Códigos Mortais. escrita por Holden


Capítulo 1
Um jantar desastroso.


Notas iniciais do capítulo

Heei o/ Se chegaram aqui, podem ir até o final não é? Se acham que devo continuar, é só comentar c:



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­ Meus dedos batucavam incansavelmente a carteira amadeirada escolar a minha frente. Os pensamentos estavam todos voltados ao relógio no canto da sala e os ponteiros que mal se moviam nele. O velho dizia algo relacionado à bioquímica, enquanto outros adolescentes estavam na mesma situação que eu.

Dois minutos.

Apenas dois míseros minutos! As regras da escola eram rígidas quanto o horário, nos garantindo mais 120 segundos daquele inferno interminável.

O suor já escorria de minha testa, resultado de uma sala má ventilada. O tempo também contribuía para minha desgraça com aquele calor escaldante. Oh céus! Por que tudo tem que ser mais demorado em uma sexta-feira?

Um batuque irritante de canetas em minhas costas, só concluía o meu sentimento de ódio naquele momento. Fui obrigada a virar o pescoço minimamente para trás, esperando que a outra garota dissesse algo.

— O que foi Abby? — verbalizei com certa impaciência.

— Pode me passar um chiclete? — seus olhos pidões e exageradamente azuis imploravam pela minha boa vontade. — James virá me buscar depois da escola e eu não quero ficar com bafo quando for beijá-lo. — esclareceu.

Eu não sei por que ela ainda insistia. Eu não sei por que todos ainda insistiam.

Pode parecer estranho, mas eu tenho uma fixação por chicletes. Qualquer sabor, textura ou tamanho… Chicletes são chicletes e não devem ser ignorados. Sempre quando parava em alguma barraca de revista ou lojas de conveniência não perdia tempo em comprá-los.

Certo, não sei isso é TOC ou o quê. Só sei que esse vício surgiu aos meus dez anos de idade e o carrego comigo até hoje.

— Lamento. — murmurei tornando a ficar em minha posição anterior, já guardando o material. Ouvi a loira bufar atrás de mim em descontentamento.

O sinal não tardou em tocar, e toda aquela patrulha de alunos já se levantava como verdadeiros porcos desesperados para saírem do abate. Fiquei um pouco espremida entre eles, mas só queria sair dali o mais rápido possível também.

Pra poder voltar para minha vidinha medíocre e a adorável companhia de Sid, meu gato malhado em meu apartamento minúsculo.

Uau! Isso daria um belo livro.

Pode parecer estranho para uma garota de dezessete anos, mas não moro mais com meus pais. Os dois foram totalmente contra eu me mudar para Chicago no início do ano, contudo acabei os convencendo que seria melhor para minha independência… Tirando o fato dos mesmos ainda me bancarem.

Aquela super proteção me irritava profundamente e até mudei um pouco minha aparência para eles não me reconhecerem se viessem atrás de mim. Se eu me arrependi de pintar meu cabelo da cor magenta? Me arrependi. Mas nada que um trabalho redobrado para poder cuidar dele não ajude.

Já andava apressadamente entre as ruas movimentadas da cidade mais populosa de Illinois trombando de ombros algumas vezes com pessoas apressadas, fazendo com que alguns resmungos de minha parte surgissem.

A estação de metrô não era muito longe, e em torno de quinze minutos conseguiria chegar inteira. A mochila escolar já pesava em minhas costas e só de imaginar que teria de estudar para a prova de física amanhã, um sono incontrolável tomava conta de mim.

Controle-se Harvey, é só mais esse ano. Depois é só conseguir entrar em uma faculdade, estudar mais um pouco e trabalhar até morrer.

Minha percepção de futuro é admirável.

Assim que parei na estação de metrô, notei que ela estava excepcionalmente vazia. Era sexta, e normalmente era o dia em que ali mais se tinha movimento. Dei de ombros, sentando em um dos bancos e pegando meu celular no bolso traseiro da calça.

Não que eu esperasse que Jason me ligasse ou algo do tipo. Por favor, quem faria isso?

Tá legal, eu esperava. E muito.

Jason era basicamente um talvez ex-fututro-namorado e estávamos ficando desde o meio do semestre. O garoto não era nenhum pouco feio, e absurdamente galinha. Jogava no time de basquete da escola e era dono dos cachos bagunçados mais perfeitos do mundo.

Ou talvez eu fosse uma boba apaixonada demais.

O problema foi quando ele começou a passar tardes em festas do time e quase sempre aparecia com marcas de batons na camisa. Fui uma idiota em aceitar aquilo e sempre perdoá-lo quando o mesmo arregalava aqueles olhos castanhos claros pidões em minha direção. Contudo, com o tempo as brigas foram se tornando constantes e logo rompemos nosso talvez relacionamento de vez.

O que não quer dizer que eu não sinta sua falta.

Suspirei pesadamente, cansada de pensar em algo que jamais aconteceria.

O sol escaldante fazia com que a blusa de meu uniforme colasse em minhas costas e gotejos de água escorressem de meu rosto, pingando suavemente sob minha pele. O mundo estava dentro de uma panela fervente e ninguém havia me avisado ainda.

Mesmo com aquela agonia toda, a leve sensação de ter alguém com os olhos cravados em mim não paravam de me rondar. Olhei ao redor do local quase que vazio e só recebi em troca uma leve brisa gélida sobre meu rosto, afastando mesmo que minimamente o calor. Espantei aquela sensação absurda, comemorando internamente pelo meu metrô finalmente ter chegado.

-

Adentrei em meu minúsculo apartamento ainda com certo receio pelos supostos olhares em cima de mim sempre estudando tudo ao meu redor, na esperança que quem me olhasse desse logo as caras. Assim que adentrei no local tranquei a porta com um pouco de desespero, me assustando com um Sid esparramado pelo sofá desgastado da sala.

— Que susto, seu maldito. — elevei a palma de minha mão direita na altura do peito, jogando aquele peso de mochila no chão azulejado. — Quer me matar do coração é? — o gato malhado não pareceu se importar com a minha bronca, e começou a lamber a patinha preguiçosamente depois de se espreguiçar.

Meu moquifo não era algo de se orgulhar, mas pelo menos o podia chamar de meu. Era composto por paredes azuis claras, que já estavam encardidas e azulejos brancos escorregadios. A sala era composta apenas por um sofá verde musgo um tanto preservado e minha TV de 36 polegadas preta. A cozinha era composta por um balcão de mármore, um fogão de quatro bocas que mamãe me presenteou de boa vontade e duas banquetas próximas ao tal balcão. Também havia um banheiro minúsculo com um chuveiro que mal deixava a água sair e no meu quarto havia uma cama de solteiro simples e um armário amadeirado com todos os tipos de pôsteres de filmes colados – sim, eu amava os colecionar. Bem, não era um lugar ruim e havia uma janela na sala me privilegiando com a vista de toda a Chicago que ficava excepcionalmente bonita de noite.

— Como foi seu dia de gato preguiçoso por hoje? — questionei o felino me sentando com uma fatia de pizza de ontem no sofá. Tudo que recebi em troca foi uma virada que o mesmo deu para o outro lado, voltando ao seu sono miserável de todo dia.

Rolei os olhos, ligando a TV e me deliciando com alguns desenhos animados que passavam à tarde. Havia trocado o uniforme grudento de mais cedo por uma blusa cinza grande e folgada que batia na altura de meus joelhos, proporcionando certo alívio daquele calor todo.

Dou um pulo para trás amedrontada quando meu celular começa a tocar. Tudo bem, hoje eu estava muito desconfiada, mas ter medo do próprio celular? Francamente. Sujei um pouco a blusa com katchup e praguejo o ser da ligação diabolicamente.

— Alô? — indago de má vontade já de pé na cozinha passando um pano úmido sobre a mancha.

— Harvey? Er… É o Jason. — uma voz manhosa retruca do outro lado da linha e meu coração se fecha em um aperto. Droga! Eu só fazia merda.

— Ah! Oi… — comecei um tanto hesitante. — Está tudo bem? Por que me ligou?

— Está tudo bem sim. — uma risada doce é ecoada por sua parte. Merda, por que eu precisava gostar tanto do seu riso? — Bem, eu recebi um dinheiro hoje e gostaria de saber se não quer jantar comigo.

— Hã? — definitivamente havia algo de errado ali. — Jason, você terminou comigo… Não é muito correto me chamar pra jantar depois disso, sabia?

— Foi a coisa mais estúpida que já fiz. — confessou um pouco trêmulo. — Sou um idiota, mas um idiota que precisa falar com você, Harvey.

Não, não, não. Não ceda tão fácil assim sua estúpida.

— Olha... — sou uma fraca. — Podemos jantar no Spiaggia, o que você acha?

— Comida italiana? É por isso que eu te adoro. — pude sentir um sorriso largo se formando em seus lábios carnudos. — Busco você ás nove, ok?

— C-certo.

-

Jason era um maldito. Na verdade, bem mais que isso. Era um belo filho da puta. Por que diabos eu aceitei jantar com ele? E por que me arrumei tanto? Ele não merecia nada daquilo… Era… Era… Idiotice da minha parte ainda ter esperanças dele mudar. Agora não havia mais escapatórias. Já eram quase nove e meia da noite e já havíamos chegado ao restaurante requintado, banhado em lustres e outros luxos que só o loiro tinha condições de pagar.

Mais burro que ele, só eu.

— Já disse que você está linda? — o idiota galanteou-me enquanto puxava a cadeira próxima a mesa para que eu me sentasse. O chão era coberto por azulejos da cor marfim e as paredes brancas de uma limpeza exagerada. Tocava uma música ambiente no local para que aquilo dispersasse os clientes e tudo estava mais do que agradável.

— Obrigada. — murmurei olhando para o meu vestido de paetê simples, minha única peça elegante e um salto prateado que Abby me dera no meu aniversário passado… era bem bonito. Havia passado uma maquiagem leve e prendido o cabelo rosa escuro em uma trança de lado. — Você também não está nada mal. — sorri amarelo.

Por mais safado que o mesmo fosse, havia ficado maravilhoso naquela roupa social masculina. Os cabelos estavam contidos com gel, entretanto ainda sim um pouco fora do lugar. Os olhos castanhos claros mais cintilantes que nunca e um sorriso espontâneo tomava conta de seus lábios.

— Obrigado. — respondeu tentando tocar em minhas mãos por cima da mesa. Encolhi-me um pouco. Aquilo não estava certo. Em um dia eu levava um pé na bunda e no outro recebia milhares pedidos de perdão? Por favor.

O garoto fez o pedido do cardápio e eu escolhi um espaguete ao molho branco com uma porção de filé de peixe.

— O mesmo que ela. — Jason exigiu assim que sua vez de pedir chegou. — Traga um champanhe também para brindarmos.

O garçom anotou os pedidos, saindo no momento seguinte.

— Brindarmos? – arqueei as sobrancelhas. — Brindarmos exatamente pelo o quê?

— Ora, ora, era isso que eu queria te contar! — uma euforia tomou conta do rapaz. — Consegui um emprego!

Jason Cooper? Trabalhando? Ah é claro. E eu era uma hermafrodita.

— Sério? — questionei com receio. — E que emprego é esse?

— Darei aulas particulares de matemática às quintas e sextas. — respondeu com tamanho contentamento, dando-me maior visibilidade de suas orbes grandes. Ele estava realmente feliz. — Meus pais não podem mais me bancar em tudo pra sempre, certo?

O estudante até que era bom em matemática. O que pra mim sempre foi muito estranho, já que jogadores de basquetes não se davam bem com números e nenhuma outra matéria. Até por que, isso não importava para eles. Os idiotas do time tinham o que sempre desejaram: Mulheres, fama e uma jaqueta do time.

Cooper dizia algo relacionado à volta de sua responsabilidade e como estava feliz por isso, entretanto era quase impossível prestar atenção nele. Minha atenção estava toda voltada ao outro lado do restaurante. Algo estava definitivamente estranho.

Um homem de terno falava a algum tipo de microfone preso a sua orelha esquerda quase que despercebidamente. Tinha a cabeça composta por fios pretos e ralos, e usava um óculos escuro impossibilitando-me olhar-lo nos olhos. Sua pele era morena, e o mesmo parecia satisfeito enquanto dava à notícia de alguma coisa a outra pessoa do outro lado da linha. Aquilo podia não ter nada haver comigo, mesmo assim, causava-me calafrios assustadores. O sorriso em seus lábios era do tipo cruel, e eu podia não perceber, mas estava com um medo terrível.

— Harvey? — a voz rouca de meu acompanhante finalmente despertou-me por completo. — Você está aí?

— Hã? Ah… É c-claro.

— E então? Você aceita?

— Aceita o que? — murmurei confusa e ele bufou.

— Estava me escutando? Pedi-lhe em namoro, sei que estou pronto para assumir nosso relacionamento de vez. — entrelaçou seus dedos nos meus, contudo, estava em pânico demais para desviá-los de mim. — Você está bem? Está gelada!

— Jason, eu preciso ir. — afirmei me levantando, colocando minha pequena bolsa de lado e ignorando suas palavras.

— O que? Agora? É muito cedo!

Não tinha tempo para suas reclamações. O homem havia se levantado e estava tentando disfarçar, mas eu sabia que estava vindo para minha mesa. Dei as costas para o branquelo, distanciando-me cada vez mais, desesperada. Senti suas mãos entrelaçarem meu pulso no meio do caminho, fazendo com que eu encarasse aqueles olhos marrons profundos.

— Harvey, o que está havendo com você? Esta simplesmente confu…

Ele não terminou a frase.

E jamais a terminaria novamente.

Gotas de sangue gotejaram de sua boca, e só me dei conta de que um tiro estrondoso foi ecoado no local quando um raio violento entrecortou o céu chuvoso. O homem havia atirado nas costas de Jason, e o seu corpo musculoso e pesado havia caído sobre mim. O pânico tomou conta de meu corpo, e as pessoas que estavam ali começaram a gritar de desespero. Aquele cheiro de ferrugem, semelhante de sangue impregnou minhas narinas e logo senti o líquido vermelho do agora cadáver manchar-me por inteira. Lágrimas brotaram do canto de meus olhos e a menção de chorar não se tornou tão ruim.

— Achei a garota, chefe. — a voz sádica do homem que atirou, soou ao aparelho próximo ao seu ouvido. — Certo, certo… Eu a levarei.

Tomada pelo instinto de sobrevivência, rolei o corpo de recém morto para o lado, fazendo o mesmo tombar no chão. Sua pele ainda estava quente, e aqueles olhos… Abertos… Encarando-me com piedade, acabavam comigo. Algo se embrulhou em meu estômago, e mesmo assim, me pus de pé começando a correr como nunca. Ignorei os saltos. Ignorei a dor. Ignorei o pedido de ajuda das pessoas. Havia mais daqueles homens de pretos, e os mesmo batiam de forma violenta nas que choravam ou ousassem a gritar. Lágrimas grossas rolavam sobre meu rosto alvo e finalmente consegui ultrapassar a porta de saída.

— Peguem-na! — o grito do homem mais cruel foi ecoado, e logo senti os passos dos outros atrás de mim.

Eu era rápida por conta do muay thai que parei de praticar a cerca de um ano e meio atrás. Mesmo assim, tinha uma boa condição física por conta dele.

Meu corpo era tomado pela chuva pesada que se alastrava em Chicago, e eu já dobrava a primeira esquina tremendo de medo e frio. O cheiro de Jason ainda estava impregnado em mim, e seu sangue e a imagem de seus olhos mortos me assombravam por inteira. O peso de culpa sobre minha consciência era gritante. Meu desejo era apenas sumir dali.

Pude perceber freadas de carros violentas entre as ruas escuras e mal movimentadas em que eu me encontrava. Infiltrei-me em uma pequena ruela sem saída totalmente sem iluminação, encolhendo-me atrás de uma lata de lixo fedorenta. O vestido colava-se ao meu corpo e meu cabelo fazia algumas gotas cor-de-rosa pingarem no chão. Meus dentes batiam uns contra os outros, e meus olhos no momento encontravam-se fechados.

Nunca havia sentido um medo tão desesperado como agora. Sempre me senti corajosa e forte, satisfeita pela minha coragem e feliz por conseguir me defender sempre sozinha. Mas agora era diferente. Sentia-me pequena, menosprezada. Poderia estar com medo, ao mesmo tempo em que estava me odiando. Por que tudo aquilo estava acontecendo comigo? O que havia feito de errado? Jason realmente foi morto por minha culpa? Era um turbilhão de pensamentos que atacavam minha mente da forma mais cruel possível.

— Ai meu Deus. — sussurrei quando um fiasco de luz proporcionada por uma lanterna bateu diretamente nos meus joelhos. Tentei encolher-me mais, contudo meus ossos já doíam e era praticamente impossível me mover. O gosto salgado das lágrimas já se misturava com minha saliva, e nada mais poderia ser feito. — Por favor, não me mate. — implorei tornando a chorar de novo. Droga. — Se você me deixar ir embora juro que nun… — sou interrompida por uma palma de mão que se molda sobre minha boca com força, fazendo com que eu ficasse quieta no momento seguinte.

— Fica quieta, porra. — a voz de quem segurava a lanterna sussurra com certa grosseria bem próxima a minha face. Era uma voz masculina nada gentil. Pude sentir sua respiração quente me atingir. — Você por um acaso é Harvey Donnela?

Mesmo tomada pelo choque do momento, assinto a cabeça em afirmação.

— Ótimo. — a mão do homem que estava emoldurada sobre meus lábios se afasta, e sinto seu corpo ficar de pé novamente. — Porque você vem comigo.


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