Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 163
Capítulo 162


Notas iniciais do capítulo

PARA FECHAR O NATAL MAIS DEMORADO DO MUNDO, eis que trouxe um capítulo daqueles bem tensos, mas importante para virar uma chavinha interna.
Mandem amor para a Milena que ela vai precisar de muito muito muito amor!

Enjoy!



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Uma Flávia de vestido preto básico nos atende bem nervosa e descalça. Acho que não conseguiu se trocar nesse meio tempo ou na eternidade desse encontro inesperado. Murilo a cumprimenta e se senta numa cadeira no terraço, que iria nos dar privacidade, mas que poderia o chamar a qualquer hora, não queria incomodar.

Sigo para dentro da casa com uma Flávia estabanada topando na porta da sala e depois na mesinha lateral. Quase que um vaso vira. Noutros tempos, eu teria feito alguma piada sobre isso acho. Riríamos. Mas, na real, meus olhos estão atrás de outra pessoa, cautelosa de ver o Gui, que não parece estar em lugar nenhum até então.

— Você quer... hãaa... alguma c-coisa?

Penso por um momento na água e não quero aumentar o estresse de ninguém.

— Não, valeu, tô bem. Seus pais estão em casa?

— Não, eles preferiram ficar um pouco mais... no apartamento... Avós, n-né.

— Verdade, tem hora que esqueço disso.

— Mas a-a gente pode ficar no meu quarto, sem problema, assim caso eles... cheguem... Bom, acho que melhor a g-gente ir pra lá. Ou qualquer outro lugar. Quer dizer...

— O seu quarto então.

— Tá, eu só... vou na cozinha. Você pode ir na frente.

Acontece que vou no meu passo lento e com ele posso ouvir a voz dele com a dela quando Flávia some de vista. Então ele tava aqui, afinal. Tento não parar por nada, só colocar um pé por vez para chegar ao corredor e então ao quarto dela. Porém, quando vou entrar, me dou conta de que lugar era aquele. Onde tudo começou. Onde ela me fez as perguntas e onde Aguinaldo me abraçou. Onde os dois passaram da linha limítrofe.

Termino por ir para a porta do antigo quarto de sua irmã, bem ao lado. Quando a Flávia reaparece, sinto que ela iria perguntar e então percebe minha hesitação. Assim, ela só passa por mim, liga a luz do quarto e ajeita umas caixas no local para que eu possa andar sem topar neles.

— A gente ainda t-tá vendo o que faz com esse... quarto. Muito provável seja do meu sobrinho, para quando vir visitar. E... instalar também um bercinho, algo mais seguro. T-talvez manter essa cama. Pro casal, n-né. E fazer uma limpeza também. E...

Flávia perambula pelo espaço puxando um e outro móvel de lugar e falando tudo tão ligeiro e piscando e puxando o cabelo do rosto e ao mesmo tempo tão perdida no que está fazendo e falando e então pausa de repente, sentando-se num puff, escondendo o rosto de mim. Adentro o quarto com calma e fecho a porta. Ao lado, ligo o ventilador para arejar um pouco. Antes que me vire, escuto um soluço e sinto um aperto no peito.

Flávia chora.

Me deparo com ela encolhida no puff, ambas as mãos ao rosto, cobrindo os olhos, o cabelo solto quase entrando na boca que treme e as pernas estão tão tensas que fincam de uma maneira desconfortável. O todo também desfavorece o seu vestido bonito.

Me arrasto com calma para sentar na lateral da cama, em frente a ela, que soluça e ao mesmo tempo tenta segurar o próprio choro.

— Você... Tem tomado as vitaminas?

Sem mudar a posição em nenhum milímetro, ela só balança a cabeça em afirmação. Por mais que o aperto no peito me doa e me sinta completamente sem ação, respeito seu momento. Por outro lado, não consigo ficar nesse silêncio, assim tento preencher com qualquer coisa que não seja a nossa questão principal.

— Que bom... Como foi seu Natal?

Essa Flávia já não responde, só inspira em busca de ar e dá para ouvir o quanto seu nariz congestionou em segundos. As mãos dela deslizam pelo rosto e ela tenta tirar os vestígios de lágrimas, mas termina sendo algo em vão, pois a maquiagem borrou e tá um misto de preto com um dourado que eu nem tinha percebido quando entrei.

Espio um pouco o quarto para aliviar a minha própria tensão e acho um rolinho de papel-toalha esquecido numa das prateleiras ao lado. Com um impulso, pego o rolo e entrego-lhe um pedaço, o que, infelizmente, parece desencadear um choro com mais força.

Neste momento, lembro das palavras do meu irmão: era um momento de se esvaziar; não era sobre perdão ou superação.

Ainda assim, me sinto um tanto avulsa. O que dói em mim não é nem ela estar chorando assim, é esse clima incerto e sem respostas. Tá, também fui pega de surpresa por essa sua reação. No entanto, não sinto vontade de abraçá-la ou de cuidá-la como antes. E apesar de não estar envolvida assim com seu momento, também não posso anular os sentimentos dela, só esperar que passem. Fico na expectativa de que passem logo.

Em um tempinho, Flávia usa o papel que lhe passei e tenta se recuperar. Me concentro em dar mais espaço a ela, observando as coisas ao redor, como o guarda-roupa e uma mesa vazias, além de sacolas e caixas espalhadas. Acho que nunca tinha entrado por completo aqui, no máximo tinha só passado um pouco da porta, acompanhando algo que a Flá fazia e sem prestar atenção ao lugar. Era bem espaçoso.

Ela funga e inspira fundo:

— Não acredito que você tá aqui.

Volto meu olhar para ela ou pelo menos para seu lado e respondo, quieta:

— Nem eu.

Os seus lábios se comprimem novamente, como se isso tivesse saído meio maldoso ou sei lá, porém, ela não cai em choro, ainda bem.

— Ainda não entendi porque você v-veio. Mas agradeço... que veio.

Suspiro, porque, de repente, nem eu sei a resposta direito.

— Acho que eu só queria te ver um pouco e te ouvir. Te ouvir no que você puder me dizer sobre o que foi tudo isso. Só quero entender. Também pra não imaginar mais mil teorias. É cansativo.

Flávia assente de um modo um pouco mais quieto agora que já chorou e, ao passar o papel ao nariz, dou-lhe outro pedaço, que agradece baixinho. Mas então, nada vem. Ela só fica olhando o papel-toalha nas mãos e até sua franja lhe recai sobre os olhos, de modo que parece estar se encolhendo cada vez mais. Espero em expectativa, dando-lhe mais um espaço, tendo em vista que deve estar maquinando o que me dizer ou como dizer.

E o tempo se arrasta. Me vendo sem resultado, penso em voltar pra casa. Só que lembro de uma coisa e uso isso pra preencher o vácuo do nosso encontro, mesmo que fosse só pra encerrar e saber que eu tentei:

— Você ainda tem aquele CD que te pedi pra guardar?

— Que CD?

— Um que tinha um arquivo do Murilo, um vídeo que eu...

— Ah. Tenho. Vou pegar.

Como uma bala, ela passa por mim para sair do quarto. Imagino que já estivesse no impulso de fugir e lhe dei a desculpa perfeita. Mas ainda não quero mais ficar só imaginando isso e aquilo e, sozinha no quarto de sua irmã, sinto que é até aqui que vou. Quer dizer, vou pegar uma das últimas cópias do arquivo do Murilo e ir embora.

Quando Flávia reaparece, me entrega o CD na capinha de papel, do mesmo modo que lhe repassei há mais de um ano. Ela não pergunta sobre isso e eu também não tô a fim de explicar nada. Me levanto e com uma expressão facial, agradeço, já me encaminhando para sair. Assim que chego na porta para abrir, ela vem até mim, agitada, e diz:

— Eu só vi... coisas!

Me viro de volta, sem entender.

— Viu o arquivo?!

— Não, tô falando que... eu vi... c-coisas. Como você sempre dizia, o universo me mostrou coisas. E eu fui atrás, porque senti que havia algo estranho, algo a mais, algo que... você não tava contando. Você só me falou aquilo do Sávio, de ele ter protegido todos nós do André e eu senti que... pensei que... Talvez estivesse precisando de ajuda. Porque você já precisou uma vez.

Trêmula e confusa, Flávia coloca o cabelo pra trás e vejo que tenta se ater ao que precisava dizer. Ao olhar diretamente pra mim, não consigo desviar dela.

— Quer dizer... E se fosse um sinal de novo? Eu não... Eu não me perdoaria de não fazer algo.

Havia medo nela, um medo gigante, como o Murilo falou.

Esse medo faz com que vacile e que se embargue novamente, perturbada.

— E você mesma... você me deu a confirmação de que havia algo, algo muito maior, algo forte. E você t-tava confiando no Sávio, que era o S-Sávio, o cara que... o cara que tinha t-te enganado. Eu não sabia o quanto isso era confiável ou saudável ou se... Eu não sabia, Lena. O Gui não sabia. Você t-tinha as respostas e ao mesmo tempo não estav... Quer dizer, e-eu... Havia algo diferente dessa vez. Senti que precisava ir atrás.

Uma lágrima teima de cair pelo seu rosto manchado e ela a ampara já no automático. O que não conseguiu falar minutos atrás agora ela jorra pra mim.

— Eu sei... eu sei, Lena, eu sei... Sei que eu não tinha o direito de fazer como eu fiz. Eu poderia ter apenas tentado mais uma vez conversar com você. Mas tava tudo tão embaralhado... e fiquei tão agoniada... E aí você tava aqui em casa e às vezes falava coisas sem perceber. Coisas quando estava muito cansada, de modo que nem precisava perguntar, você só falava e nem tudo dava pra compreender de tão desconexo e confuso que saía. Mas um dia eu testei, eu perguntei diretamente. E você... Você m-me respondeu.

Com essa, me desloco para trás para poder sentar. Flávia assume meu lugar na porta, de modo que se encosta nela para ter um suporte ao seu corpo, pois parecia já não ter muitas forças, mas estava ali, falando, mesmo pouco orgulhosa e muito cabisbaixa.

— Eu perguntei sobre qual era a verdadeira história entre o Sávio e o André. Quando você respondeu, me tratou como se eu fosse o Murilo. Como se estivesse conversando com ele. Disse algo como “como se você não soubesse, né, Mu” e eu fiquei... Fiquei meio chocada. E sem perceber o que tava fazendo, pedi que esclarecesse mais. E me explicasse porque você tava ajudando o Sávio. E sabe o que me disse?

Parece que consigo ver a cena, mesmo que muitos dos sonhos vívidos tenham se perdido ao longo desse tempo. Ainda assim, era estranho ouvir e sentir algo me travando a garganta.

Flávia, por outro lado, parece mais determinada e autocentrada agora.

— Disse que ele tinha feito muito por todos e que chegou a apanhar por isso. Que você queria protegê-lo. Que o Sávio sofria muitas retaliações e que ninguém entendia pelo o que ele passava, só o julgava e o afastava. E você queria ajudar. E então disse a coisa mais sem sentido, que não compreendi no momento. Disse...  Disse: “espero que Max resolva logo isso” e então... perdi contato.

Ela inspira, cansada. Eu só passo a mão no rosto pela lágrima que me escapa.

— Mas de repente vi que estava com uma informação valiosa e intensa na mão e sem saber o que fazer com ela. Porque eu tinha achado um... “canal de contato” com você, mas ao mesmo tempo... era errado. E fiquei na dúvida se devia seguir em frente. Daí te via tão cansada com tudo e talvez... talvez precisasse... Mas foi errado, tá?

Com essa, Flávia passa a mão por todo o rosto, chorosa, mancha ainda mais o que eram os vestígios de sua maquiagem borrada e escorrega pela superfície da porta até o chão, onde se senta. Parecia mesmo sem forças. Tanto que se encolheu ao próprio corpo, quase fazendo um casulo em si.

Até que eu me manifesto e ela lentamente levanta a cabeça, com o olhar vago:

— Onde ou como o Gui entrou nessa?

— Eu contei pra ele que tinha tido uma conversa com você... com você na divisa do sono. Ele não acreditou de primeira, mas então quando falei do Sávio... de como batia com o seu comportamento, ele ficou balançado. Então fiquei de mostrá-lo em alguma oportunidade. Daí uma vez ele tava aqui e... você como sempre, tão cansada, tão estafada. Eu não queria me aproveitar de você, Lena, mas ao mesmo tempo, estava ali uma via de respostas. E você estava no ponto certo desse... “canal de contato”. E tudo aconteceu de um jeito tão embolado que...

Agora sou eu que tô chorando e não demora muito para ela também cair no choro. Mas a Flávia continua e por mais que eu queira saber, eu não sei se tenho forças em mim para ouvir e dar sentido a tudo isso.

— Eu juro, Lena, eu não queria ter feito isso. Eu não sei onde eu tava com a cabeça. O Gui tentou me parar e eu tava, sei lá, paranoica, juntando peças, alarmada. Era muita coisa e só coisa pesada. E se era pesado pra mim, imagina pra você. E foi aí que vi que eu não poderia fazer nada, porque não poderia dizer que eu sabia, porque também não poderia dizer como eu tinha conseguido a informação sem entregar que fiz uma coisa terrível. Porque eu fiz essa coisa pavorosa, disso eu tenho consciência. E foi o que te falei uma vez, não foi? Que tinha feito algo ruim. Lembra?

Lembro. Estávamos numa pracinha enquanto ela se preparava para a entrevista de trabalho que haveria no centro meteorológico. A Flávia ficou estranha do dia pra noite, assim como o Gui, e eu na minha inocência até considerei que eles tinham brigado. Com o passar dos dias, as coisas foram ficando mais estranhas, com eles se comportando diferente quando se tratava do Sávio. Mais gentis. Mais de guarda baixa. E eu comemorei, claro.

— Quando teve aquela vez que minha família me dopou e eu fiquei com muita raiva, lembro de brigar com eles e até chegar a dizer que eles não tinham o direito. Você inclusive tava aqui, veio me buscar para voltar pra casa do Gui, e por dentro eu me recriminei. Porque eu também fiz algo de que não tinha direito.

Lembro levemente dessa situação. Quer dizer, lembro dela raivosa e sei que teve uma hora que ficou calada e até seu cunhado me perguntou o que eu tinha feito para acalmar a fera. Só... nunca poderia achar que eu seria o reflexo disso. As coisas já estavam bem confusas com todo o rolo do assalto e o Aguinaldo quebrado.

— E eu sinto muito, Lena. Sinto muito mesmo. Não é da boca pra fora. Sinto muito que fiz isso com você. E ter escondido isso de você. Sei que não justifica, mas eu tive muito medo. Porque sabia que ia perder você. E te perdi pra sempre, eu sei. Mas mesmo assim, ia te dizer. De alguma forma, encontraria as palavras. E enquanto reunia coragem, fui fazendo o que dava pra consertar, como perdoar o Sávio e aceitá-lo de volta. Só que não poderia fazer tudo de uma hora pra outra sem me denunciar de que sabia coisas. Eu não quis esconder, eu tive de esconder. E me odiei muito por isso. De verdade, Lena.

Entendo que de alguma forma tinha chegado ao final e era hora de ir. Afinal, era só pra ouvir, né? Não pra responder. Assim me levanto devagar e meio que falamos ao mesmo tempo em que uma barulheira nos interrompe:

— E-eu...

— Acho que vou...

Foi o som de vidro se estraçalhando e é claro que isso nos sobressalta. Na mesma hora, Flávia se levanta num pulo e sai do quarto para averiguar. Sigo-a, também preocupada, no máximo de rapidez que consigo. Ao fim do corredor, encontro um Murilo de pé na sala, apreensivo, até entender que o caso vinha da cozinha.

Ouço Aguinaldo falar que foi sem querer, que não se machucou e que iria limpar. A Flávia diz alguma coisa que não compreendo, só sei que era pra ele pegar algo na dispensa. Só que para ir para lá, ele teria que passar por mim. Eu sei que poderia retornar para o quarto e me resguardar desse encontro com ele, porém, não consigo sair do lugar.

Assim que Gui sai da cozinha, ele me olha no ponto limite entre a sala e o corredor. Pesaroso, anda até mim devagar, vacilante, ora me observando, ora desviando. A cada passo seu, me sobe algo ruim por dentro. Porque lembro o que ele me tirou. Não só mentiu pra mim e me roubou a paz, como roubou algo precioso pra mim – o simples abraço.

Por mais que o plano insano fosse de Flávia, Aguinaldo poderia ter dito não. Ela me invadiu mentalmente, mas ele me invadiu fisicamente.

Eu sei que não houve nenhum contato ou intenção sexual no seu toque, no entanto, me afetou de um jeito que cheguei a rejeitar o toque de outras pessoas – até mesmo do Murilo. Estragou os abraços pra mim. Foi por certo período, e ainda assim terrível.

Além disso, nossas divergências começaram muito antes, com todas as discussões e embates. Ele sempre questionando as chances que eu dava a outros, como se EU estivesse fora de mim. Uma vez até o Bruno comentou que era bem capaz de um dia o Gui fazer uma grande merda e não ter como consertar. Que iria recorrer a mim e não teria como aceitar suas desculpas.

Então sim, no momento, o que mais sinto é uma ojeriza dele. Uma vontade de bater e ao mesmo tempo nem me dignar a olhá-lo. Nem à sua planta. Talvez jogá-la fora. Se fosse possível, jogá-lo fora de mim. Tudo isso me inflamava por toda.

Ao finalmente ficar de frente pra mim, com tudo isso borbulhando, viro o rosto para a parede porque não quero sucumbir à vontade de ser violenta e expressar toda minha raiva com minha mão na sua cara.

— Por favor, Milena, olha pra mim.

Respondo, no máximo que dá, entredentes:

— Passa direto.

Ele não passa, então tomo o passo para sair dali. Só que Aguinaldo me segura o braço.

— Por favor, Milena.

Sem me dirigir a ele e atender a esse seu pífio pedido, só digo:

— Vou ter que chamar o Murilo?

Nesse ponto, ele me solta.

Meu irmão tinha voltado para o terraço quando viu que não foi nada demais os estilhaços, mas estava a um segundo de mim se precisasse.

— Você ouviu todo mundo, mas não pode nem me olhar.

— E deve imaginar o porquê, não? Ou melhor, sabe o porquê.

— Sei. E sei que nada que eu disser vai apagar, mas eu sei o que fiz.

O deboche é mais forte que eu, pois me viro enfim a ele e enfatizo:

— Tem razão, não vai apagar.

— E você não vai acreditar no porquê fiz isso, se foi pra te prot...

Finco o dedo na cara dele, fervendo:

— Nem se atreva a dizer essa palavra. Porque você foi muito, MUITO, muito além.

Com essa, ele só abaixa a cabeça, sem responder.

— Parecia um tipo de carma, sei lá, mas quer saber? Era só você errando mesmo. Eu não tenho nada a ver com isso, não me meta nisso. Foi uma decisão tua e foi consciente.

Ele parece engolir seco com essa, desviando o olhar. Agora sou eu que não deixo de o encarar, procurando de alguma maneira aquela pessoa que eu conheci e que não mais reconheço a minha frente.

— E em pensar que... Pensar em como te defendi. De Max.

Contrito e desorientado, Aguinaldo me devolve o olhar:

— Você...?!

— Todas as vezes que ele tentou sondar sua participação nos esquemas do teu pai, eu tava do teu lado dizendo que você não fazia parte daquilo. Isso sim era proteção. Mas no final das contas, eu estava sendo eu mesma, uma pessoa que defende. E você, sendo você mesmo... uma pessoa q-que...

Não consigo dizer. Até porque minha alteração ou toda essa discussão chamou atenção de Murilo, que nos ronda e termina por nos afastar, encerrando essa conversa por nós dois. Ao fundo, no portal da cozinha, vejo Flávia um pouco perdida.

— Acho melhor irmos.

Aguinaldo dá um passo para trás e ousa dar uma de anfitrião, mas Murilo intervém de novo.

— Eu acompanho voc...

— Não, pode deixar, nós sabemos a saída.

Junto de meu irmão, vou andando no passo que dá. Até chegar ao terraço, Flávia reaparece para abrir a porta, agora com chinelas enormes que imagino ser de seu pai, para não machucar os pés nos cacos, e sem nenhuma palavra, só fungadas bem congestionadas.

É na calçada que inspiro o ar fresco da noite. A casa parecia abafada ou era eu me sentindo quente do puro furor que o Aguinaldo despertou, o que não passa despercebido por ninguém.

Murilo avisa que vai manobrar o carro para facilitar minha entrada e me sobra esperá-lo em silêncio junto de Flávia, ainda à porta. Apesar de a cabeça não estar lá muito arejada, sei que nem deu pra chegarmos a finalizar a conversa, vez que fomos interrompidas pelo vidro que se espatifou. Diferente de Aguinaldo, ela não me passa uma sensação ruim. Não tenho como respondê-la tão de imediato, porém, tem algo que me atenho, de quando falou sobre me perder para sempre.

Suspiro e tento ser honesta sobre isso que tô sentindo:

— Não tenho como te dizer muita coisa agora, e nem sei dizer se você me perdeu. O que sei é que vai ser difícil de levar isso adiante. Vai ser diferente, isso é certo. E acho... Acho melhor darmos um tempo. Tenho ainda que me reaver nesse processo. Vou precisar desse tempo.

— T-tudo bem, não tem problema. Quer dizer, tudo bem mesmo. Eu queria te falar e te explicar muito mais coisas, mas... entendo. Não sei nem como te falei tanta coisa. Acho que... Acho que porque você merecia saber e também por... Por seu esforço de vir aqui. De me ouvir. Fico agradecida de verdade. E aceito seus termos. E vou continuar tomando minhas vitaminas e me cuidando... V-vou confiar que você vai ficar... bem.

Assim encerramos e eu entro no carro. Murilo não fala nada, só segue para sairmos dali. Quando nos vemos na avenida principal que consigo respirar e me situar do que houve. Meu celular bipa uma mensagem do Vinícius que nem dá para ler, quanto mais absorver. Pra todo caso, respondo-o:

Oi. Acabei de sair da casa da Flavia. O Agn tbm estava la. Foi algo bem repentino e ainda nao sei bem como me sinto. To voltando com o Mu. Te vejo amanha na rodoviaria. Preciso descansar primeiro. Mas to inteira.

Só assim deito a cabeça no banco e, tombada, me permito não existir até chegar em casa – ou, sabe-se lá, até ser um novo dia.


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Notas finais do capítulo

Não sei nem reagir, só seguir, PORQUE VAI TER COMBO!
(mas a calma e incentivo do Murilo foram essenciais demais, né, não? orgulho dele e da Milena de fazer diferente e ir lá encarar a porra louca que foi essa situação)



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