Fallacy - Pride escrita por Luiza Martz


Capítulo 21
Claire e Sua Bipolaridade




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Há momentos na vida que te fazem querer fugir. Talvez fechar os olhos e apenas por um segundo, fingir que tudo vai ficar bem. O pôr do Sol se refletia na água cristalina do lago e, por fim, nos olhos azuis maravilhosos de Claire. Continuava perdida naquele perverso mundo de egoísmo e mortandade em que crescera. Como uma alma inocente vagando entre o ápice da crueldade humana, ela nem mesmo se movia. Devil's Cauldron de repente me causou uma sensação de frieza e vazio na boca do estômago. Uma dor interna que corria juntamente com o sangue em minhas veias.
Claire respirou fundo, e puxou o cabelo para trás. A pele aveludada iluminada pelos raios alaranjados crepusculares poderia ser listada como a oitava maravilha do mundo. Eu não conseguia me conformar com o grau de beleza e serenidade que a íris densa e sólida tinha, quando o Sol a obrigava a brilhar tanto quanto uma estrela solitária no céu de meia noite. Os traços angelicais do rosto dela se destacavam quando eu a encarava pelo perfil. A dor que a ela causaram trazia agonia a mim. Principalmente porque era explícito seu sofrimento.
– Eu acho melhor nós dois irmos embora. Esse lugar não te faz bem. - Eu segurei a mão dela, devagar.
– Eu agradeço por se preocupar, mas já estamos aqui. E pelo que me lembro, nós dois ainda temos um trato.
Revirei os olhos, incrédulo.
– Você ainda quer ver lobisomens se matando?
– Dave, eu sei que você ainda está chocado com o que aconteceu aqui mas, nada mudou. Viemos até Devil's Cauldron com um propósito, e isso tem que ser cumprido.
– Mas não há necessidade! E além de tudo, é perigoso.
Claire abriu um leve sorriso.
– Eu não preciso ver os lobos. Eu só quero que você passe a noite comigo. Aqui.
– Eu acho que você quis dizer “bem longe de Hillary”. - Ironizei. - Você tem algum limite?
– Você tem? - Ela perguntou, sorrindo. - Não vai criar problemas por causa disso, vai?
Claire apoiou a cabeça em meu ombro mais uma vez. O Sol lentamente se pôs, fazendo a temperatura descer no exato momento em que o toque suave em nossas peles foi rompido.
– Claire, por que você gosta tanto de chamar encrenca para nós dois?
Ela riu baixo, de um jeito delicioso.
– Porque você precisa tirar Hillary da cabeça. Isso não é saudável, sabia? - Ela debochou.
– Cá entre nós, Claire. Sinceramente. Qual é o problema de vocês duas?
Com um sorriso largo e debochado no rosto, Claire deixou que o peso de seu corpo a jogasse para trás e deitou de costas na grama. Ela ainda ria alto quando eu imitei seu gesto, com meus dedos segurando os dela de modo cortês.
– Sabe quando você encara uma pessoa e já no primeiro momento, alguma coisa não te desce? - Ela perguntou, pigarreando para acertar o tom de voz. - Quando alguém troca três frases com você e, sem motivo nenhum, você sente que tem alguma coisa errada? Eu não sei o que Hillary tem, além da lastimável chatice dela. Mas, eu juro que isso nunca foi o suficiente para eu odiar alguém. - Ela franziu as sobrancelhas, confusa. - Hillary tem alguma coisa que eu não engulo, Dave. Aquela vadia tem o dom de despertar o pior em mim. Há algo nela, eu não sei dizer o quê, que está errado. Fora do lugar. E isso tira de mim todas as possibilidades de ser gentil com ela.

Esticando meu corpo de modo indolente e preguiçoso, eu uni minhas mãos atrás de minha cabeça, as usando de travesseiro para observar as estrelas surgindo vagarosamente no céu que ficava cada vez mais escuro.
– E você não tem ideia do que possa ser? - Perguntei.
– Você diz, além dela ser autoritária, mau humorada – Claire começou a indicar com os dedos - , histérica, irritadiça, debochada, petulante, grossa, cínica, fria e arrogante? - Logo as duas mãos estavam com as palmas estiradas. Eu ri baixo.
– Você sabe que está exagerando. E de qualquer modo, eu sou muito pior do que Hillary com os ataques dela.
– Eu espero realmente que você não comece a se comparar com ela. - Claire bufou.
Eu respirei fundo.
– Sabe o que eu acho engraçado? - Perguntei, contemplando as estrelas que aos poucos apareciam. - Que, com ela longe, você nem mesmo tenta tocar em mim...
Claire no mesmo instante tirou a sua mão de perto da minha. Eu escutei uma leve risada maligna vindo dela.
Foi quando ela desistiu de ficar deitada ao meu lado e se sentou na grama mais uma vez. Ajeitou o cabelo loiro radiante, e depois se colocou se joelhos, virando-se para sorrir timidamente para mim. Minhas sobrancelhas se ergueram, deixando minha curiosidade em evidência. Então, Claire relaxou sobre suas pernas, apoiando as mãos nas coxas maravilhosas. A saia que, já era curta, subiu mais ainda. Então, uma leve mordida provocante no lábio inferior e o olhar devasso surgiu mais uma vez. Quando eu notei que estava vulnerável estirado no chão, já era tarde demais.
Imprudente, Claire me surpreendeu caminhando de joelhos até mim. E, quando estava perto o suficiente, ela levantou mais ainda a saia, e passou a perna por cima de meu quadril. Sedutora, apoiou levemente as mãos em minha barriga para finalmente largar o peso do corpo sobre mim. Estava estranhamente quente e deliciosa... Mais uma vez, me vi lutando contra uma vontade ardente de devorá-la. Puxei o ar entre os dentes, completamente desorientado por ter aquela mulher perfeita enganchada em mim. E, quanto mais ela via o meu esforço, mais ela sorria.
– Desça. - Eu sussurrei, destruído por ela.
– E porque eu deveria?
– Claire, por favor. Desça.
Ela acenou negativamente com a cabeça.
Claire estreitou as pernas, apertando-me entre elas. E de repente, ela começou a se arrastar lentamente sobre mim, dando trancos fracos aos mesmo tempo. Minhas mãos subiram por sua coxa, apertando com força. Ela arfou, e fez com que os solavancos ficassem um pouco mais intensos. Quando eu notei, meus dedos estavam beirando a borda da saia, prontos para caminhar pela parte externa de sua perna, até chegar ao glúteo. Mais uma vez, meu estado mental irreverente e desesperado me traiu. Claire jogou a cabeça para trás, fechando os olhos.
– Desça.
– Não seja fraco.
– Desça.
– Tarde demais para parar.
– Desce, porra!
Eu segurei no antebraço de Claire e a puxei, ao mesmo tempo que virei meu corpo, obrigando-a a sair de cima de mim. A amazona loira caiu radiante, sorrindo e sem perder a pose, apenas colocando o cabelo magnífico no lugar mais uma vez. Depois, ela cruzou as pernas e se sentou ao meu lado, ajeitando o decote da camisa justa de algodão.
– Nunca mais faça isso. Entendido? - Entonei com força. Claire riu baixo.
– Sabe qual o problema com você? Você quer isso. Mas fica se prendendo a ela.
– Claire, você é um desejo. Uma tentação. Nada mais. - Enfatizei. - Ela é um sentimento. E é tão mais forte que me impede de ceder. Deu para sacar a lógica?
– Eu já entendi isso. Só estamos nos divert..
Então, um barulho estanho vindo da floresta interrompeu a frase de Claire; fazendo com que ela deixasse a sentença morrer ao virar o pescoço rapidamente, agitada. Seus olhos se arregalaram em um instante, e ela parou de se mexer. Juntamente a isso, eu senti um odor diferente no ar. Uma essência lúgubre, fria e pesada. Na obrigação de proteger Claire, eu passei meu braço por ela e a trouxe lentamente para trás de mim, tentando não chamar atenção. Mas, alguma coisa me disse que era tarde demais.
Vagarosamente, eu escutei sons marcados de alguma coisa se movimentando em cima das folhas marrons e secas da floresta. A escuridão da noite não permitiu que eu enxergasse com perfeição. De repente, percebi que nós dois estávamos completamente sujeitos à ataques de qualquer coisa. Estávamos desprotegidos, e desafiando os perigos noturnos. Claire e eu nos levantamos, e recuamos lentamente, andando para a margem do lago. Foi no momento em que o barulho se confundiu com outro de mesma intensidade; não muito longe.
– Entre na água. Se abaixe e não faça barulho. - Eu sussurrei.
Claire se afastou de mim devagar e, tentando abafar o som de seus movimentos, caminhou para dentro do lago, ainda atenta a mim. Quando a água estava na altura de sua barriga, ela se agachou e manteve apenas metade de suas cabeça para fora. Os olhos azuis alertas jamais me deixariam sozinho.
Então, finalmente se afastando das sombras, a silhueta discernível não tinha erro para mim. Quando a criatura colocou as patas no chão, deixou de ser apenas um contorno na escuridão. Os olhos rubros desesperados, vazios, e todos os dentes expostos de forma hostil. Por todo o pelo caramelo, havia falhas e resíduos discretos de sangue. O cheiro da morte logo invadiu minha mente. Aquele lobisomem estava completamente perdido na sede ardente que o consumia. As cicatrizes na face faziam da pelagem, rala. A mandíbula se abriu devagar quando ele rosnou baixo, com o fundo da garganta. Fechei meus dedos, apertando-os contra as palmas de minhas mãos.
De repente, mais uma vibração intensa e rouca que vinha da escuridão. Curioso e sem entender o que estava acontecendo, eu tirei os olhos do lobisomem marrom caramelo por apenas três segundos. E, fitando os galhos robustos e velhos das árvores, eu encontrei uma surpresa não muito agradável.
Ele pulou da árvore para a frente do outro, altivo. Quando seus pés tocaram o solo, eu pude sentir o impacto ligeiramente. Colocou-se de pé, enchendo o peito de ar antes de soltar um rugido assustador. Aquele tinha a pelagem em um tom cinza tão escuro que mais parecia um derivado do azul. Para meu azar, era quase tão grande quanto eu. Os olhos eram duas esferas vermelhas e brilhantes, desesperada pelo meu sangue.
Como lutar com dois advogados do diabo?
Simples. Sendo o terceiro.
Fechei os olhos. O sangue latejante correu por minhas veias em uma velocidade três vezes maior. Meu coração batia violentamente, causando a mim um certo incômodo por um breve momento. Mas, como o Sol que se põe todas as noites; dando lugar a Lua, tudo mudou. E, quando eu abri os olhos novamente, eu já me sentia indestrutível mais uma vez. Isso fez o canto dos meus lábios se arquear.
Os dois lobisomens dispararam juntos contra mim. A terra subia em cada galope violento que davam em minha direção. O marrom se jogou contra meu corpo em um pulo energético mas irreverente, completamente impulsivo. Eu apenas tirei o corpo da frente e deixei que ele passasse por mim feito uma bala de canhão. A aterrissagem imperfeita fez com que ele derrapasse na grama e terminasse dentro do lago. Imediatamente procurei por Claire. Se aproveitando de meu momento de distração, o lobo cinza fez três cortes enormes com as garras em minha costela esquerda. Meu corpo se encolheu como reflexo. E, quando me viu vulnerável novamente, encravou os dentes enormes em meu trapézio e puxou, fazendo com que eu caísse no chão. O sangue jorrava sem parar, e por um breve segundo, fiquei completamente perdido quando a tontura e a falta de oxigênio fizeram com que a floresta escura começasse a girar.
Juntos, os dois agarraram minhas pernas com os dentes e me arrastaram por metros. Eu enterrei minhas garras no chão, tentando fazer com que parassem mas nada adiantou. O cinza abocanhou meu ombro com tanta força que eu achei que ele fosse esmagar meu osso. Consumido pela dor que me causavam, eu deixei um grito suplicante ecoar pela floresta. Mas, ele não tinha som. Não era mais alto do que um sussurro.
– Hey fedorentos, que tal virem me pegar?
No mesmo instante eles me pararam de me morder e olharam para o lado. E lá estava Claire, com as roupas molhadas pingando e tremendo discretamente de frio. A expressão inflexível não parecia intimidada pelos lobisomens. Mas, quando o marrom me largou e se lançou em um galope inicial que logo ganhou ritmo de corrida, em um instante ela se virou e começou a correr o mais rápido que podia. O lobisomem cinza também pareceu mais interessado na loira e me soltou, seguindo os dois.
Onde diabos ela estava com a cabeça?
Ignorando toda a dor, eu me levantei imediatamente. Pude ver o lobo cinza entrando na floresta novamente ao invés de seguir pelo mesmo caminho do marrom. Era uma emboscada. Claire ainda corria feito louca, revezando olhares entre o lobisomem atrás dela e a floresta à sua frente. Ela estava indo de encontro com a própria morte sem saber.
Com as poucas forças que me restavam, eu me lancei em uma corrida extraordinariamente veloz e tão intensa que chegava a ser violenta. Meus músculos se contraiam e esticavam em frações de segundo, fazendo com que todos os cortes latejassem de forma cruciante. A força era tanta que, quando eu puxava a terra com as patas dianteiras e me empurrava com as traseiras, por um breve momento eu não tocava o solo. Quando sete metros me separavam do lobo atrás de Claire, eu decolei em um pulo tão alto que por um segundo eu realmente cheguei a acreditar que estava voando.
Com a força do impacto, o lobo e eu rolamos pela grama rala, um por cima do outro. Assustado, ele não sabia nem o que tinha o atingido. Quando finalmente consegui me segurar de forma estável, enterrando minhas garras em seus braços, eu abocanhei a artéria em seu pescoço. O sangue desceu dentro de minha boca, e transbordou pelas falhas entre os dentes. Quando puxei, um pedaço grande dele veio comigo. Imediatamente o soltei, praticamente morto.
Claire parou de correr quando viu que eu tinha matado o lobo marrom. Por um instante, ela respirou aliviada. Apenas por um instante.

Antes mesmo de me aproximar da loira, o lobo cinza saiu de onde estava escondido e se jogou em minha direção. Quando o corpo dele atingiu o meu, nós dois caímos dentro do lago. Fraco e praticamente sem condições de lutar, eu tentei me afastar dele no primeiro momento. De repente, eu o perdi completamente debaixo d'água. Foi quando eu senti algo segurando meu pescoço e me puxando para fora do lago.
O lobisomem me colocou no chão e me imobilizou com seu próprio corpo. A água de seus pelos molhados pigava em mim. Ele segurou meus braços contra a terra, apertando os pulsos com ódio. Eu notei que o olhar dele se perdeu com o sangue que escorria de meu pescoço. Acompanhou cada traço do meu corpo com atenção, provavelmente imaginando o ouro que corria por minhas veias. Ele respirou fundo e sua garganta voltou a fazer aquele som rouco e trêmulo. E devagar, ele abriu a boca, pronto para me matar...

E de repente, ele grunhiu. Alto. Seu corpo ficou rígido. Se debatendo com força, ele saiu de cima de mim. E, quando se virou de costas, eu vi o cabo de um punhal enterrado na região de seus rins. Depois, eu vi Claire se aproximar e retirar a arma do corpo dele. Fraco, o lobisomem se ajoelhou diante a amazona. Então, ela rodeou o lobo ferido até que chegasse em sua cabeça. Ele a encarou com os olhos furiosos e rosnando baixo, mas ainda impossibilitado de agir contra ela. Rápida e letal, Claire o segurou pelas orelhas finas e fez com que seu pescoço ficasse esticado. E, com o punhal, em meio segundo, abriu uma fenda em sua garganta.
A loira foi até a margem do lago para limpar a arma antes de prendê-la dentro da bota de couro. Depois, ela correu até mim e se ajoelhou ao meu lado. Aos poucos, eu fiz o lobisomem desaparecer. E, quando eu finalmente era humano mais uma vez, ela apoiou minha cabeça e sua perna.
– Dave, eu não consigo te levar sozinha. Eu vou ter que ir à Aldeia pedir ajuda. - Claire disse, tirando o sangue do meu rosto.
– Elas vão matar você. - Eu sussurrei, perdendo a consciência aos poucos.
– Se eu não fizer isso, você morre.
– Não, Claire! - Eu procurei por sua mão macia. - Chame... Hillary.
– Ela vai me matar, Dave. Aliás, é do outro lado da Ilha!
– Chame Hill... Ela não vai te tocar.
– Não. - Sua voz se embargou levemente. - Dave, é muito longe. Você não pode ficar sozinho desse jeito.
– Não se preocupe comigo... Vá. É o único jeito, Claire.
– Claire socou a terra, relutante. Depois, respirou fundo. Mas, não negou.
– Tudo bem. Mas, não desmaie. Você tem que continuar alerta.
– Eu vou ficar bem.. - Meu tom estava quase desaparecendo. Minha cabeça começou a tombar para o lado.
Apavorada, ela segurou meu rosto, impedindo-me de cair de sua perna.
– Merda, Dave! Dave, continue comigo! Não desmaie! - Ela berrava, visivelmente assombrada.
Mas era tarde demais. A sua voz desapareceu na escuridão de quando meus olhos se fecharam espontaneamente.


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