Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 78
Capítulo 77


Notas iniciais do capítulo

Como é respirar e viver depois de uma bomba? É respirar e viver outras pequenas!
Mas nada que galere não consiga lidar... até porque tem muita coisa pra distrair essas pessoinhas hahaha

Levanta a cabeça e... embroma, Milena, embroma!

Enjoy!



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Com o pensamento longe, longe, sigo os poucos alunos que iam subindo a rampa para as salas na faculdade. Do jeito que meu pé ainda incomodava, meu ritmo era mais lento do que de costume, além de mancar um pouquinho. Como Gui teve que resolver um problema de pagamento na secretaria, eu caminhava sem companhia e agradecendo o fato de todo mundo estar caindo naquele papo sobre Denise e minha avó. Quem diria que algum dia pelo menos para isso minha prima me serviria. Não que eu dava graças a ela – nunca! – mas a situação por completo estava se saindo uma boa desculpa para o modo como eu me encontrava.

Tal qual o caso com Sávio, não era algo que eu detinha o controle, tampouco poderia fazer algo decente a respeito. Era apenas isso, dividir o peso, e de certa forma ficava aliviada por isso, pois tinha o Bruno do meu lado também e eu tinha a certeza de que o Sávio não era um completo sacana como em muitas cabeças vinha rondando.

Eu havia o perdoado e ninguém mais precisava saber disso, principalmente diante das circunstâncias. Não revelava isso com clareza não por ter que encarar incredulidades e insegurança de meus amigos e companheiros (que certamente diriam que eu teria pirado de vez e quem sabe se não fariam alguma espécie de intervenção por isso?), mas porque isso geraria algum tipo de comoção e atenção que, para Sávio, poderia ser prejudicial. E de sofrer, ele já sofreu muito desde que chegou na cidade.

O meu agir natural era então de respirar incomodada enquanto não houvesse nenhuma luz de solução. Uma espera que pode durar sabe-se lá quant...

– Oi!

Não recomendo ficar no mundo da lua, ser trazida ao Planeta Terra bruscamente e a pessoa ser o professor pedreiragem da faculdade. É quase como acordar e te perguntarem na lata qual é a raiz de 22.801 (é 151) e você perder a estribeiras sem saber em que mundo está, o que nele faz, qual seu nome, a sua cidade, e que raio de pergunta é aquela.

Ok que Max não perguntou nada, eu sei, mas a sensação é quase a mesma, já que fui um pouco pega de surpresa e quase derrubo vergonhosamente a pasta que trazia ao peito. O professor? Faz é rir. Do jeito com que anda por aí, esse jeitão de malandro arrumado, como se comporta com as alunas, como se veste (e cof cof se perfuma cof cof), não me admiraria se algum desavisado pensasse que ele era um aluno. Não devia ser tão mais velho que o Murilo.

– Ah, oi, professor.

– Desculpe, acho que fui indelicado que aparecer de supetão... Milena, não? Seu nome? Ainda não decorei o de todos, já chamei Brunos de Brenos, Brenos de Bernardos, Bernardos de... num sei, Igor talvez.

Um sorrisinho sacana pinta no rosto de Max enquanto disserta sobre seu momentâneo problema de adaptação a nomes. Eu, por outro lado, enquanto ele se distrai olhando para o chão da rampa, me recomponho. Acordo pra vida e me foco em ser gentil e hospitaleira.

– Ah, começo de aulas é assim mesmo. E sim, Milena é meu nome. Está gostando daqui?

– Muito e... Desculpe perguntar, mas há algo com seu pé?

Não era algo difícil de notar, porque parecia que eu andava com uns poucos pulos. Assinto para confirmar.

– Escorreguei ontem e caí de mau jeito. Não inchou, só incomoda mesmo.

Animado a la Max, como os alunos estavam descobrindo aquela nova personalidade na casa, o professor estica o papo e parece divertido falar das histórias que rumam pelos corredores da instituição:

– Ah, já estava pensando se não era pela tal da... Escada assassina?!

– Já tá sabendo legal, professor.

Ele dá de ombros, fofoca afinal é coisa que se encontra em tudo que é lugar. Mas aí, já chegando ao nosso pavimento – quer dizer, ao meu, eu não sabia a sala para a qual ele iria no momento – mostro que ia para a direção do banheiro dali perto e ainda assim ele não parece querer pausar a pequena conversa. Na verdade, ele meio que me olha de cima a baixo, de um modo que não sei bem como descrever. Dizer que era discreto ou não menos ainda.

– Alunos falam alto, meus ouvidos vão longe. Milena, acho que te conheço, de algum lugar que não sei ainda.

Fico na minha com um sorrisinho amarelo. Depois de tanto flerte nas suas aulas, ou ele tava flertando mais uma vez ou era mais um desses coincidentes que me encontram e tem essa sensação de me conhecerem. Arrisco assim uma hipótese sobre de onde ele poderia me reconhecer. A tal ponto já estamos parados.

Normalmente subo mais um pavimento, mas essa semana estavam consertando a fiação da minha usual sala e como tinha outro risco de curto-circuito, estão verificando bem antes de liberarem aula lá. Estamos numa classe provisória desde um incidente no começo da semana.

– Provavelmente do ônibus, quem sabe?

– Do ônibus?!

– É, é que eu e uma amiga, a Dani, nós costumávamos cantar no ônibus. Algumas pessoas nos abordam de vez em quando falando sobre isso.

– Vocês não cantam mais?

– A Dani tá numa banda agora, canta numa pizzaria aqui perto.

– E você?

Impressão minha ou ele tá querendo saber demais? Ou eu que tô ficando paranoica? Droga, é melhor esse cara não estar me cantando! Dessa vez eu reclamo na cara dura na direção. Tô nem aí sobre a alcunha de queridinha. Vou dar uma última chance pra ele. Se me bater mais uma impressão ruim, desço no mesmo segundo. Mesmo com o tornozelo lascado. Sou ao menos educada no processo.

– Hum... Eu? Só era segunda voz e... Licença, é que tenho que ir ao banheiro mesmo.

– Vejo você mais tarde então.

Suspeito, muito suspeito.

Podia ser nada, masssssssss... Era melhor eu também tomar mais cuidado.

~;~

Na hora do intervalo, peguei carona nas costas de Gui (embora reclamão como se fosse o mais novo Bruno da turma) e fui deixada no banquinho do jardim. Enquanto os outros alunos estavam espalhados pela faculdade, cuidando de suas pendências ou mesmo na lanchonete, eu esperava quieta por meus amigos e colegas, já que tinham me proibido de sair caminhando por aí. Era só uma leve torção, poxa.

Mas não nego que estava me aproveitando um pouco dos privilégios.

Estou de boa trocando umas mensagens com Vini quando surge uma voz e diz “pensa rápido”. Normalmente sou destrambelhada para essas coisas, e em chances de uma em um milhão eu consigo de fato abocanhar ao ar o que me jogam. Dessa vez milagrosamente consigo e penso que minha cota para esse jogo já foi preenchida. É bom que não tentem me jogar mais nada nas próximas semanas, porque eu posso confiar que por esses cálculos que a tal coisa vai cair.

A propósito, foi o Bruno e ele me atirou um objeto que de primeira imagino que é a chave de seu carro, aí noto que ele só estava na realidade cumprindo sua promessa. Estava me presenteando com um chaveiro-canivete novo.

– Achei melhor te passar agora, já que o Gui não está por perto.

– Ah, beleza. Muito obrigada, não precisava.

– Eu sei. Foi difícil encontrar, viu?

– Ô menino de ouro, que você quer de mim? Beijos, abraços... gasolina?

Com uma pasta que traz nas mãos, ele senta ao meu lado no banquinho e me empurra ombro com ombro.

– Aceito a gasolina.

– Tudo bem, seu desejo é uma ordem.

Faço que vou pegar o dinheiro na minha bolsa e ele acaba desmentindo a brincadeira, me parando no processo.

– Que é isso, não precisa não.

– Certeza?

– Bom, você tem algum daqueles ban-aids seus por aí?

– Acho que já acabou. E não me olha assim, não foi por uso meu.

Meu amigo acaba dando de ombros e suspira, um pouco chateado. Logo levanto uma sobrancelha, não entendo onde ele que gostaria de chegar.

– Tudo bem, eu não queria um literal.

– Queria um... não literal?! Hein?

– É só que... pensa em uma coisa ruim.

O que eu mais tinha eram opções de coisas ruins – e uma que nós dois participamos no dia anterior – porém, eu que não vou ficar reavivando esse tipo de coisa. Finjo que penso e lanço:

– Uma espinha dentro do nariz enquanto a pessoa está gripada? Olha, pode ser bem dolorido.

Recebo em troca uma expressão de “você não bate bem”.

Pois eu bato sim senhor, eu devia ter gravado uma conversa nossa anterior que ele dizia confiar no meu senso.

– Pense em algo pior, sim?

Dessa vez penso de verdade. Mas não largo o humor.

– Hum... Ter catapora com conjuntivite?

Nem preciso mencionar que ele revira os olhos pra mim, mesmo sendo contagiado pela graça.

– O Murilo pode te convencer rapidinho sobre o quanto isso pode ser ruim. Mas deixe-me pensar mais uma vez e... Já sei! Inventaram uma corrente e espalharam teu número de celular como responsável. É quase um plano peeeeerfeito.

Eu também leio jornais, viu, essas coisas acontecem. Mesmo.

Já Bruno não parece ser tão informado assim.

– Me lembre de não fazer você querer se vingar de mim.

– Vou anotar do lado do lembrete de não fazer amigo-da-onça.

– Anote. Mas sim... É só que discuti com a Dani hoje e... sei lá. É chato você saber como as coisas realmente funcionam e você ter que se passar por louco.

– Bem-vindo à minha vida.

– E, hey, como você tá? Depois desse rolo todo, digo.

– Me mantendo calada quanto a isso, e falante quanto a qualquer coisa. E a briga com a Dani?

– Por besteira. Antes da aula fui na biblioteca pra ver se já tinha um livro que tô atrás, e a Dani foi comigo. O Sávio tava lá. A gente só se cumprimentou rápido, eu pedi a informação pra atendente, a Dani já fez cara de quem não tava gostando e aí na hora de sair, topou com uma pilha de livros que tava do lado do Sávio e nem olhou pra trás. Fiquei e ajudei a reorganizar na bancada. Quando a reencontrei na porta, ela tava furiosa. Só porque eu decidi ajudar.

– Na cabeça dela, ele é um criminoso, você sabe.

– Sei. Mas não impede de me sentir mal com isso. A gente vai ter que engolir muita besteira, eu sei, juro, eu sei, e ainda assim dá uma puta raiva, cara.

– Hey, não fica assim, tá?

Bato ombro com ombro nele de volta e quero que isso dissipe rápido, pois vejo nossos amigos convergindo para nosso banquinho. Dou um toque de aviso ao Bruno e ele parece se recompor.

Gui chega com sua macarronada, o salgado de Flá e equilibrando um bolo para mim. Sua namorada é quem traz as bebidas. Outros colegas de turma chegam junto discutindo sobre alguma questão da matéria que tivemos aula há pouco e sentam próximo. Gui me entrega o bolo e começa a implicar de zoação:

– O que vocês estão conversando, hein? Sou ciumento.

– Tava aqui ensinando pro Pink uns truques pra driblar a professora Silvana que anda pressionando demais.

– Saio por cinco minutos e tu já arranja outro Pink?

– Na verdade foram mais de 10 minutos, mas quem está contanto, certo? Além do mais, você diz que não gosta de ser o Pink, tem quem queira, oras.

Pensei que o Bruno fosse brincar de roubar papéis, só que ele entra na zoeira é devolvendo o posto do Gui.

– Eu? Por mim fica com teu posto. Já basta o Murilo famoso no Japão.

Flá e Gui consertam uníssonos:

– É Coreia.

– Só pra constar – coisa que vocês sabem e não custa nada repetir – o Murilo adorou saber que tá famoso. Tá se achando o Homem-Aranha agora. Ou Super-Homem.

No dia que descobri não pude falar com meu maninho. Já no dia seguinte, mal acordei e fui me atirar em sua cama para contar a novidade. Murilo se dizia cansado, virava-se para dormir e pedia para eu quicar em qualquer outro lugar, que ele lavaria um banheiro se eu o deixasse em paz. Quase considerei em me aproveitar da situação, mas não, fui gentil de apenas o deixar apagadão e esperar quando estivesse mais desperto.

Noutra hora, quando saiu do quarto, eu praticamente ataquei ele, pulando em suas costas e anunciando que ele havia realizado um sonho: estava famoso internacionalmente. Achando que era brincadeira, ele perguntou como tinha dominado o Japão – o que as pessoas tem com o Japão, afinal? Existem outros países! – e eu esclareci ter sido a Coreia. Ambas Coreias na verdade.

Ao notar que eu tava falando serinho (até porque tinha provas concretas – ou online), que sim, estavam imitando ele ali na tela conforme lhe mostrava, Murilo ficou uns segundinhos paralisado e surpreso. Aí veio uma sucessão de “ai meu Deus” e risos descontrolados e, olha, ele não ficou nadinha de chateado. Fez foi comemorar – e começar a se achar. Recebi até beijo estalado na bochecha!

Aí, pronto, comecei a ficar paranoica, porque pro Murilo receber bem daquele jeito, devia ter coisa ali. Ainda sou meio desconfiada, então tô guardando essa comigo. Nunca se sabe quando aquela peste pode voltar a aprontar – mesmo que bem intencionado.

– Homem-aranha?

– É, porque os heróis têm essa fama e tal, e vivem duas vidas, sem poder revelar suas identidades secretas. Ou isso ou dá ruim pra eles. Aí meu mano dá seu jeito de curtir sua secreta fama.

– Vindo do Murilo, eu acredito.

Flávia brinca e não tem esse que discorde. É, nessa parte, até eu acredito, até porque Murilo não para de falar sobre isso ou fazer suspense quando não pode comentar sobre o vídeo. Ainda assim, não deixava de ser hilário.

Brincadeiras à parte, eu notava que o Bruno ora ficava distante, ora participativo na conversa. Ele procurava ao longe pela namorada que, dessa vez, não dera as caras no intervalo, e mesmo que isso possa significar qualquer coisa, sei o que ele pensa. Imagino o que cada um pense, na realidade.

Não é algo todos queiramos deixar claro, mas é algo que vamos ter de encontrar um meio para seguir em frente, sendo ignorantes ou não sobre a real situação. E ali mesmo constato que há mais gente sabendo do que eu mesma imaginava.

~;~

– O que foi isso?

– Isso o quê?

Mal entro no carro do namorado e ganho um beijo rápido seu, ganho também uma postura em alerta e um interrogatório. Dessa vez ele viera me buscar ao fim da aula.

Vini acena para a entrada da minha faculdade, onde, minutos antes, eu conversava brevemente com Acácio, aquele carinha da minha sala com quem tive certa birra um tempo atrás. Agora que as coisas tinham mudado de novo sobre as paradas da panelinha de André, eu sabia que ele tava no mesmo barco do Sávio. Ele tampouco merecia o quanto o destratei. Mas o que eu podia dizer? Vida dupla tem seu preço. Alto preço.

– Vocês dois ali... sei lá, você parecia... sem jeito? Não aprontou nada não, né?

– Ô namorado desconfiado. É só um colega de turma, a gente tá no mesmo grupo de um seminário e...

Vejo ao longe que Acácio acompanhava Sávio na calçada, conversando e penso por um segundo sobre como eu poderia nunca saber sobre essa bagaça toda. Nem me redimir. O tempo todo Acácio era outro que esteve do meu lado, e eu, assim como meus amigos, em total ignorância.

– E...?

– E aí que o Gui não gostou nadinha, porque somos eu, ele, esse colega e o Sávio. Adivinha quem vai ser a ponte?! E nem vem fazer aquela sua carinha, porque estamos nessa obrigados. Professor Max pode ser um palhaço a aula toda, mas na hora da ordem, o cara fica serinho. Pra você ver, Gui até tentou mudar de equipe e levou esporro.

Foi muito esquisito. Tipo, muito. Geral se assustou e ninguém deu um pio mais. Me chamem de noiada, massssssss... esse professor tava levantando suspeitas em meu conceito. Galere hoje tava dizendo que ele era bipolar. Porque, né, era o mais fácil de se imaginar. Se era, ainda tínhamos um semestre inteiro pra verificar; enquanto isso, o certo é ficar atenta. Até aquele sorriso apaixonante dele... já fiquei imune. Nem vejo mais graça. Há quem ainda se encontre derretida por ele, mas a mim, ah, não, a mim não engana não. Tem treta aí.

Ninguém muda da água pro vinho assim não. Ele que não venha se engraçar comigo de novo.

Gui se fazia de que não gostava do cara, de brincadeira, por causa daquela história de flertar em sala de aula e ele fingir ciuminho e tal. Depois desse episódio, ele ficou puto. Eu e a Flávia o seguramos discretamente, porque, sim, Aguinaldo queria revidar. Independente de ser justo ou não, aquela discussão poderia se estender e queimar ruim pro lado do meu amigo. Depois de todas aquelas brigas nossas, e de tudo que ele tava passando em casa, uma confusão na faculdade era o que ele menos precisava.

De um primeiro momento após sairmos da sala, Gui só quis ir embora. Eu não queria ter que mencionar o assunto do trabalho no momento, porém, tive, pelo menos para combinar conversas preliminares sobre o caso. Só que ao rever a expressão de meu melhor amigo, mandei a Flá levá-lo dali, que eu lidaria com os outros dois companheiros de grupo. Gui apenas bufou e disse nada mais.

Daí caminhei para a entrada junto com Sávio e Acácio. Pedi desculpas pelo comportamento de Gui e me contive em falar algo para Acácio sobre o que eu tinha descoberto recentemente. De qualquer forma, ele mesmo abriu o caso pra mim. Ao que parece, Sávio lhe atualizou sobre nossos papos. Ao chegar na portaria, pedi para Sávio um minuto e assim que fiquei sozinha com Acácio, agradeci por todo o apoio seu oferecido. Ele fez tanto sem pedir nada em troca. Não era mais um sujeito suspeito na minha cabeça. Pedi desculpas também por meu comportamento anterior com ele.

– Estamos de bem?

– Entendo que aquilo te ameaçava, então não tenho por que te julgar. Estamos de bem.

Ele afinal tinha ajudado Sávio a me defender de André. Quando teve o rolo da viagem, Acácio que tratou de colocar Sávio nos eixos. Ele também sabia do beijo. Tinha conhecimento de muita coisa mais, na verdade. Não eram exatamente amigos, já que só permaneceram juntos por terem a tal dívida com André, e aí, com a saída do bastardo de cena, não haveria mais razão para algo. Dava pra entender que eles não queriam mais ter nada a ver um com o outro por causa dessas merdas.

Ver as coisas claramente também tinha seu preço.

– Só porque ele pediu pra mudar de grupo?

– O professor disse que na vida real, no trabalho real, não se tem essas regalias. Sendo então uma disciplina sobre gestão, ele disse ser um bom exercício sobre a conexão relações pessoais e profissionais. Que não se escolhe com quem se vai trabalhar, o trabalho que chama as pessoas, e elas que se virem para manter a ordem e o progresso e... Embora tenha razão, ele não precisava ser grosso daquele jeito. Acho que tá todo mundo até agora espantado.

Uma coisa é orientar seu aluno, outra é... Outra é ter um ataque por isso e descontar assim, sem mais nem menos, num desavisado.

– Que sacana! Não foi esse que substituiu minha mãe?

– Ele mesmo.

Logo que passo o cinto de segurança por meu dorso e enfim relaxo na poltrona, eu não ligo mais pra isso. Na verdade, quero zerar o dia e apenas me deitar. Melhor, me desmantelar toda na minha caminha. Se é que chego na minha cama a tempo, era capaz de deitar no chão da sala. Enquanto não chegava em casa, o movimento do carro começava as preliminares de um bom descanso. Vini manobra o carro para a avenida, já não tão movimentada pelo horário, e ali, com um sonzinho baixo de qualquer música de seu pendrive, era como se todo o cansaço do dia me derretesse por completo.

– Como está seu pé?

– Melhor. Fiz bastante alongamentos pra exercitar bem.

– E você tá melhor?

– Se for pelo sono, te juro que hoje durmo que nem pedra.

– Não, é que você disse que não tava se sentindo legal ontem... Só estou checando. Talvez essas jornadas de trabalho e faculdade estejam te sugando demais.

Oh. Aquela pequena lembrança de minha mentirinha que me faz abrir o olho de repente para o painel do carro a minha frente. Ainda bem que Vini está bem centrado na direção e o carro escuro, porque do jeito que estou, eu mal tenho forças para dar mais camada a essa bola de neve. Bocejo. E embromo. Se o melhor é não entrar nesse assunto, que eu ao menos mude o tópico – ou colocar ele no tópico.

– Você ainda parece inteiro depois de uma jornada dessas.

– Isso quer dizer que você ainda tem algum mal-estar? Não me olha assim, Lena, você quer fugir do assunto. Te conheço, bonitinha.

Adoro quando ele me chama de bonitinha, nem que seja pra me repreender. Sorrio boba, mas acabo revirando os olhos.

– Como você sabe que tô te olhando? Tá escuro.

– Eu sei, senti que você virou pra mim.

– Tá sensitivo demais, hein. Pode sentir o que estou fazendo agora?

– Tá tentando me enrolar.

– Não, eu tava me esparramando na poltrona.

Mais um pouco e eu chegaria no tapete do carro.

– Pra tentar me enrolar.

– Eu tô bem, Vini. Isso é só canseira usual, nada demais.

– Sei. Me falaria se estivesse ruim?

– Claro que falaria. E você?

– Claro que falaria. Quando não fal...? Não responde.

– E ainda assim desconfiam de minha credibilidade. Vida difícil.


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Notas finais do capítulo

E aí, vale ou não vale a pena essa nova bola de neve?



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