Facção. Dos. Perdedores escrita por jonny gat


Capítulo 83
Existe um Tempo e um Lugar para tudo isso.




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Molly estava sentado em uma cadeira, olhando para além da sua janela e por algum motivo as suas juntas estavam parecendo mais fracas do que o normal. Estava desacostumado a se mover tanto assim, e ontem foi um dia daqueles. Estava com o gosto de cachorro quente porque não colocou nada novo na boca desde que acordou e ontem antes de dormir não escovou o dente. Ele olhava pra além da janela daquele pequeno apartamento distante de onde estava ontem, distante de seus amigos e distante de tudo, numa região rica da capital de um estado urbano e administrativo no país onde residia desde que nascera. Estava focado na sujeira que os prédios, em sua maioria de cores claras, acumulavam por conta da poeira que foi levada com a chuva de ontem. Deve ter chovido aqui ontem, depois de ter dormido.

O dia de ontem acabou de uma forma estranho. O dia de ontem foi bastante longo, porque começou quando Molly foi procurar por Wilson e eu não sei quantos capítulos isso faz. Olhou para a janela embaçada e percebeu que os dias não deviam ser tão longos assim, e que deveria evitar viajar tanto pelo tempo, espaço, universos e tudo mais. Isso apenas acabava com seu fuso-horário e fazia os dias serem mais longos e massantes ainda.

Não sabia se teria como viajar mais no mundo e para os outros lados do universo. Quem o tinha colocado nessas furadas era Ramon e Ramon não estava mais naquele mundo ou em qualquer mundo. Ramon estava em um só momento, em sua faísca. Seu problema sobre os dias longos estavam resolvidos, e percebeu que seria melhor que não estivessem.

Conviveu com Ramon por um tempo que considerava tão pequeno. Ainda tinha tanto a aprender... Mas ainda assim, Molly sempre recusou-se a aprender e a participar das batalhas e ensinamentos. Ele tinha desistido de muitas coisas nos últimos trinta anos de vida, contando com os anos de morte também, e também tinha desistido do universo porque não tinha nada que poderia fazer para salvar o universo.

Não tinha nada para fazer também para salvar a corrupção no exército, nas nações, para salvar os cristais. Ele fez o que pôde para salvar Frota, e morreu por Frota e pela última coisa que acreditou antes de morrer. Tinha voltado. Será que ele era o mesmo Molly de antes? Continua se sentindo como se tivesse desistido.

Apenas ele e Xupa tinham restado. E Xupa tinha cruzado um vasto oceano para chegar num pedaço de gelo que deveria ser mais familiar, mas não era. Estava procurando algo que tinha certeza de estar lá, mas era uma memória muito distante. Confiava nessa memória, agora estava de volta com as suas memórias e estava esbanjando elas da forma possível.

Não sabia que Ramon tinha morrido e não descobriria isso. Xupa Cabrinha estava para ter os seus últimos momentos nesse universo, ficar muito perplexo com o que estava para acontecer e não entender nada.

Era ali que a superfície do mar era coberta por uma camada grossa de gelo. Estava frio, mas ele conseguia muito bem com as suas habilidades de Imperador Solar fazer com que a temperatura que sentisse fosse confortável. Também tinha lembrado-se de suas habilidades e estava esbanjando delas da forma possível. Não estava feliz, estava determinado. Estava para reencontrar o que tinha encontrado nos momentos antes de ter terminado congelado por vinte e cinco anos. Ou mais.

O mar tinha terminado, e para a esquerda e para direita grandes camadas de gelo se estendiam. Imaginava que, se continuasse caminhando, encontraria terras congeladas, mas não sabia tanto de geografia para isso. Sabia que o pedaço de gelo que estava procurando seria difícil de reconhecer, mas reconheceria facilmente o que estava procurando. Não era uma agulha num palheiro, era uma nave alienígena caída.

Voou alto, lentamente se movendo para frente observando seus lados e o que estava em sua frente. Depois de alguns minutos assim, se perguntou quanto tempo levaria para encontrar. O gelo poderia ter derretido e a nave agora estar no fundo o oceano gelado. Ele não sabia a direção exata, e o polo sul não era um pequeno país europeu. Ele poderia ficar dias procurando e não encontrar.

Apenas ele sabia daquilo. Seu inimigo fora derrotado, mas como consequência de sua vitória Xupa esgotou todas as suas forças, deixando com que se congelasse em meio aos ataques congelantes e tempestades de neve. Sua genética modificada de um super soldado com capacidade de moldar a luz da forma que bem quisesse foi responsável por tê-lo mantido vivo, mesmo quando esgotado.

Ele esperava descobrir os mistérios por trás daquele incidente e manter a informação para si mesmo. Algo sofre aquilo o intrigava e não sabia o motivo. Era um homem que não tinha deixado coisas no passado para serem resolvidas, mas era fortemente movido pela sua determinação. Durante a guerra, estava determinado a sobreviver para retornar o mais rápido possível e ver a sua mãe. Logo após a guerra, mesmo sem a consciência de quem era, estava determinado a derrotar o presidente, sendo manipulado por forças desconhecidas. Agora, estava determinado a descobrir o que faltou que percebesse.

Não teriam inimigos dessa vez, apenas Xupa Cabrinha lentamente se movendo e observando com minuciosidade a infinidade de terreno branco ao seu redor. Ele não notou a alteração no tempo e no espaço que estava acontecendo ali porque ele não conseguiria.

Ele estava andando sem que estivesse andando. No caso, voando.

Não havia um ponto de referência. Ele sempre voltava para onde estava antes. Poderia perceber isso caso existisse uma árvore a X metros de distância. Ao andar por alguns segundos, estaria mais próximo. Então, depois de certo tempo, perceberia essa distorção no tempo por perceber que a árvore estava na mesma distância que estava antes de se aproximar. Não tinha como se aproximar.

Não havia um inimigo que não queria que Xupa Cabrinha não descobrisse os segredos da nave naufraga. A própria realidade, a própria Ordem estava se esforçando para que o moreno de terno branco não encontrasse um grande segredo daquele universo. A Ordem não poderia deixar que aquilo acontecesse.

Desde o primeiro capítulo Xupa Cabrinha foi descrito como uma pessoa morena que se veste com um terno branco. Gostava de se olhar no espelho quando estava usando um terno branco. Percebeu isso pela primeira vez quando, ainda inconsciente de quem era e de seu passado, usou o dinheiro que lhe fora repassado ao sair do hospital para comprar roupas. Gostou daquele terno branco e comprou mais dois daquele.

Ternos brancos sujam na mesma dinâmica que ternos pretos. A diferença é que nos ternos brancos a sujeira é mais perceptiva, da mesma forma que nos apartamentos de cor clara a sujeira deixada pela chuva do dia anterior também é mais facilmente percebida. Xupa gastava bastante dinheiro para lavar seus ternos. Todo dia, na verdade, ia a uma lavanderia ao outro lado da rua para que o terno do dia anterior fosse lavado. Tinha outro para o dia e por isso tudo ficava tudo bem. Eram essas, na verdade, suas únicas três peças de roupa.

Ele estava com o mesmo terno que tinha usado em toda aquela loucura dimensional que tinha acontecido em alguns capítulos antes, lembra? Pouco antes de Cracker.

Não teve tempo para limpar seu terno. Percebeu uma sujeirinha no seu ombro esquerdo, e usou sua mão direita para jogá-la para longe.

Sua recém- experiência com ternos brancos fez com que ficasse com uma certa paranoia com sujeira. Por ser desempregado, era um homem pobre que apenas sobrevivia com o dinheiro que lhe foi repassado por um dos enfermeiros do hospital que foi tratado depois de dar seu primeiro olá para a sociedade depois de um longo tempo boiando no oceano. A fonte daquele dinheiro era misteriosa. Mas era aquele dinheiro que precisava usar. Podia ser dinheiro, mas ainda era pouco. Passou alguns meses sobrevivendo daquele dinheiro. E no mês mais recente já estava praticamente sem nenhum. Tinha percebido em certo ponto desse último mês que tinha que decidir entre comer ou lavar seu terno. E não queria ficar sem comer, então teve que passar a ter muito cuidado por onde se sentava.

Seu quarto era imundo e seu apartamento também. E o edifício em que morava também. As ruas também eram bastante nojentas, e ele tinha que tomar muito cuidado e ter muita atenção em onde se sentava e em onde estava encostado. Olhava muitas vezes para a roupa que estava usando para ter certeza se estava suja. Não tinha problema se tivesse alguma sujeira, o problema era se muita sujeira se acumulasse porque aí não bastaria um tapinha ou outro para expulsar a poeira. Precisaria pagar a lavanderia, e estava desempregado, precisava ser responsável com o seu dinheiro.

Esse seu tique-nervoso desenvolvido pela falta de renda foi o que fez com que percebesse que algo estava errado. Olhou alguns segundos depois para a mesma região que tinha acabado de limpar com alguns tapinhas, queria ter certeza que estava limpo para não ter que gastar dinheiro lavando sujeira que passou despercebida. Estava sujo de novo, e limpou de novo. Olhou de novo e, tudo bem, estava limpo. Alguns segundos depois, olhou de novo e estava sujo de novo. Desesperou-se. Alguma coisa estava errada. Não estava sujando seu terno porque não estava encostado em algo nojento.

Pensou um pouco e decidiu olhar testar uma coisa. Gerou um projétil fino de energia para o além e o observou distanciar-se dele por alguns segundos. Depois, observou o mesmo projétil fino de energia sendo gerado pelo seu dedo sem que essa fosse a sua intenção. Algo estava acontecendo de errado.

Essa não era uma ilusão de ótica. Essa não era uma ilusão, era algo real. O tempo estava rebobinando em um intervalo pequeno de tempo. Segundos. Existia um inimigo que queria impedir que o Imperador Solar continuasse a sua busca pela nave. Não conseguia entender o que levaria alguém a fazer tanto para que ele não encontrasse a nave. Muito provavelmente não estava próximo dela, tinha acabado de adentrar o continente congelado e tinha muito a procurar.

O inimigo estava se precipitando muito, queria ter muita certeza que Xupa nunca conseguiria encontrar a nave. Na verdade, ele queria que Xupa nunca conseguisse nem começar a procurar pela nave. Ele recuou para quando abaixo de si estava não gelo, mas a água em sua forma líquida.

Limpou a sua roupa, com a convicção que a habilidade inimiga, seja lá qual seja e como aconteça, não estaria em efeito ali. Esse inimigo não devia estar ali. Quer dizer, nada indicava que Xupa Cabrinha estava para ir ali, então não tinha como o inimigo saber que estava ali para isso. Provavelmente estava lidando com alguém que vivia apenas para impedir que Xupa Cabrinha não visse o que estava dentro da nave, o que não fazia sentido. Não existia ninguém que sabia do fato que a nave estava caída ali e ninguém sabia que o rapaz sabia da existência da nave. Nesse tempo de mais de vinte e cinco anos até que alguém poderia ter descoberto a nave, mas de fato ninguém sabia da existência da nave. Então, talvez o inimigo não quisesse atingir especificamente ele, mas qualquer um que entrasse naquela região.

Ele precisaria procurar uma forma de desativar o inimigo, mas isso parecia impossível. Se o inimigo estivesse dentro daquela região, não teria uma forma de encontrá-lo. Na verdade, teria.

Xupa Cabrinha partiu em alta velocidade utilizando parte da energia solar acumulada na membrana de suas células para aumentar a sua velocidade a um nível maior que cinco quilômetros por segundos. Ele não conseguia observar o que estava acontecendo, o que estava ao seu redor... Consegui perceber sua situação quando estava novamente parado planando acima do oceano. Não adiantou, por mais que tivesse tentado cruzar o continente congelado nos segundos que tinha antes do tempo rebobinar, ele não conseguiria. E do que adiantaria cruzar se não encontrasse a nave?

Decidiu tentar de novo porque não tinha nenhum outro plano brilhante. Era isso ou nada. Julgava que ainda assim não conseguiria encontrar o que procurava.

Voou com uma velocidade maior ainda e tornou-se energia, ultrapassando qualquer barreira que as leis da física criava pelo fato de ser composto de matéria. Voou em um segundo em milhares de partes diferentes em um intervalo de tempo minúsculo. Não conseguia entender nada. Como diversas e infinitas pequenas partículas de energia, ele não conseguia perceber o mundo ao seu redor de uma maneira compreensível para a mente humana. Ele não sabia o que estava acontecendo.

De um instante para outro voltou a se reunir sem que essa fosse a sua intenção e antes do tempo rebobinar. O seu redor estava vazio, escuro, e não conseguia observar nada além de uma nave alienígena de formato elíptico de cor roxa, com seus vidros quebrados e com sangue espalhado no interior do vidro. Outro fato lhe chamou bastante atenção, seres humanoides azuis estavam reunidos com poças de sangue cobrindo o chão inexistente. Uma mulher humana estava entre eles, com um buraco nas costas, seu sangue era azul e parecia estar tentando se mover. Quando avistou Xupa, tentou dizer para que ele se afastasse, mas ele não conseguiu entender o que Edésia estava falando. Sentiu fortes impactos em todo o seu corpo e foi jogado por consequência desse impacto no lado para longe da nave. Mas ainda conseguia vê-la, ao levantar, conseguiu ver um ser enigmático e brilhante movendo-se em sua direção, distante, próximo de onde estava antes de ter sofrido os ataques invisíveis.

Viu então a criatura, de lá, executar uma série de socos e chutes. Seus braços e pernas pareciam ter poros grandes como uma esponja, sua pele era de um amarelo dourado e rígido. Xupa não entendeu o que estava socando, mas ouviu as palavras que ecoaram naquele vazio que preenchia mesmo não percebendo nenhum movimento nos lábios do ser.

— Você nunca descobrirá o destino de tudo. Sua jornada acaba aqui. E por acabar, ela não acaba, seu destino será o de nunca ser acabado e ainda assim acabar. Você será levado onde nada será explicado e nada poderá ser entendido. Você é apenas um que tentou aproximar-se da verdade e não a obteve, a verdade não será dada para qualquer um. A verdade não é dada, a verdade se mostra, e ela não se mostra perante aqueles que as buscam, ela se mostra para quem ela busca. Não há nenhuma intenção por parte da Verdade que você a encontre, ela está distante e é indiferente a ti. Seu encontro apenas terminaria em Caos, e não há maior necessidade de Caos. O Caos terminará com a Paz, em breve, se por assim eu nada fizesse. Pois estou aqui, e aqui estou fazendo o que devo fazer. Não me oponho ao Caos, mas tenho intenção de evitar que se propague da forma que bem quiser. O universo é, sim, apenas Caos e ele deve ser representado da forma que ele é representado. Mas é necessário que esse Caos tenha limitações, e aqui Estou.

Xupa sentiu um impacto tão forte em seu corpo que o vazio em seu redor foi quebrado. Não tinha visto o segundo ataque do ser enigmático brilhante poroso de pele rígida porque obviamente já tinha entendido que ele se movia mais rápido do que a luz. Por isso que tinha sentido os socos antes que ele pudesse ver o ser executando os socos. Era insano, não fazia sentido algum, e isso apenas mostrava que ele não teria nenhuma chance de se opor ao Reino do Brilhoso Amarelo, seja lá o que ele fosse ou o que estava fazendo ali.

Xupa quebrou a dimensão do vazio e acabou se chocando a um pilar. Ele não quebrou o pilar. Ele estava bem, apesar do choque, apenas estava perplexo demais e não tinha entendido nada do que tinha acontecido. Sentia-se  desconfortável e inquieto, tinha certeza que não entenderia ainda nada o que estaria prestes a acontecer, porque ele certamente não entendia como tinha chegado nesse novo local. O chão era lapidado de uma forma perfeita e reluzia ao sol completamente atônito e sem nenhuma expressão. Além dos pilares, outras casas de arquitetura que não conseguia compreender se estendiam pelo solo. Parecia uma espécie de Confins do Tempo do seu mestre Ramon, só que em um papel de parede diferente, e também bastante mais exótico.

Sua cabeça estava doendo.

Era pra ser o lugar onde tudo seria explicado, para um, e sua presença acabou se tornando o lugar onde nada seria explicado para outro. No fim, nada foi explicado para qualquer um. Apena se encontraram, enquanto perambulavam sem alguma certeza de para onde estavam indo ou o que estariam procurando. Um, tudo, o outro, não tinha certeza sobre o que procurar.

Um sabia que era pra estar ali, seu pai tinha-o orientado para ativar o teleporte com a autorização de Mendel assim que Mendel o julgasse pronto. Talvez tivesse sido a dificuldade em uma inteligência artificial em julgar o espírito de batalha e conseguir diferenciá-lo de simples tédio e solidão, inquietação. Era impossível que esse julgamento não fosse subjetivo, e acabava se tornando um julgamento impossível para Mendel.

Era como uma grande tabula de vidro que reluzia o céu brilhante cuja estrela central estava distante, entretanto sua claridade era tanta que parecia que estava há poucos metros de distância. Tiveram dificuldade de conseguir olhar o caminho, ainda mais com o chão feito de vidraças inquebráveis que refletiam todos os raios infravermelhos de volta para os seus olhos. Depois, simplesmente se acostumaram e continuaram perambulando em torno dos diversos edifícios que os cercavam. Cada um com uma arquitetura única, com uma forma de se expressar única.

Estavam em ruas diferentes. Enquanto Xupa estava de certa forma com uma forte incerteza no coração e absorvendo a beleza de o que parecia ser uma casa de arquitetura holandesa, confuso, Quenium passava por grandes prédios alienígenas que não conseguia reconhecer, mas conseguia reconhecer seus significados dentro de si. Quão diferentes eram essas ruas, como era complicado se perder, como era complicado virar a esquina de volta sem perceber que estava de volta. E não percebiam, e estavam.

Distante dos dois, o Tempo observava o Grande Periférico Temporal, uma grande circunferência para os olhos de um ser comum, para os olhos do leitor e do narrador, mas o Tempo o observava com uma seriedade e afeição como se dentro dele apenas ele, e apenas ele, pudesse observar uma esfera transparente cujo conteúdo era apenas o tempo se manifestando. Estava esperando para que algum os encontrasse... Era o que estava escrito no Grande Periférico Temporal, e era o que estaria próximo a acontecer. Apesar de já saber a resposta, não a manifestou, apenas prosseguiu observando até cansar.

Estavam tomando tempo demais, mas o Tempo não poderia fazer com que chegasse a eles. Precisavam que eles chegassem ao Tempo e que assim a Ordem fosse prevalecida. Qualquer escolha adversa do Tempo ocorreria em novamente na manifestação da Ordem, personificação do limite de Caos que a matéria e o espaço-tempo podem suportar.

Cansou. Foi esquentar um cafezinho enquanto os dois se perdiam onde seria impossível se perderem.

Não se perdiam por causa de algum truque da Ordem. A Ordem não interferia mais, e apenas interferiu na descoberta de Xupa Cabrinha sobre Edésia e sabe-se lá o que mais estava naquela nave. Xupa Cabrinha tinha a memória em sua mente do que tinha acontecido momentos atrás, mas parecia fútil em relação à magnitude do que estava acontecendo agora. E não sabia o que tinha acontecido antes, e nem sabia o que estava acontecendo agora. Quenium também não sabia o que acontecia agora, mas pensava que sabia, assim como não sabia o que realmente tinha acontecido por toda a sua dia, apenas tendo em sua consciência a falsa certeza de que sabia.

Buscavam a Verdade. Algo complicado de se encontrar, algo que talvez nem mesmo o Tempo conseguisse ver claramente. Existiam tantas verdades, verdades universais e verdades singulares, verdades multiversais e verdades multidimensionais, verdades dimensionais, verdades atemporais e verdades adimensionais. Verdades que ele não sabia, e, de fato, de tudo o Tempo não sabia. Ele apenas poderia ver as infinitas possibilidades e apontar até onde seriam possíveis.

Antes, qualquer possibilidade se tornava existencial no processo de expansão da linhas-temporais e universais. Desde que a Ordem se formara junto com a formação da personificação do Tempo, nem tudo era mais possível. A Ordem tinha se tornado autoridade sobre a tudo sem que fosse eleita ou elegida, a Ordem os manteriam distantes de tudo aquilo que fosse romper com o equilíbrio de espaço-tempobilidade. Alienada, não sabia sobre isso. Alienado, quem a criou também não sabia e não sabia como chegou a conclusão de que a Ordem existia.

É claro, tudo será explicado ao decorrer desse capítulo, caso isso realmente aconteça. Antes, existiria a completa certeza de que isso aconteceria por conta da infinitas possibilidades, mas a Ordem não poderia deixar que a entropia ultrapasse para que o universo se mantivesse o máximo possível. A entropia estava salvando o universo.

Não se engane, não estava salvando o universo, apenas a permanência da existência do universo na mínima quantidade possível. Estava salvando-o da inexistência, para melhor esclarecer. Caso tivesse que escolher, o que não acontecia, porque a ordem era onisciente de suas decisões assim que fora tornada, a Ordem não escolheria. A Ordem teria certeza que escolheria onde a matéria ainda fosse possível, a energia ainda fosse possível, a manifestação de qualquer coisa ainda fosse possível independente de seu tamanho. Não fora criada, não foi concluída para que salvasse os humanos, ou a vida, ou planeta Terra ou o átomo de Hélio. Ela foi teorizada que estava para proteger tudo, e assim depois de ser teorizada existiu.

— Diferente do Cosmo InConsciente, ele não teoriza sobre sua própria existência. Sou fruto de um Cosmo Ciente, de um cosmo que era consciente de sua existência, um cosmo com ego e que decidiu, por puro platonismo, pensar por pensar, pensar por existir, e sua existência foi tão eterna que pensou sobre tudo e teorizou sobre isso. Ele era ciente de que tudo o que concluía passava a existir em seu universo, e era em busca de algo próximo do que ele observava que permitiu que o que concluísse existisse. Na verdade, julgava que grande parte do que concluía já existia, apenas se propagava de uma forma diferente. Queria saber o quão diferente era, pela sua própria existência. A Ordem, O Caos... A Verdade... Não, você não as encontrará aqui. Aqui você apenas encontrará o Tempo, na dimensão do Tempo. Aqui já fora um lugar populoso, mas o Tempo está morrendo. Eu sou o Tempo. Não, eu não estou morrendo. O tempo está morrendo, e eu apenas sou a sua personificação, o seu personagem humanizado criado pelo Cosmo Consciente. O Cosmo Consciente é humano, por isso tem grande facilidade de representar entidades como seres humanoides, e ele também é ciente disso. – Estava treinando um discurso que nunca faria para Xupa e nem para Quenium, e sabia disso. Não eram eles com que buscava Tempo dirigir essas palavras. – A Ordem também é a personificação de um dos conceitos da propagação do universo em multiversos. A Ordem o mantém. Mas temo que o Cosmo tenha a interpretado de uma forma tanto leviana, pois não considerou que a Ordem, na verdade, é aleatória. Eu consigo ver isso. Eu consigo pois consigo ver as possibilidades infinitas, e também são infinitas as possibilidades que a ordem destrói para que algo seja mantido, para que a essência do universo seja mantida. A Ordem seria o Caos. A Ordem com o Caos, juntos, dão na verdadeira Ordem da Aleatoriedade e do Caos Entrópico que rege o universo. E ele não interfere por interferir. Não interfere para proteger qualquer coisa... Ele apenas isso. O erro de meu criador é um erro comum quando se trata os humanos. Não há uma razão pressuposta para um fato não conclusivo. Não há. – Tomou o seu café. Sem querer tomou com pressa e acabou queimando a ponta da língua. Engoliu rápido.

Edésia muito ajudou a desenvolver a pequena raça que ela mesma tinha conseguido criar pela enunciação da Lei da Vida. Tinha orgulho de ter criado vida, tinha orgulho de poder encará-la e poder ver a sua graça, mas seu orgulho estava sendo afetado pelo constante ataques psicológicos que sofria. Edésia estava tendo ilusões, cada dia mais. Ilusões que a criticavam, assim como eram os seus dias no Alto das Constelações com aqueles parceiros estúpidos.

Edésia não sabia que um grupo de estudos dos Romanos e observava os passos da deusa, naquele planeta coberto de oceanos de magma. Ela deitava e pensava sobre si mesmo, e os biólogos, junto com Filóstrafo que nada sabia sobre o assunto. Nem as outras divindades que o acompanhavam, Croizat e Greenfield.

— Eu não consigo chegar a nenhuma conclusão – disse Filóstrafo, nunca tinha se empenhado tanto na busca científica-filosófica quanto nesse trabalho novo de estudos.

— Eu também não – disse Croizat, e Greenfield ficou quieto. Estava implícito que nenhum deles conseguiria compreender com exatidão a razão por qual os deuses anteriores aos romanos estavam com tanta dificuldade em manter um equilíbrio emocional e pscicológico.

Filóstrafo chegou à conclusão que não poderiam julgar caso não conhecessem a situação da deusa. Caso eles também não se exilassem para o mundo mortal, não conseguiriam compreender as dores de Edésia. Ninguém contra-argumentou e Filóstrafo percebeu que até mesmo quando não queria convencer alguém a algo só por querer acabava convencendo, era um gênio entre os romanos.

Edésia teve sucesso em viajar com os seus companheiros e suas companheiros prósperas. Eram Prósperos e Prósperas. E, a cada passo que sua ciência dava, pensavam duas vezes antes de usarem essa nova ciência. Precisavam usar a fórmula descoberta sobre a produtividade e segurança de uma ação. A sociedade dos Prósperos tinha mudado tanto. Edésia observou tudo, como membro da Fundação Futuro Próspero. Não era messificada, e isso a aliviava. Era bem capaz que a constante de pacificação também alterava a derivada de fanatismo, e queria dar uma olhada na matemática por trás disso. Apenas sentia, agora, depois da primeira viagem pelo Nada entre os Universos, uma tremenda dor de cabeça.

Eles estavam lá. Aristóteles e Arquimedes. Não eram eles, óbvio, estavam mortos e isso era bom. Muito bom. Quer dizer, não era bom, mas suas presenças resultavam em desavença e infelicidade, então os preferia distante, mortos ou vivos. E estavam distantes agora então era bom assim.

Apareceram para criticá-la, dessa vez sem estarem bebendo néctar divino com as taças de vinho infinitas. Dessa vez sem sorriso. Estavam sérios. Falaram de novo sobre o quão Edésia era fanática sobre a vida, que não conseguia aquietar-se e que tinha sérios problemas por não conseguir apenas aceitar o que tinha acontecia, que não conseguia aceitar o que acontecia com a vida tanto que ela se apegava à vida. Que não conseguia aceitar a vida como ela realmente deveria ser e onde propagava, que criou a vida para conseguir se apegar á algo, porque nada estava ao redor dela além de matéria inerte. E ela simplesmente não conseguia aceitar a matéria inerte e a imortalidade solitária. Ela não sabia do que eles estavam falando no momento.

Foi um tanto inusitado. Com a empolgação da primeira viagem para o além-universo, onde poderia observar melhor os fenômenos com sua visão divina, segundos depois veio a visita inesperada que não era uma visita de verdade. Demorou um tempo para que caísse a ficha. Demorou um tempo para que se tocasse que o bom momento tinha se tornado um pesadelo, que tudo tinha se tornado cinza e começasse a se sentir angustiada com as pessoas que mais haviam debochado dela. Ela ergueria o punho contra eles, caso não estivesse tão chocada. Naquele momento não.

E se desligou da verdade, tudo tinha parado, Greenfield e sua turma não tinham conseguido perceber o que estava acontecendo, pois o que estava acontecendo para Edésia era o que estava se passando dentro da sua mente. Suou frio e olhou para os lados, procurando seus colegas de trabalho, e não encontrou naquela nave nenhum Próspero. Nada que pudesse trazê-la de volta para a realidade. Deveria estar empolgada observando as conjunturas multiversais, mas os devaneios psicóticos bloqueavam-na de qualquer realidade e qualquer tarefa. Os Prósperos a observam atônita, imóvel.

Ela precisava levantar, mas sentia muita febre. Ela precisava voltar ao trabalho... Precisava descobrir o que estava acontecendo com o universo e com a vida. Os seus dias em meio aos Prósperos eram tão bons. Era difícil para ela, mas muitas vezes ela considerava o que suas alucinações diziam. Ela sabia muito bem que isso era algo de dentro dela, porque Arquimedes e Aristóteles eram babacas demais para que analisassem qualquer traço pessoal sem abrir os sorrisinhos e começarem debochando.

Ela se perguntava o que Hipátia fazia, naquele momento, se ainda estiver de fato viva.

Hipátia lia um livro. E Edésia ouviu a voz de Hipátia, lendo-o.

“Existem muitas guarnições capazes de separar o amor da paixão, a misericórdia da impiedade e a transição da transitoriedade. É capaz compreender tudo, é capaz justificar tudo. Nunca é capaz de descobrir a Verdade de tudo. Nunca é capaz de compreender abertamente tudo. É capaz de fechar tudo em uma pequena janela de algo. Algo é analisável. Quanto menor, mais analisável. Quanto maior, mais complicado de analisar, mas, é capaz de manipular essa composição. É capaz treiná-la a modo de se comportar de uma forma correta[...]”

Em certo momento Edésia abriu os olhos e viu Hipátia sentada em sua frente. Usava um vestido longo e bastante solto. Provavelmente não se chama de vestido de tão solto que era. Hipátia estava usando óculos. O manto que usava, porque é bem capaz de não poder ser chamado de vestido, era laranja e cobria todo o seu corpo. Apenas suas mãos, pés e rosto estavam à mostra. Sua pele era morena e Edésia amava o jeito como ela dizia as coisas e se esforçava. Era uma das poucas pessoas que se importava.

Não se perguntou se era uma ilusão ou uma forma de Hipátia se manifestar com a perdida amiga. Ouviu a voz, distante, em um quadrado provavelmente inalcançável. Seria egoísta demais buscar por Hipátia e sabia disso. Por isso deixou que pensasse para outra hora e apenas olhou nos olhos da querida. Apenas ouviu a voz gentil citando as palavras com qual não se importava muito. Era tão radiante, era feita de pó de estrelas.

Sua dor de cabeça tinha passado. Ela conseguia avaliar melhor as coisas e pensava positivamente sobre isso, tinha certeza que as ilusões não voltariam. Voltaram.

Perturbada e com dificuldades de se manter em busca do que buscava, com as vozes que a depreciavam, ela fez seu máximo e permaneceu imponente ao meio dos Prósperos. Ela permaneceu decidida.

Na sua quinta expedição, já tinha o protótipo do dispositivo que buscava. Na sexta expedição, a qual poderia averiguar ainda mais os fatos para a conclusão de um dispositivo que pudesse ser utilizado sem erros, foi atacada. Não houve sétima expedição. Sua nave caiu no quadrado de Rufus e foi rumo ao encontro coincidente de Xupa Cabrinha. Naquela época, Xupa Cabrinha foi impedido e congelado.

Tempo finalmente encontrou seu convidado, que tinha finalmente o encontrado depois de tanto tempo o procurando. Ele sabia o que aconteceria a partir de agora, ele diria em poucas palavras o que teria que dizer e então tudo estaria acabado. Seriam as suas últimas palavras para aquele ser, suas últimas palavras para todos. Suas últimas palavras.

Antes que começasse, estava em seu último instante para lamentar da sua vida e do que estava para acontecer. Aquela era a possibilidade que a Ordem visava, então pouco poder tinha. Era engraçado, pensou...

Talvez tivesse sido melhor desistir junto com Vril e passar os últimos dias nos campos calmos do universo...

Tempo sentiu os aguilhões do Caos nas suas entranhas e aceitou, como já tinha aceitado quando vira sua morte pela primeira vez na esfera que conseguia ver todas as possibilidades. O universo estava acabando, a Ordem via apenas a preservação do universo na manifestação do Caos. Qualquer interferência apenas adiantaria o processo inevitável, que a própria Ordem aceitava que não podia atrasar: apenas impedir que fosse adiantado.

 

Antes de morrer, Tempo concluiu que o Cosmos não tinha sido tão leviano assim. Ordem e Caos eram figuras independentes uma da outra. Podiam coexistir.


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