Belos tempos. escrita por Laucamargo


Capítulo 5
Edgar


Notas iniciais do capítulo

Me perdoem a demora.



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Ainda estava escuro, quando Edgar, preparou o seu cavalo, Furacão, e saiu calmamente, em direção a fazenda da família de Laura.

Enquanto percorria aquelas trilhas e estradinhas, que tão bem conhecia, seus pensamentos se mostravam conflitantes. Ele queria ir à fazenda e ter noticias da menina, mas por outro lado estava mortificado de vergonha.

Mas como havia prometido que levaria o livro, deixou de lado esses receios e dirigiu-se a trilha que levava a fazenda.

Assim que se aproximou do pomar, amarrou as rédeas do Furacão numa pequena árvore e terminou o caminho a pé.

Ele esperava encontrar novamente a bondosa D.Lurdes para que ela pudesse entregar o livro para Laura. Ele a viu no pomar, nos fundos da casa grande, ela cantava uma canção bonita, mas que ele não conseguiu reconhecer.

__ Oi!

Edgar chamou bem baixinho.

D. Lurdes procurou, sem saber ao certo de onde viera o chamado. Até que o avistou em meio aos cajueiros do pomar. Ela não tinha certeza se deveria dar trela para esse menino, mas pelo que a Laurinha tinha lhe dito, ele parecia ser um bom garoto, e além do que fora providencial quando a sua pequena se machucou na mata. O que será que ele queria dessa vez?

__ Olá!

Fez uma pausa e então perguntou:

__ Não é muito cedo pra você se aventurar na casa dos outros não, garoto?!

D. Lurdes o repreende com um pequeno sorriso a despontar em seu rosto, e isso deixa o Edgar ainda mais encabulado. Ele estava com vergonha, porque não era uma atitude comum para ele. Mas havia prometido a Laura que levaria o livro e lá estava para entregá-lo.

__ Me desculpe, D. Lurdes! Mas vim cedo na esperança de encontrar com a senhora mesmo e assim poder entregar o livro que prometi para a Laura. Como ela está?

Seus lindos olhos verdes refletiam a timidez típica de um jovem rapaz que ainda não reconhece nem domina os sentimentos. E ter que se expor para uma estranha o deixa ainda mais incomodado com o fato. Mas ele precisava ter noticias da pequena Laura ou não teria sossego. Entregou a boa senhora o pacote que trouxera e para seu espanto ela lhe entregou de volta um envelope.

__ O que é isso?

__ Veja você mesmo! A Laurinha me pediu para lhe entregar, caso você aparecesse para trazer-lhe o livro, penso que é uma resposta a “encomenda” que você deixou ontem, lembra-se?

D. Lurdes achou encantador ele se referir àquele pequeno pedaço de papel como “encomenda” quando lhe pediu para entrega-lo para a Laura. E ali estava ele de novo, como havia prometido e pelo jeito o livro era grande, pois o pacote era pesado. Não foi possível ver o que era, mas ela olharia assim que a Laura recebesse o livro. Por melhor que esse menino parecesse, tomar cuidado nunca era demais.

__ Ah ... sim. Muito obrigada D. Lurdes. Diga a Laura que .... ou melhor não diga nada, apenas entregue o livro. Eu fico muito agradecido. Até mais!

D. Lurdes, ficou olhando aquele pequeno se embrenhar novamente pelo caminho que veio e logo desaparecer por entre as árvores. A Laurinha ainda demoraria a levantar-se, pois ainda era muito cedo. Na verdade, o menino deve ter visto o sol nascer ali no pomar ... __ Exageros da juventude! Isso nunca muda!

A boa senhora continuou com seus afazeres e mais tarde, dirigiu-se ao quarto da pequena para prepará-la para o desjejum.

O sol ainda estava baixo, quando o Edgar chegou em sua casa. Assim que ficou satisfeito com os cuidados do Furacão, dirigiu-se a mercearia, localizada na parte da frente do terreno de sua casa.

­­__ Até que em fim em garoto! Achei que não apareceria mais.

O tom de seu pai era severo, o que não era novidade nenhuma para o menino. Aprendera a lidar com o pai, há muito tempo, desde bem pequeno. O ideal era não responde-lo, e suas conversas se resumiam ao Sr Bonifácio, falando e ele escutando, e as vezes emitia um “sim senhor” ou talvez um “ com certeza”. Nada mais.

__ Vá cuidar das mercadorias que eu trouxe, estão no deposito. E por favor não enrole lá o dia inteiro. Para a maioria das pessoas hoje é feriado, mas para nós não é.

Com essas palavras ele deixou claro para o Edgar que o assunto estava encerrado.

Seu pai era um homem seco, sem grandes sentimentos por nada nem por ninguém. Edgar se ressentia de como ele tratava a sua mãe, era sempre frio e distante, e ele via que isso a magoava profundamente. Nunca os vira discutindo, tbem nunca presenciou ou viu sinais de violência, porém algumas palavras e alguns silêncios machucavam muito mais que murros. Nas poucas vezes em que viu o pai sorrindo meio torto era quando ele ouvia a novela no rádio, a noite, depois de fechar a mercearia. Aquele era um horário sagrado, infeliz daquele que o interrompesse, então desde que era bem pequeno sua mãe o mantinha longe do pai nesses horários e agora faziam o mesmo pelo seu irmão, o pequeno Edson.

Ele sabia muito pouco da família do pai. Sua mãe certa vez lhe disse que ele havia sido criado como agregado numa casa grande de uma das fazendas da região, e quando o senhorio que o criara faleceu, o filho mais velho deste o colocou para fora da fazenda, na época ele tinha 16 anos. Ele então foi trabalhar em outras fazendas e não se sabe como conseguiu comprar este terreno em que moram hoje, com a casa e o comércio já construídos. Sua mãe lhe disse para nunca fazer perguntas dessa natureza para o pai, porque o seu passado era algo doloroso para ele.

Enquanto deixava esses pensamentos rodopiarem em sua mente, Edgar arrumava toda a mercadoria que o pai havia trazido no dia anterior. Assim que aprendera a fazer a primeiras contas o pai lhe passara essa incumbência. Edgar suspeitava de que seu pai não sabia ler nem escrever direito e arriscava passos curtos em algumas contas. Certa vez o menino, todo solícito, ofereceu-se para ensinar-lhe tudo o que havia aprendido na escola. O pai o colocara de castigo e lhe dissera que jamais aceitaria esse tipo de insulto. Edgar ainda se lembrava de como ficou assustado com a fúria do pai. Naquele dia ele temeu que fosse levar uma surra, mas ao invés disso o pai apenas o ignorou por completo por vários dias.

O que enchia de alegria a sua vida era a família da sua mãe. Todos moravam no vilarejo ou em alguma fazendinha próxima. Seus avós maternos ainda eram vivos e seu avô sempre foi mais pai para ele do que o seu próprio pai. Para variar o Sr Bonifácio raramente permitia que os familiares de sua mãe viessem a sua casa, mas jamais proibiu a esposa, nem aos filhos de os visitarem. Edgar acreditava que esse seria um ponto em que sua doce mãe jamais abriria mão.

Ainda estava com um sorriso bobo nos lábios ao se lembrar do seu querido avô, quando ouviu o pai chamar-lhe de dentro da mercearia.

__ Já terminou menino? Ou vai levar o dia todo. Estou precisando de ajuda aqui no balcão.

Edgar rapidamente respondeu, pois não queria deixar o pai nervoso de forma nenhuma.

__ Terminei, meu pai. Estou apenas trancando o depósito.

O resto do sábado passou tão rápido que o garoto não conseguiu sequer se sentir cansado. Era tantas coisas a fazer e entregas a realizar, clientes a atender, além de páginas e mais páginas de cadernetas de contas que ele tinha que conferir para o pai, que não houve tempo para nada. Já estava escuro quando Edgar e o pai baixaram as portas da mercearia e o menino dirigiu-se para casa, deixando o pai limpando a poeira do velho rádio, provavelmente para liga-lo e ouvir mais um capitulo de sua radionovela.

Em casa, Edgar foi recebido pela mãe, com um abraço caloroso e cheio de carinho. Assim que estava de banho tomado e já com o pijama de dormir, jantou com a mãe, num clima bem mais amistoso do que o que tivera ao longo do dia com o pai. Logo após o jantar, a casa adormeceu em um confortável silêncio. D. Margarida deixava a janta do marido sobre o rustico fogão de lenha, assim este permanecia aquecido ainda por um tempo. Um pequeno lampião, estava acesso junto a porta da frente da casa, a espera do Sr Bonifácio.

Quando Edgar estava acomodado em sua cama, com a pequena chama do lampião ainda acessa em seu quanto, lembrou-se do envelope que D. Lurdes entregara para ele pela manhã. Levantou-se de um salto e foi até a mesinha que ele utilizava para estudar e apanhou o envelope de debaixo dos cadernos da escola que ali estavam aguardando o fim do feriado.

Novamente acomodado em sua cama, abriu com muito cuidado o envelope e retirou de dentro um papel de carta de seda e num tom marfim bem claro, e no canto inferior direito um lindo arabesco estava desenhado. Não dava para distinguir o que era o desenho, mas era bonito. Logo seus olhos correram para a letra grande que cobria quase toda a folha.

“Edgar,

Agradeço pela sua preocupação. Fiquei encantada com a dobradura que fez. Gostaria de aprender, se você puder me ensinar. Meu pai foi econômico no castigo, acho que o susto de ver-me machucada falou mais alto. Mas foi muito claro ao dizer que eu deveria esquecer passeios fora da casa da fazenda por um bom tempo, primeiro para que o pé se recupere e depois por causa do castigo mesmo. Sinto muito, pela maneira com que ele te tratou, quando chegamos aqui. Ele geralmente não é assim. Ele chegou a ser mal educado com você. Me desculpe, por favor!

Ficarei esperando pelo livro que você me prometeu com ansiedade.

Até mais,

Laura”

Edgar leu, releu .... leu mais uma vez, mas não conseguia organizar o que entendera do bilhete. Ele sempre tinha a impressão de que nunca estava lidando com a mesma menina. Laura sempre lhe parecia diferente a cada vez que se encontravam.

Como o cansaço do dia estava muito pesado, e não lhe permitia pensar mais nada, ele dobrou o bilhete colocou-o no envelope e guardou na gaveta de seu criado mudo. Apagou o lampião e ficou a olhar a grande lua cheia que tomava quase toda a sua janela, e assim adormeceu.


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