Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 11
Capítulo 10


Notas iniciais do capítulo

Um velho grande choque... que dona Milena anda escondendo.
Foi um cap um pouco difícil de escrever. A música citada, por exemplo, fiquei proibida (HAHAHA) de ouvir por meses pq só me lembrava dessa cena que eu demorava a escrever e, de fato, são muuuuuuuitos feels. Nunca achei que poderia chegar a esse ponto na história e cá estamos (NA SEXTA, OH MY, TEMPORADA - e última, claro).

Daqui pra frente acho que dá pra sentir que as coisas vão tomar um rumo mais trágico do que cômico e a história precisa disso pra se firmar como é. Acho que o que tô tentando dizer é que não foi fácil escrever esses capítulos e que, com muito esforço, eu consegui extrair e dar forma a eles. Melhor, estou orgulhosinha das dimensões dessa trama e... *RESPIRA*

Ah, vão ler, vão... senão eu começo me emocionar aqui.

Já estão com o coração na mão? Surpresas espero que não faltem...

Enjoy!



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Dezessete livros, cinco agendas, oito cadernos. Constam na minha estante.

Cinco canetas, três grafiteiras, um lápis, dois apontadores, quatro réguas, nenhum corretivo. Onde estava meu corretivo? Não importava.

Uma, cinco, dez, quinze, vinte, trinta feixes de luz atravessavam minha janela. Havia amanhecido.

Gostava de números, sempre me dei bem com eles, entendia-os, assim como eles a mim, era uma relação fácil, entendíamos só num olhar, num cálculo, as coisas se juntavam tão rápido que as contas se faziam quase por si próprias sem eu mesma notar até chegar a um resultado.

E eu continuava a contar.

Dezessete livros, cinco agendas, oito cadernos. Cinco canetas, três grafiteiras, um lápis, dois apontadores, quatro réguas. Um, cinco, dez, quinze, vinte, trinta feixes de luz. Era no que meus olhos secos e ardidos batiam, era visível da posição qualquer que me encontrava na cama. Imersa.

Dessa vez, porém, os números não estavam em conformidade comigo. Apesar de saber que havia dezessete livros, cinco agendas, oito cadernos, cinco canetas, três grafiteiras, um lápis, dois apontadores, quatro réguas, trinta feixes de luz, outros números para mim eram uma incógnita. Para negar-me ficar consoante a este estado indefinido, eu continuava a contar, agora, quantos papéis estavam espalhados ao chão depois de um surto que tive na noite anterior.

Do que me adiantava saber quantos papéis estavam ali dispersos? Não eram nada perto do X que minha mente se recusava a decifrar.

Números perdidos, contas perdidas. O X das vezes que aquilo me pegou, o Y das vezes que aquilo me quebrou, o Z dos pedaços que me sobrou, o W daqueles que tentaram se reconstituir, o K das sequelas que ficaram, o A das vezes... que machuquei outros, o B de vezes que... preocupei os outros.

Ah, sim, devo lembrar, anotar, que não correspondi de novo ao meu irmão.

Noite passada apenas me tranquei no quarto. Ouvi Murilo chegar tarde, ele demorou a notar que eu estava reclusa. Talvez estivesse cansado, ocupado. Ouvi também quando tentou abrir minha porta, estava passada na chave. Isso foi o bastante para ele perceber que algo estava errado. Ele nem chegou a bater; apreensivo, me chamou:

– Milena? Milena?

O quarto estava escuro, nem mesmo liguei o abajur. O escuro parecia me esconder, era isso que eu queria. E silêncio. Mesmo que meus pensamentos fossem críticos, fossem inquietos, eu atingia certo torpor imersa naquele fim de poço. Talvez mais abaixo do próprio poço, afinal, não era úmido, era seco, muito seco, árido a ponto de o ar ainda me faltar por vezes. Poderia ser também pela carga que me dominava, os diversos pensamentos me acusando.

– Milena, fala comigo. O que aconteceu? Milena? Hey!

Murilo forçou um pouco a tranca, batia forte à porta, um pouco exasperado. Eu? Nem me mexia. Não mais que o respirar por respirar, o piscar por piscar. Eram movimentos involuntários. Me forcei um pouco então, me fiz de desperta àquele momento. A letargia de passar muito tempo deitada não me ajudava nesse quesito.

– O-oi?

– Por que a porta tá trancada? O que você tem?

– Nada, Murilo.

– Aconteceu alguma coisa. Me deixa te ajudar.

Por favor, não insiste.

– Não é nada, maninho.

– Então me deixa entrar.

– Me deixa um pouco sozinha, pode ser?

– Mi... só me diz o que houve.

– Nada, Murilo. Só quero poder dormir, ok?

– E precisa ficar trancada?

Não respondi.

Ele deixou a porta. Provavelmente ligou para Vinícius, sei que sim. Não por ter prestado atenção ao que fazia lá fora, mas pelo tempo que demorou pra minha porta voltar a vibrar por suas batidas. Porque meu celular estava desligado, então não havia como Vini falar comigo também. Isso pode ter o preocupado bastante, mas eu não tinha forças para ligar de novo o aparelho. Nem para encarar as doces palavras de meu namorado. Estava despedaçada o bastante.

A voz abafada dele retornou.

– Milena... fala comigo.

– Oi, Murilo. Não é nada, tá? Pode ir dormir.

– Mi... tem algo errado, eu sei. Você não tá bem.

Precisava dar algo a ele, senão não deixaria minha porta.

– Eu... só discuti com uma pessoa. Me dê um tempo, só estou chateada.

Havia mesmo discutido. E não me referia a Anderson. Era uma discussão de um tempo atrás, um encontro inesperado. Com ela.

Ela quem me deixava assim.

– Quem foi?

– Murilo, por favor.

Me desculpa.

Dessa vez eu realmente pedia. Estava a ponto de implorar.

– Mi...

– Por favor.

Ele cedeu, para meu alívio de qualquer encontro com ele. Não estava preparada para encará-lo. Não com gordas lágrimas vazando de meus olhos até por involuntário.

– Tudo bem... Estou aqui do lado, no quarto, caso precise.

E assim, cansada, dormi.

Ah, sim, outra lembrança súbita, um novo pesadelo, uma nova insônia.

Mais um pulo, um surto.

Minha mente foi traiçoeira. Enquanto eu queria aproveitar um pouco de “paz”, ela não ligava se tivesse cuidado do exterior, ela me ferrava pelo interior. Apesar de ter acordado abruptamente das imagens quase reais dela, aquilo me revolveu por madrugada a dentro, a memória viva daquele dia, o fim do evento acadêmico.

Podia sentir sua acidez acentuada novamente.

– Leninha, prima linda, é você?

Havia me dispersado dos amigos no coquetel, estava numa rodinha de conversa com uns alunos que tinham uma linha de pesquisa próxima ao que eu apresentara naquele evento. Com sede, fui à mesa buscar um pouco mais de bebida. Distraída fui pega. Ao ouvir aquela voz, quis dar por encerrada aquela viagem. Era meu limite. Tanto já havia acontecido lá, minha cota estava cheia.

Demorei a virar-me, o copo até caiu de minha mão na mesa. Por um segundo me permiti acreditar que tava alucinando. Até Denise me tocar no braço, mais graciosa impossível.

– O que faz por aqui?

Aquilo me deu um enjoo imenso. Cara de pau! Ela realmente ia dar uma de boazinha comigo? Ela... ia. Isso me tornou agressiva. Eu era, infelizmente, apenas uma gatinha enraivecida em comparação à onça parda.

– O que você faz por aqui... vadia?

Um riso maldoso se desenhou naquela boca pintada de vermelho, como se estivesse degustando de minha reação. O que era bem provável.

Aí ela se fez de dissimulada.

– Ai que agressividade. Até onde sei éramos tão amigas.

– Você sabe que eu sei, Denise, não precisa se fazer de sonsa. Lembra-se do caderno da Hello Kitty?

Ela pareceu pensar muito até vir a lembrança do que eu mencionei.

– Da Hello Kitty? Ah, sim, sim. Era tão inocente naquela época...

Soou como se estivesse descrevendo a si mesma como pessoa inocente, fazendo pouco da situação. Fez biquinho até, como se tivesse dado uma bola fora de relembrar o passado e que nesse passado ela não era vilã. Uma coisa me subiu.

A raiva se tornou latente em mim, queria gritar todos os impropérios possíveis para acabar com ela. Avançar nela, puxar todos os seus delicados cachos falsos, puxar todo seu couro cabeludo para sentir uma real dor. Não seria metade do que havia feito, mas algo ao menos. Sabia eu internamente que aquilo não passaria de cócegas a ela. O jogo de Denise era muito diferente. Era baixo, muito baixo.

Ela acabou com tanto naqueles tempos! Tanto que até hoje tô no conserto, e ela me ganhando, pois nunca fui brava o bastante de admitir que ela me derrubara. E lá estava ela novamente, altiva, me provocando.

Meus nervos foram os primeiros a se deixar levar.

– Inocente éramos nós. Você não valia nada. Aliás, deve ainda não valer.

Ela se vangloriou apenas, apresentou-me uma aliança ao dedo da mão direita, como se aquilo fosse algo pelo quê valia ser vaidosa. Era uma conquista desonrosa, eu apostava.

– Ai, meu bem, tô chegando onde eu quero. Vê esse anel aqui? Não foi fácil conseguir, não, garota. Não sabe em quaaaantos tive que pisar.

– Tenho minha sincera pena dele por não conhecer a vadia.

Quis cuspir, só não havia “material” suficiente. Minha saliva secava só de estar perto dela. Não fazia mais que alfinetá-la, não havia um preparo meu para aquilo. Me chutava internamente por isso, devia me mostrar superior. Era ela quem gostava de destruir por simples prazer de acabar com as pessoas. Era ela quem devia estar sofrendo.

Mas apenas debochava...

– Ah, eu gosto, que culpa tenho? Vocês que confiam demais.

– Tem razão. Confiança é para poucos.

E aí ela fez que esqueceu todo o papo de segundos atrás, como se nada importasse. Era... absurdo em tantos jeitos que minha cabeça não era capaz de sequer contabilizar. E mais surrealidade veio dela:

– E como está tudo? Vovó nunca foi pro meu lado, você sabe, não me conta muita coisa. Vi umas fotos do Natal. Murilo tá um gato, hein. Pena que não tô lá.

O que ela achava que eu diria? Me deu ânsia!

Murilo era seu primo. E de primeiro grau.

– Já não basta tudo o que você fez?

– Ui, até parece que fiz muito. Bobagem.

Com a mão agitando ao ar, fez que não era nada.

Todo um terror psicológico era... nada.

– Você sabe muito bem o que fez. Mas eu consegui me levantar.

Acho que Denise cansou daquilo, finalmente mostrou a cara. Absurdamente revirou os olhos para mim, descansou-se num pé, bufante, como se estivesse farta.

– Ai, filosofias baratas. Não era a toa que era tão idiota. Meus brinquedinhos bestas. Queriam ter vontade própria, vê se pode?

Era um monstro camuflada em uma doce imagem. Sempre muito bonita, chamava a atenção, Denise era uma garota não para se olhar duas vezes se uma primeira já fazia os pares de olhos masculinos fixarem nela. Mas não passava disso, era falsa.

Ali, a verdadeira face me pareceu tão convidativa que virei a mão nela, certeira, um feito com gosto, embora pouco. Denise urrou, xingou, só não havia ninguém por perto para nos separar caso nos pegássemos ali. Porque se ela avançasse, eu iria me defender, obviamente.

– Sua vagab...

E se tacou a rir, psicótica como era, uma risada maléfica.

Veio enfim uma constatação que eu não poderia negar.

– Não adianta, Mileninha, eu ganhei. Posso não ter ficado com Eric, mas ninguém mais ficou, me certifiquei. E claramente isso ainda te machuca. Ou seja, EU ganhei. De novo.

Ganhou, mesmo. O transtorno era tamanho por estar exposta novamente a ela que vacilei. Não, não, não, pensei. Não posso cair novamente.

E meus olhos cheios me entregaram.

Não por ter perdido Eric, nem por ter me feito de boba. Era por aquilo ainda me machucar. Eu não conseguia manifestar-me a respeito de qualquer coisa relacionada sem me sentir mal, sentir por mim e pelos outros. Como aquilo me marcou. Como não podia silenciá-la. E como não era capaz de esconder isso de Denise, outra vez sujeita do domínio psicológico.

Um rapaz muito bem apresentável parou ao nosso lado, observou-nos superficialmente antes de abraçar e se enroscar àquela garota. Já mal respirava a essa altura, me cobria parcialmente com uma mão à face. Ele parecia além da nossa realidade.

– Hey, querida, quem é esta?

– Ninguém. Só uma perdida que não sabe do banheiro. Queridinha, é pra lá.

E saíram, me deixando aos frangalhos.

Assim se deu meu surto madrugueiro. A raiva me bateu outra vez por não ter sido forte o bastante, por não ter argumento que batesse aquela maldita. Por não ter batido mais nela! Minha mão ainda formigava por isso. Tanto que pegou a primeira coisa ao escuro que pôde. Minha pasta de documentos. Meu relatório impresso do estágio. Muitas conquistas para nada!

Porque eu era um nada novamente.

Que ainda levava a culpa por isso.

E Anderson saberia.

Trilha indicada: Papa Roach – Reckless

(01:13)

I'm walking on broken glass

From the wreckage of my past

I'm locked up in a cage

'Cause I'm a prisoner of my ways

Eu estou caminhando sobre o vidro quebrado

Dos destroços do meu passado

Estou preso em uma jaula

Pois eu sou um prisioneiro de meus modos

So cut me off, throw me out

'Cause I'm reckless, I'm a reckless

Então me corte, me jogue fora

Pois eu sou imprudente, eu sou imprudente

No momento que lesse o conteúdo, ele saberia. Da manipulação, da rede de intrigas, das peças de um jogo que fomos. Peças derrubadas, chutadas, acabadas. Meu medo não era bem pelo que Anderson pudesse fazer com a informação, era mais por outra pessoa ter conhecimento daquele passado horroroso. Se eu pudesse esquecer, juro, eu esqueceria, mas aquilo... aquilo não se faz com as pessoas. Brincar com seus sentimentos.

Era vergonhoso.

I'm reckless, so reckless

God save me from this madness

I'm reckless, oh so reckless

God save me, save me from this madness

Eu sou imprudente, tão imprudente

Deus me salve dessa loucura

Eu sou imprudente, oh tão imprudente

Deus me salve dessa loucura

Meu mal-estar era basicamente por isso, fui novamente peão de Denise, sem uma chance sequer de defesa. Ela era um veneno, aquele que percorre todo um caminho para chegar ao coração e terminar seu feitio.

Não mais consegui dormir, queria evitar a imagem dela tão próxima a mim. A sua risada, o seu deboche. A sua inocência.

Revolvia tudo por causa da ousadia de Anderson.

E Kevin...

Ah, Kevin, isso ainda respira com você também? Isso ri de você? O que foi feito de você, amigo, se não havia quem te entender?

Ainda tem noites insones quando bate a cabeça no travesseiro e pensa naqueles dias? A angústia ainda te envolve? Ainda me odeia, afinal? Disse algo sobre mim? Ou ficou quieto, esperando tudo passar?

Loving me ain't easy

Loving me is hard

I'm sorry about the madness

That's the way its gotta be

Me amar não é fácil

Me amar é difícil

Me desculpe pela loucura

Esse é o jeito que deve ser

Queria um dia te contar a verdade. Não desse jeito, arrancado de mim. De Eric. E você tá tão longe. Mudado. Sim, mudado, eu não conheço mais esse Kevin. Também não sou a mesma, ninguém é. Esse outro que respira aí pode ter ser machucados e ainda ser feliz.

É possível, eu acredito.

Tento todos os dias, caio, levanto, brigo. E quero brigar por isso, pois conquistei muito, sozinha, pra perder assim, num piscar de olhos, porque alguém, de fora ainda por cima, quer se intrometer.

I'm reckless, so reckless

God save me from this madness

I'm reckless, oh so reckless

God save me, save me from this madness

Eu sou imprudente, tão imprudente

Deus me salve dessa loucura

Eu sou imprudente, oh tão imprudente

Deus me salve dessa loucura

Assisti as horas se passaram, lentas como nunca. Porém, não vazias.

Quem mais não está do mesmo jeito? Ingrid? Edgar?

Definitivamente não Denise. Enquanto todos nós estamos aí, superando devagar, ela faz é se fortalecer mais a nossas custas. E de outras custas. Vi isso no nosso último encontro.

Um N de vezes ela ganhava, redundantemente.

Toc, toc.

Duas batidas a mais na minha conta, outra dispensa.

– Milena?

Ante a hesitação de meu irmão, me veio outra ocorrência para o boletim de contas. Uma nova decisão.

~;~

Fazia pelo meu irmão, quem merecia mais.

Murilo estava se permitindo sair daqueles seus medos todos. Eu, por todos esses anos, acabei demais com sua sanidade. Quando tivemos no outro dia finalmente uma conversa, sobre a “madrugada de revelações”, vi que alma linda era a dele, uma conhecida, porém escondida e machucada por excessivos cuidados e pesos, impressões de nossas épocas de criança, que ninguém teve culpa, e o marcou tanto a ponto crescer com aquilo. Com meu perdão, o exultante maninho estava de volta. Aquele que quase nunca eu o permiti ser, e que agora eu temia perder novamente por... pelas velhas malditas cicatrizes emergindo em nossas vidas.

Relembrei bastante seu modo de se comportar, descontraído, brincalhão, apaixonado. Besta. Pilantra. Meu irmãozão. Tinha um brilho diferente e lindo ao ser ele mesmo, com sua risada tosca, suas confusões e carinhos. Admirava-o cada vez mais, Aline tava sabendo domar bem a coisa.

Eu, por outro lado, tinha um receio terrível de estragar sua cabeça de novo. Ter noção que eu iria apagar essa sua alegria, que não haveria como preservar esse seu espírito, não quando tudo estourasse, dava um nó ruim. Poderia muito bem chegar pra ele e revelar de primeira mão, mas me restava a pouca esperança de ainda tomar o controle da situação. E se Anderson não chegasse a me prejudicar? O que ele poderia fazer, afinal?

– Trouxe?

Me sondou ao chegar ao local por mim marcado, no estacionamento do Center, perto da minha faculdade, período da tarde. Iria passar no salão de dança se possível, ver se teria a sorte de encontrar Eric por lá, quem sabe. Era arriscado, afinal, sua produção estava programada para o dia seguinte, era uma apresentação e tanto, por que estaria de bobeira naquele prédio? Ele nem responde minhas mensagens, seu celular só dá fora de área. Sim, eu liguei, essa manhã mesmo, quando tomei a decisão. Havia dito ele que estaria me apoiando para o que fosse enquanto esse caso rolasse. Eu só esperei muito tempo para pedir sua ajuda...

Como não tinha mais estágio para ir, esperei Murilo sair pra trabalhar, ao qual ele foi empurrado, questionando sempre se eu estava bem, se precisava de algo. Aline, que esteve lá, me ajudou um pouco ao notar que era melhor não ser importunada. Mal os vi, na realidade.

Ela havia feito o almoço por dona Bia ter caído em gripe (era época de transição temporal, a umidade dos dias pegava de milhares de pessoas por dia), me convidou para almoçar, fez um dos favoritos de meu irmão, coisa simples, apenas bateu na minha porta, conversamos brevemente com vozes abafadas por estarmos em cômodos separados.

Não tive fome alguma, só me dispus a comer por saber que isso poderia me enfraquecer e eu tinha que tomar alguma atitude. Fraca da alma já estava, fraca do corpo seria pior ainda. Um tempo depois entrei no banheiro, eles não demoraram muito, comi rápido, fiz a ligação. Para Anderson também.

Havia decidido que não valia pena ficar mal por todo esse tempo, me acabar em expectativas sem poder fazer nada. Eu iria entregar o caderno. Como Anderson afirmou, não dava mais pra ficar em alerta toda vez que ele aparecesse, não haveria paz, isso tava me acabando sem antes começar. Ele descobriria muitas desgraças, sabe-se lá o que faria, mas enquanto eu não entregasse aquele maldito caderninho, eu...

É sexta-feira. Envolvi o caderno num plástico, enfiei na bolsa. Da última vez que saiu do meu quarto, parecia ser anos, enquanto tinha se passado apenas alguns meses. Não era mais que um livrete de anotações de 10x14cm, espiralado, com capa dura recheada de imagens pequenas da personagem “fofa” e a marca à ponta inferior direita. Muito delicada, era um convite de leitura. Desagradável infelizmente.

– Preciso dele, você sabe, Milena.

Não conseguia afrontar Anderson, nem mesmo tirar minha visão de seus sapatos. Subir para seu rosto parecia uma das coisas mais difíceis, mesmo ali, num local tão vivo pela avenida e um pouco deserto, por ser apenas um estacionamento.

– Eu sei.

Os sapatos se moveram, chegaram mais próximo, pisaram uma erva daninha indefesa. Eu me sentia indefesa.

Acho que Anderson captura isso. Não pede desculpa, nem tenta se redimir, tampouco volta atrás.

– Nunca quis que você ficasse mal.

Eu, no entanto, faço um último pedido esperançoso, só por tentar mesmo. Só assim, na base da súplica, que levanto meu olhar e, ainda que note que esteja irredutível, eu tiro aquilo de mim.

– Então não faz isso.

– Eu sei que é difícil...

– Não, você não sabe.

Carregado de certa dor, talvez por assistir a minha, Anderson vacilou um pouco. Vi que estava incerto pelo seu porte, como sua expressão estava mais amena, quase como se pudesse me consolar.

– Não dificulte mais, por favor. Só... entregue.

Mexi na bolsa sem vontade, puxei o caderno e encarei aquele material às minhas mãos, pequeno e “inofensivo”. Da personagem Hello Kitty, engoli em seco, olhei diretamente nos olhos dele, que permaneciam hesitantes, porém, determinados de receber o caderno.

– Quem me garante que não vai fazer nada?

– Minha palavra. Eu só quero a verdade. Ela está descrita aí.

Oscilei, insegura.

– Eu poderia ter dito algo a Vinícius, você sabe.

Anderson então me serviu sua consolação, além de desculpas.

– Você não iria se arriscar. Desculpe pela ameaça, foi... apenas necessário.

Desabafei antes de entregar.

– Nem Kevin conseguiu te contar. Mas se é isso que tanto quer “esclarecer”, eis aqui... Não há promessa de algo bom... Ninguém mereceu. Não nos julgue.

Anderson recebeu, assentiu. Em nenhum momento abriu na minha frente, tampouco comentou algo mais. Não haveria mais o que dizer mesmo.

Assisti ele manobrar o carro para ir embora. À sombra de umas árvores, estava sentada ao banco de um dos corredores do Center, observando as coisas ao redor. Por um tempo, só olhei para esse espaço a minha frente, como o mundo era enorme, e eu tão pequena perto de tudo. Como um problema crítico desses poderia representar tanto para meu mundo, enquanto lá fora não era nada, senão mais um no meio de outros.

Uma brisa de leve perpassava, nem fria, nem quente. Ao céu, as nuvens movimentavam-se devagar, eu ia acompanhando cada passada gasosa que se desfazia e se religava a outras, o sol estava escondido dentre elas pelo tempo nublado. Isso mantinha aquele climinha razoável.

Na avenida, nas vidas ao redor, as pessoas iam e voltavam. Enquanto as observava, cogitava realizar aquela tentativa de visitar Eric, se estivesse no salão de dança no casarão dali perto. Mas por um tempo, realmente, só quis ficar ali no banquinho, imóvel. Me segurando.

Logo Anderson leria sobre mim, Eric, Kevin, Ingrid, Edgar e outros, muitos outros. Denise não mediu esforços pra acabar com um, foi uma lista inteira e sabe-se lá se teve demarcação de fim. Porque ninguém nunca estava sozinho, então ela trabalhava pelas bordas até chegar à sua real vítima. Isso sem contabilizar com outros mais que eventualmente cruzaram seu caminho ou plano. Era até mais divertido para ela, dava certa... adrenalina.

Sei de alguns, como Ingrid. Por isso às vezes não deixo de me perguntar se houve mais gente que sem querer foi envolvida sem termos o conhecimento. Vai saber?

Para Anderson não passariam de nomes, que era muito provável ele não lembrar, e sabe-se lá também se Kevin chegou algum dia a mencioná-los. Mesmo se lembrasse, não lembraria seus rostos. Até porque foram poucos de nós que ele chegou a “conhecer”.

Era difícil lidar com a abertura e leitura daquele caderninho novamente. Tão difícil que foi inevitável deslizar uma lágrima pelo rosto no meio de tantas que ainda insistiam em seguir o caminho da primeira. Mas só seria aquela, me prometi.

Mal caiu, pensei que estava sozinha. Daí senti uma presença, um perfume.

Uma respiração às minhas costas.

Quase pude ouvir a guitarra ao fundo de minha memória.

Reconheci. Sávio.

– Milena? Você tá bem?

– Não. Mas vou ficar.


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Notas finais do capítulo

Wow. Acho que Hello Kitty nunca foi tão polêmica rs

Trechinho do próximo?

"Estou aqui, Eric.
E preciso muito conversar com você.
Teria que assistir à peça se quisesse falar com ele. Não o fazia por obrigação, eu realmente fui por admiração, de um trabalho seu que não acompanhei desde cedo, dessas coisas da vida que nos afastamos, e estava lá. Ele me queria lá. Havia me dito, naquele nosso último encontro, que dedicaria a mim, só porque dentre as músicas escolhidas para a apresentação, estaria One Republic, minha banda preferida."

Já sentiram o que vem EM BREVE, hein?
Bjos,

Alexis.



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