Matt Donovan

Eu não podia acreditar em tudo o que estava acontecendo ultimamente. Por um lado, meu trabalho estava me rendendo frutos que nunca imaginei colher: somente cinco anos trabalhando no Itália 6, uma das cantinas mais conceituadas da Flórida, e eu já alcancei o cargo de sub-chef. Por outro lado, meu casamento ia de mal a pior: Elena vivia me afastando, em nosso tempo livre sempre dava um jeito de marcar compromissos que não me incluíam... Essa noite não foi diferente.

Bonnie estava na cidade e, para variar, Elena me excluiu do encontro. Eu era tão amigo de Bonnie quanto ela! Mas por algum motivo, há tempos Elena não queria mais minha companhia. Decidi não importuná-la, ou Bonnie. Minha vontade era ligar e exigir saber onde seria o jantar, assim apareceria e levaria Mariah para ver a madrinha... Mas resisti, não quis ser o marido chato. Se elas queriam uma pausa da realidade para curtir como faziam quando morávamos todos em Kingsland, que saíssem! Eu não me importaria.

Decidido a aproveitar o sábado com minha filha, levei-a ao cinema. Há dias ela pedia para ir assistir o novo filme da Disney que havia saído em cartaz, Frozen, não vi porque não leva-la. Seria divertido um passeio em família, mas para variar sem a mãe.

Se minha filha fosse um pouco mais velha poderia achar que seus pais estão se separando, afinal mal se veem, mal se falam e quando saem é sempre separados. Mas Mariah nem imagina, não acha ruim e nem pergunta. Agradeço por sua ingenuidade, caso contrário eu não saberia explicar.

Elena e eu nos amamos. Afirmo isso com o meu coração, eu sinto o amor, e sei que ela sente também. Mas depois que Mariah nasceu, tudo se complicou. Não culpo minha filha por nada, se existe um problema no nosso casamento a culpa é minha e da minha Lena. Minha filha foi um presente, só sei defini-la assim.

Após a sessão, Mariah estava extasiada com o filme, não parava um segundo de comentar sobre os personagens.

– Papai, papai. E aquela hora do boneco de neve? Ele se quebrava todo e não morria! – dizia com um sorriso de orelha a orelha.

– É minha linda!

– Mas papai, e aquela hora que ela faz o castelo de gelo? Eu quero morar naquele castelo papai, quero morar eu, você e a mamãe! A Mandy pode ir também, eu gosto muito dela!

– Amor, mas aqui em Miami é muito quente. Você viu o que aconteceu com o boneco de neve no calor. - lembrei.

– Papai, mas aquilo era neve, eu estou falando de gelo! – disse como se fosse óbvio.

– Ah sim! Como não percebi isso antes? O gelo não derrete no calor. – respondi rindo. Um dia ela aprenderia que isso não é verdade, mas não tinha porque acabar com sua felicidade agora.

– Papai, podemos comer batata frita? – perguntou me puxando para a praça de alimentação do shopping.

– Não sei... está quase na hora do jantar, Mariah.

– Ah... – a felicidade acabou e fiquei com pena.

– Ok, ok. Vamos jantar batata frita, o que acha? – minha filha sorriu concordando – Só que depois disso a senhorita vai direto pro banho e depois cama! Me ouviu?

– Sim papaizinho.

De carro, passamos no drive-thru do McDonald’s e compramos nossos lanches com muita batata frita para Mariah. Já em casa, deixei Mariah comendo na cozinha e fui ligar para Elena, porém deu caixa postal.

– ... deixe sua mensagem após o sinal. – ouvi o barulho que indicava que eu deveria começar a falar

– Elena, amor... Eu vou por a Mariah para dormir e vou aproveitar e dormir cedo. Como percebi que saiu sem chave vou deixar sua cópia no vaso de flores para que tenha tranquilidade na hora que chegar. Eu te amo, juízo. Beijos.

Voltei para a cozinha e encontrei minha princesinha toda suja de ketchup.

– Mariah Gilbert Donovan, a senhora não está muito mocinha para se sujar toda assim? Tenha cuidado filha. - me fingi de bravo.

– Desculpa papai, bati no vidro pra sair o restinho e espalhatifou em mim. - De fato era o que parecia ter acontecido. "Espalhatifado"...Tinha molho vermelho por toda parte.

– Tudo bem, tudo bem. Mas vamos tirar essa roupa para eu lavar se não mancha.

Minha filha sorriu e eu tive vontade de chorar. Um sorriso que me lembrava minha mãe... e eu sentia saudades de casa.

Enquanto Mariah terminava de comer suas batatinhas, coloquei sua blusinha num balde com água e tira-manchas para limpar a mancha. Assim que minha filha terminou levei ela pra tomar um banho e fiquei esperando do lado de fora. Agora que estava mocinha não queria saber de ajuda pra lavar o cabelo, mesmo que significasse cabelo com shampoo depois do banho.

Já limpinha, a coloquei na cama.

– Boa noite, princesinha do papai.

– Pai, conta uma história pro Sr. Bigode dormir? – Sr. Bigode era o gatinho de pelúcia que Mariah dormia agarrada.

– Pro Sr. Bigode? Hm... Já sei a história perfeita.

“Era uma vez o Eu, o Tu e o Ele que moravam na mesma rua, numa pequena cidade. Cada um deles vivia numa linda casinha, muito confortável, com vista para o mar. Os três tinham uma boa vida pois nada lhes faltava: tinham boa comida, muitos brinquedos e uma caminha muito fofinha onde todas as noites se aconchegavam e sonhavam lindos sonhos.

Mesmo não tendo nada de mau nas suas vidas, o Eu, o Tu e o Ele sentiam que algo lhes faltava, mas não conseguiam descobrir o quê.

Numa linda manhã de sol, cada um deles saiu da sua casinha para dar um passeio, e coincidiu de se encontrarem, os três, à beira mar. Por um instante, ficaram a olhar uns para os outros espantados, pois nunca se tinham visto antes.

Então os três, curiosos em saber quem era cada um deles, começaram a falar todos ao mesmo tempo, perguntando uns aos outros, quem eram, onde viviam e quais eram as suas brincadeiras favoritas.

Depois de muita conversa, gargalhadas e brincadeiras, o Eu, o Tu e o Ele descobriram finalmente aquilo que lhes faltava… Eles precisavam de amigos! Precisavam de outros com quem pudessem partilhar os seus afetos, as suas conversas e brincadeiras.

A partir daí, o Eu, o Tu e o Ele, passaram a ser Nós, um grupo de amigos muito unidos e feliz!”

– Adorei, pa…pai. – Mariah disse sonolenta.

– Não amor, diga: adoramos. Você e o Sr. Bigode.

– Adoramos... – corrigiu caindo na inconsciência.

Apaguei a luz do quarto, deixando acesa somente a luz do abajur rosa de Mariah. Encostei a porta e fui para o meu quarto. Deitei em minha cama, após fazer minha higiene, e sem minha Lena ela pareceu grande demais. Não estava acostumado a dormir sem sua presença. Mesmo que Elena já estivesse dormindo sempre que chego do trabalho, ela estava lá... Sem ela, eu me sinto incompleto, vazio... Adormeci abraçado ao seu travesseiro, sentindo o seu perfume.