de sempre, cada dia mais linda. A luz da lua refletia em seus olhos.

– Precisamos conversar. Você não deveria ter procurado Cass - ela fez uma cara de nojo ao tocar no nome da (de certa forma) filha. - Deve ignorar o que ela te contou. Aquela piranha não sabe o que estava falando. Ignore-a, faça de conta que ela não existe. Não torne a procurá-la. Aquela maldita está te atrapalhando. Quantas vezes você pensou sobre o que ela te disse naquele dia? Chegou a beber sangue? Ah, por Zeus, que garota ridícula!

MAS O QUÊ?! Tive vontade de gritar, desde quando ela agia assim?

– Nã...não, não bebi. Nem tive tempo de tentar.

– Ainda bem. Não beba. Seria idiota. Sabe, o fato de você se cansar facilmente é porque é forte, tem grandes poderes, que mal começou a descobrir, e ninguém pode ser extremamente poderoso e não ter nenhuma fraqueza. Até nós, deuses, temos uma! Agora, faça o favor de parar de ser pateta e siga seus instintos. Você não precisa que ninguém te ajude a seguir em frente, pode fazer isso sozinha, é só se concentrar. Não há outra maneira de seguir pelo túnel, você precisa guiar seus amigos, logo vai chegar o momento que vão precisar de ajuda para saber o caminho certo, e você terá que indicar. Siga seus instintos. Boa sorte.

Não tive tempo para protestar. Ela desapareceu, deixando apenas o perfume da noite em seu lugar. Então todas as cenas que invadiram meu sono na noite anterior voltaram, e mesmo não podendo saber como eu estava, sentia que devia ter, nesse momento, os olhos inchados e o nariz avermelhado, combinando com os cabelos ruivos, excessivamente chamativos. Droga, eu era um tipo de pimentão idiota ambulante.

Quando acordei, descobri que o que me despertava não era nem Helô, nem Marcy, mas sim, um rugido. Levantei-me depressa, de uma maneira bastante silenciosa, e acho que as garotas só notaram que eu havia despertado quando me pronunciei.

– Por Zeus, que coisa é essa?

– Boa pergunta - respondeu Marcy.

– Não fazemos ideia - Helô falou.

Ouvi outro barulho, como alguém bastante cansado acordando de um sono turbulento.

– Por que a Ana tá acordada e por que vocês estão gritando?! - Matt acabara de despertar, e pelo jeito já acordava Peter.

– Que foi, Matt?

– Shiiiu! Escutem! - Me concentrei no barulho, que começou a se amplificar, desembainhei a espada e tentei escutar melhor. O que quer que fosse, estava se aproximando, e eu não estava gostando. Pensei no fogo, e com uma leve pontada de dor, uma pequena e muito suave chama passou a dançar em meu dedo indicador.

– O que veem?

– Grifo! - Helô gritou exasperada.

– O que é isso?

– Um bicho bem chatinho - ouvi meus amigos empunhando suas armas e se preparando para lutar, mas meu corpo parecia pesado, o que eu podia fazer? Como ajudaria eles? Não me movi. Pensei em minha mãe e segui minha intuição. Eu podia ouvir perfeitamente bem o som das flechas de Helo atravessando o ar, e da espada de Peter indo contra o monstro. Passei a me concentrar em magias de ataque, eu ouvia os sons da luta e sabia que com certeza não era um monstro do tipo fácil de derrotar. Mas algum tempo depois, os ruídos cessaram.

– O que foi isso? - A voz de Matt soou um tanto exasperada.

– O que houve?

– Ele sumiu - Marcy parecia um tanto confusa. – Simplesmente desapareceu.

– Como assim?

– Ana, nós avançamos, o grifo atacou algumas vezes e desapareceu. – Disse Helo. – Ele levou o Peter junto.

– É, o quê?! - Minha voz sumia e um nó se formava em minha garganta, percebi que estava choramingando, que ótima maneira de reagir. Eu merecia um Oscar por ser tão panaca.

– O que vamos fazer? – Marcy perguntou, e eu não precisava da minha visão pra saber que ela estava com raiva. Era o irmão dela.

– Precisamos seguir em frente - tentei soar calma e controlada, mas na verdade eu estava tão confusa quanto eles, era como se alguém tivesse me curado de uma doença contagiosa e logo depois me apunhalado, doía, doía muito, e ao mesmo tempo não fazia sentido, ou não parecia fazer. Foi nesse momento que eu entendi. – A perseguição começou, logo estaremos enfrentando as coisas que mais tememos, e espero que possamos encontrar o que estamos buscando antes que isso aconteça. Concorda, Matt?

Percebi alguém se movendo, como se estivesse desconfortável com a situação, notei que era eu, então ouvi Matt.

– Concordo.

Desse modo seguimos pelo túnel por um certo período de tempo, até que meus amigos pararam, fiz o mesmo. – Qual é o problema?

– Tem dois caminhos – Helo respondeu.

–Posso...? – não precisava terminar a pergunta. Todos nós conhecíamos a profecia.

– Deve – Matt sussurrou, com autoridade.

Eram dois caminhos. Em um eu sentia coisas incríveis, comida, camas, sol. No outro monstros, mortes, medo, escuridão. Ah, que maravilha, o melhor de tudo é que eu sabia que se quisesse fazer Ares aquietar o fogo dele, e talvez ver Peter novamente, teria que seguir pelo caminho do medo.

– Por aqui - murmurei, eu estava odiando aquilo de verdade, mas acima de tudo, sentia medo. Adiantei-me e ouvi meus amigos me seguirem. Eu tinha certeza que aquilo não terminaria bem para todos nós, algo daria errado, e eu quase podia sentir o que era.