Safe & Sound II: A Sociedade Secreta escrita por Gistar


Capítulo 8
Confusão


Notas iniciais do capítulo

Mais um...



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/457403/chapter/8

“Não quero ser aquela que vai preencher o silêncio...

O silêncio me assusta porque diz a verdade.

Por favor, não diga que tivemos aquela conversa

Não vou lembrar, poupe as palavras, não vai adiantar...”

Levei duas horas para encontrar os cinco títulos listados no papel de Jana. As estantes da biblioteca têm cerca de 12 andares de altura, com recantos e buracos suficientes para metade do corpo discente se esconder.

Finalmente encontrei um dos livros enfiado entre o teto e o topo da estante onde deveria estar guardado. Mais um truque de biblioteca: se você não quisesse que alguém retirasse os livros que você precisava, você os escondia. Com freqüência eu ficava imaginando quantos volumes tinham se perdido para sempre na confusão das estantes porque algum aluno esquecera quais eram os seus esconderijos, ou nunca se preocupara em desfazer o estrago quando o semestre acabara (está vendo, você acha que estudantes das universidades da Ivy League eram um bando de pessoas honestas e confiáveis, mas não. Nunca pensei que Jana fosse do tipo que teria esse tipo de comportamento).

Dirigi-me para a sala de leitura mais próxima e me instalei em uma das mesas de madeira entalhada que iam de uma ponta à outra. Gigantescas poltronas de couro cor de vinho e lâmpadas de leitura elegantes com cúpulas verdes completavam a decoração, e o sol matutino de sexta-feira brilhava nas janelas com vitrais e destacava os arcos góticos de pedra que se elevavam em uma abóbada acima da minha cabeça. As salas de leitura simplesmente exalavam um ar de ambiente acadêmico de alta classe. Imediatamente comecei a me sentir sonolenta. O que tinha mais a ver com o teor de cafeína de um cappuccino: Uma tragédia grega escrita há mais de dois mil anos ou ensaios empoeirados sobre fraternidades universitárias do século XIX?

Argh. Decidi espantar o tédio trocando de um para o outro regularmente.

Medeia era maquiavélica, mas o volume sobre sociedades não me presenteou com nenhuma informação útil. Sério, eu lá me importo se a Phi Beta Kappa começou na William & Mary? Quero saber o que está acontecendo na Skull & Bones no século XXI.

— Oi, Sara.

Olhei para cima e vi Seth Clanner de pé ao lado da mesa. Estudante do último ano, Seth e eu não andávamos nos mesmo círculos sociais, mesmo ele sendo colega de quarto do Bruno. Ele não estava no meu curso, nunca estivéramos na mesma sala e, até onde eu sabia, não havíamos trocado mais do que três palavras aquela noite no clube.

— Humm, oi.

Tudo bem, quatro palavras.

— E aí? — Seth torceu o pescoço em direção ao meu material de leitura, o qual, felizmente, estava no momento aberto na página em que Medeia assassinava seus filhos. Ele vestia uma camisa pólo verde-clara e estava com a bolsa de carteiro atravessada no peito e tocava a alça com os dedos.

— Aula de Tragédias Gregas, não é? De qual você mais gostou?

Prometeu Acorrentado — disse eu.

Ele riu,o que fez com que recebesse olhares feios de pelo menos três outras pessoas na minha mesa. Seth se recompôs então, mas continuou tamborilando na alça da bolsa.

Se você me perguntar, o ritmo, mais do que a conversa sussurrada, era o que fazia sua presença ser um fator de distração. E agora havíamos chegado a duas dúzias de palavras.

— A prova final é mole — continuou. — Portanto, não se preocupe.

— Valeu. — Eu acho. Tum, tum, tum.

— Não estude muito. Vai precisar da sua energia.

Hein? Meus olhos zuniram para seu rosto.

— Do que você está falando?

Ele sorriu então, mostrando-me um conjunto de lindos dentes brancos.

— Ah, eu quase me esqueci — ele parou de tamborilar por um segundo, remexeu em sua bolsa de carteiro, retirou três livros e colocou-os na minha mesa.

— Isso pode ajudá-la quando estiver boiando na aula — apontou para cada um deles de uma vez. — Said era uma crítico pós-colonialista, Levi-Strauss defendia o estruturalismo e Aristóteles... bem, ele é o crítico mais velho. Nenhum mereceu aquele B- em Literatura Etíope.

Olhei para aquele sorriso extremamente familiar. Seth era a Sombra-Que-Sorri. E ele estava na Skull & Bones. O que significava...

— Ei — eu disse. Alto.

— Shh! — a repreensão dura veio de uma garota na mesa ao lado. Torci meu pescoço e parei bem além do corpo de Seth para ver Tânia olhando para mim por cima da borda de sua bolsa Louis Vuitton. O olhar de Tânia fez um pingue-pongue de mim para Seth e de volta para mim, e então seus olhos azul-gelo se estreitaram. Um ligeiro espanto. Provavelmente estava imaginando o que ele estava fazendo conversando comigo.

E Seth estava se aproveitando da minha distração. Ele despenteou meu cabelo.

— A gente se vê em breve, gata. - Então, deu meia-volta e foi embora.

Ignorando Tânia e esquecendo-me completamente tanto dos livros sobre as sociedades quanto dos críticos preferidos do Seth, catei Medeia e corri atrás dele. Quando finalmente cheguei ao corredor principal da biblioteca, ele já não estava em lugar algum. Estantes? Saída? Argh! Andei o mais rápido possível para a porta da frente, o tempo todo varrendo cada vão com os olhos atrás de um relance de sua camisa verde. Sem sorte.

Na porta, passei pelo processo complicado de não-esta-é-a-minha-cópia-de-Medeia–por-isso-não-tem-o-código-de-barras-da-biblioteca de sempre e então desci correndo os degraus da frente até o Cross Campus Green. Nenhum sinal dele ali também.

O quê, os membros da Skull & Bones também tinham uma entrada secreta para a biblioteca? Tudo bem, eu enfrentaria os leões em seu covil, eu o seguiria direto até seu alojamento. Tentei parecer digna enquanto andava rápido, mas alguns tropeços e um quase tombo atrapalharam meu progresso.

– Seth — gritei e ele parou imediatamente. Corri até ele. — Você é um Cavaleiro! — falei quando cheguei ligeiramente ofegante. Ele agarrou o meu braço e me levou até um dos bancos de pedra posicionados mais longe das janelas.

— E você — ele sibilou no meu ouvido em um tom muito mais baixo do que eu estava usando — não é exatamente discreta.

Revirei os olhos enquanto nos sentávamos. Cruzei os braços em cima do peito.

— Agora eu quero uma explicação.

Ele estreitou os olhos.

— Para o quê?

— Para o quê! — Olhei em volta do pátio. Ainda vazio. Mas abaixei a voz, de qualquer modo.

— Para ontem à noite, é claro.

— Você pareceu entender o processo, na hora.

— É, mas aí vocês simplesmente me deixaram lá. No banheiro.

— É claro. Tínhamos que pegar mais outras quatorze pessoas, sabe, Sara. Estávamos ocupados.

Digeri isso enquanto ele olhava em volta.

— Olhe, este não é o momento para conversar. Tudo o que você precisa saber está nos... — ele parou e olhou para as minhas mãos, vazias a não ser por Medeia. — Onde estão os livros que eu lhe dei?

— Na biblioteca, eu acho.

— O QUÊ! — agora era a vez de Seth falar alto. Ele pulou do banco e ergueu as mãos no ar. — Você simplesmente os deixou lá?

Olhei para ele atônita.

— Eram livros de biblioteca. E eu já tenho uma cópia de Poética no meu quarto.

— Tinha... argh! — ele socou o ar com as mãos. — Havia algo em Aristóteles. Para você. De nós.

— Ah.

Ah? — Ele andava de um lado para o outro na minha frente. — Ah?! É tudo o que você tem a dizer?

— O que eu deveria dizer? Acha mesmo que depois daquela sua ceninha eu ficaria mais interessada em ir atrás de você ou em saber um pouco mais da opinião do Cara Branco e Falecido sobre crítica literária?

— Bem, não achei que você simplesmente os deixaria lá! — ele se jogou de volta no banco e colocou as mãos na cabeça. — Eu disse a eles que não devíamos ser criativos. Eu disse "Qual é o problema com os Correios?" Mas alguém me ouviu? Não. E agora veja isso.

Dei um tapinha em seu ombro, porque me pareceu a única resposta adequada, mas por dentro eu já estava planejando meu trajeto de volta à sala de leitura.

Seth levantou-se de um salto e me agarrou pelos ombros. Ele olhou para mim resoluto.

— Escute, você não pode deixar que ninguém mais veja a carta que eu botei dentro daqueles livros. Isso pode estragar tudo. Você tem que voltar à biblioteca e pegá-los de volta. Agora. Entendeu?

Assenti, meio perplexa, e voltei o mais rápido que pude para a biblioteca.

O lado positivo era que eu estava definitivamente a caminho de me tornar um membro da Skull & Bones, com ou sem Pedro. Então, cara, como eu precisava recuperar aqueles livros!

Corri de volta para a biblioteca, cruzando os dedos para que os assistentes bibliotecários ainda não tivessem feito sua ronda pela sala de leitura. Mas minha sorte não vingou. Cheguei à mesa em que estivera sentada e ela tinha sido totalmente desocupada. Nenhum livro sobre sociedades, nenhum volume sobre crítica literária, nenhuma missiva da Skull & Bones.

Droga!

O próximo aluno do primeiro ano que tivesse que ler Poética com certeza teria uma surpresa. E eu já ferrava meu primeiro objetivo como membro de uma sociedade secreta — chegar a ser iniciada (ainda que, sério, eu não seja totalmente culpada por essa confusão. Como eu iria saber? Não é como se houvesse um folheto com o título "Então você quer entrar para uma sociedade secreta").

Muito bem, Sara, pense. Eles ainda não teriam tido tempo para recolocá-los na prateleira, então provavelmente ainda estariam em um dos carrinhos de livros atrás da mesa de distribuição. Eu podia simplesmente falar com as pessoas da mesa e dizer que precisava deles de volta.

Então, ali estava eu, na fila, praticamente pulando de impaciência e forçando os olhos para ver os carrinhos atrás do balcão, esperando reconhecer pelo menos um dos volumes. A garota miúda trabalhando no computador tinha piercing no nariz e duas mechas verdes no cabelo e, quando eu lhe disse que precisava do meu Aristóteles de volta, ela simplesmente olhou para mim e piscou.

— De acordo com o sistema — falou, puxando a informação na tela — há 215 cópias dos escritos de Aristóteles nas estantes.

— Eu sei, mas preciso daquele que eu estava lendo.

— E mais 167 no resto do sistema bibliotecário do campus.

— Certo — falei, apontando para trás dela. — Mas eu preciso do que está ali no carrinho.

Ela olhou por cima do ombro, depois de volta para mim.

— Você quer que eu vá fuçar no carrinho para encontrar um determinado livro, cuja cópia você pode pegar da prateleira em 382 formas diferentes?

Bela matemática, bruxa. Eu ainda estava fazendo as contas. Mas minha mãe sempre me disse que você pode pegar mais moscas com mel.

Muito bem, e agora, o que eu devia fazer?

— Ei! Psst, Sara. Sara Samers.

Virei-me na direção da voz e vi Tânia sentada numa poltrona de couro em um pequeno recanto de leitura. Sua bolsa Louis Vuitton estava no colo, uma pilha de livros da biblioteca estava em cima da mesa ao seu lado e, entre dois dedos com unhas feitas à francesinha, ela balançava um envelope branco com uma borda preta e um lacre de cera preta.

— Procurando isto?

Engoli em seco.

— Ora, obrigada — sua vaca — Tânia! — falei no que esperava ser um tom de puro encanto, mas que provavelmente saiu como doçura forçada.

— Eu estava imaginando — porque você roubaria os meus livros — o que eu havia feito com esse — bilhete da sociedade secreta — convite para uma festa de aniversário.

— Cale-se — disse ela e acenou para mim com a carta. — Venha cá.

Comecei a andar em sua direção, mas parei e estiquei a mão.

— Por favor, me devolva a minha carta.

— Assim que averiguarmos que ela pertence a você.

Isso me fez entrar totalmente no recanto de leitura.

— Ela me pertence e você sabe disso — chiei.

Ela virou o envelope nas mãos, um olhar de inocência serena no rosto.

— Não tem nome.

Cerrei o maxilar.

— Então, deixe-me descrevê-la para você.

— Ah, por favor, faça isso! — ela sorriu docemente. — Principalmente o que está dentro.

Sentei-me na poltrona à sua frente.

— Tânia, eu não estou brincando. Devolva.

Ela hesitou, franziu as sobrancelhas e me entregou. Arranquei o envelope de suas garras e, depois de me assegurar que o lacre continuava intacto, enfiei-o dentro da capa de Medeia.

Bem, isso fora mais fácil do que eu pensara que seria. Cara, se fosse eu, teria brigado para ver o que havia naquela carta. Como todos os assuntos entre nós pareciam ter chegado ao fim, levantei-me para ir.

— Espere, Sara. — Ela tocou no meu braço e fiquei bastante orgulhosa de mim mesma por não me encolher de nojo. — Nós devíamos conversar.

— Sobre o quê? — falei arrogantemente.

— Você sabe sobre o quê. — Seus olhos se suavizaram por um segundo. — Por favor?

Que cascata. Como se ela fosse ser minha amiga agora que eu ganhara a aprovação de um grupo como a Skull & Bones? Soltei meu braço de sua mão.

— Me desculpe, Tânia. Não tenho tempo pra isso!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O que acham que tem na carta?