6:30pm ou Quase Isso escrita por Karma


Capítulo 1
Prólogo




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Trocar uma peça aqui, pôr um pouco de olho acolá, checar o motor... enfim, apenas mais um dia comum de trabalho de um mecânico como o Jucelino. Ao olhar para o seu local de trabalho, as lembranças da difícil jornada que enfrentara para chegar aonde chegou invadiam sua mente. Ainda era um adolescente quando saíra do interior da Bahia com seus pais para viver o sonho tão comum na vida de nordestinos de outrora: o mundo cheio de oportunidades de São Paulo. Sonho que a maioria destes logo descobria se tratar de uma ilusão, e não foi diferente com sua família. Sem ter para onde ir nem como voltar para casa, penaram por muito tempo até seu pai conseguir um emprego como mecânico. Moraram ali mesmo, na oficina, dividindo o espaço com carros e peças velhas, o que fez com que o jovem Jucelino se acostumasse em ter a pele sempre suja de graxa. Abandonou a escola ainda no ensino médio e, ao lado do seu velho pai, aprendeu os ofícios de um mecânico, exercendo a profissão até os dias de hoje. A única coisa que sabe fazer. A única coisa que pode ter orgulho na vida.

Apesar disso, há aqueles que não reconhecem isso... Como o engomadinho que se mudou para casa ao lado. Jucelino não teve ódio do desdém, ao contrário, ficou fascinado com a figura engraçada, debochada e ardilosa do sujeito, tão incomum naquele lugar de gente simples. Era normal que, por conta de sua cara meio que mal-encarada e sua pose de durão, as pessoas não o desafiassem, mas ele, o Félix, era diferente. Em nenhum momento se deixou intimidar, sempre o peitou, sempre rejeitou suas brincadeiras. Às vezes tinha vontade de dar-lhes uns sopapos, sim, mas o jeito atrapalhado do sujeito logo o desconcertava. Com poucos dias de “convívio”, o mecânico se pegava pensando no homem de terno antes de dormir. Queria leva-lo ao seu mundo, queria que sua pele branca e delicada, acostumada com cremes e hidratantes, fosse manchada de graxa.

Com os dias, o homem de terno foi perdendo a pose, mas não deixou de ser o cara que fascinava o mecânico. Encantado, este decorou até mesmo os horários que poderia encontrar o sujeito na rua e fazer a única coisa que sabia fazer para chamar a atenção de alguém: assobiar. Toda tarde, assim que o relógio de parede marcava 6:30pm, Jucelino se dirigia para frente da oficina, onde esperava seu “amado” chegar na van de Marcia que ele frequentemente concertava. Às vezes chegam seis e meia em ponto, outras atrasavam alguns minutos, mas nunca chegavam antes que isso. Todo dia era quase a mesma coisa: ele assobiava, era atacado por Félix e voltava para o trabalho sorrindo como quem tivesse visto um passarinho verde. Até presentinhos deu para ele... Era a forma que conhecia para dizer o que estava sentindo.

Mas acabou...

Desde o natal, quando o relógio dá 6:30pm ou quase isso e ele vai até a rua, nada encontra a não ser Marcia voltando sozinha após um dia de trabalho. Sempre melancólica, tão ou mais quanto ele. Na segunda vez que a viu chegar sozinha, foi até ela perguntar o havia acontecido com seu “menininho”, recebendo a resposta que ele havia voltado para a casa da mãe. Aquilo o fez sentir um nó na garganta, nó que insiste em retornar sempre que o relógio bate seis e meia da tarde.

Se antes o Félix mal olhava para a sua cara, agora então seria melhor esquecê-lo. Mas como? Ainda se pegava sorrindo ao lembrar-se dos seus ataques histéricos e suas respostas repetidas sempre que o recebia com um assobio. Via no olhar e no risinho, que ele às vezes deixava escapar, certa faísca de esperança, agora tinha que se acostumar com o vazio, com a rotina que levava antes do “menininho” da Márcia chegar ao bairro.


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Notas finais do capítulo

Embora tenhamos sido apresentados apenas a um lado safado do Jucelino, eu, louca que sou, consegui ver certa ternura no olhar dele, uma vontade de verdade de ficar com Félix e uma tristeza quando era rejeitado após surgir com suas melhores intenções (episódio da pizza), isso me encantou. Espero que tenha encantado alguém a mais que eu. ;)



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