Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 9
Capítulo 8


Notas iniciais do capítulo

Como matar e não matar sua sogra.
Não, pera.
Como shippar e não shippar e se esfuziar na frente do Vinícius.
Não, melhor:
Como não amolecer e se vingar dos sacanas que vc ama.

De qualquer forma, um capítulo muuuuuuito amor pra vcs!

Enjoy!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/453816/chapter/9

Fiz o que nunca imaginei fazer.

De tanto Djane enrolar, enrolar, enrolar, tomei atitude. Chutei a mulher.

Chutei ela por debaixo da mesa sugestivamente para chamar sua atenção.

Claro que não foi tão forte, eu tenho decência no coração ainda.

O jantar ocorria bem, apesar de não às maravilhas – o que era bem compreensível. A conversa era fluída, envolvia muita besteira boa, histórias e gostos. Fui conhecendo bem mais do Renato, o lado que não temos noção na faculdade. Não tinha filhos, já foi casado, separou-se, fez um pouco de mochilão “nas Europa” quando foi fazer mestrado lá, tem uma mistura de espírito aventureiro e caseiro, descobrimos nele um noveleiro frustrado, por quase nunca poder assistir os capítulos nos intervalos e horários vagos de aula, e um exímio campeão de ping-pong e xadrez. Adora filmes de ficção científica, com um fascínio especial por Star Wars.

Ao que parece, os dois homens da minha vida são estrelas, pois Murilo se parece com um comandante do filme G.I. Joe* e Vinícius se parece com o tal do Darth Vader** quando era mais novo. Renato teve a “coragem” de perguntar se alguém já tinha comentado isso com meu namorado:

– Na verdade eu ouço muito sobre isso...

Vinícius não falava muito, ao contrário de Renato e Murilo, que animavam a conversação toda a ponto de iluminar Djane, que ora observava, ora dava seus pitacos. Eu? Acompanhava tudo, observava tudo, correspondia quando necessário. Apesar de ser a noite de Djane e Renato, estava bem atenta a Vinícius, caso acontecesse alguma coisa, como se aborrecer. Não deixaria ele fazer papelão de novo com a sua mãe.

– Você nunca me disse isso, amor.

– Ah, eu não fico me gabando que nem o Murilo.

Essa modéstia de Vini foi quase o ponto alto do jantar, pois se permitiu embrenhar mais no ponto de discussão, alfinetou meu irmão e trouxe suspiros de alívio para todos imagino. Ele tentava não se comportar mal, e não se intrometer tanto no que era ou representava a felicidade de sua mãe.

Óbvio que Murilo ficou sentido pela referência, fez teatro e tudo, largou os talheres dispostos ao lado do prato, levou um mão ao peito e murmurou, derrotado, mas cheio de pretensões, que deu em riso geral:

– Eu? Tenho culpa se o Duke de Comandos de Ação resolveu se parecer comigo?

E aí Renato reconheceu:

– Ah é mesmo, num é que parece? Principalmente olhando de perfil.

Acontece que eles tavam lado a lado. Eu à frente de Renato e Vini na de Murilo, enquanto Djane permanecia na cabeceira, sendo eu à sua esquerda e Renato à direita.

Murilo aproveitou a deixa para esclarecer seu ponto de vista sobre isso:

– Mas claro, sou mais bonito. Palavra de Aline, minha namorada.

Conforme foi se desenvolvendo a discussão, o jantar foi terminando, chegava a hora que eu havia comentado com Djane previamente, sobre ao final apresentar oficialmente Renato, e dali tudo se estabelecer.

Só que Djane começou a enrolar. Eu lançava uns olhares significativos pra ela, meneava a cabeça em conversas telepáticas com ela, e a mulher não tomava coragem. Djane esquecia-se ali que era autoridade, que era mãe e viúva, que já lidou com muita coisa pior na vida e tava tremendo na base como uma adolescente insegura pela aprovação do pai sobre o namorado. Não dava pra julgar porque eu também tava morrendo de tensão com minha família, mas porque minha família é doida e Vinícius chegou lá causando desastre e... enfim, ok que ela tava no direito, mas precisava de um pouco de força.

O chute foi o bastante dessa vez. Djane então interrompeu a todos, já com seus pratos finalizados:

– Bom, meus querid...

Só que Renato a corta delicadamente ao compreender o que viria dali pra frente, preferiu ele tomar a atitude. Faz isso primeiramente a silenciando com um toque na mão dela, próximo a ele, um olhar amoroso de “licença”, respira fundo e nem precisa chamar atenção da mesa, todos o olhavam atentos.

– Eu primeiramente queria agradecer ao convite de vir aqui, ter uma boa noite com todos, de nos conhecermos melhor. Segundo, deixar claro que... Djane é a mulher que mais me deixa besta nesse mundo, e não sei, realmente, como pude ficar tanto tempo longe, dando o espaço que precisava, mas a verdade é que gosto tanto dela, que, se foi preciso, eu esperei por ela.

Renato faz um carinho ao rosto dela, que se iluminava mais, boba, embaraçada, de riso discreto enquanto ele apenas a olhava ternamente e entrecruzava seus dedos aos dela na mão que haviam unido.

Acho que eu me sentia como minha mãe no meu jantar, esfuziante e emocionada, querendo pular na cadeira e bater palmas. Entendo agora bem como é esse feeling e como isso era tão minha mãe.

– Acredito que essa espera chegou ao fim e que valera a pena... Então, Djane... poderia te dar tudo, e te dou o que quiser, mas primeiramente, te dou o meu amor. Quero firmar um compromisso sério. Já dei entrada na minha transferência de departamento, me aceitaram para o semestre que vem no de Economia, assim não teremos problema por trabalharmos no mesmo ambiente e... O que me diz, meu amor?

– E-eu, hã... você fez isso mesmo? Por mim?

Eles tinham uma conexão linda, às vezes se fitavam como se não houvesse outros ao redor e simplesmente mergulhavam naquela bolha. Me pergunto se comigo e com Vinícius era assim. Se meus familiares nos viam assim.

Talvez ligue para mamãe depois para comentar um pouquinho, penso, boba.

– Claro. Já te deixei escapar uma vez, não vou deixar outra.

– Eu... errr... isso me tira um peso, claro, depois de todo o movimento que já teve naquele departamento, as acusações e...

Renato a interrompe, mas ela continua a falar sem controle apesar dessa pausa.

– Djane.

– Sim, ok, eu não devia tá lembrando, eu sei, é que...

Vendo seu nervosismo, eu a chamo, calma, e então ela me olha.

– Djane.

Ela apenas suspira antes de falar – na verdade, ralhar conosco – de novo. Se afasta um pouco do lado de Renato, fica mais ereta na cadeira.

– Vocês estão me deixando nervosa.

Renato toma a vez:

– Eu sei que você espera muito pela aceitação de seus filhos, e eu também espero pela aprovação deles, mas preciso saber antes de tudo se você aceita firmar esse compromisso.

Dessa vez ela não titubeia, nem enrola. Apenas se emociona.

E eu junto, claro! Adorei a menção “seus filhos”. Se Renato por mim já estava aprovado antes, imagina agora.

– Aceito.

Sinto que vou quicar na cadeira, que não vou segurar o impulso. Era outra coisa assistir esse momento de Djane e Renato. Por um momento esqueci até de Vini, ansioso e cuidadoso pela mãe, e que aquilo lhe exigia muito do coração e carinho, pois, na sua cabeça, a ideia de Djane ter um relacionamento significava ele sair de campo, coisa que antes era o que mais queria, e hoje é pelo que mais luta permanecer próximo.

Estava tão feliz por ela que também esqueci que era minha sogra. Ali, Djane era minha amiga e precisava de meu apoio também. Por mais que eu quisesse puxar todo um coro de “own”, pular na cadeira e bater palmas pela fofura a minha frente, mantinha o respeito e comemorava por dentro, só extravasando o feeling num sorriso largo, tal qual meu mano, quem também parecia orgulhoso.

Já Vinícius... ele assistia calado a cena. Quando Renato se voltou para a mesa, para nós, que ele se mostrava pronto para o “embate”, foi que me toquei de Vini, ao meu lado.

– Então, meus caros, o que dizem?

Todos sabíamos que aquela pergunta se direcionava a Vinícius, que se remexeu na cadeira, todo sério, contido e pensativo. Com o aperto à sua mão em sinal de apoio que dei debaixo da mesa, ele não demorou a se pronunciar. E foi direto, porém calmo:

– Quais suas intenções com minha mãe?

– As melhores. Minha felicidade não depende só dela, eu quero a fazer feliz também. Por todo o tempo em que a esperei, fui claro e justo. O que sentia por ela só aumentava. Tivemos nossos desentendimentos, Vinícius, eu sei, mas ambos queremos cuidar dela. Não pretendo interferir na relação de vocês, se é essa a sua preocupação. Acha que podemos passar uma borracha nisso?

– Sabe que se a magoar...?

– Se eu a magoar, podem dar um tiro em mim, porque são eu não estarei.

Ok, isso foi tão Vinícius no nosso jantar que o próprio não tem muita reação por estar então com a bola da vez. Não diz nada, se força a não olhar diretamente para nenhum dos dois. Fico apreensiva com isso, e na dúvida sobre intervir.

Renato, no entanto, não espera muito, continua como se a pergunta básica de Vinícius tivesse sido refeita. Muito resoluto, não iria desistir sem antes lutar. Quer dizer, argumentar.

– Posso não saber se o que fizer amanhã pode magoá-la, mas o que importa é que a intenção não é minha. Não prometo que haverá 100% de felicidade no dia-a-dia, ou que você gostará de mim, Vinícius. Só estou dizendo que amo sua mãe. O quanto puder a proteger, a protegerei; o quanto puder cuidar, cuidarei; o qu...

Dessa vez quem o interrompe é Djane, tocando sua mão na dele sobre a mesa. Não traz uma boa expressão. O clima estava ficando ruim para nossos anseios.

– Renato.

Mas ele não se deixa pausar.

– Olha, isso é muito importante para ela; sendo assim, para mim também. Se você ama a Milena como eu penso que ama, se você ama a sua mãe, não tem problema se não aprovar, não tem problema se não der sua benção, mas se você sabe o que é amar uma mulher – porque sim, Djane é uma, e muito forte por sinal – e o que ela pode representar em sua vida, pode entender meus esforços... e o quant...

Vinícius o corta. Não bruscamente, só... o corta, o pausa. E isso mantém o clima estranho, fica aquele ar preso nas gargantas de cada um, sinto.

– Eu entendi.

Vini se permite uns segundinhos para pensar perante a mesa. Quando solta minha mão debaixo da mesa e levanta, meu coração pula só de imaginar que ele possa tratar mal Renato novamente e magoar Djane. Porém, quando começa a falar, mais calmo e centrado, seu tom me alivia bastante.

“Jeitoso”, de mão nos bolsos, um pouco nervoso, ele sentencia:

– Mãe, me desculpe. Você também Renato. Não posso simplesmente tomar de conta de minha mãe, ela merece ser feliz. E se é você quem desperta mais felicidade nela, quem sou eu pra estragar? Fui injusto. Ainda me sinto muito desconfortável com isso, mas tô aqui, dizendo que não serei um empecilho. Eu... e-eu vou dar um jeito de lidar com isso, ok? Só me deem um tempo.

Logo que finaliza, que assente para Renato, penso em levantar e abraçar o embaraço de Vinícius, que, ainda assim, quis deixar seus temores de lado para dar espaço à mãe, e consequentemente, a Renato, mas minha sogra é mais rápida, ela praticamente salta da cadeira ruidosamente, encurta rápido a distância entre eles e dá um abraço daqueles, de alívio, de agradecimento.

Simplesmente amava essa cena dos dois. Definitivamente vou ligar pra minha mãe, porque só ela pra entender essa vontade louca de chorar emocionada. Nesse meio tempo apenas troco um sorriso com meu irmão, observando como a família Garra se redimensionava. Pisco rápido até para conter a emoção, e Murilo pigarreava, também comovido e querendo esconder um pouco de seus feels. Uma nova batalha estava ganha.

E a cena, pelo jeito, não havia acabado.

Ouvimos uns poucos sussurros dos dois ainda abraçados, mas nada que desse para compreender. Não até Vinícius se desvencilhar e afirmar, alto e claro, apontando para direção de Renato.

– Vai.

Djane dá um último beijo à testa de seu menino para então correr para o abraço de seu mais novo amor, professor Carvalho. Quer dizer, Renato.

Não há muito como descrever esse momento dela, só que foi o bastante para Vinícius virar-se, inquieto, por não se sentir bem ainda de estar tão de perto do relacionamento de sua mãe, agora às vistas. Até Murilo se compadeceu, saiu para buscar a sobremesa.

Eu, no entanto, abracei meu Vini por trás, quem parecia ainda um pouco envergonhado. Quando deito o queixo ao seu ombro e puxo uma mão de seu bolso da calça, ele instantaneamente corresponde ao meu toque por entrelaçar nossas mãos e apertar, muito tenso.

– Eles ainda estão se beijando?

Não me viro, apenas o abraço mais com o outro braço.

– Provavelmente.

– Hum. Apenas me lembre de não mais te beijar na frente do seu pai.

Rio contra seu ombro.

– Tão ruim assim?

– Você não tem nem ideia.

~;~

Amor é o tipo de coisa que rende o ser humano a um estado de fora do ar.

Djane, a mais nova “cara da felicidade” esbanjava seus sorrisos bobos para o detergente. Insistira em ela mesma dar uma lavada nos utensílios usados no jantar àquela hora. Há quem diga que é terapia, há quem diga que é relaxamento.

Eu digo que é a forma dela lidar com o mais novo acontecimento de sua vida, acho que ela não queria que aquela noite acabasse.

Tentei convencer a mulher a ir deitar após a despedida de seu... Renato – Vinícius ainda não tá pronto para ouvir a palavra “namorado” enquanto significar um relacionamento sério com sua mãe. Ele realmente chega a tremer quando alguém dá a entender isso. Levaria um tempinho ainda para as coisas tomarem uma maturação na cabeça dele, que, apesar de resistente, percebeu que aquilo não bem competia a ele, ele só tratou de “oficializar” com um simples consentimento.

Foi difícil, mas consegui conduzir a mulher para sua cama após recolher tudo da mesa, Djane parecia estar nas nuvens, bestinha, bestinha, como alguém depois de umas boas taças de vinho e com sono acumulado. Bom, o sono pelo menos era de verdade, ela trabalha muito, exige dela mais que poderia imaginar, aceitou por capricho pra provar sua força para professor Bartolomeu no começo do ano. Ela acabou gostando muito na verdade. Principalmente agora que se livrou dessa pedra no sapato e está com seu príncipe e sandália de cristal à mão, uma Cinderela bem diferente.

Radiante é uma melhor colocação, constato ao fechar a porta do quarto dela. Tão besta quanto à sogra, tomo o corredor devagar, boba e feliz pelo jantar. O que me tira dos devaneios é uma conversa ao longe, outra que pensei que nunca poderia ouvir, mas lá estava eu, esgueirada à parede, espiando novamente.

Ainda que não seja necessário, fico escondida, com receio de interromper qualquer vibe dos dois, Vini e Murilo. Por observar o maior papo de “brother”, entendendo sobre o que discutem, e me pergunto o que mais eles já não disseram enquanto não estive perto.

– Não ria, só porque você já passou isso com a Milena não quer dizer que sabe o que é esse sentimento.

Murilo contrapõe, um pouco enérgico:

– Quem disse que eu já passei? Aquilo foi só um jantar, não um noivado.

– Mas pareceu um.

Ele também sentiu isso no nosso jantar com a família.

Mesmo com uma parede me encobrindo, encosto a testa nela com certo embaraço. Apesar de sempre conversarmos sobre o que nos intriga enquanto relacionamento, sobre isso especificadamente não tocamos.

Mas também, o que haveria de comentar? Era fofo e estranho ao mesmo tempo. Nos bastou, acredito, assentir e ser feliz, como era o que esperávamos. Acho que o fato de ter parecido um noivado só deixou mais memorável.

É, bem possível.

Murilo brinca, ainda protetor, por isso. Não me chateio, esse era seu papel. Estamos numa completa vibe boa para qualquer chateação desnecessária. Além disso, ele não implica por mal, como foi no passado. Isso apenas reforça o quanto a gente tá se dando cada vez melhor e dando as chances que cada um precisa. Só assim esqueço a história do noivado que não foi noivado e espio novamente a sala:

– Você sabe que ainda posso arrumar uma arma se você continuar falando desse jeito, ainda tô nos meus direitos de irmão-protetor.

Reviro os olhos para esse comentário, na verdade. Murilo, sempre Murilo.

Sendo assim, apenas rio. Me sinto bem com isso, melhor ainda por ser muito diferente do que fora espiar uma conversa deles noutra situação, na noite da crise de trovões, em que as coisas foram se revelando entrelaçadas à dor. Agora o que sinto mesmo é uma espécie de alívio. Amor, talvez. Compreensão.

Uma compreensão que me valeu de colher ao fitar os olhos de meu mano naquela trágica noite, coisa que até então, não havia feito em nenhuma crise. Ele também percebeu esse diferencial, me confessou durante a conversa “definitiva” e esclarecedora que tivemos após meu retorno da viagem e de meu perdão.

Apesar de tudo isso, queria ser suficientemente corajosa de entregar mais que isso. Existem outros pesos ao meu ombro que ele sequer tem alguma noção. Suspiro, contenho-me ante esses pensamentos que vivem a me rondar. Empurro-os de volta antes que algo se remexa dentro de mim e revolva mais meus medos interiores. Isso. Foi uma noite linda demais para eu acabar voltando a essas questões.

Vinícius me traz de volta à conversa quando ele entra na onda de irmão, também sacana, relaxado, brinca sobre a situação dos dois, conferindo sua proteção:

– Sua mãe me ama. Se me matar, vai ter que responder pra ela. E pra sua irmã. E sua avó. Mas não se preocupe, daqui uns anos, quando sua garotinha nascer e crescer, você saberá bem demais o que é.

Até Vinícius acha que o primeiro filho de Murilo vai ser uma menina. Torce por isso, na realidade.

Tento me mover mais da abertura do corredor, poder espreitar mais os dois no sofá, esparramados. Estavam como se tivessem exauridos, porém muito enérgicos para o papo que levavam. Dá tempo de pegar o momento que Vini dá um soquinho ao ombro de meu irmão, quem retribui com o mesmo antes de eu me esconder novamente quando achei que eles poderiam me ver.

– É bom eu dar um jeito de arrumar logo essa arma, que aí mato dois coelhos com uma bala. Tu e o sujeito que se meter com minha filha.

Vinícius ri contra a lógica de meu mano.

– Ainda assim teria que ser duas balas, cara.

– Não do jeito que tô planejando.

– Você não é muito bom com isso, Murilo.

Me extravaso de rir internamente, segurando a boca. Queria novamente poder aparecer e concordar com isso, mas me mantenho onde estou, curiosa sobre onde isso vai dar.

Acredito que a conversa não é para ser secreta, mas também não precisa de plateia. Não sei bem o que me impede de caminhar para os dois – e não há nada que me segure – na sala, só que quero ouvir mais, me faz bem. Me roubam sorrisos sinceros, mesmo com certas doses de embaraço.

– Nem você... Pink.

Vinícius dá uma almofadada na face de meu irmão, que replica um “hey” fingindo zanga. Nunca que Murilo seria o Cérebro, imagino que é isso que Vinícius pensa também, a peste é honesta demais, como um dia me confessou (e teve o disparate de me apontar como a desonesta!), para um papel desses.

Embora tenha suas ideias engenhosas, meu irmão desfruta de uma inocência sem igual. Não que ele seja uma criança – apesar de muitas vezes parecer – e de suas desconfianças lá e acolá, ele traz essa ingenuidade quanto aos seus princípios. Não se trata de ser puro, é de ser verdadeiro e de se maravilhar fácil com as coisas. Isso muitas vezes o torna um bobo, mas é meu bobo, e eu amo isso nele. Como pode passar de carente a sério num segundo, como pode passar de amoroso a enérgico noutro.

E sou quem tem TPM.

Rio novamente, sozinha ao corredor, por meu namorado saber lidar muito bem com a peste. É presunçoso até. Merecia um beijo. Um que não estava classificado tanto para as vistas de meu mano quanto de meu pai.

– Estou bem assegurado, se for o caso.

Murilo cruza os braços, defensivo. Não consigo ver muito dele ou de suas expressões faciais, mas posso jurar que ele está com aquela sobrancelha levantada em provocação.

– Tá muito confiante.

– A Milena me faz ser esse confiante.

Enterneço ao passo que Murilo parece se remexer com a declaração do meu namorado. Mais um beijo para guardar para este.

– Disso eu não quero saber, droga!

– Só tô dizendo que... por ela...

– Já te disse que não quero ouvir.

Vinícius parece se esparramar mais ao sofá, põe os pés em meias em cima da mesinha de centro da sala, declara, resoluto:

– Realmente amo sua irmã.

Isso provavelmente é um acalanto para meu irmão, quem “aprovou” e confia em Vinícius quando se trata de mim, mas como também não é desses de dar o braço a torcer, principalmente se se trata de uma conversa trivial com Vini, Murilo faz é provocar:

– Tá um completo besta falando dela.

Meu Vini rebate, para meu contentamento interior.

– Como se você não ficasse assim quando se trata da Aline...

– A Aline não é sua irmã, você não sabe como é. Ainda.

– O que quer dizer?

Poxa, Vini, até eu entendi essa, meneio a cabeça em negação.

– Nada. Só para o caso de um dia... você sabe... Iara...

Vini parece suspirar profundamente, ambos sabemos que o quesito Iara ser sua irmã é algo que apenas paira sem deixar de estar suspenso. Apesar de ela ter o ajudado diversas vezes, ter se tornado minha amiga, ele não a vê ou a tem com estima. É como se fosse uma... estranha conhecida.

Que eu poderia dizer? Não mando na minha cabeça, imagina na dele. Nem mesmo se competisse a mim julgar isso, não o faria. Isso é coisa deles, Vinícius quem tem que resolver. Se a aceita ou não.

– Ela não é tão mal no fim das contas.

– Tenho que concordar. Foi duro chegar aceitá-la.

Um novo resmungar vem sobre esse rolo de sua mãe. Prevejo que acontecerá e muito ainda esses resmungares. Mas não tanto pelo apoio de meu irmão.

O Murilo do ano passado provavelmente a essa hora estaria costurando fofoca e intriga sobre esse “cara” que tá com Djane. Protetor do jeito que é, iria querer saber até do RG do sujeito pra pesquisar.

– Tá sendo duro aceitar essa realidade da minha mãe, isso sim.

– Cara, Djane é independente. E passou tempo demais sozinha.

– Eu sei.

– Você não vai perdê-la, ok? Pense que tá ganhando um amigo.

– Foi assim que pensou de mim?

Mas não chego a ouvir a resposta, porque Murilo se remexe no sofá a fim de buscar o celular que apita em seu bolso e, pelo modo em que se mexe, ele me localiza. E ri. Vinícius nota algo diferente e segue o olhar do outro, me encontrando também.

Meus dois homens apenas se entreolham numa conversa telepática só deles antes de me chamarem para sentar entre eles. Não me fiz de boba, ergui o queixo e fui toda orgulhosa conquistar o espaço que me deram. Enquanto retirava a sandália para ter mais conforto, Murilo me lançou sua questão, um pouco sério:

– Faz muito tempo que nos ouvia?

Dou de ombros.

– Um tempinho.

Vinícius faz que não era nada demais, só se aconchega em mim conforme me recosto no sofá, cansada. Murilo por outro lado começa a digitar algo no seu celular, risonho demais para meu gosto. Não demora muito para se levantar, anda para a porta mais atrás do sofá, inicia uma ligação com Aline, ouvimos.

Quer dizer, ouvimos meio abafado quando meu mano começa a dar as novidades para ela, pois Vinícius trata de aproveitar esse momento para avançar um pouquinho. Começa com leves selos pelo meu ombro, ironicamente não o que estava nu por ser um daqueles vestidos de apenas um lado de alça, e logo um braço ronda por mim e, por instinto, agarro seus cabelos numa carícia de leve, tentando não me deixar dominar pelo seu toque. Estávamos às vistas, afinal.

Alerto baixinho.

– Vini.

Ele, no entanto, só inspira mais de meu perfume rente ao meu pescoço antes de mais nada.

– Fica aqui essa noite. Dorme comigo.

Isso são horas para uma proposta dessas? São horas sim, mas oportunidade, infelizmente, não. Pedindo desse jeito era tão difícil de negar. Essa voz, essa inflexão rouca, esse seu toque... eram todos muito convidativos. Mas resisto, tento o parar desvencilhando-me de seu braço ao meu redor primeiramente. Alerto outra vez, agora com um tom de desculpas, de que não dava.

– Vini...

– Preciso. Por fav...?

O clima é então cortado abruptamente.

– Argh, isso aqui ainda é uma casa de família, ok? Vamos, Milena, que amanhã eu acordo cedo.

Meu irmão pega as suas chaves em cima da mesinha sem nem mesmo nos olhar, era estranho o bastante. Não era beeeeem um flagra, só dava aquela sensaçãozinha de desconcerto. Me sinto até meio vermelha, tal qual a tonalidade de meu vestido, com vontade de matar o Vinícius por me prestar a esse papel. Não fazia nem duas horas que ele havia comentado sobre isso com sua mãe, então devia muito bem saber.

Ele nem aguentava vê-la com Renato!

E sabia o sacana, descubro segundos depois com uma declaração sua. O vermelho do embaraço torna-se assim um vermelho de ultraje.

– Viu, Murilo, é quase tão ruim quanto isso.

Ele me usou! Pra provar algum ponto de discussão entre eles. Sobre ser desconfortável encontrar aquele de quem se cuida se agarrando com outro. Abro a boca teatralmente surpresa, apesar de estar bem surpresa mesmo por essa sua atitude. Primeiro uma aposta contra mim, agora ele tava me usando pra pontuar algum argumento? Mas nem que a vaca tussa uma música inteira que deixo barato!

Repreendo na mesma hora, arranco seu sorriso travesso – tinha o disparate de rir ainda – enquanto me desvencilho dele.

– Vinícius Garra! Tá deserdado.

– Mas Mi...!

Praticamente pulo do sofá, cato minha sandália e a bolsa-carteira da mesa, parto na frente de meu irmão, que me dá passagem e só sorri mais sacana ainda pela argumentação do outro ser falha. Quer dizer, falha não, de ter me usado num comportamento baixo. Foi uma carta arriscada que não teve lucro. Ainda pego Murilo dando língua, vangloriando-se pela sua suposta vitória, o que me faz revirar os olhos e dar um tapa na sua nuca, um pouco cega ainda por virar atração para os dois.

Que sacanas!

Ai de meu mano se aprontasse algo também. Já podia me ver fazendo altos planos com Aline só pra revidar. Ou Iara quem sabe. Quanto mais cabeça, mais ideias pra maquinar.

Enquanto tento ajeitar a sandálias aos pulos para sair, Vinícius tenta me seguir, eu disparo pela varanda, pelo terraço, dou meu jeito de escapulir. A criatura ainda ria, palhaço. Já à porta, ele me alcança, me segura pela mão, risonho, só um pouco preocupado pela “deserdação”.

Num minto que ria internamente por essa sua carinha fofa. Merecida, claro.

– Mi! Espera! Foi brincadeira. Não vai não...

Sou, mais uma vez, categórica.

– Tá deserdado até segunda ordem.

Murilo praticamente gargalha quando desativa o alarme do carro, sussurra um “se ferrou” meia boca claro para nós antes de entrar no carro e o ligar. Continuando minha encenação, abro a porta do carona, sabendo que o outro não iria desistir fácil. Não me surpreende quando Vinícius investe noutra abordagem:

– E meu beijo? E minha paz?

Até tinha uma cota “premial” para ceder de beijos para ele, pois em certos pontos da conversa ouvida ele foi ganhando uns pontos comigo. Se perderam com a travessura, para o azar dele. Isso só reforçava que, da mesma forma que Murilo não deveria interferir no meu relacionamento (e nem eu no dele com Aline), eu não deveria me meter na amizade dos dois. Porque, olha no que dá! Constrangimento!

Sendo que eu nem me meti, só pairei pela bolha de conversa dos dois, que se aproveitaram da situação. Preciso urgentemente de uma retaliação, senão vão achar que tô muito mole para aprontarem comigo. Deserdar é apenas o começo.

– Se perdeu naquela aposta. Que nem fui paga, a propósito, viu, Murilo!

De pé na calçada antes de entrar no carro, cruzo os braços e finco ali, aborrecida, me fazendo ser ouvida pelo outro, que me enrolava faz um tempo sem pagar a minha parte exigida. É isso, eles acham que podem brincar comigo e sair impunes.

– Ô, amor, desculpa, não fiz por mal.

– A aposta ou a cena de agora?

Vinícius vem todo amoroso, me puxa para sair do lado da abertura da porta, fecha de leve, de forma que fica encostada, e, confiante demais, abraça meu rosto com uma mão sua para nos aproximar mais. Nos olhos permanecia aquele brilho de brincalhão, testando território.

– Os dois casos. Não vê que teu irmão tá provocando a gente?

Fazia jogo de novo!

Podia apenas demonstrar meu desaprovar pela maneira com que me usou, mas uma ideia tilinta na minha cabeça e tão logo a ponho em prática. Ele queria sacanear? Pois eu também iria me aproveitar.

Faço que me rendo a ele e à sua “argumentação”, remexo um pouco a boca como se hesitasse e, quando sei que ele se dá por vitorioso, que tenta avançar para se despedir, mostro que não está desculpado mesmo. Intercepto-o bem a tempo, espalmo uma mão ao peito dele, que estranha antes de entender:

– Ainda tá deserdado, amor.

Sorrio maldosa, belisco sua bochecha, dou um chega-pra-lá nele, entro no carro e gargalho alto, por Vinícius ter ficado para trás com a maior cara de bobo. Meu irmão, por outro lado, só nega com a cabeça, liga o carro.

– Maldade, sabia?

– Aqui se faz, aqui se paga. E tu ainda não pagou.

Murilo me joga a carteira que puxa da calça enquanto dirige, prefere um male menor. Sabem os dois que mexer comigo é mexer com quem não deve. E se mexem, que pisem em ovos, porque simples desculpas não eram o suficiente pra mim. Nem olhares amorosos, nem carinhos culpados.

– E ainda sou extorquido.

– Claro. Amor pode nos tirar fora do ar, mas não podemos nos deixar ser aproveitados.

– Eu estou sendo aproveitado.

– E o que foi que eu disse?

Ai de Djane se não souber como driblar o próprio filho e o próprio namorado... Não, balanço a cabeça, rindo sozinha comigo, vou dar um voto de confiança para ela. Dura que nem ela é, deve saber de uns truquezinhos.

Para todo caso, existe uma nora que entende beeeeeem do assunto.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Quem tá vendo Djane feliz e saltitante levanta a mão o/
Renato tbm a cada dia me conquista :) Eu aprovo!

E Vini e Murilo conversando... Adogo! - mas tbm deserdaria :DD


*Para quem tá por dentro de MoE, quanto ao filme G.I. Joe já comentei. Que o ator Channing Tatum (quem, no meu cast particular, representa o Murilo) fez o Duke, um dos principais comandantes do filme.

** Essa eu descobri tem um tempinho hahaha O Hayden (ator que representa do Vini) fez o Darth Vader! A versão jovem do vilão, antes de se amargurar. Um dia ainda assistirei Star Wars! E manter as fangirladas comigo, pq né rs

P.S.: "E minha paz?"
Geralmente eu que dou dicas por aqui de trilha sonora, não? A leitora Noah me deu uma dica outro dia e tem suuuuuper a ver com MoE. Penso no shipper Milena & Vini qnd ouço. Nessa fase "finale" então... Ok, *segura spoiler*!

A música:
Zedd - Clarity Feat. Foxes
http://www.youtube.com/watch?v=IxxstCcJlsc

P.S.2: Trechinho do próximo?
Hmmmmmmmmmmm... Ok!

"Bruno me deu carona, me deixou onde pedi, na lanchonete do Celso na avenida de meu bairro. Lá eu tinha um histórico de encontros suspeitos e, ok, uns agradáveis. Esperava que esse fosse um desse último.
Mas minha mente era consciente o bastante de ao menos ter noção de quem estava ali para me fazer engolir a seco. Meu nervosismo então se sobrepôs à curiosidade do chamado. Mais ainda quando [ALGUÉM] puxou a cadeira antes de se sentar, tomando a minha atenção. Estávamos numa mesa mais afastada, preferi por privacidade."

[...]

"- Desculpe, Milena, é que o que tenho a tratar não é fácil...
— Isso eu já percebi. Vinícius... er... precisa de algo?
— Na verdade, não é sobre Vinícius. Tem um tempo que eu gostaria de falar com você...
— Comigo?"

Que rolem as adivinhações! #suspense
Bom fds,

Alexis K.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mantendo O Equilíbrio - Finale" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.