Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 38
Capítulo 37


Notas iniciais do capítulo

Hj é dia nacional do escritor e quem é mimado são vcs, pelo jeito, hein.

Btw, BEM-VINDOS NOVOS LEITORES :) ~se chegaram até aqui, é pq MoE chegou e fincou no coração de vocês~ E thanks pela leitura de todos!

Vai aí um cap. especial e que me deu mto orgulho de certa criaturinha.

Bora ver se vocês adivinham...

Enjoy!



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Trilha indicada: Banda Veja – Nossa Canção

Olha aqui

Preste atenção

Essa é a nossa canção

Vou cantá-la seja aonde for

Para nunca esquecer

O nosso amor

Assinto para Bruno um pouco mais a minha frente, que parecia dizer a sua parceira de dança algo contra o que ela queria. Talvez se destituir do acordo?

Sim, acordo.

Não se sabe os pormenores do trato, só o que Bruno deixou a Dani revelar. Que ela não iria cantar em público aberto para provar alguma coisa que combinaram e... Bom, a Dani recebeu um recado do dono do barzinho para ela subir ao pequeno palco arranjado. Ela mal urrou de felicitação para logo depois se cortar e perguntar ao namorado se valia. Porque né, não é todo dia que se tá de boa tomando umas com os amigos num bar e o dono manda uma notinha pelo garçom com o convite de cantar ao vivo. E de ser reconhecida na nota como “a garota do ônibus que canta MARAVILHOSAMENTE bem”. Foi delicado da parte do dono escrever isso.

Mas não foi delicada a expressão que Bruno fez quando ela pediu pra furar o acordo só aquela vez e ficou aquele impasse. O garçom esperava a resposta enquanto tomava anotações sobre a mesa do lado e aí Flávia sugeriu, brincando, que se não dava para cantar, que dançasse então.

Então concordamos todos em levantar e dar essa moral pra Daniela, ela respondeu ao garçom que, apesar de não poder cantar ao momento, que iria dançar perto do palco e incitar outros casais a levantar também. Bruno foi relutante de aceitar, até que vendo que até Gui e Vini estavam de pé, ele cedeu. Não deu metade de uma música da Cássia Eller e mais três casais se juntaram a nós. Nosso jeitinho de agradecer ao convite estava rendendo.

O que eu queria era (poder) dizer ao Bruno era que Dani era daquele jeito, não havia maneira de mudá-la, nem com um acordo. Que ele devia saber quem é a pessoa com quem namora. Foi assim que ele cedeu aos encantos dela, poxa! Mas só deu para lhe fitar intensamente e assentir como que falando por telepatia que não era para implicar, o que, ao longe, parecia. Acho que ele saca, pois termina por assentir também e fez cara de quem tava aceitando novas regras para o acordo que Dani devia estar propondo a ele.

Outra música romântica rolava, ainda que fosse de um contexto um pouco triste, os versos contavam de um amor que ia e não voltava mais. A vocalista não tinha a voz da Dani, mas era muito boa também. Ora eu me centrava na voz dela, ora ficava pouco distraída mesmo, abraçada ao pescoço de Vinícius, que me rodeava o dorso com seus braços fortes e me conduzia um pouco com passos leves. Assim que me desenrosquei mais e quase deitei a cabeça ao ombro do namorado com um suspiro, ele interrompeu-me os pensamentos:

– Mi?

– Hum?

– Você tá quieta.

– Eu sei.

Trilha citada/indicada: Cachorro Grande – Sinceramente

O braço dele deslizou de meu dorso e suas mãos me seguraram pela cintura, pausando um pouco a dança já lenta e quis saber. No meu rosto se traça um sorrisinho mínimo por achar certa ironia por começar a tocar Sinceramente do Cachorro Grande. Por mim e pelo Bruno também, em uma vez que a Dani tentou o dobrar com essa música. Dessa vez de vocalista era um cara.

– No que está pensando?

– No sonho americano e em como ele nos tapeia por anos.

– Hum? Sonho americ...?

– Os filmes propagam as danças leves para bailes e nos faz desejar uma casa na árvore por anos a fio em nossa infância. A gente compra essa ideia tão fácil.

Era verdade.

Era verdade que a cultura americana vendia todo um ideal para o resto do mundo e era verdade que eu pensava sobre isso. Na minha formatura do ensino médio rolou bagaça “tradicional” de pancadão, forró e pop music. Dancei pouco. Sempre imaginei que seria como nos filmes, em que estaria com alguém que eu gostasse, beberia ponche e teríamos uma dança de música lenta que o dj prepararia. Naquela época teria dançado com o Eric. Isso se meu mano parasse de bufar para ele. Mas teria sido bom, imagino.

Não pensava em Eric ou no “ano não dourado” faz um tempo. Espero que ele esteja bem e que as coisas estejam se acertando. Uma hora dessas ainda o procurarei só para me certificar.

Para Vini, no plano real, o que eu respondo representa uma viagem e uma que ele não entendia. Devia tá achando que errei de copo na mesa e tomei alguma, né.

– Mi... onde você quer chegar com isso?

– Eu? Em nada.

Dou de ombros, relaxada. Ele, por outro lado, sinto-o tenso e um pouco desconfiado. Tão logo fica também desconcertado.

– Mas...?

– Foi você que perguntou no que eu pensava.

– Achei que... Bom, que... O que falei...

Sem ter muito o que dizer ou como explicar o que era aquela sua dúvida, senão, sua tensão, me desgarro de seu corpo e daquele seu perfume que me rondava as narinas, e foco no seu olhar, então movendo-me para alcançá-lo. Acarinho sua mandíbula e espero que destrave sob o meu toque. É bom sentir arranhar um pouco pela barba que começava a crescer. Meu Vini não é bem daqueles dotados de muito pelo ao rosto, que ele propagava como bundinha de nenê, e eu perguntava se era apertar.

Quase me deixo distrair novamente.

– Já tá tudo explicado. Faz sentido. O que quer que eu diga?

– Não houve tempo para você emitir uma opinião.

Verdade. Após todo seu monólogo, logo o garçom surgiu com aquele bilhete e ninguém teve tempo para uma reação ou uma resposta. Aquilo simplesmente tapou o silêncio que detinha na mesa pelo momento que se deu, com Vini desabafando sobre como as coisas tinham acontecido enfim.

– Naquele dia, eu tive que resolver uns pepinos fora da empresa, tava um pouco distraído. Aí imagina minha cara quando Filipe me liga. O fato é, geralmente quando ele me liga, eu não atendo. Só que como tinha acabado de atender um cliente e achei que tivesse alguma dúvida mais, quando meu celular tocou, nem olhei meu visor. Aí não teve jeito.

Agora nossos amigos tinham noção de qual era da pressão do caso, pelo menos quanto a algumas de minhas preocupações. Com as referências certas, ajudei Vini a contar a história sobre sua família. Tava mais pra desatar nós que outra coisa de tanto que aquilo era complicado, pois minha opinião era mais objetiva que a dele quando se tratava de explicar as coisas. Isso desde aquele dia em que Bruno nos ajudou na avenida até basicamente o seu aniversário. Aquele quase desastroso aniversário.

– A ligação tava um pouco ruim, Filipe disparou tudo rápido demais, eu ia desligar, mas aí ele falou duas coisas que me paralisaram. Que Murilo estava furioso, saiu transtornado e que poderia fazer alguma coisa muito ruim.

Eu ia encaixando as peças conforme Vini as descrevia. Estava um tanto surpresa pela sua atitude, falando abertamente daquele jeito, além de sua real história, perante nossos amigos. Conforme comentava, ele ia relaxando mais e por consequência, eu relaxava junto. Mas não por muito tempo.

– Claro que duvidei de suas palavras, mas depois me toquei que ele tava nervoso mesmo e não poderia brincar com aquilo. Tudo mudou naquele segundo. Eu exigi mais coisas, aí a ligação caiu. Liguei de volta e nada. Corri pro carro e logo que manobrei, foi a hora que Iara ligou. Ela também não soube explicar muita coisa, só pediu para impedir o Murilo. Se eu já não tava entendendo porra nenhuma, a coisa toda se intensificou. Então consegui falar com o Murilo.

Acho que prendi a respiração em expectativa quando ele chegou nesse exato ponto do relato. Murilo. Ele falou com Murilo. Vinícius iria impedir meu irmão, mesmo às cegas.

– Ele não demorou a atender, mas acho que quis me enrolar. Tava tão tão furioso que deve ter engolido o dane-se e acabei arrancando dele o que ia fazer. Só me disse que aquele André tinha... abusado dela e daí, se ele via tudo vermelho, eu... via também.

Nessa hora eu apertei as mãos umas nas outras ao meu colo e acho que me recolhi, sem passar a vista em ninguém. Novamente tensa, nem água deveria descer se fosse o caso. Ninguém ali sabia o real motivo da minha briga com André e eu titubeava, sem saber se era a hora de revelar. Eles apenas tinham conhecimento da discussão, mas até então ninguém havia feito essa pergunta. Era mais uma que eu guardava para alguma ocasião, sabe-se lá quando.

– Corri pelas avenidas, dei meu máximo pelo trânsito que já se formava àquela hora e foi aquilo, cheguei atrasado.

Falou de como já havia a rodinha na rua, os urros de briga audíveis, a confusão basicamente pronta, em como procurava por nós e como era difícil ver naquela bagunça, foi depois de muito tempo que encontrou o Gui. Voltado então para mim, desculpou-se por não ter podido ter feito algo. E desculpou-se por ter desejado aquele fim mesmo:

– Desculpe, Mi, eu não pude pará-lo e... Sinceramente? Se tivesse tido a chance, não sei realmente se teria o impedido.

Os meninos, sem jeito, concordaram. E tão logo as garotas também. Não fiquei chateada. Como poderia? Mal tinham passado 24h desde minha discussão com Aguinaldo sobre basicamente a mesma coisa. Quem não queria surrar André? Até Dani tinha se prontificado. O que mais tinha era gente na fila pra bater nele e com razões plausíveis, embora soubessem o quanto eu era contra qualquer tipo de violência. Eu não poderia condenar ninguém.

Quanto a Murilo, foi bem simples como ele foi parar lá na empresa. A Iara teve que sair para resolver um problema de última e como sua moto anda com problema, na oficina, iria voltar para o trabalho de ônibus. Foi a hora que Murilo passou pela avenida, avistou ela, ofereceu carona. Ligou para o pai para avisar que estava voltando e pediu para dizer a meu irmão que o esperava na portaria para uma conversa e que era sério.

Chegando lá, Iara não podia ficar para ouvir, pois precisava entregar uns documentos com urgência, mas tudo aconteceu tão rápido que ela nem pôde tampouco sair de lá próximo. Filipe mal informou sobre a briga que ele separou minha e de André, de como o desgraçado se sobrepôs a mim e quis tentar algo, que o André do nada apareceu na saída da lateral e Thiago veio logo atrás avisar que ele tinha fugido. Murilo pegou o carro e Filipe lhe gritou que provavelmente o maldito iria pegar caminho para a faculdade. Assim meu irmão pegou a trilha facilmente, seguindo-o, maluco, pelas ruas e a avenidas até que parasse.

Trilha citada/indicada: Kid Abelha – Nada Sei

(00:50)

Fiquei distante do mundo por um tempo que nem percebi a música que tocava. Dizia “sou errada, sou errante, sempre na estrada, sempre distante... vou errando enquanto o tempo me deixar”. Era um ritmo leve, porém mais animado que a do Cachorro Grande. Tinha a impressão que tinha essa, só não tinha certeza. O título não me vinha. Mas logo não me detive a isso porque Vini me fitava tão intensamente esperando que dessa vez eu o respondesse que até paramos de dançar. Esbocei um mínimo sorriso e enfim emiti a minha tão esperada opinião:

– Estou... feliz, eu acho.

Vincando seu rosto, ele estranha minha reação.

– Feliz? Por ter chamado Filipe de pai?

Era só nisso que ele pensava?

– Não, não... Porque você se abriu. Se permitiu abrir.

– Mas sobre meu... pai...

Ainda era um esforço enorme dizer pai e se referenciar a Filipe, eu via. Não compreendia bem porque ele só queria tocar naquele ponto quando o fato de ter tomado uma posição e decidido falar embarcava tanta coisa mais. Algo havia acontecido certamente para resultar nisso, mas estava disposta a esperar que ele fosse espontâneo de explicar de novo. A resposta viria por si só, eu confiava. Só não era hora para tratar disso, era o que minha cabeça me dizia.

Abraço novamente seu pescoço para voltar ao ritmo da dança, mas ele continua parado e compenetrado no mesmo ponto. Parecia mesmo estar levando aquilo a sério demais, mais do que deveria.

Por isso, se assim ele quis discutir o assunto, respondi o que de verdade pensava sobre tal questão. Claro que fiz isso com jeitinho:

– Não importa.

– Importa para mim.

– Mas não devia. Isso não depende de mim, Vini. É sobre você e sua felicidade. Se se sente bem com isso, não o contrário.

Se antes ele me fitava com tanta evidência, tão logo ele desvia seus olhos de mim e neles leio aquela sua velha insegurança. Como havia confessado a nossos amigos, aquilo ainda era “barra” para ele. Com a mão então em seus cabelos, ficava mais e mais claro o quanto se sentia perdido e...

– Não sei o que sinto.

De soslaio vi que Flá tinha nos percebido parados no espaço dos casais e apenas assinto para ela de forma a dar a entender que estava tudo bem. Nisso, seguro as mãos de meu Vini, tomo sua atenção e tento amenizar:

– Então não se force a pensar a respeito, ok? Pense sobre... Sobre o fato de não ter alguém aleatório para tirar uma foto dessa dança, uma foto para mudar aquela do seu monitor no serviço.

Com um suspiro de alívio e graça, Vini se deixa levar pela minha ideia e entra no tópico com mais munições que eu:

– Ah, mas eu já mudei.

– Mudou? Pra qual?

Ele me enlaça e deixa um sorrisinho daqueles discretos-nada-discretos aparecer. Voltamos a dar uns passinhos, sem mesmo sair do lugar, só se mexer. Mais e mais casais continuavam a levantar para dançar e até vi, por detrás de Vini, quando o garçom fez um sinal de “Ok” pra Dani.

– Só indo lá pra descobrir.

– Ah, num vale! Sabe o quanto isso pode demorar?

– Sabe o quanto já quebrei cabeça pra descobrir como você soube daquela foto?

– Foi daquela vez que visitei seu ambiente de trabalho.

– Pelo que bem me lembro, meu computador estava desligado.

– Ouvi umas fofocas sobre a gente... Me reconheceram da foto do desktop.

Quase posso me lembrar da vergonha súbita que me deu quando a garota disse aquilo. Que eu era a garota da foto. Lembro mesmo é do contentamento que senti.

– Huuum... isso explica bastante. E me faz lembrar que tem uma coisa sobre aquela foto que nunca contei.

Tinha mais?

– O quê?

~;~

Abri a porta de casa chegando na sala e logo avistei meu mano deitado no sofá. Tava escorado no espaldar com os pés cruzados em cima da mesinha baixa da sala, as luzes da casa desligadas, a Tv em tom baixo, as iluminações vindo de lá. Passei a chave na porta e me aproximei mais dele. Vi suas meias vermelhas e que estava de pijama. Esses dias vinha alternando entre climinha ameno e um pouco frio, nada demais. Essa noite era uma dessas com um pouco de frio, que ia esfriando conforme as horas passavam. Ao alcançar o meio da sala, do lado da mesinha, já chego perguntando e notando que meu mano tava apagado:

– Hey, Mu, você tá assistindo jornal mes...? Tá explicado.

Ainda bem que eu não podia com ele, não dava para carregar aquela criaturinha pra cama, teria que acordá-lo. Coloco minha bolsa na mesinha central, que pende para um lado com o peso (ainda não trocamos, vai ficar pensa por um tempo, já até acostumei), ligo a luz da sala e me agacho perto dele, a fim de tirar o controle da TV de suas mãos. Quando puxo, delicada, ele tremelica os olhos e os abre sem muita força:

– Mi?

– Levanta e vai pra cama, vai.

Após desligar a TV, tento puxá-lo para se por de pé, mas ele desvia de mim e se ajeita no assento do sofá, a sonolência em pessoa. Queria ele mesmo dormir ali e se quebrar todinho? Faltava-lhe tanta coragem assim?

– Que horas são?

– Pouco mais de meia-noite.

– Tava... te... es...perando.

Fala isso entre longos bocejos, tapando a boca com as mãos e a todo custo forçando-se a acordar mais. Eu, por outro lado, paro. E estranho. Desconfiada, investigo. Ele nota provavelmente por meu tom o que eu fazia:

– E por que tu não ligou?

– Não queria te incomodar, achei melhor ficar esperando. Fiz errado?

Murilo faz uma cara tão ingênua e sincera que acredito logo. Continuava estranho, por ele sempre se comprometer de me chamar a atenção de alguma maneira, se não era ligação, era com mensagens. Pela maneira com que me respondeu, parece que ele tinha ponderado a respeito e optou realmente em não me incomodar. Eu que não ia reclamar, espero que adote isso pra vida, isso sim.

– Não. Quer dizer, você sempre ligava. Só... achei que... enfim. Me esperando pra o quê?

– Conversar. Tô com umas coisas encucadas e gostaria de... Melhor você se sentar.

Vish, lá vem bomba. Mas de novo?

Me deixem respirar, poxa.

Com receio, me sento ao seu lado, que me deu espaço. Eu não tinha ideia do que poderia ser àquela hora, ainda que tivesse uma boa lista com as mais variadas opções para compor uma conversa dessas. Percebendo-o sem jeito de como começar, aí mesmo que fiquei um pouco apreensiva. Pego uma almofada e a sento em meu colo, um pouco cabisbaixa, mexendo na pontinha pra ele não ver como eu estava quanto isso.

Nada dele vem, parecia então travado em argumentos. Espero e observo-o de canto de olho até que eu mesma tomo a vez, antes de entrar no tópico que ele queria. Começo fazendo sinal aos machucados que ele ainda tinha nas mãos.

– Ainda incomoda?

Murilo abre e fecha a mão como num exercício de leve.

– Um pouco. No começo ardia muito em qualquer contato com água e conforme foi formando o cascão em alguns nós dos dedos, repuxava a pele pelo movimento natural. Daqui uns dias deve... deve melhorar.

Mais uns minutinhos em silêncio ficamos e resolvo acabar com o suspense:

– E é sério? Isso que você quer conversar.

– Hãã... Um pouco. É sobre o Vini.

Teria Djane deixado algo escapar sem perceber? Ou seu Júlio puxou ele de canto sem me avisar? Só pode ser isso, penso por um segundo. Já meu irmão trata de começar sua abordagem, cauteloso e direto, o que me surpreende muito.

E o que vem... Bom, não tava na minha lista.

– É que... Ontem você me passou uma sms avisando que ia ficar na casa dele. Acontece, Mi, que... Olha, entendo de verdade que vocês têm um relacionamento sério e... e que isso implica algumas coisas. Eu só queria pedir para vocês terem, sabe, cuidado sobre isso.

A gente já tinha tido uma conversa parecida um tempo atrás, por que ele estava trazendo o assunto de novo? Estaria preocupado com algo? De qualquer forma, era um pouco constrangedor para ambos. Claro, falava da minha vida íntima. Com Vinícius. Admitir isso era um pouco tarde, até para meu mano.

– Só fiquei por lá porque ele tava muito cansado e se recusava em me deixar pegar um táxi. Já tava tarde e eu não queria dar trabalho pra ninguém. Dormi no quarto de hóspedes.

Se Vini tava lá, não digo. Mas que tava, sim, ele tava.

Não rolou nada significativo demais, só a gente juntinho mesmo. Vinícius tava tão exausto que foi ele quem apagou primeiro. Dizia ele que só queria paz, já que sono ele tinha de sobra e só não discuti mais na minha insistência de voltar para casa porque via aqueles olhinhos quase se fechando e foi tão fofo em me pedir para dormir com ele. Eu era a paz que ele tanto queria e necessitava ao momento.

Cedi. Tomei um banho e vesti uma pijama reserva que deixava lá no quarto de hóspedes, isso enquanto ele preparava um lanche rápido e também se aprontou para dormir. Se tivesse apagado em cima da pia escovando os dentes, eu acreditaria. Já havia acontecido com Murilo uma vez, só que por motivos de muito álcool na veia.

Ficar no quarto de hóspedes não foi bem uma escolha, eu estava lá mexendo no celular quando Vini supostamente foi me chamar para dormir e acho que ele não teve forças mais para se deslocar, ficamos por lá mesmo. Quando ele me envolveu para ficarmos de conchinha, até pensei que tentaria alguma coisa antes de mais nada. Ia o repreender de brincadeira quando Vinícius só se aconchegou mais e logo só ressonava. Como pedra, não se moveu até a hora de levantar, que foi outra luta, já que não queria sair da cama. A sorte dele é que, por o serviço ter sido muito puxado no dia anterior, permitiram chegar mais tarde no expediente.

Mas mesmo com meu adendo, Murilo ainda fica desconfortável, passando a mão nos seus cabelos bagunçados, senão, enroscando uma na outra, inquieto. Não olhava direto pra mim, assim como eu também não a ele. Só não deixo de ouvi-lo. Conforme vai revelando o intuito de ter puxado justo esse assunto, compreendo sua posição. Era de protetor, mas de um protetor que estava sabendo ponderar as coisas.

– Não precisa se explicar, ok? A questão, Mi, é que hoje em dia podem ter mil maneiras de se proteger, no sentido mais estrito, se é que você me entende... Mas ainda assim acontecem deslizes. De qualquer forma, estão no direito de vocês. Que saibam usar esse direito. E que saibam ter... respeito. Aquelas regras podiam ter parecido exageradas ao tempo, mas, pensando mais, eram sensatas. Continuam sensatas. Pelo menos a maioria, eu acho.

– Entendo o que quer dizer.

Ele suspira aliviado. Quem sabe tinha presumido que eu teria soltado os cachorros nele ou o evitaria, já que uma vez tinha estabelecido limites e quando ele os quebrou, a gente discutiu feio. Quanto a esses limites dessa vez, Murilo estava sendo bem cauteloso, percebi.

– Melhor então, fico mais tranquilo. Confio no Vini, só que, no final das contas, ele ainda é homem. Aqueles dias em que ficou aqui, eu deixei porque sabia que podia contar com ele para cuidar de você... Mas, se uma noite era passável, duas era um máximo e é claro que barrei a terceira. Isso na cabeça de um cara dá algo pra pensar.

Tá, essa eu não esperava ouvir. Imagino que meu irmão tenha ruborizado tanto quanto eu enquanto lidávamos com esse tópico. Não era o tipo de coisa que conversávamos às claras assim, nunca foi. É estranho pra caramba. Tão vergonhoso que bateu até um pouco de nervosismo em mim, que dá entrada para um comentário não bem pensado meu:

– A gente só dormiu. Quando ele ficou aqui e quando eu fiquei lá.

Outros casos eram outros casos.

Mas por que eu fico me reafirmando mesmo?

– Errr... não preciso dos detalhes. Mesmo. Não diga mais nada.

– Só... hã... tava esclarecendo.

Tava era ficando cada vez mais estranho. Era um campo de papo bem desconhecido para ambos, não sabia como me comportar.

– E eu também. Esclarecer que já admito esse relacionamento mais... completo. Mas que saibam onde tão pisando. Que estejam conscientes.

– Ok.

– E se ele tentar algo... que você não queira ou não goste, pode ser... hãa... pode ser sincera comigo. Não precisa dizer o que é, só me diga que eu... que eu vou lá e converso com o cara. Sem exaltações.

Levanto significativamente as sobrancelhas, mais surpresa ainda. Tinha certeza que por esses tempos Murilo andaria estranho, por causa das últimas semanas, mas nesse nível, não sei o que pensar. Assistir ele nessa postura, de sensato e ajuizado, era no mínimo extraordinário. Admirável, mas também espantoso. Qualé, Murilo prometendo conversar? E sem exaltações? Cheguei eu no fim da montanha-russa? No fim do arco-íris? O que os duendes tinham feito com essa figura?

Não sei, e não sei bem se queria questionar.

Mas termino lançando a pergunta antes de cancelar o comando no cérebro:

– O que desencadeou isso?

– O que quer dizer?

Acho que ele também se sente pego de surpresa pela questão.

– Você me dizendo essas coisas todas. Sobre Vinícius. Sobre estarmos juntos.

Ele se move no seu lugar sem mudar muito de posição. O desconforto em seus traços, faciais e gestuais, eram visíveis. Aparentava cansaço e certa apreensão, como quem pisava em ovos. Murilo pisava mesmo.

– Sempre vou te proteger, Lena. Não importa a idade ou a maturidade. Minha ou sua.

– Mas... por que agora? Por que...?

Nem tinha eu as palavras certas para formular uma pergunta decente do tanto que devia estar impressionada.

– Sempre estive preocupado, só tinha receio de como abordar. Aí ontem você me mandou uma mensagem de texto avisando que ia dormir lá. Eu já tinha aceitado a relação de vocês, mas ali, naquele momento, algo engrenou na minha cabeça. A ficha caiu de verdade. Mais que uma mulher independente, você já toma decisões que eu não posso interferir. Mas nem por isso deve ser desprotegida. Eu só quero deixar claro que, embora seja bem... hã... incomum de minha parte... errr... ceder desta forma... deixo claro que não vou encarar isso como um problema. Só peço que sejam comedidos e cuidadosos. Estou aqui pra você, mana. Até pra ficar todo constrangido de falar sobre isso.

Me emociono de verdade, principalmente quando ao final ele ri bestamente e provoca um sorrisinho besta em mim também. Murilo tocou no centro da questão e como fez isso, me impressionou mais ainda, o que eu tinha imaginado ser impossível já. Mas não, aquele seu estado de franqueza e sobriedade era sua forma de abrir o coração. Quando ele quer, ele sabe ser uma boa pessoa, Aline mesmo havia me dito e eu reafirmo a ela. Agora ela mesma percebia que tinha apostado certo na loteria. E eu... eu também. Apostei num Murilo que poderia se remoldar e ver de verdade o que estava diante de si.

– Queria eu te preservar para sempre pura.

– Pureza não se trata disso, você sabe. É do coração que se fala. Mas agradeço por ter vindo falar comigo e ter sido esse sensato. Agradeço de verdade.

– Achei que merecesse. E achei que...

Me emociono porque esperei muito isso dele depois de trancos e barrancos nossos. Sempre confiei que um dia viveria para ver um Murilo parceiro e não mais arruaceiro e briguento. Claro que ele teria muito desses momentos, mas eles já não os definiriam mais. Eu gostava disso. E em nada disso mudava sua essência, sempre esteve ali, só esperando se lapidar com os golpes da própria vida, do próprio caráter. Meu mano já levou muita porrada – e muitas vezes de mim – para finalmente chegar a um patamar que representasse uma tranquilidade e felicidade.

Até pisco rápido pra nenhuma lágrima vir, não queria transformar este momento num dramalhão. Apenas... Estou feliz, muito feliz por ele.

E por mim, claro, o esforço é de ambos os lados. Acho que não mais o torturaria com doses de Britney Spears.

Quando arrisco olhar pra essa criaturinha ao meu lado, tombo e me recosto em seu ombro, que me recebe de boa, passando o braço por mim, se ajeitando no sofá e, como a cereja do bolo, beija-me o topo da cabeça. Ele tenta amenizar a situação com um tom mais brincalhão:

– Para de rir, Lena, tá me deixando mais encabulado.

– Não tô rindo, juro. Tô apenas... feliz. Feliz demais pelos dois homens de minha vida. Pela forma linda que ambos abriram o coração hoje. Vocês combinaram, foi?

Levanto um pouco o olhar para alcançar o seu, que fica muito contente pela referência que soltei sobre ele e Vini, percebo. Dois homens de minha vida deve ter um efeito acolhedor em seu peito, uma confirmação maior de confiança.

E incrivelmente, ele não fala sobre isso. Murilo pergunta do outro:

– Quê que o Vini fez?

Eu me teletransporto para tempos atrás, logo que eu e Vini nos despedimos de nossos amigos. Eu virei para ele e disse simplesmente:

– Não precisava ter feito aquilo, sabe.

Vinícius alcançou minha mão e me puxou até que chegássemos ao seu carro, que estava estacionado a mais uns quatro carros de distância da galera e lá na porta do motorista ele se recostou e me manteve próximo de si, me segurando pela cintura. Sob a luz de um poste próximo e a animação abafada do bar próximo, apenas me centrei nele, que se mostrava mais sereno e de guarda mais baixa.

– Precisava. Precisava tirar aquilo de mim. Você tinha razão sobre isso.

Quando ele viu que não peguei bem a referência, ele esclareceu melhor:

– Sobre guardar mágoas. Machuca. Corrói. Odiá-lo não me faz bem. Mas estar perto dele também não. Eu só precisava falar, Mi, entende?

Assenti compreendendo-o e acarinhei seu rosto, rosto de um menino confuso.

– Entendo.

– E antes que pense que foi por causa dos últimos rolos... bom, não foi. Fiz isso por mim, como você já havia me dito. Não tinham vocês um acordo sobre vomitar? Metaforicamente?

Apenas afirmei conforme ele explicava.

– Se sente melhor agora?

– Não por exato. Mas vou ficar.

Inspiro ao voltar à realidade, meu sofá, minha casa, meu irmão. Quem espera uma resposta de mim, paciente. Não tenho noção do quanto tempo passei pensando sobre aquilo, só sei que anuncio logo na lata:

– Sabe, Mu... também tenho uma coisa para te falar.

– Eu vou gostar?

– Talvez não, mas vai ficar feliz por ser eu a te contar.

Ele me solta de repente e se apronta pra levantar.

– Onde você vai?

– Só lavar meu rosto. Do jeito que você fala, parece ser longo. Eu quero estar bem acordado para isso.

Logo que está de pé a caminho do banheiro, não deixo de perguntar e ele para na sala ainda de costas:

– Tomou tua vitamina hoje?

– Hã...

– Vai tomar, vai.

Acompanho meu mano ir então para a cozinha e abraço um travesseiro ao corpo, animada tanto quanto ele, que se forçava a despertar. Fico ainda com suas palavras fresquinhas na cabeça, mais contente ainda pela sua tomada de atitude. Sempre vou te proteger, Lena. Não importa a idade ou a maturidade. Minha ou sua. Era minha vez então, iria contar sobre minha conversa com vô-sogro, a descoberta de Djane e a iminência do caso quanto a Filipe. Sinto mais que nunca que as coisas estavam num belo caminho, difícil, porém, determinante. A bandeira branca era uma que não deixava de tremular sobre nossas cabeças.

Definitivamente, estava confiante.

Definitivamente, estávamos prontos.


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Notas finais do capítulo

Manda mais riso que Murilo encabulado tá pouco! hahahaha
Tbm fiquei orgulhosa do Vini, ele se abrir assim foi uma surpresa e tanto, esperava dele isso faz um tempo, mas tbm não "imaginei" que seria desse jeito - pois é, eles têm vida e vivem de ficar me contando as coisas haha
Acho que tô é logo orgulhosa de todos, estão colocando a cabeça e os parafusos no lugar e das melhores formas possíveis.
Mas manda mais riso mesmo que Murilo encabulado é coisa rara!



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