Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 41
Capítulo 40


Notas iniciais do capítulo

Alguém vai aprontar...
Alguém vai brigar...
Alguém vai revelar...
Alguém vai discutir...

Tô zoando. Ou não.
Leiam, leiam!

Enjoy!



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Eu olhava através do vidro antes de entrar na loja. Havia uma cortina bege em promoção e era linda. Eu nem usava cortina, meu quarto não precisava, mas aquela bem que me chama a atenção. Assim como a voz do Murilo essa manhã quando pedi o cartão dele, ela ressoou na minha cabeça. Ele nem estranhou o fato de eu pedir o seu cartão – já que o meu já não tinha dindim para muita despesa depois daquela minha ideia genial de pagar um hacker – só deixou claro que era para compras essencialmente de casa e NECESSÁRIAS, ai de mim se ele encontrasse um vestido ou coisa do tipo na fatura. Uma cortina não era bem um vestido, e era coisa de casa, mas sobre necessidade... isso já não era. Então foquei-me no tapete, localizado no departamento mais a fundo na loja. Não dava para ver direito da vitrine, eu teria que entrar.

E teria que empurrar o zumbi ao meu lado também.

– Me explica de novo porque são 9h30 da manhã de um sábado e estou aqui no shopping contigo.

Passo um braço pelos ombros de minha melhor amiga emburrada e de braços cruzados e vou a conduzindo, fazendo com que caminhe comigo em direção daqueles tapetes. O lá de casa estava bem velhinho, na hora de trocar mesmo. Com todo aquele caco de vidro que grudou nele depois da zona que Murilo fez dentro de casa em outras ocasiões, foi melhor jogar fora do que mandar limpá-lo.

– Abre o olho, Flávia, ânimo, mulher. Salvei tua pele.

Salvei mesmo, aquela tia dela estava a cada dia mais metida e infernizando a vida de minha amiga. A mulher não queria era ir embora, tirou semanas (ninguém realmente sabe quantas) de férias e inventou de cair logo na casa de Flávia, com tanto parente por aí. Tava implicando até com o Pedro, cunhado de Flá, que morava lá. E justamente por isso. Quanto mais horas Flá passava em casa, a tia torrava o saco e queria dar conta de tudo o que o povo fazia. Então eu disse pra Flá acordar cedo, que o shopping abriria 9h da manhã e eu tinha umas compras pra fazer. Aproveitamos uma carona de meu mano.

– Aff, tô com muito sono pra isso.

– Então a noite ontem foi boa, hein?

Brinco, dando a entender “aquilo”, ao que Flá parece emburrar mais com essa menção, então pergunto outra coisa sobre seu relacionamento pra amenizar. Às vezes eu trazia a questão para o Gui, mas não era sempre que ele dava muitos detalhes.

– Como está meu casal 20 mesmo?

– Você vai enfatizar esses créditos até o fim da vida, né?

– Bem capaz. Mas como vocês estão? Sério.

Um pouco mais disposta, Flá sorri – ela pensa que não vejo! – e dá de ombros.

– Estamos bem. Nada pegou fogo ainda.

Acabo fazendo menção novamente à intimidade dos dois. Em minha defesa, foi ela quem começou!

Ainda? Já quer desarmar meu melhor amigo, dona Flávia?

De qualquer forma, ela toma isso como uma forma de pilhá-la.

– Miiii! Para de coisa, você sabe do que tô falando. Não houve nenhum ataque por parte dos pais deles. Não que tenhamos ficado cara a cara até então, mas... num sei. Às vezes o Gui me fala que a mãe anda estranha, que ela aceitou minha ida ao tal casamento com eles e... Humf, pelo menos vou ter mesa pra fugir se a coisa toda pesar.

– Ai dela se tentar alguma coisa contra você de novo, ai dela!

– Tem hora que também não acredito que você deu na cara dela. E na de Bruno! Cara, ele foi muito cretino mesmo.

Na outra noite, Flá dormiu mesmo na minha casa, ficamos conversando um bom tempo antes de dormir e contei o que tinha sido o caso da viagem, em que bati na face de Bruno pelo que ele havia feito a Dani numa festa que fomos. Eu devia ter feito o mesmo com Sávio, foi o que falei a Gui na noite passada. Não tive como fazer basicamente. Eu não sentia dor por aquele ato de Sávio ao bar, então assumi que não me machucara, contudo, ele havia me magoado.

– O que importa é que não haverá ataque deles.

– Espero que não.

– E do Gui?

– Mas tu tá atirada hoje, hein!

Brincalhona, aproveito que falamos de ataque e volto novamente ao ponto que ela ignorava. Presumia eu que devia ser ainda um caso complicado para os dois, não bem por Flá ser virgem – já o Gui, bom, eu nunca perguntei pra saber – mas por o relacionamento deles ser instável, ela não se sentia pronta para um passo daqueles. Só sei que ele não forçava nada com ela, passaram uma noite juntos e foi apenas para dormir mesmo. Nas palavras dela, que me lembre, foi maravilhoso e se sentiu bastante segura. Isso até a vaca da mãe dele os pegar juntos na cama e foi aquele barraco todo.

Depois disso eles não tiveram muito tempo para conversar, imagino, mas já que toquei nesse assunto, gostaria de saber como estava a cabecinha de minha amiga, o que lhe preocupava. Se era isso mesmo ou que outra coisa mais. Enquanto isso, a gente conversava e eu nem sabia para onde ia, só íamos andando meio a esmo até quem sabe, encontrar a seção que eu tinha visto pela vitrine.

– Fala a garota que tava para roubar a senha do Vini pra ir no casório. E disposta a dizer na cara dele.

– De qualquer forma, ainda não conversamos.

Por um momento sou lerda de entender que ela não tinha conversado com Vini.

– Vini te perdoaria de boa que eu sei.

Flávia ri e faz um facepalm, já mais descontraída e não tão emburrada.

– Não, sua tonta. A conversa... com Gui.

– Ah tá.

Aí ela para e me faz parar junto perto de umas prateleiras de materiais de cozinha. A loja era enorme e daquelas de vários departamentos, cheia de placas pra nos orientar, e ainda assim eu me sentia perdida, já que não era comum eu andar por ali. Com certo embaraço e riso, brincando com a alça de sua bolsa, Flá fala sério:

– Ele... ele é muito cuidadoso.

– Se é isso o que você quer e precisa no momento, então tá de boa.

Bato meu ombro no dela, que parece tomar isso de outro jeito. Um pouco alarmada, mas ainda brincalhona, ela me provoca.

– O que quer dizer, sua devassa?

– Hey, devassa não. Só digo isso porque acho que quando a pessoa tá pronta, ser cuidadoso só atrapalha.

Ela entende onde quero chegar, um pouco surpresa.

– Vini era... seguro... assim?

– Ainda é, afora uns papos que tenta passar em mim. Mas sem preocupações, certo? Vocês ainda têm muito pra curtir.

Mais segura, Flá me sorri:

– Bom, isso eu posso garantir.

Não resisto, solto um sonoro “awn” que a deixa mais boba.

Conforme vamos andando – leia-se arrastando Flávia pela loja – ela ia me contando, aos bocejos, o porquê de estar cansada. Passou boa parte do dia anterior ajudando a irmã e o cunhado nos preparativos de atividades de férias em que a instituição onde ele trabalha inventou, e aguentando a tia, claro. Como Gui e eu ficamos presos na empresa, ele já chegou tarde na casa dela.

Flávia o notou um pouco disperso, ele embromou que era estresse.

Mas de verdade? Eu sabia daquilo. Gui não tava legal na noite passada, tivemos uma DR daquelas e ele ainda se sentia péssimo quando me deixou em casa. Entre a decepção e a zanga, eu não sabia qual era o pior. A chuva dera trégua por um tempo, caiu tempestuosamente foi a madrugada toda. Teve trovões e tudo, amenos, porém. Murilo ficou comigo, e Vini, ao viva-voz do celular. Eu teimava com ele para que dormisse, já que estava tudo bem, que ele precisaria acordar cedo para o trabalho, mas ele insistia em ficar comigo durante a crise. Foi uma crise fraca, então logo apaguei e isso não interferiu muito no meu sono. Sentia pouco, não nível Flávia.

Pedi a Gui que ela soubesse daquele nosso papo por mim. Ele mesmo não havia abordado com a namorada por consideração, não queria o fazer não antes de ter conversado comigo sobre aquele seu encontro com Sávio. Como ele tinha estado ocupado, só rolou mesmo ontem. Eu esperava então uma boa oportunidade.

Vou selecionando primeiro os tapetes pelas cores que achava mais interessante e imagino que as mesinhas de sala de estar deveriam estar no pavimento de cima da loja, não dava pra olhar direito. Até parei no meio do departamento e fiquei observando mais ou menos a parte de cima, para ter certeza de que ficava por lá. Nenhum funcionário havia aparecido para nos atender ainda.

– Por que tu não arrastou o Murilo mesmo?

Flávia tava um pouco lenta. Eu falava uma coisa dada hora e era o mesmo que nada, se ela não absorvia bem a informação. Não dava para conversar sério com ela. Tadinha, estava mesmo com sono, mas se estivesse em casa, sua tia estaria revirando tudo, já que tinha se oferecido para ajudar o pai de Flá a arrumar o escritório da casa e a essa hora devia tá uma zona. A tia doida iria atrapalhar o sono de beleza de minha amiga do mesmo jeito.

– Sabe como os horários dele são tudo maluco. De tempos em tempos ele muda. Ou departamento muda. Além do mais, se dependesse do meu irmão, ele levaria aquele vaso bem ali. Eu não confio muito nos critérios daquela criatura. E precisamos trocar a mesinha da sala, pelo menos ele não quebrou a grande. Ah, e o telefone! Os porta-retratos de nossa família também. E o tapete.

O vaso que apontei era bem horrível, já meu irmão provavelmente acharia legal. A gente acostumou ter muito vaso em casa porque fazia parte da tradição de mamãe, da sua família que mal pudemos conhecer. Basicamente se resumia a uns tios espalhados pelo mundo (mamãe não era ligada a eles, que só apareciam de vez em nunca), e, quanto a nossos avós, eles morreram um tempo depois de o Murilo nascer. Mamãe passou a vida contando em como seus pais acreditavam que ter vários vasos atraía a prosperidade. Eu era um pouco cética quanto a isso, mas também não iria mudar uma coisa tão antiga, só respeitava aquela crença. Agora praticamente estávamos sem vaso.

Mamãe podia estar longe, mas ainda tinha dona Bia para dar conta deles. Um dia desses mesmo estava eu e Murilo tomando café da manhã na mesa da cozinha, eu pensando longe, foquei em qualquer ponto da sala e aí vi, perto da entrada da cozinha.

– Mu?

– Hum?

– Acho que dona Bia vai nos matar.

– Por quê?

Apontei e Murilo se virou.

– O vaso, o único que sobrou... Olha, tá trincado.

Então ou a gente comprava novos ou mamãe não só nos mataria como faria uma grande questão sobre o desaparecimento repentino deles. Não dava pra arriscar. Ficaria mais na cara a falta que as substituições.

– O quanto a gente ainda vai peamburnar para... achar isso tudo?

Flávia fala entre bocejos e seu perambular saiu de um jeito tão engraçado e penoso que me compadeço dela, que olhava de um lado para o outro e, realmente, não captava muita coisa. Eu poderia deixá-la na seção de quartos ou sala para que ela se encostasse numa cama ou sofá, cogito. Dou uma checada rápida ao redor e vejo uma placa que indica que a parte do quarto ficava lá em cima e que as de sala mais a fundo na loja, porém naquele mesmo pavimento. Ao longe vi os funcionários saindo de uma sala. Era cedo, talvez por isso demoravam a vir atender, a loja mal tinha sido aberta quando entramos.

Conduzo Flá para a área dos sofás, ela parece mais contente, digo para que me esperasse. Poderia assim ela tirar um cochilo enquanto eu resolvia boa parte do negócio, assim deixo-a numa seção que era mais escondida, de modo a não atrair atenção ademais. Antes de ir, apenas prometo não demorar muito. Levo a bolsa dela em meu braço pra todo caso e saio em busca de um atendente.

Achei ser uma ideia brilhante ao tempo.

Achei.

~;~

– Agora, sério, tenho uma pra te contar.

– Eu vou gostar?

De repente todo mundo pegou essa mania de “eu vou gostar?” quando digo que tenho algo para contar. No começo era engraçado, agora já tá ficando chato. Mas é a Flávia, vou dar um desconto porque ela diz estar chateada comigo pelo que houve na loja.

– Maldade, pura maldade!

Foi o que a Flávia exclamou, tentando pegar meu celular enquanto corríamos pela sua sala.

– Não, isso se chama esperteza. Ouro por ouro. O Gui ainda tem aquele meu vídeo, nem vem dizer que não! E se você pensar bem, ele fez quase a mesma coisa comigo e não com boas intenções. Sou tão vítima quanto você.

O caso é que Flávia apagou mesmo no sofá da loja. Não foi apenas constrangedor para ela não, fui chamada quando tava no caixa pra rebocar a doida de lá, porque alguns clientes já a tinham denunciado. Estava eu finalizando a compra quando uma vendedora se materializou silenciosamente ao meu lado, me sorriu gentil, embora sem graça, e perguntou se eu já tinha acabado. Fiz que sim, ela me pediu para acompanhá-la. Segui a mulher e meu coração palpitou em risos quando ela nos direcionou para o lugar onde deixei Flávia.

– Essa garota estava com você, não estava?

Céus, fazia um BOM tempo que eu não ria tanto! Ria constrangida, mas ainda assim. Claro que tirei fotos, a atendente só me olhando. Aposto também que ela se segurava. Antes mesmo de acordar a dorminhoca, mandei os arquivos pro meu e-mail para o caso de Flá querer sumir com elas – o que ela tentou quando soube dessas cópias – mesmo sabendo o valor grande que ela teria em minhas mãos. Poxa, o Gui nunca apagou aquele meu vídeo da teoria do ketchup no carro dele, era justo eu trocar ouro por ouro. Ele fez o vídeo de sacanagem comigo, já eu, tirei as fotos apenas por lembrança, não premeditação. Mas a Flávia queria entender isso? Nãaaaao.

Na sua sala, o sofá entre nós disputando, ela jogou baixo:

– Você faria isso comigo? Sua MELHOR AMIGA?

Pra atazanar mais ela, argumentei sobre o Murilo, sobre aquele vídeo seu que até hoje roda por aí nas profundezas da internet. No outro dia eu chequei os viewers e aquele número ela ainda é absurdo pra mim. Capaz de o mundo todo ter visto mesmo, só não sei se fez sucesso no Japão, como ele costumava dizer.

– Fiz com o Murilo. Conta?

Flávia grunhiu e chamou a atenção da sua irmã, que despontava pelo corredor. Logo sua mãe apareceu e apenas agradecemos aos céus de sua tia ter saído àquela hora. Aí sim Flá nunca me perdoaria.

– Foi tudo culpa sua, que vergonha me fez passar!

– Eu? Eu disse um cochilo, tu que deitou à boa vontade e apagou lá.

Ela insistia, enquanto íamos para seu quarto:

– Te dei casa, comida e roupa lavada. Literalmente. E olha o que tu faz comigo.

Além do mico da loja, me culpava por sem querer ter espalhado para sua família (menos a tia chata) que ela havia DORMIDO no sofá da primeira loja em que entramos essa manhã. Ficamos um bom tempo ainda depois do almoço discutindo o que eu faria com as fotos que tirei.

Já mais consciente (ou acordada?), Flávia se fazia de zangada para eu entregar as fotos. Realmente, ela havia me dado casa, comida (almoço) e roupa lavada emprestada, e eu agradecia com risos e palhaçadas. No seu quarto, ela me deixou de castigo no chão, não permitia que eu chegasse perto de sua cama. Só me deu um urso dela de pelúcia e olha lá, porque ela era boa pessoa demais pra me deixar ao relento.

– É sobre o Gui.

– Aconteceu alguma coisa?

– Bom... sim.

Começo do começo, pontuo cada coisa sobre a conversa com Aguinaldo no dia anterior, até mesmo a história sobre o apartamento que ele quer alugar, ao que ela disse saber por alto também. Expliquei que ele esperava conversar comigo primeiro e eu que pedi para contar aquilo a ela. Quando perpassei pela parte de André, ela ralhou comigo.

– Eu sabia! Eu sabia que tinha rolado algo com vocês.

– Epa, epa, rolou NADA entre a gente!

– Não isso, Lena, digo que devia ter um bom motivo pra ele viver te enchendo, André não faria aquilo de graça. Mas você sempre negou.

– Ah tá, porque tu entregou fácil que tinha ficado com ele, né?

Ok, essa eu faltei dar na minha própria cara, porque me arrependi do que soltei no segundo que saiu. Flávia ficou super indignada. Não era para menos.

– Porra, Mi, não fica lembrando. Foi uma das coisas de que mais me arrependo, também não joga na cara.

– Desculpa.

– Eu sei. Como eu escondia essa info, eu imaginava que você tinha algo mais ou menos assim. Naquele dia em que contei, que a Dani também tava, ela admitiu junto. Esperei que você admitisse, e então, nada... Caramba, eu faltei te chacoalhar e você nem percebeu.

De braços cruzados e nem me olhando, ela ficou lá, sentada no encosto da cama, e se não fosse pelo assunto que eu tratava, era provável que ela ignorasse minha existência.

– Desculpa. Mesmo.

Mas foi quando cheguei na parte sobre o Sávio, o que rolou na viagem e sobre a briga que teve entre ele e Aguinaldo que Flávia quase gritou comigo. Porque, dentre essas coisas, não havia lhe contado que Gui tinha tomado atitude ainda na viagem e parecia que eu tava escondendo aquilo dela.

– Bom, isso eu achei que ele teria comentado com você ainda lá, porque tu também tava o raio de desconfiada de mim.

– E não sem razão! Tu tava tão tão TÃO estranha que era capaz de Luciano, o cara mais lerdo da recepção lá da faculdade, perceber!

Juro que eu quis defendê-lo e dizer que era um dos caras de uma percepção diferenciada, mas aí entregaria bastante coisa que não competia à conversa ou à hora. Ela só ficaria mais chateada.

– Quando a gente tava no parque de diversões, que conversei com o Gui sobre as desconfianças do Vini, ele ficou um pouco incerto, achou que eram só ciúmes do Vini mesmo, aí eu perguntei, se fosse com a gente, se ele ficaria ou não suspeito se eu me comportasse como vocês estavam, muito juntos. Ponderando e observando mais, ele concordou.

Lembro mesmo de Flávia ter comentado algo do tipo quando a gente chegou no quarto de hotel após o passeio.

Mas essa que ela solta, em complemento, eu não tava sabendo não!

– Aí ele me confessou que Vini tinha pedido mesmo pra ficar de olho em ti, que tinha lá suas suspeitas e receios, Vini quis se assegurar de alg...

– Peraí, isso ninguém me disse! Eu arranquei do Gui que tinha sido o Murilo quem tinha pedido.

– Foram os dois, Mi. Sinto muito, era mesmo uma rede de proteção, mas, de verdade? Vendo agora, ao tempo era necessário.

Cabisbaixa, eu me recolhi um pouco. Foi, de fato, uma época muito difícil. Nem eu sei dizer onde que eu estava com a cabeça, quem era aquela Milena, o que eu pensava, o porquê disso, só sei que... me fragilizei muito nessa situação. E ainda tô pagando esse preço. Em todos os caixas, pelo jeito.

– Mas o Vini... Do Murilo eu esperava, não do Vini.

Mais amena, Flávia veio com seu ar de compreensão, embora não me permitisse ainda chegar perto, de modo que eu continuava no chão, ao lado da cama, e ela, sentada na cama, ora encostada, ora apenas com pernas e braços cruzados.

– Ele estava bem inseguro, não? Dá um desconto. Vai ver ainda fica inseguro de comentar isso com você. Quer dizer, super entendo ele. Sua cabeça não tava na lugar, Mi, e ele provavelmente não queria provocar alguma discussão.

– É, eu sei. Ainda assim, eu só... não esperava. Por ele pedir isso ao Gui.

– Bom, ele pediu. Lembro que depois daquele caso da praia percebi o Gui um pouco estranho, mas com o que tinha acontecido com nosso ônibus, do ladrão ter invadido, os meninos terem partido pra cima, você perdida na estrada, apenas achei que ele estivesse assustado. Também guardei as coisas pra mim, imaginando não sei o quê. Deveria ter alguma explicação, eu só não tava ligando os pontos.

Brincando sem razão com a orelha do urso de pelúcia que tinha ao colo, mais uma vez cabisbaixa, embora alternasse meu foco de visão também para onde ela estava, fiquei a murmurar e lembrar das cenas da viagem, como Gui tinha me abordado, como eu tava tão nervosa, e como eu preferi não dizer nada.

– Aquele fim de viagem foi bem sufocante. Mas, juro, achei que você soubesse dessa abordagem do Gui lá no hospital. Até então eu não sabia bem o que ele tinha visto ou ouvido, mas ele buscou respostas. E eu menti... e... o quê? Que foi?

Flávia se mostrava então furiosa, a expressão trincada, daquelas que se fecha os olhos e parece contar até 10 para não atirar em alguém. Eu no caso. Com um aperto à ponte de seu nariz, minha amiga se segurava mesmo.

– Essa sua mania de nos colocar em PÉSSIMA posição.

– Como assim?

– No outro dia que o Gui te deserdou, eu discuti com ele, reclamando que você não tava numa época boa para que ele brigasse com você, e achei isso super errado da parte dele, mas aí, novamente, você vem com uma nova bomba e acho que sinto o mesmo que ele.

Abraço meus joelhos, envergonhada por aquilo. Já Flávia, bom, ela meio que explode. Isso dentro dos limites, claro, pois não podíamos gritar se tinha gente em casa e chamar alarde daquele jeito. Inquieta, ela deu um pulo da cama e jogou um monte de verdades para mim.

– Revolta?

– Mais que revolta, Mi! Não é a melhor sensação, te garanto. Parece que não confia na gente. Tem hora mesmo que não confia. E não vem com essa de “agora eu tô contando”, porque, olha, esse “agora” demorou, viu? Muito! Eu SEI que não devia tá te puxando a orelha, não desse jeito, mas, caramba, eu quero... argh, eu quer... eu nem sei o que quero!

Ela detinha as mãos como garras balançando juntas à frente de seu corpo e força nelas, como se pudesse mesmo me trucidar e aí desiste, vendo que não valia a pena e larga o braço pra cima, que cai logo depois sobre as dianteiras, cansada daquela situação. Eu via que Flávia lutava para não ser tão dura comigo, mas, ainda assim, as coisas escapavam de seu controle.

Assim como escapavam do meu.

Era um pouco pesado ver aquilo, como se ela estivesse a ponto de desistir mesmo de mim. Uma urgência ardeu ao meu peito, por lembrar da vez que o Murilo me deu as costas e nada do que eu fizesse era o bastante. Então vestida de minha culpa, desatei a tentar melhorar pelo menos, porque eu não aguentaria o tranco se ela fizesse mesmo isso. Se a Flávia deixasse de estar por mim. Eu engoliria um tubo de ketchup inteiro por ela sem reclamar se isso significasse sacrifício suficiente pra provar que eu merecia pelo menos um pouco de misericórdia.

De costas, ela ficou com os braços firmes e cruzados ao peito, meio que perambulando, meio que só passando o peso do corpo de uma perna para outra, não conseguindo mais me encarar. Eu via o quanto ela puxava o ar, levantava a cabeça e novamente se segurava de falar de algo mais. Aí sim eu levantei, mas deixei que ficasse aquela distância entre nós mesmo. Me sentia quebrada demais para ir até ela e possivelmente ser rejeitada.

Acabei demonstrando isso com minha voz mesmo, queimando suas costas tensas com meu olhar difuso.

– Eu ODEIO estar na minha posição tanto quanto colocá-la nessa, te juro. O Gui mesmo, ele não diz, mas vejo que ele ainda tá magoado. Eu fugi dessa mágoa por muito e tô agora aqui, abriiiindo m-meu coraçã-ão d-devagar, porque TÁ doendo e vai doer cada vez mais até tudo sarar. Eu sei que não sou das pessoas mais certas, mas... m-mas já não quero ser tão errada assim, ok? Pode me odiar, eu não julgo. Só não me deserda, por favor. E-eu... Eu preciso de vocês.

Sussurrei a última parte porque foi daqueles momentos que soa epifania, mas era só uma verdade que eu demorava a admitir, estava sempre cá comigo, eu não ignorava. Ceder nunca foi fácil pra mim. A declaração por toda, no entanto, foi minha entrega, minha mostra de fragilização e um pedido gritado de perdão. Isso tocou minha amiga.

Ela se virou e eu lutei para não chorar, mas logo vi que eu já tava chorando mesmo, uns espasmos forçando a barra de sair de mim e eu engolindo não sei por quê. Cocei os olhos e tão logo senti meu corpo ser abraçado pelo dela, que também cedia agora. Flávia me apertou e me soltou, segurando-me então pelas mãos, puxou-me para sentar na ponta da cama.

– Ai, Mi, não chora que eu choro t-também.

– Eu só...

– Te ver assim me quebra. Nunca imaginei que te veria dessa forma. Sempre tão pra cima, determinada... A verdade é que todos falhamos. Falha de um pela falha do outro. Acho que estou me odiando um pouquinho também. Desculpa. Hein? Desculpa se exagerei.

– Você tá no seu direito, Flá. Eu que sou suspeita de tudo, eu quem não faço as coisas direito.

– Tá sendo bem difícil, eu sei. Acho que tá todo mundo forçando a barra ou querendo não forçar, não é mesmo? Dói bastante na gente também. Mas vai passar. Eventualmente. Vai passar.

Flávia me confortava segurando-me pelo ombro e sondando-me, pois eu não a encarava. Havia tantas coisas agora que eu tinha medo de pedir uma pausa para respirar e todos pensarem que era algum tipo de fuga.

– Eu realmente preciso de vocês.

Minha amiga dá um longo suspiro.

– Eu sei. Te juro que também tento pensar no teu lado. É só que... era um teatro muito muito bom, sabe? A gente vai ficar desconfiado por um tempo, mas vamos reencontrar nosso ritmo. Nesse meio tempo... bom, aguente-nos um pouquinho.

Flá esboça um sorrisinho fraco. Eu? Eu deixo minha máscara cair e não me importo por ela ficar ao chão, pois estava decidida a encarar Flávia de volta.

– Acho que posso fazer isso.

– Acha que pode apagar aquelas fotos?

Rio um pouco, passo a mão aos olhos e por esses breves segundos tive em mente isso de ritmo que ela citou. Era muito para pedir-me, mas ela não desistia. Assim como também não desistia de mim.

– Acho que não posso fazer isso.

Flávia não fica chateada, só assente, uma expressão daquelas de que ela voltaria a tocar no assunto e voltaria, justamente porque, era nossa forma de procurar esse mesmo ritmo, essa confiança.


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Notas finais do capítulo

Outro dia levei um puxão da orelha de uma amiga que logo lembrei desse cap e da Flávia. Tem hora que eu e Milena damos de encontro até nas besteiras que fazemos hahaha Mas ela apronta mais que eu, entrego logo! *Leninha me olha de cara feia*
*me olha de cara mais feia por chamá-la de Leninha*



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