Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 31
Capítulo 30


Notas iniciais do capítulo

Ora, ora, olha quem aparece.
Quem tava de coração apertadinho com a confusão passada, aí vai um big capítulo.
Murilo precisa de esperança, gente!

Enjoy!



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É engraçado como, vira e mexe, a gente muda de papel nessa vida. A gente muda de lado, de opinião... de roupa. A gente muda tudo, independente de perceber ou não. Deve vir o equilíbrio daí, pois alguma graça, algum lucro, deveria ser saldo de uma transição infinita.

Não sei por que eu continuo a perguntar, eu sei como meu irmão está. Quer dizer, sei o que vejo. Ainda assim atiro “como você está”s sem notar meu feitio até que as palavras saiam e meu irmão assinta qualquer coisa. Me pergunto se já o irritei por tantas vezes que ter lançado a questão, se tem alguma impressão de que estou tirando algum sarro por repetir e repetir, coisa que é tão genuinamente dele fazer que até eu própria desconfio se estou mesmo de alguma forma tirando sarro. Depois que se perde a conta, talvez seja natural. Que se brinque, digo.

Mas não era nada engraçado, se pairava muita tensão sobre nós.

Dona Bia estranhou muito o fato de meu irmão ter se mantido no quarto o dia todo, e calado. Murilo nunca é calado. Só quando dorme e ela sabia que ele estava acordado. Ela sentiu a vibe ruim quando eu fui buscar o café da manhã dele, sei que sim e não perguntou nada demais, senão se ele estava doente. Respondi que não, ele só não tava muito legal mesmo.

Foi nessa hora que ela também me viu, abatida. Nem tinha me olhado no espelho no banheiro, tava tão sem vontade que não queria algo mais para colaborar com meu estado. Vi que dona Bia evitou perguntar, provavelmente notou que eu não estava muito para conversa ou algo assim. Eu realmente não estava.

Na verdade ela evitou por quase toda a manhã. Quando bateu na porta do quarto de meu mano, que permanecia em um estado de total desânimo e tristeza, eu quem respondi. Havia passado a manhã ao seu lado, para qualquer coisa que precisasse. Assumi esse posto logo que Aline saiu de manhã bem cedo, fiquei de cuidar dele.

Levei o notebook para lá, fiquei vasculhando qualquer coisa para fazer, assistimos um filme qualquer que achei no drive, ele não se animou em nada, ora suspirava, ora ressonava – se me perguntar o nome do filme ou da história, acho que nem eu lembro. Ele praticamente não dormiu essa madrugada. Para não ficar naquele silêncio excruciante, dada uma hora deixei o player tocando músicas ao aleatório, sem prestar atenção a elas. Mas foi quando dona Bia pediu para fazer a limpeza do quarto dele que ela não aguentou aquela coisa suspensa ao ar.

Na realidade, foi por eu ter acomodado o Murilo no meu quarto para que ela adentrasse o dele a fim de limpar. Meu irmão fugia das vistas dela, estava por demais envergonhado e ora e outra eu o pegava olhando para as marcas esfoladas de suas mãos, então remediadas, assim como se tocava no rosto onde uns golpes de André que, enquanto se debatia naquela confusão, o atingiram. Ele se sentia muito mal e, como uma fera feia, ele se recolhia o tanto que podia para não se sentir exposto. Bastava o que tinha ocorrido na noite anterior.

Assim, logo que saí de meu quarto, que fui buscar uma água, dona Bia me interceptou ao corredor. Ela parecia realmente preocupada. Embora tenha sido direta em sua pergunta, não me olhava nos olhos.

– Aconteceu algo com o menino Murilo?

Murilo ora era um homem feito, ora um menino que precisava de proteção, refleti. Por ele, me esquecia de mim e o tomaria no colo, embalaria e dispersaria todos seus medos com um simples cafuné. Mas esses tempos eram outros, nada daquilo se esvairia tão fácil. Ele mesmo havia me negado aproximação na noite anterior. Nem por isso eu o tomava por mal, se entendia que ele precisava de um tempo para encontrar o próprio ritmo de sua respiração, respiração essa que demorava a se regular.

– Sim. E ele não quer... ver ninguém. Desculpe.

Não havia como dizer que ele se escondia, que mais que devastado por aqueles momentos de terror, Murilo carregava uma intensa vergonha de si, de ter chegado àquele extremo. E que de nada valiam meus abraços ou os cuidados daqueles próximos a nós. Ele tem que resolver na cabeça dele primeiro antes de aceitar qualquer coisa, é o fato.

Só que meu mano não aceitava que poderia e tinha como sair desse poço. Murilo não se perdoava e não tinha visão de algum dia se perdoar pelo seu feitio. O meu trabalho, eu sentia, era promover alguma esperança e fazer com que dessa semente viesse mais e mais ramos para se fincar lá. Só que seria difícil se tivesse eu que ir contra toda sua disposição de acusar-se e de manchar-se, de aceitar uma derrota e não ter vontade de reerguer-se.

Ainda estou assustada, na verdade. Com esse bom coração dele, como eu poderia imaginar que um dia ele iria se estragar a tal ponto? Que sua cabeça vivia sendo detonada, ok, mas esse seu coração? Como vou fazer para puxá-lo desse buraco? Mal eu saí de lá!

Não é que eu não me culpe, sei que tenho lá minha parcela de contribuição. Minha impressão é de que enquanto ele tentava me “salvar” de mim mesma, acabou por escorregar na beirada. A briga com André não passava, na realidade, desse escorregão, pois foi o depois que me mostrara como caíra, e como caíra feio. Me preocupo por ele ficar estatelado lá embaixo e não ter vontade ou força para se levantar. A visão dele por toda essa noite permanecia impregnada em minha memória em modo repeat. Era só fechar os olhos que eu meio que revivia tudo de novo.

Isso tudo porque, em meio à loucura pós-briga, houve um momento em que as coisas mudaram drasticamente. Saltei de meu suposto alívio para um alarme muito maior. Minha bolha de cuidado com Murilo foi estourada pelo perigo que ele passou a correr, umas pessoas se uniram, reclamando, falando em justiça, e começaram a avançar para nós. Não eram conhecidos, não eram da faculdade, era gente que assistiu a briga, vindo de qualquer ponto da rua. Eles estavam comprando o teatro de André, de que ele era um pobre coitado apanhando desonrosamente. Me alarmei porque eles de repente eram muitos e eu sozinha não teria como segurá-los.

Quando chamei a atenção de Murilo, que ele se deu conta, ficou acuado. Sei que primeiro pensou em mim, pois me colocou para suas costas, e iria enfrentar e aguentar a população acabar com ele se preciso. Mas eu não podia assistir aquele sacrifício todo, novamente me debati, gritei, esperneei.

Não sei se atendiam aos meus “por favor” ou se se dilaceravam pela cena, mas quase de imediato surgiu uma barreira, formada por pessoas da faculdade, pelo menos para conter momentaneamente aquela gente revoltada. Mais uma vez alguém me puxou, só que dessa vez me deixei levar, pois puxavam o Murilo também e foi um susto ao ver que era Gui, Djane e Vini, gritando para que saíssemos de lá. Que fugíssemos.

Tomado por essa nova adrenalina que Murilo acordou, entramos no seu carro, que estava logo mais à frente e saímos batido dali, já ouvindo a sirene de um carro de polícia próximo. Para escapar do trânsito da avenida principal, indiquei que entrasse em ruas residenciais mesmo, e aí quase nos vimos num labirinto, pois a escolha de virar para um lado ou outro era sem sentido, ele só ia, alucinado, quase batendo em outros carros inesperados e muitas buzinadas foram direcionadas a nós.

Foi depois de um tempo que voltamos à avenida principal, já bem mais à frente. Acho que cansado de ficar virando de um lado para outro, Murilo preferiu um rumo que tinha pistas longas e sem muito carro à hora. Reconheci que era o caminho da praia. Em nenhum momento fomos seguidos, só levávamos buzinadas, pois ora e outra ele mudava rápido de pista e não sinalizava suas decisões repentinas.

As coisas eram um borrão para mim, o fôlego não me alcançava sempre, o estado de alerta permanecia. Murilo deve estar pior, pensei. Tive medo de perguntar. Era visível que não estava bem, ele se agitava ao volante e foi só quando tomamos uma pista infinita, de longa que era, que ele pareceu relaxar mais. Mantinha uma mão ao volante enquanto o outro braço se apoiava à janela fechada e sua mão detinha uns fios de seu cabelo num aperto sem fim.

A praia não estava lotada, mas também não vazia. Murilo aos poucos foi diminuindo a velocidade, foi seguindo o ritmo do trânsito dali, o corpo também procurando assimilar a calmaria e dissipar aquela agitação toda. Por um momento ou outro no silêncio do carro eu ouvia uns poucos múrmuros seus, lamentosos, sem entender o que dizia. Eu, por outro lado, me sentia congelada, embora houvesse tremores por todo o corpo.

Quando ele estacionou numa área mais vazia, porém bem iluminada, com transeuntes indo e vindo despreocupados, alegres, conversando, se exercitando, nenhum de nós falou. O motor do carro foi desligado e nossos corpos também. Parecia que não havia força em mim, nem para falar, mas já não podia dizer o mesmo da minha atividade cerebral. Era agitada demais, lançando questão por cima de questão, receosas, preocupadas, com medo, muito medo.

O que aconteceria agora?

Me perdi nas minhas próprias linhas de pensamento a ponto de quase esquecer o peso morto que era meu irmão calado ao banco do motorista. Mas ele me acordou logo que abriu a porta e, sem uma palavra, saiu e se encostou à porta fechada. Desci e esperei que ele dissesse algo, só que nada veio. Envergado ao carro, ele apoiava os braços lá e recostou a face, se escondendo. Foi quando veio os tremores por seus ombros que notei que ele estava mais mal que podia imaginar. Murilo chorava baixo.

Arrodeei o carro e me aproximei dele com cuidado, branda. E o que veio foi:

– Mu...

– Sou um m-monstro.

– Não, Mu.

Então ele se agitou, levantou com brusquidão e se afastou de mim, andando para trás. O que vi lá foi um pânico generalizado.

– Tenho sangue em minhas mãos, Milena. Tenho na minha camisa, tenho... Pode compreender?

Fiquei sem o que declarar ante aquilo. À meia luz de um poste próximo era possível ver que no rosto dele havia uns hematomas, uns poucos de certos golpes que André ainda conseguiu acertar, e sim, havia mais que sujeira por ele todo. Acho que até eu estava suja, mas não me importei. Murilo tentava se limpar mais e mais, só que a coisa toda só o manchava e ele se horrorizava, esganiçava lamentos e... aquilo sujava mais seu interior que exterior, eu assistia, imóvel.

Pelo menos não havia ninguém andando por ali, pois nem imaginaria o que seria a reação das pessoas ao ver ou ouvir aquela conversa. De qualquer forma, quando meu irmão começou a andar sem rumo pelo calçadão, que atravessou aquela parte acimentada e desceu para a praia, fui o seguindo. Não havia barzinhos ou outros comércios por aquele pedaço, porém um poste iluminava parcialmente a área e eu precisava pensar rápido. Tinha de fazer algo!

Com uns metros para o leste havia um bar de pouco movimento. Eu teria que dar uma corrida básica, e foi isso mesmo. Sem muito o que titubear, segui para lá sem tirar o olho dele, que permanecia perambulando devagar se contorcendo ante aquele male que o assombrava. Mais que rápida voltei ao ponto de partida munida de duas garrafinhas d’água e corri para onde estava, na areia, ele era um ponto claro e manchado sob a luz da lua.

De pé de frente para o imenso mar calmo, mais uma vez ele quis se esconder de mim, cobrindo seu rosto, o fôlego ainda desregular. Quando o toquei no ombro, ele se desvencilhou e se afastou.

– N-não... Não se aproxima. Não quero que... veja isso.

– Hey, não se martirize, ok?

– Como não? Droga, e-eu...

Não me abati, apenas engoli. Não era hora para algo do tipo, deixaria que isso caísse sobre mim depois, eu precisava mais que nunca agir e agir certo, antes que Murilo cometesse alguma loucura. Ou outra loucura.

– Não digo que foi errado, mano, mas também não digo que foi certo.

– Foi errado, Mi. Sou um...! Olha o meu estado! Olha como estou suj...

Larguei uma garrafinha que trazia nas mãos à areia e abri a outra. Puxei as mãos dele e nelas derramei um pouco da água, esfregando-as sem resistência dele, que nem se importava que ardia. O Murilo de antes reclamaria de cada segundo de ardência, já este aguentava como se não fosse nada, senão algo que ele merecia. Meu mano ainda tremia e chorava, como se aquilo não adiantasse. Para ele talvez não.

– Isso n-não vai... não vai t-tirar as marcas.

Engoli mais uma vez o choro e impus mais força à limpeza, sem parar algum minuto para o olhar.

– Isso é apenas para te mostrar que a sujeira pode ser limpa.

O resto é com você. Tem que ser com você. E estarei com você, pensei. Tudo depende da perspectiva que tomamos e de como somos guiados. A ficha cairia para Murilo. Ela apenas tinha que cair. Logo.

– Eu não posso... n-não ser limpo assim.

Sem mesmo largar suas mãos, que permaneciam por permanecer nas minhas, fitei-o com determinação. Ele não se referia bem as sujeiras, mas sim às marcas novamente. As marcas que aquele ato deixariam em seu ser, manchas para seu bom espírito, que se transtornara sem medir consequências. Essas consequências agora pesavam nele.

– Você pode. Se desejar tão forte, se não deixar que isso tome conta de você.

– Faz parte de mim, não vê? Essa droga sou EU, puro!

Ele aterrorizado me aterrorizava junto por estar perdendo as estribeiras de quem ele realmente era. A violência poderia se concentrar e se fundir nele, mas aquele não era ele. Iria fazê-lo ver de alguma forma.

– Não, não é! Eu sei que você quer melhorar... e você vai, ok? Foi apenas um erro.

– Como pode crer tanto quando é você quem limpa minhas mãos?

Queria que ele não dificultasse as coisas, só que ele estava e eu não poderia o culpar por isso. Infelizmente dessa vez Murilo tinha ido ao fim, dera vez para aquela fera que por sempre crescia dentro de si, entre fúrias e frustrações. Ele perdera o controle. E nem eu sabia onde estava, se perdido no sofá, se perdido aos seus pés, se perdido ao seu coração. Não poderia lhe ceder o controle.

Mas, quem sabe, consciência.

Assim transgredi, bati no seu ombro com força. Iria plantar essa semente nele nem que tivesse de fazer com que engolisse. Bati novamente, bati e bati para que ele acordasse. Bati conforme ia lhe lançando as sentenças. Elas teriam que balançar os seus sentidos lá dentro, revolver o que ele insistia em desconectar.

– Porque eu te conheço, droga! Existe bondade aí. Existe força de viver. E acima de tudo, existe um Murilo que sabe discernir as coisas. Ele soube a hora de parar, não?

Só que minhas palavras e meus golpes não eram senão plumas e palavras jogadas ao vento. Uma hora, ele devastado, apenas segurou meu pulso, e nem precisou aplicar força alguma. Ele parou-me, me fez o fitar intensamente. Meus olhos deviam brilhar ao luar, olhos molhados, tal quais os dele, porém, não mais revoltados, mas sim resolutos daquilo. Ele estava se aceitando, embora desgostoso daquilo, que era esse monstro que apontava.

– Despertei tarde demais, Lena.

Não desiste, por favor!

– Não tão tarde quanto possa parecer.

– Não tenta melhorar o que não dá.

– Não tô melhorando. Quero que veja os fatos que não consegue. Que se você quer, vai melhorar. Se não quer ser essa pessoa, não será.

– Não quero ser. E infelizmente sou. Você tinha razão no fim das contas. Um dia eu ia me descontrolar tão feio que era capaz de nem eu me perdoar. E eu não me vejo me perdoando por isso.

– Mu...

– Me deixa sozinho, ok? Pode fazer isso?

Dona Bia não insistiu. Arrumou o quarto dele, cuidou da casa, cuidou do almoço. As roupas eu tinha dado meu jeito de lavar logo que nos encontramos mais a sós ao voltar pra casa.

Meu irmão não era um monstro. Não aquele que se acusava ser.

Mas era só o que ele via ao momento.

~;~

– Lena, me contaram agora! Como assim depenaram o André e ninguém me chama?

Eu meio que esperava de tudo, menos isso.

Tá, talvez de Dani eu poderia esperar algo assim.

No entanto, não estava no ânimo para brincar desse jeito ainda. Não chego a repreendê-la diretamente por isso, afinal, pressentia que era seu jeito de amenizar as coisas. De alguma forma isso me fazia pensar fora do que era o real drama.

Me recosto na parede do terraço de casa e encosto a cabeça lá também, fecho os olhos e seguro mais firme o celular ao ouvido. Havia saído de perto de Vini e Murilo para atender a ligação e também para dar uma arejada. Não adiantava eu apenas falar e falar, tenho que agir e saber como agir. E isso envolvia deixá-los por uns momentos consigo mesmos.

– Dani...

– Eu sei. Não teria como me avisar.

– Dani.

– Eu sei. Foi pesado... André poderia merecer todas as porradas do mundo, mas apanhar assim... o que houve? Como aconteceu?

– Ainda não sei por exato, Murilo se fechou. Não sei bem como ele descobriu... essa parte ninguém me contou ainda.

– Descobriu o quê?

– Que André... A gente brigou ontem, lá na empresa. Tipo feio. Sempre quis entender qual era da implicância dele comigo e quando me vi, ele já tinha me encurralado. Ele... não só me assediou como avançou em mim. Nunca tive tanto ASSSCO dele quanto naquele momento, juro. Urgh.

Aperto a ponte de meu nariz e aquele asco volta só de lembrar. É pior que o enjoo que senti nas últimas horas – estava, afinal, certa sobre minhas previsões “tepeêmicas”. Essa coisa toda com André era tão loucura que eu praticamente ignorava quaisquer reações do meu corpo sobre essas “leis naturais” da mulher, que sempre arrumam as melhores horas para dar Oi. Ao contrário do que podia pensar, eu não estava raivosa ou violenta pela situação em si, não, na realidade me vejo muito coerente. Um pouco sensível pode até ser, mas bem mais controlada. A gravidade do problema me dava essa sensatez talvez.

Assim evito imaginar o que mais poderia ter acontecido naquela sala, pois eu reagiria, claro, mais do que aquilo em minha defesa. Usaria quaisquer recursos! A porra podia estar séria, mas eu também saberia dar o pior de mim se fosse necessário.

Me forço então a retornar à Terra, ao real e à ligação, pois André não merecia a mínima recordação, abro os olhos e aspiro mais ar para arejar a cabeça e sentir-me liberta. Segura. Ele era o desgraçado e não permitiria me desgraçar também.

– Santo Deus! E no que deu?

– Minhas defesas não estavam ajudando muito, ele tinha muita força, verdade, aí eu estava a ponto de gritar quando o pai do Vini apareceu e...

– Espera, o pai do Vini? O que ele tem a ver?

Às vezes esqueço mesmo que as pessoas não sabem disso. E ele está mais envolvido nisso do que Vini podia gostar. Suspiro baixo.

– Ah! Errrr... é que o pai do Vini é o chefão da empresa que a gente estagiava. O Vini não comenta muito porque tem uns rolos com o pai, ele não gosta. Mas ele é meu chefe.

– Caramba, que coincidência. As chances...!

– Eu que o diga! E por causa de Vini, ou mesmo da minha situação de estagiária, minha relação com o pai dele era um pouco estranha. O que não vem ao caso. Filipe conseguiu chegar bem a tempo e tirar o André de cima de mim.

– De cima? Aquele desgraçado...?

A voz de Dani sobe umas alturas e se exaspera só pelo o que sem querer soou errado. Céus, não! Deus me livre!

– Não! Quer dizer... ele me atacava, mas eu estava contra a parede, não... o chão.

– Ugh! Eu o mataria se fosse o caso. Ainda quero estraçalhar ele! Se eu tivesse a chance de chutar o saco dele, eu chutava e era com gosto! Que era pra ele ficar roxo de dor. Por horas! Por dias!

Não incentivo justiça pelas próprias mãos, mas, olha, eu bem que queria deixá-la fazer isso. Por um segundo ou dois eu posso cogitar isso, de armar tudo só... pelo gostinho. E... Não! Não posso me levar pela raiva. Por mais doce que fosse a cena... Que é em minha cabeça... Argh! Ter consciência às vezes pode ser uma droga.

– Não te minto que já tinha imaginado isso em minhas várias raivas.

– E aí, como ficou?

– O senhor Muniz o expulsou. Depois eu só fui tratar de me acalmar e quando as coisas estavam melhorando, que eu já tava saindo da faculdade, Iara me liga dizendo que o Murilo tinha surtado. Teve só uma hora que a professora Silvana chegou a perguntar do André ainda, só que ninguém sabia do traste. Ele nem apareceu para receber a nota dele. Mal Flá e Gui se reconciliaram e tiveram q...

– Espera, Flá e Gui se reconciliaram? Awwwwn!

Acho que posso ouvir Dani quicando do outro lado e apertando o lábio em fofura como ela bem sabe fazer. É tão a cara dela! Pelo menos uma boa notícia eu lhe digo. Eu encarava sim como um lucro, não importava o que as pessoas dissessem. Belezas assim não devem ser negligenciadas, principalmente por uma coisa que era o André.

– SIM! Foi... a coisa mais linda!

– Ah, droga, não acredito que perdi. Como foi-como foi-como foi?

– Digamos que ela se animou demais pela nota e sem querer comemorou com ele. Quando se tocou de quem tava abraçando efusivamente, ela pirou. Cara, ela pirou demais. E aí o Gui insistiu para conversarem, e nisso tava toda a sala assistindo, ela tentou fugir, ele a interceptou... Aiiin, foi emocionante. Prometo detalhes!

– Verdade, André até nisso estraga, cara. De qualquer forma... Nhaaaaaa!

E ela quica de novo, me trazendo um sorriso ao rosto. Não lembro de mexer meus lábios assim desde aquela hora na faculdade. Foram horas e pareciam dias, anos-luz de distância. Como as coisas podem se suceder dessa maneira?

Dani então cai em si de novo e volta ao tópico. Ou melhor, ao suposto plano que a maldade poderia construir em seu ser. Também não quero isso para ela.

– Deixa eu ver essa criatura de novo, vou chegar nele que ele nem vai me ver. Ai dele se tentar alguma coisa.

– Não confia tanto, Dani. Eu que pensei que ele só ladrava, dessa vez ele mordeu. E não foi bonito. Só não pense muito nisso não, tá? Ele não merece nem ser mencionado.

– Tô só me garantindo. Ele que não venha com as graças dele período que vem.

– Quero nem pensar no período que vem e ele na minha turma junto. Mudaria até de turno se preciso, sei lá. Também não é algo que vou me deter no momento.

Nem tinha me tocado disso para falar a verdade. Não dá pra coexistirmos sem dar merda, é um fato. Um fato que só vou lidar quando for a hora, pois no momento eu só queria que o universo trabalhasse a meu favor e tornasse a fazer as coisas a darem certo. Não aguento mais! Lição mais que aprendida, ok? Não guardar tanto na cabeça, senão tudo se junta a fim de fazer um showzinho básico.

Showzinho não, FESTIVAL.

Entendi, caramba!

– Nem pense mesmo, não é hora. Como você está? Posso ir aí te ver?

– Tô meio frangalhos, mas vou melhorar, pode ter certeza. Quero te ver também, só que anda meio delicado essa história. Murilo... bom, ele precisa de mim. Tá um pouco mais complicado do que se possa imaginar.

E bote complicado nisso!

Murilo não apenas bateu, ele surrou. Foi muita sorte nossa não ter envolvido jornal ou repórteres, já a polícia foi outra história. O diretor, Djane e outros funcionários conseguiram controlar o movimento da rua, ninguém da faculdade quis ir testemunhar, foram se dispersando e acabou que a polícia levou só André e uns amigos dele, enquanto esse desgraçado urrava processo e fazia mais drama o quanto fosse possível.

Não bastando aquela coisa toda na praia com meu irmão, ele surtado, a gente esperava que ele fosse chamado na delegacia ou algo assim. André não ia deixar barato, ele não é tão idiota de aceitar e não revidar também, embora ele use as “armas” de sua fama ou dinheiro para isso. Acompanhei comentários da galera pelas redes sociais, o alvoroço que deu, mas não vi André sequer uma vez postar algo. O que era muito, muito, muito estranho. Não dava para sacar qual seria seu próximo passo, eu só esperava.

Mas torcíamos para Filipe ter conseguido algum resultado relevante. Como Murilo tava muito mal, dispersei aqueles próximos a nós e, quando ficou somente eu, ele e Aline (ele só aceitava ver ela), Filipe apareceu na nossa porta querendo conversar, nem que fosse coisa rápida. Ele insistiu tanto que acabei chamando meu irmão mesmo, que praticamente se arrastou em sua vergonha de volta para a sala. Era penoso vê-lo daquele jeito.

Primeiro Filipe se desculpou, pela maneira como tudo aconteceu. Não entrou em detalhes, então ainda não tinha conhecimento de como as coisas tinham rolado. Depois ele disse que Iara tinha contado o que ouviu de Gui e mais uma vez eu senti por eles ficarem com as migalhas de tudo e qualquer coisa, porque praticamente ninguém se importava de dar notícias a eles, que sempre ficavam à parte nisso. Todavia, não dessa vez. Quer dizer, dessa vez Filipe não quis ficar esperando por notícias, pelas péssimas notícias que viriam ao raiar do dia, ele nos afirmou que ia agir. E precisava de nossa autorização pra isso.

Era meio loucura. O que ele queria fazer era propor um acordo... com André. Foi ai que descobri o que realmente aconteceu dentro da empresa, que não foi apenas aquela coisa toda da confusão que pensei, o que veio a explicar por que o sacana demorou a aparecer na faculdade. Após ter me atacado, ele não foi exatamente embora. Fez uma passagem no banheiro e lá teve um acesso de fúria, discutiu com um funcionário e depois saiu quebrando a ala de reuniões, por nada. O doido surtou, tava pirando sozinho praticamente. O funcionário conseguiu chamar a segurança, que o prendeu numa saleta. Lá ele ficou com birra para o soltarem.

Por isso Filipe demorou a retornar a sua sala enquanto Thiago ficou comigo. Tinha pra mim que era algum compromisso da empresa mesmo, e de alguma forma eu estava era atrapalhando o serviço. Não que Filipe fosse alguma vez me dizer isso, ele é muito educado para uma coisa dessas – e sim, é estranho ver que ele tem um lado educado, em vista de nossas várias discussões no ano passado. Isso me prova mais uma vez que ele foi apenas um cara muito mal interpretado, pois é gente boa demais e só calhou de eu o ter conhecido numa fase ruim.

O fato é que a segurança notificou o R.H. e pediu uma posição sobre como lidar com André, se apenas o detinha ou chamava a polícia, se ele causou mesmo um desastre lá dentro, com prejuízos para a empresa. Enquanto Filipe me guiava para sua sala, recebeu esse chamado do R.H., através de Thiago, quem soube do incidente do banheiro, e todos estavam em dúvida sobre o que fazer. Assim o chefe teve que tomar as rédeas da situação, foi na central da segurança, chegou a ver André detido, mas não interferiu em nada, só disse que era para manter ele lá que pensaria no que fazer.

Nessa hora Filipe nos confessou que manteve André “preso” porque sentia muita raiva pelo que o desgraçado tinha aprontado comigo, e que se era um castigo mais imediato, ele tava proposto a aceitar e prolongar aquilo quanto mais fosse possível. Nesse meio tempo, André se mantinha na birra e exigia sua soltura, que ele conhecia seus direitos, que iria chamar seu advogado, que ia mexer montanhas e cordilheiras, só por o manterem preso, que tinha outros compromissos e ele iria se atrasar para a faculdade e um monte de blá blá blá.

Ele não se ligava do feito dele, era como se fosse a coisa mais normal do mundo sair quebrando computadores, destruindo mesas, vidraçarias e mais um punhado de coisas. A coisa tava tão feia, que havia gente do R.H. realizando certa perícia e buscando vídeos de segurança que tivessem capturado André destroçando tudo. Eu podia não denunciar ele nem nada, mas outra coisa totalmente diferente era sua situação com a empresa. Implicava prejuízos e aquilo era sério.

Só que, não se sabe como, André encontrou uma brecha e fugiu. De algum jeito Murilo foi parar na cola dele, Iara viu ele sair, sentiu o clima e me ligou. E foi aquele desastre.

A proposta de Filipe na realidade é bem básica, ele quer oferecer uma troca de prejuízos. Ao invés de ele processá-lo ou qualquer coisa do tipo, por causa do dano que André causou à empresa Muniz, Filipe não exige que cubra nada, se ele retirar toda e qualquer queixa que tenha feito sobre Murilo na delegacia – porque o desgraçado deve ter feito alguma. É um acordo daqueles bem debaixo dos panos, em que cada um deve levar benefícios combinados.

De primeira Murilo não curtiu a ideia, porque André não iria ser prejudicado pelo que merece, mas conversando mais com Filipe, ele foi vendo que não teria uma solução melhor. Quer dizer, meu mano corria o risco de ser preso. Quando essa ficha caiu que Murilo concordou, e se ofereceu pra cobrir os danos, para Filipe não sair tão no prejuízo assim.

Aí Filipe nos surpreendeu. Ele disse que não ligava pra “um ou dois computadores quebrados”, aquilo era nada perto de uma coisa tão séria que acometia nossa família e que ele nunca se sentiria em paz se não ajudasse, porque, de fato, se importava conosco e, embora não fôssemos tão ligados, era sua forma de agradecer pelo que fazíamos por Vinícius. Filipe fazia aquilo de coração.

Murilo ainda achou injusto, mas acabou topando. Deixou nas mãos de Filipe para resolver a parada. E até agora... nenhuma resposta sobre isso.

– Entendo. Quer dizer... pode acontecer algo de ruim com seu irmão?

Inspiro e expiro antes de responder. Era um tanto delicada essa questão.

– Estamos trabalhando nisso. Só espero que dê ce... Tenho que desligar, tá? Beijo!

– Me mantém informada. Tchau.

Avisto um Vini praticamente zumbi ao pé da porta me procurando. Tão cansado que chegou do trabalho, da noite mal dormida, ele não conseguiu ficar longe, tombou no sofá e dormiu logo após um banho que o empurrei assim que terminou o almoço. Sua face é engraçada ao mesmo tempo em é que preocupada, meio alarmada sobre qualquer coisa. Caminho até ele e seguro sua mão, puxando-o de volta à sala. Se eu me sentia em frangalhos, ele não devia estar muito diferente.

Havia muito para se pensar, mas, para falar a verdade? Nesse momento eu só queria um pouco de paz. Mesmo que não fosse uma completa, afinal, uma boa resposta ainda não tinha satisfeito nossa ansiedade. E não saberíamos o quanto ela poderia demorar, o jeito era esperar.

De qualquer forma, eu tinha um plano, pensei. Um plano em execução sem ninguém mais saber, não além de Luciano. Me sentindo mais inerte após a ligação de Dani, abracei e procurei conforto em Vinícius, que devia imaginar que eu estava longe pelo mesmo motivo que ele. Mas aquele plano... não tinha jeito, nenhuma mera circunstância iria me impedir, me mantinha determinada. Assim como minha mente era determinada em dizer “desculpa, Vini, não será dessa vez”, pois, só por enquanto, aquilo eu iria guardar.

Certamente iria me arrepender, poderia até apostar. Só que quando se lida com o tempo, o tempo passageiro sem notícia boa alguma, você apenas tem que fazer alguma coisa. Sem muitas opções, apenas fiz.


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Notas finais do capítulo

Torcendo pelo plano do Filipe *cruza os dedos*
Mas pera, o que será o plano da Milena?
Huuuuuuuuum...



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