Códigos Mortais. escrita por Holden


Capítulo 4
Não olhe agora.


Notas iniciais do capítulo

Desculpem pela demora, devem estar querendo me matar ;-; Não tenho explicação nenhuma, só preguiça mesmo T-T



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Ok, eu admito que precisava de uma boa noite de sono. E achei que isso estava incluso no pacote desde que virei “a garota do dedão valioso” (ta, isso foi horrível), mas francamente, Trevor estava falando apenas de uma madrugada. Não havia conseguido dormir nem por duas horas e meia, e já estava sendo quase apedrejada para sair daquela cama.

— Fala sério! — murmurei com descontentamento, tendo a voz abafada pelo travesseiro — Diga que isso é uma brincadeira.

Tudo que recebi em troca foi um suspiro impaciente do varetinha ambulante.

— Você ainda não entendeu não é? — questionou não esperando uma resposta óbvia de minha parte e colocando coisas espalhadas pelo chão dentro de uma mala — Harvey Schmid é uma das pessoas mais procuradas por toda a máfia britânica, sendo uma herdeira milionária de Clark Schmid e porta consigo o código que os agentes mais anseiam. É claro que não pode dormir o quanto quiser, não enquanto o dinheiro não estiver em nossas mãos. Daí você pode comprar uma cama dentro de outra para poder relaxar o quanto quiser.

Aquilo havia conseguido me calar, mas não expulsar totalmente o sono que havia dentro de mim.

— Que horas são? — perguntei me levantando meio cambaleante, o ajudando a organizar as coisas dentro das malas. Sid estava espalhado em meu travesseiro, ronronando como um vagabundo preguiçoso.

O que certamente ele era.

— Três e meia da manhã — respondeu indiferente —, vai me ajudar a levar essas coisas para o carro ou ficar perguntando essas coisas desnecessárias?

Direcionei-o um olhar mortífero, mas mesmo assim, o ajudei a colocar as coisas novamente no carro.

Minha vida havia mudado radicalmente em apenas dois dias. Só de pensar que eu deveria estar no colégio em um momento desses mascando chiclete uma culpa enorme me invadia. Sem contar que ainda nem havia falado com os meus “pais” sobre essa viagem milionária e maluca à Rússia.

E por que deveria? Não fui eu quem enganou um filho a vida toda escondendo o fato dele ser adotado e o verdadeiro pai ser um bandido, e a mãe uma… uma... Prostituta.

E ainda havia o fato de Jason ter sido morto. O meu Jason. O mesmo Jason babaca que zoava meu vício por chicletes, mas que sempre me levava bubbaloos após os seus treinos. O mesmo Jason que estava pronto para voltar novamente comigo. E esse Jason não existia mais, por que… Ele estava morto. Meu Deus! Como será que seus pais estavam? E como a escola havia reagido a aquilo? Certamente, uma boa parcela irá achar que eu mesma o matei e depois fugi. Mas isso não importava agora. Eu estava acabada. Morta. Exatamente como ele.

Um peso enorme recaía sobre meus ombros, e a vontade de desabar era mais forte que tudo. Se desejos se tornassem realidades, eu certamente pediria uma perda de memória.

Meneei a cabeça tentando impedir esses pensamentos que por ora eram inúteis, e voltei ao Sex Dance atrás de Sid.

— Sid? — murmurei abrindo novamente a porta do meu quarto, percebendo que ele havia sumido do travesseiro — que ótimo, ele não está mais aqui —, rolei os olhos, bufando.

— Qual o problema? — a imagem do bombadão loiro se fez no momento em que me joguei de costas na cama. Ele estava apenas com uma bermuda verde parecendo acabada e sem camisa. A maratona de loiras deve ter sido cansativa ontem.

— Meu gato sumiu — informei com sono, evitando fechar os olhos.

— Ah… — murmurou, com desinteresse —, Relaxe, gatos são egoístas e nem ligam para os donos. Talvez você fique feliz se ele for devorado por um bando de chineses.

— Isso não conforta muito — deslizei da cama e me coloquei de pé outra vez.

— Não pude evitar, foi mal — riu um pouco alto, colocando um cigarro entre os lábios e o baforando — Ande, precisamos sair daqui logo, vamos achar essa bola de pêlos ambulante e dar o fora.

Addie era um cara estranho. Tá legal, muito, muito estranho.

Mesmo sendo um hacker de primeira – atestado por Trevor, o que não valia muita coisa – tinha a bola alta com as mulheres, e também, conseguia um tempo de sobra para cuidar de seu físico. Além do mais, era péssimo em linhas de raciocínio e só se dava bem com contas. Cadê aquela merda de nerds de antigamente que eram despachados em privadas do colégio, mesmo?

— Olha só esse quadro — tossi enquanto limpava uma obra empoeirada. Estávamos no sótão da boate após termos procurado o gato pelo lugar inteiro — Parece até aquele quadro de Napoleão Bonaparte na Revolução Francesa.

— Napoleão Bonaparte? Que diabos de nome é esse? — questionou com a sobrancelha arqueada.

Levei alguns segundos para digerir a informação de que um homem que sabia resolver fórmulas do 3° grau em segundos, não tinha conhecimento de quem era Napoleão Bonaparte.

Mas tudo bem, porque no fundo eu não ia me dar o trabalho de explicar.

Apenas meneei a cabeça, afirmando para que o mesmo esquecesse meu comentário.

— Parece que Sid deu no pé — murmurei chateada, alguns minutos depois que começamos a procurá-lo.

Meu Deus, quantos anos eu tinha? 80?

— Q-quer dizer… Parece que ele… caiu fora, tá ligado? — bosta.

— Harvey — Addie chamou-me, enquanto me olhava seriamente. Já estávamos no canto do sótão, e a sujeira parecia nunca ter fim.

— Sim?

— Pare com isso, você não é estilosa como eu, sacou? — zombou da minha tentativa frustrada de ser um mano, cobrindo os ombros com as mãos como um verdadeiro “maloqueiro” e cuspindo a bituca de cigarro no chão.

Encarei-a, perplexa. Quem esse bombadão pensa que é? Eu sou o estilo em pessoa.

— Tá me zoando, é? — forcei a voz pesada, como um verdadeiro mano deve ter — Saca só meu beck —, tirei algo reto do meu bolso, tentando fumá-lo inutilmente. Era uma caneta.

— Uau, desisto de me confrontar com tanta bacanice.

Parecíamos dois idosos discutindo o modo como os jovens se portavam hoje em dia. Não é nada legal se sentir uma velhinha de noventa e sete anos com osteoporose nos joelhos.

— Desisto — rolei os olhos, desanimada — Vamos embora logo, Sid deve estar mais feliz sem mim —, forcei minha melhor voz dramática.

— É assim que se fala garota! Ele vai ficar melhor em uma churrasqueira — o moreno deu batidinhas reconfortantes em meus ombros, e por fim, subimos.

Puxa. Eu realmente achei que significava alguma coisa pro Sid. Havia o pegado da rua com as melhores intenções do mundo e cuidei como nunca daquele miserável. Não adianta discutir, o gato gosta da casa, e não do dono.

Sou uma banana. Qual é! Era só um gato! Por que eu estava me importando tanto? Eu nem gostava tanto assim dele! Nem gostava de jogar novelos de lã pra ele! E odiava massagear aquele pelo macio, brilhoso e sedoso e…

— AAAAAAAAAAHHH! Eu quero meu gato! — gritei caindo em lágrimas após subirmos novamente para a boate. Ainda era madrugada e a maioria do pessoal estava dormindo — Quero pegá-lo no colo e fazer cafuné! Quero que ele me lamba com aquela língua áspera e… — senti a mão de Addie em minha boca, evitando que eu gritasse mais — Hmpff Mef Folta!

— Ei, que gritaria é essa? — uma voz grossa e irritada soou próxima dali. Era só um pedaço de bambu, ou Trevor, tanto faz.

No lugar do barman.

Dando uma bebida para algum gato…

O meu gato.

— Ficou maluco? — esbravejei me desvencilhando dos braços de Addie — Que porra você tá dando pro Sid?

— Vodca, ué — respondeu, segurando um sorriso maldoso — Qual é, ele parecia desanimado. Um pouco de vodca sempre me anima — glorificou-se, sugando o último gole da garrafa.

— Isso porque você é um bêbado! — rosnei, tomando aquela bola de pêlos lazarenta em meus braços — Nunca mais rele no meu gato! — virei-me e percebi que Addie caía na gargalhada. O que era tão engraçado assim? — Pare de agir igual a um babaca, você nem é tão mano assim — disparei — Será que podemos ir embora, por favor? — massageei as têmporas, tentando manter a calma.

— Claro Rosinha, já estamos indo — respondeu, rindo sem humor — Só achei que seu gato precisasse de mais diversão, afinal, ele nem tem uma fêmea, não é verdade?

— Vá se foder.

O sol ainda não estava dando registros de que sairia tão cedo. Não era nem por causa da madrugada, mas sim pelo céu que estava tomado de nuvens pesadas e escuras, e dos relâmpagos que de vez em quando ameaçavam cair. Estávamos na estrada há quase meia hora. Addie babava no banco de trás. Sid estava em sua barriga. Trevor dirigia. E eu só continuava com minha inutilidade de sempre.

Os dois rapazes aparentavam estar exaustos, nem descansaram na noite anterior. E eu nem preciso explicar o por quê.

— Quer que eu dirija? — perguntei para o branquelo que estava no banco motorista. Seus olhos estavam contornados por bolsas escuras e pesadas; os fios negros desgrenhados cobriam uma boa parte de sua testa, e seus dedos de lagartixa seguravam o volante ao desleixo. É, ele precisava de um cochilo logo.

— Não — afirmou com a voz sonolenta — Mulheres são umas porcarias no volante, não estou a fim de perder nosso carro — verbalizou abafando um bocejo que teimava em escapar de seus lábios rubros. Achei que aquela frase seria recheada de ironia, porém o garoto falava sério mesmo.

— Isso é machismo — acusei-o, trincando os dentes.

— Por um acaso você sabe dirigir?

Aquilo havia me pegado.

— Er… eu…— suspirei — Não.

— Foi o que eu pensei — sorriu com certo desprezo.

— Qual é! Nem deve ser tão difícil assim.

— Ah não? Me diga: Qual é a mão correta para se colocar no volante?

— Essa é fácil — triunfei-me — Com a mão que escrevemos, é claro.

— Errado — disse com entonação — Devemos dirigir com as duas mãos, minha cara cor de rosa, mas é uma regra estúpida — gargalhou alto, tentando retirar alguma coisa da caixa térmica — Droga, os energéticos acabaram.

— Trevor pelo amor de deus! Você precisa dormir, cara — censurei-o — Juro que se eu bater o carro pode… consertá-lo com a minha parte da herança.

— Sério?

— Não.

Ele suspirou de forma birrenta e estacionou o carro na margem direita da estrada, porém, não moveu um músculo para sair dele. O silêncio era violentamente invadido por Addie e seus roncos de porcos sendo abatidos. Trevor ainda parecia em dúvida sobre deixar ou não eu tomar conta do volante, e sinceramente, aquilo já estava me irritando.

— Só… Tente não destruí-lo, ok? — pronunciou, enquanto ambos abríamos a porta e trocávamos de lugar.

— Confie em mim, mano.

Você poderia, por favor, parar de tentar parecer maneira? — o maldito censurou-me, enquanto se aconchegava ao banco, tombando a cabeça para trás. Suspirou diversas vezes, como se não acreditasse de que finalmente teria um minuto de sossego.

— Por que precisa ser tão ranzinza? — acusei-o. Esperei por uma alfinetada da parte dele, mas para meu espanto, minha tormenta já havia caído no sono.

É. Parece que finalmente éramos apenas eu, o carro e a estrada.

Uhu! Isso parece tão foda.

30 minutos depois…

Dirigia em uma velocidade de 70/km por hora e já havia conseguido percorrer quase 100 quilômetros sem destruir/bater/arrasar nenhuma parte do tão querido automóvel do magrelo, e olha que nem havia tirado uma carta de habilitação ainda. O espírito de liberdade me envolvia completamente, e sentir o ar pairando sobre meus cabelos era uma sensação incrível. Por pelo menos meia hora, consegui esquecer quase todos os problemas que me rondavam. Quem diria que eu teria uma feição pela velocidade!

O combustível já estava quase no fim e resolvi usar parte do dinheiro que havia guardado para completar o tanque. Nenhum dos três havia dado sequer, algum rastro de que logo acordariam. Minha garganta já estava seca, e pela primeira vez eu não queria água, queria algo forte ou que me vigorasse. Por incrível que pareça, nunca havia bebido em dezessete anos de existência. Sempre fui a garotinha um pouco mais correta que as demais, mas que mal há em variar ás vezes?

Revirei o isopor e percebi que os dois bêbados haviam acabado com quase todo estoque de bebidas. Consegui achar uma latinha de vodca em meio aos restos de gelo e respirei fundo. Que mal havia naquilo? Meus pais nem eram meus pais de verdade para me impedirem, e outra, eles nem estavam ali.

Dei de ombros, dando um gole na bebida que entrecortou minha garganta. Parecia que eu estava tomando uma parte do inferno. Céus! Aquilo era horrível.

— Argh — fiz uma careta, tentando não parecer tão fraca. O segundo gole foi mais razoável, e, logo mais vieram os outros.

Até que não era tão ruim, exceto o fato de acabar com meu fígado.

— O que está fazendo? — uma voz sonolenta invadiu meu tão querido silêncio, juntamente de um bocejo. Já estava na segunda latinha.

— Olá novamente, cidadão que tem situações questionáveis com as drogas — sorri. Outro gole — Bebendo e dirigindo. Incrível, não? Eu me sinto ótima.

Outra dose de silêncio. Virei-me na direção de Trevor, e ele se espreguiçava de forma lenta. Sua cara parecia amassada por conta do banco, e seu cabelo estava totalmente desgrenhado. Ri um pouco, me perguntando se Trevor já possuiu alguma escova de cabelo na vida.

— É melhor trocarmos de lugar — pediu, ainda esfregando os olhos.

— Ei, está tudo bem comigo no volante! Volte a dormir — ordenei, a bebida me deixava um pouco mais corajosa.

— Eu já descansei o suficiente — murmurou — Ei, você acabou com as minhas doses de vodca?

— Hã… — dei uma olhada no isopor — Sim.

— Porra — resmungou — Eu preciso delas pro meu humor.

— Percebi — ri um pouco, jogando a garrafinha – agora vazia – pela janela.

— Pare na primeira loja de conveniência que achar — pediu tirando um maço de cigarros Marlboros e um isqueiro do porta-luvas do carro. Assenti. Minutos depois, vieram suas tragadas fortes no cigarro e o cheiro de nicotina começou a invadir o ambiente, impregnando minhas narinas.

Não, não, não. Seu fígado já está na pinóia, não entregue seu pulmão também.

Que ótimo, já havia experimentado do fruto proibido mesmo, que mal havia em continuá-lo?

Acho que sou uma antiética para minha idade. Que adolescentes tratam bebidas e cigarros como frutos proibidos?

Pinóia. O que seria uma pinóia?

— Er… Hum… Você pode… — limpei a garganta — Pode… er… Me dar um?

— Um o quê? — questionou, se esparramando mais ainda no banco. É como se seu corpo tivesse sido relaxado de repente.

— Um… Desse aí — apontei para o cigarro que estava sobre seus dedos — Pode me dar um?

Trevor me encarou, com as sobrancelhas arqueadas, confuso, dando a mim, a maior visibilidade possível de seus olhos verdes um tanto mortos. Não se parecia com aquele verde vivo e bonito que os galãs dos filmes geralmente tem. Pelo contrário, era como se ele quisesse manter as pessoas longe com aquele seu olhar… Frio.

— Tem certeza? — assenti um pouco trêmula. Eu não costumava fazer tantas coisas erradas em um dia só — Hã… certo. Pode pegar um.

Assim que peguei um cigarro entre o maço, olhei fixamente sobre aquilo que havia entre os meus dedos. Dei de ombros, encaixando-o em meus lábios e mexi com a cabeça, esperando que Trevor o acendesse. E ele o fez.

Traguei um pouco, e senti como se algo tampasse minha respiração por completo. Tirei rapidamente aquilo de minha boca e respirei como se não houvesse amanhã. Algumas frestas de fumaça saíam de meus lábios, e aquilo parecia uma agonia sem fim. Pra variar, o varetão ria como se não houvesse amanhã.

— Não precisa tragar tão forte — o idiota demonstrou como se fazia, depois de suas risadas cessarem — Vamos lá, as primeiras vezes são piores — inquiriu, dando baforadas em minha cara. Tossi um pouco.

— Er… Ok — voltei a colocar aquilo dentro da boca, e a lição parecia ter sido em vão. Continuava tudo a mesma bosta — Argh, isso tem gosto de… de — eu não sabia o que comparar — Tem um gosto péssimo — bufei os últimos requisitos de fumaça, jogando aquela porra pela janela.

— Esqueça isso, volte ao seu toddynho.

— Haha, nossa, que engraçado — fingi um falso humor. Olhei rapidamente o retrovisor para ver como estava minha situação, quando de repente, avisto um “mar” de carros pretos em alta velocidade atrás do nosso — Trevor — chamei-o.

— Sim?

— Não olhe agora, mas… Acho que estamos sendo seguidos.


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