O céu, a terra e o meio do caminho escrita por Hanako


Capítulo 11
Mellie




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Como não levar a sério todos aqueles cortes? Como passar o dia fingindo que nada aconteceu? Vinícius não sabia agir dessa maneira e ligou para seu pai em segredo. Não queria afligir os outros garotos e apenas os disse para começarem a jogar logo que queria passar o resto do dia com sua amada. Só havia um problema: Sora nunca tinha jogado futebol antes. Não tinha jogado futebol, nem queimada, nem vôlei, nem pega-pega, nem esconde-esconde, nem nada que os garotos conheciam. Gastaram uma eternidade para que ele entendesse que tinha apenas que chutar a bola para o gol e mais uma eternidade para explicar o que era um time. Talvez esporte não fosse mesmo para ele.

Já se passavam das duas quando finalmente se cansaram. O almoço já estava servido e eles comeram mesmo imundos de lama, de tão famintos que estavam, restava aproveitar a ausência do pai que enlouqueceria com aquela bagunça. Após sete pratos do mais novo irmão finalmente foram tomar um banho e se aprontarem para mais um momento juntos em casa.

Se aproveitando do divertimento dos garotos, Tiago saiu em silêncio para a casa de seu amor de infância, alegando que estaria apenas passeando só ao ar livre. O estado dela o preocupava. Um pouco temeroso, ele bateu na porta dela pela segunda vez naquele dia. Ela não respondeu. Ele bateu duas, três, quatro vezes e ela continuou sem responder. A porta estava aberta e ele resolveu entrar.

A sala estava uma bagunça e a garrafa de antes estava no chão, vazia. Ele gritou por ela e não ouviu resposta. Hana não tinha saído, ele tinha certeza. Ela não teria para onde ir. Preocupado, subiu as escadas correndo e foi procurar nos quartos. O quarto dela estava aberto, pequenas gotas vermelhas faziam um caminho até o banheiro também aberto. Com medo, ele foi cauteloso até lá. A garota estava desacordada, o braço sujo de antes estava sangrando e o outro segurava uma faca de cozinha.

Sem saber direito o que fazer, carregou a menina pelas escadas e a colocou deitada no sofá. Ela tinha que ser levada ao hospital, mas ele não queria fazer isso sozinho, tinha medo de não conseguir salvá-la, medo do que diriam a ele quando chegasse com a garota em seus braços. Ele pegou o telefone sem pensar duas vezes e ligou para casa.

– Alô? – ele disse – Mellie?

– Olá, senhor, sou eu mesma – ela respondeu à chamada - Precisa de alguma coisa?

– Bem, eu não posso explicar muita coisa por agora... – falou nervoso – Mellie, por favor, diga a Vinicius para vir até a casa de Hana?

– Sim, senhor – disse, polidamente – Algum problema, senhor?

– Eu espero que não, eu espero que não... – ele se perdia em seus medos – Mais uma coisa, querida: ninguém pode saber disso, está bem? Não deixe com que descubram que eu fiz essa ligação ou que chamei o Vinicius para vir aqui. Invente uma desculpa, fale que quero levá-lo para conhecer um lugar bonito que encontrei, ou algo do gênero.

– Pode deixar, senhor Tiago – agora ela estava realmente preocupada – Falarei com ele.

Mellie não queria assustar o namorado e também não queria que ele voltasse a ver Hana. Ela percebia como ele estava consternado com aquela situação de novo irmão cheio de cicatrizes e passado misterioso e estava tudo indo de mal a pior em sua recepção com a descoberta do que tinha acontecido à amiga de infância, mas não via outra solução. Independente do que dissessem a ela, sobre ser da família ou algo do gênero, ainda era uma empregada e tinha que obedecer ao seu patrão. Só lhe restava manter silêncio para o resto da família e fingir que estava tudo bem enquanto estalava os nós dos dedos de preocupação.

Os garotos estavam vendo um filme e todos pareciam muito concentrados naquilo que ela considerava batalhas diabólicas e desnecessárias. Por sorte, os olhos de Vinicius eram como um ímã aos dela e, assim que se encostou à porta pensando na melhor maneira de abordá-lo, ele já estava lá, ao seu lado, querendo aproveitar mais um momento ao lado dela.

– Olá, meu amor... O que você acha de vermos um filminho hoje à noite? Um só nosso, sem essas lutinhas que você tanto detesta? – ele sussurrou no ouvido dela – Nós podemos ir ao cinema ou quem sabe no...

– Querido... Será que podemos conversar ali no jardim? – ela estava tensa e o interrompeu sem sequer prestar atenção no que ele falava – Precisamos falar sobre algo sério...

Mellie sabia que o relacionamento dos dois não era algo comum e desejável, mas evitava lembrar-se de todos os contratempos que envolviam um romance entre patrão e empregado. Em momentos como esse, ela tentou ver a situação como uma amiga dos irmãos e não como se tivesse recebido uma ordem para levar o namorado em algo que ela já suspeitava ser perigoso. Às vezes não era nada tão grave, poderia ser apenas um drama, algo tão comum para aquela sua personalidade, e ciúmes do namorado. Mesmo que soubesse que ele nunca ficaria com o amor da vida do irmão mais novo, tinha medo de que ele um dia cansasse de se divertir com a garota paga para servir. O beijou escondida atrás da porta do corredor e disse para que ele fosse até a casa de Hana tentando não demonstrar que não gostava de que ele ficasse na presença da garota.

Assim como ela, Vinicius não recebeu muito bem a ideia de voltar para a casa de uma menina com o que ele considerava sérios problemas mentais, mas como era um pedido do irmão, não havia como recusar. Beijou levemente a testa da amada e seguiu caminho.

– Posso saber o que é que você veio fazer na casa dessa doida de novo? – Disse ele, se preparando para um sermão.

Só que a primeira visão que teve de dentro da casa era Tiago, sentado no chão, escondendo o rosto vermelho e molhado entre os joelhos, com a roupa suja de sangue e o telefone em uma das mãos.

– Meu Deus do céu! O que diabo aconteceu aqui? – agora ele estava completamente apavorado – por que você está.... Minha nossa.

E lá estava a figura apavorante de uma garota desacordada, com fundos cortes nos pulsos, atados por pedaços de pano rasgados e pingando sangue. Chamou a ambulância sem pensar duas vezes e acompanhou o irmão até em casa, para que ele tivesse tempo para se recuperar do choque. Os outros garotos sequer perceberam a movimentação, de tão envolvidos que estavam em seu filme.

Exceto Sora, que já estava acostumado a ter todos os sentidos à flor da pele.


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