Facção. Dos. Perdedores escrita por jonny gat


Capítulo 73
O capítulo que é realmente difícil de dar um título.




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Foi difícil para que o reitor e grande mestre da universidade dos sapos, mestre Papreb, conseguisse entender de uma vez por todas o que o espírito do homem que vira há meses atrás sair do mar depois de passar anos descongelando pelos oceanos. Sua descoberta não foi através dos estudos, mas foi quando teve a oportunidade de novamente observar o homem de terno branco.

 O famosíssimo Xupa Cabrinha, suposto responsável pela morte do presidente Sparrow, olhava agora para o cenário tangível da floresta pela qual caminhara nos momentos de sua vida em que ainda não tinha recuperado a sua memória. Era como se estivesse relembrando de uma foto que tivesse tirado em uma época bastante anterior de sua vida,mas que não tivesse guardado nenhum laço sentimental com a imagem ou com o momento que tivesse passado. Seu eu de dias atrás não existia mais, já tinha morrido para que ele pudesse renascer vívido e determinado da missão que devia cumprir. Uma missão que deveria ter cumprido desde quando ainda era um membro ativo das forças armadas e vivia a guerra que nunca tinha pedido para viver, mas teve que fazê-la.

Examinou-o e percebeu que, apesar das aparências serem idênticas, não era a mesma pessoa que tinha visto se arrastar pela baía daquela pequena ilha alguns meses atrás. Passou a se perguntar, então, quem era esse homem. O Grande Mestre Sapo nunca tinha passado por uma experiência tão duvidosa assim. Sua mente estava em conflito, seus olhos dificilmente conseguiam entender a alma daquele homem, não por conta da falta de sua expressão, como era na primeira vez que o vira, mas pela complexidade presente na essência do espírito de Xupa Cabrinha.

Apavorado e com medo de ter em algum momento deixado de observar algum traço importante da personalidade daquele que analisava, começou a rever tudo que tivera pensado nos últimos segundos. Mentalmente tinha começado a rever todo o trabalho acadêmico que já tinha lido para ter certeza de ser um erro seu, tinha que ter certeza se o Imperador Solar era mesmo um caso que nunca fora mencionado na literatura. E começou a revirar toda a sua mente. Não demorou muito para chegar à conclusão que, bem, se ele estivesse dentro de uma categoria que seu cérebro tinha esquecido de vez, então provavelmente não conseguiria essa memória de volta simplesmente lembrando suas memórias uma por uma. Talvez pudesse rever tudo o que já tivesse estudado e colocado numa parede, como um quebra-cabeça, e alguma parte não faria sentido porque faltaria aquela pecinha que era exatamente Xupa Cabrinha. Tentou, mas não conseguiu também. Percebeu que, mesmo se a analogia funcionasse nessa ocasião, seria mais como se Xupa Cabrinha fosse uma peça especial que só foi vendida alguns meses depois do quebra-cabeça ter começado a ser vendido. Muitas pessoas viveriam sem ter essa peça extra, que não era necessária para ver o quebra cabeça completo, mas que daria a ele um entendimento diferente, como nesse caso.

Ele precisava dessa peça porque todo o quebra cabeça já fazia sentido. O que mais poderia ser colocado nesse quebra cabeça, então? Pensou em todas as peças que conhecia e que davam a imagem um sentido e pensou nas probabilidades de peças novas que poderiam vir. Pensou em todas as possíveis exceções das regras, mas percebeu que isso era estúpido porque todas as exceções pareciam idiotice demais para serem reais.

Será que Xupa Cabrinha fosse um quebra-cabeça completamente diferente que mudaria a sua percepção e faria com que revisasse o conceito que tinha em mente desde o dia quando começou a estudar as almas e os espíritos dos seres vivos? Não era algo que supor sem que estivesse fora de sua própria sanidade. O sapo ancião estava claramente distante de si, vivendo um momento que seu emocional estava quase levando-o a insanidade. Estava frustrado, decepcionado consigo mesmo, por não conseguir perceber o que estava faltando para conseguir analisar o homem que estava de volta ao momento que renascera para o mundo após anos congelado no oceano.

Hulk era um dos maiores líderes dos guerreiros da Acadêmia dos Sapos da Ilha do Norte – sapos que juraram defender a academia com suas línguas e pés engraçados até o dia que os olhos virassem, mas que na verdade só pensavam que estudar era entediante demais e preferiam arrumar briga com os outros seres rastejadores que se escondiam nas matas da ilha. Estava a alguns galhos de distância do grande mestre e perguntava-se se esse era o momento de intervir. Por mais que seu trabalho era na maioria das vezes cutucar tartarugas e ver quanto tempo elas demoravam para fugir do incômodo que era ter Hulkrab como companhia, em alguns momentos como esse ele levava a sua função como líder militar bastante a sério. Estava vigilante, distante do humano que invadia o território dos sapos e parecia não se importar com isso. Da última vez que o encontrou zanzando pela ilha estava apenas fazendo o trabalho, mas agora era sério. Você não bagunça com os sapos mais de uma vez e sai feliz rindo com seus amigos numa sexta feira à noite, ou tarde.

Mub, por sua vez, acompanhava o reitor ao questionar a natureza do homem de terno branco, mas não na mesma intensidade e maneira que o outro sapo. Distante como Hulk estava não poderia perceber, mas estando no mesmo galho que o renomado sábio sapo conseguia perceber que a situação estava crítica. O velho encontrava-se ensopado não só da meleca que sapos geralmente estão ensopados como se estivessem passado a noite inteira na chuva, mas estava começando a suar. Suando tão intensamente que o suor escorria de seu corpo para pingar com uma frequência inesperada no solo fértil da floresta. Mub conseguia perceber que aqueles olhos não estavam mais vidrados no ser humano, aqueles olhos há bastante tempo já tinham parado de seguir os pequenos e gentis passos de Xupa Cabrinha. Focados no canto qualquer em que Xupa estava no momento em que o Mestre deixara de tentar analisá-lo para então começar a duvidar que reconhecia como verdade, os olhos perdidos mostravam como o Mestre também perdera-se no meio de sua indagação enquanto o suor mostrava sua instabilidade emocional.

Era a primeira vez que Mubram tinha visto um sapo sofrer um derramamento intelectual. Já tinha ouvido falar de um caso de um tio de um vizinho de lago ter sido vítima de um após começar seu trabalho acadêmico sobre linhas temporais, o primeiro na história da Academia dos Sapos da Ilha Norte. Será que Xupa fosse um elemento tão complexo de estudar como linhas temporais? Então porque, também, não estava tendo um ataque? Será que era complexo demais para que ele percebesse que fosse complexo? Entendia que não conseguiria entendê-lo, mas só isso. Ainda estava em seus primeiros anos de sapo e talvez por isso não pudesse entender a complexidade do assunto. Queria entender a complexidade, sentiu seu orgulho ofendido. Na primeira vez, não conseguira ter certeza se aquele homem era realmente um homem pela falta de sentimentos em sua alma, e agora não conseguia ter certeza de nada. Queria conseguir entender alguma coisa, queria que seus esforços na academia o levassem a algum lugar, queria ser um grande sapo lembrado por toda a história dos sapos como o Sapo Que Entendeu O Que Nem Mesmo O Reitor Entendeu, com letras maiúsculas em cada início de palavra para dar ênfase na importância do título que pretendia ganhar. Determinado, pulou mais alguns galhos para aproximar-se um tanto mais do que tinha que ser estudado. Encarou-o com força, desejando que conseguisse entender o que jazia além da força física daquele humano.

O autor está travado nessa parte por bastante tempo e está começando a se sentir traumatizado com sapos espíritas encarando um homem enquanto uma aura de mistério e ameaça está no ar, então achou uma boa ideia mostrar agora o outro lado: o de Xupa Cabrinha.

Xupa Cabrinha não era um sapo e não se interessava sobre a sua alma. Tinha voado para cá para refazer os seus primeiros passos desde seu renascimento no mundo contemporâneo. Seu coração estava levando-o de volta para o lugar que durante a guerra tinha lutado contra um grande adversário que não era bem seu inimigo por algum motivo que não conseguia lembrar, ou simplesmente não sabia esse motivo e só lutaram, ou não existia esse motivo. Lutaram e Xupa terminou congelado por uma dezena de anos e mais alguns.

Era como se estivesse vendo uma foto que não conseguia ter certeza se estava, porque suas memórias enquanto não era si mesmo eram um tanto turbulentas. Alguns chiados de televisão e de rádios antigos faziam que principalmente os primeiros momentos de sua vida desde que renascera naquela praia se tornassem algo confuso para ele. Não estava ali para entrar em uma jornada de introspecção.

Xupa sentia-se fortemente à ilha, como se uma de suas vidas passadas estivesse vivenciado todos os seus quarenta anos de vida por lá, até quando os homens com armas de outros continentes vieram e o fuzilaram. Essa foi a história de vários homens e mulheres, mas não a de uma das vidas passadas de Xupa Cabrinha. Ele não acreditava muito nessas coisas, era um rapaz direto demais para pensar em qualquer tema que não estivesse relacionado com as suas prioridades, e suas prioridades nunca foram filosóficas ou espirituais. Xupa Cabrinha importava-se mais com questões mais materiais, não se importava em acumular riquezas e viver em um hotel cinco estrelas em algum paraíso tropical. Na verdade, as questões materiais que o homem de terno branco se importava estavam em algum lugar distante em sua memória. Sua mãe, sua única família, era algo que não conseguia pensar mais hoje em dia. Eram pensamentos tão distantes. Depois de tantos anos de guerra, depois de tantos anos perdido no oceano, tinha como fato que ela não teria sobrevivido... Mas não era esse o objetivo de entrar se voluntariado, há vários anos atrás?

Nascera em uma periferia de terreno árido distante da área rural e distante das zonas urbanas de seu país, mas próximo das empresas petrolíferas e mineradoras. Eram lá que os operários e operárias da cidade conseguiam o dinheiro para comprar o pão caro, importado de distantes terras agrícolas do leste do país. Não eram muito diferentes as outras regiões no norte de Fantasy, enquanto seu olhar ainda se mantivesse distante do litoral.

Era filho de uma mulher que não tinha muito como ganhar dinheiro além de usando seu próprio corpo. Era difícil manter o trabalho e cuidar de sua criança ao mesmo tempo, e não teria um homem que pudesse contar como ajuda. Sem outra pessoa que pudesse ajudá-la a trabalhar e cuidar da pequena criança, não havia outra saída senão procurarem conforto na casa da mãe que uma vez tinha abandonado. Avó de Xupa Cabrinha morava em um dos polos agrícolas de Fantasy e dona de seu próprio e pequeno negócio de cana de açúcar. Vovó era branca enquanto sua filha e Xupa, de pele mais escura.

Sua avó, Abigail, e sua mãe Jessica tiveram um grande desentendimento no passado. Jessica nascera de um relacionamento adultero de Abigail pelas costas de seu marido Tomás. O bebê era de pele negra e isso foi o suficiente que Tomás abandonasse Abigail e a deixa-se a beira da falência pela falta do apoio financeiro que seu marido lhe proporcionava. Não suporto mulheres que se deitam com os seus subordinados, disse Tomás, minutos antes de pegar seu carro e partir de volta ao seu antigo lar, no litoral. Abigail teve dificuldades para manter a produção por si só, sem os cheques de seu marido. Em momento algum cuidara de sua filha, que vivia por seu subsídio na pequena cabana de seu amante. Jéssica cresceu sabendo que era filha da dona da propriedade, mesmo que essa dificilmente se comunicasse com a filha. Abigail em seus pensamentos culpava a criança pelas dívidas que vieram nos anos seguintes. Já adolescente, passou a trabalhar a terra assim como qualquer outro filho que nascesse nas terras de Abigail tinha como destino. Fugira com seu pai quando esses descobriram que existiam terras a oeste em que poderiam viver sem nenhum dono de terra ordenando-os o que fazer. Seriam, enfim, livres de serem explorados em terras cultiváveis. Seu pai não esperava que fosse explorado por donos de indústrias petrolíferas em terras estéreis. Morreu depois de alguns anos tendo que trabalhar quinze horas por dia. Ainda adolescente e despejada de sua pequena barraca, Jéssica conseguiu uma saída de sua vida na rua como prostituta.

Com alguns meses de programa, conseguiu alugar uma casa para si própria. Alguns anos depois, engravidou sem que percebesse antes do quarto mês. Viveu os outros meses com o pouco que tinha escondido debaixo de algumas pedras na areia de sua barraca e depois teve seu filho com a ajuda de algumas amigas de trabalho durante o parto. Não poderia viver da forma como teve vivido nesses últimos anos. Sua única opção era pegar a carroça com o restante do seu dinheiro para deixá-la no início das terras agrícolas, onde andaria até que pudesse reencontrar a sua mãe.

Duvidava se realmente receberia aconchego de Abigail. Mesmo sendo sua filha, não a conhecia e duvidava se realmente tinha um coração. Que tipo de mãe era essa que ignorava a existência de sua filha que morava numa barraca enquanto vivia em sua casa confortável? Começou a se perguntar se isso era mesmo uma boa ideia... Era a única. Foi quando, caminhando na pequena estrada de barro entre as terras cultivadas que um homem de cavalo apareceu. Seria aquele que a salvaria? Com uma arma em seu bolso, perguntou-a o que faria naquela propriedade. Jéssica perguntou se essa era a propriedade de Abigail, o homem respondeu:

“Não mais, Abigail não mais está entre nós.” – e retirou seu chapéu. – “Mas, mesmo assim, ainda há trabalho para tipos como você. Continue sua caminhada e vire à esquerda. Fale com o xerife, ele conseguirá um trabalho para você nas terras de Fonseca.” Jéssica pensou em mencionar o recém-nascido que o homem talvez não tivesse notado, mas estava bem entre seus braços então era óbvio que o cavaleiro o tivesse notado. Pensou em dizer que não conseguiria trabalhar e cuidar da criança ao mesmo tempo, mas decidiu simplesmente continuar a estrada enquanto o homem continuava a guardar a propriedade de seu novo proprietário. Não era como se tivesse para onde voltar, então continuou.

Durante anos trabalhou para Fonseca, até a rebelião dos camponeses que trabalhavam para Fonseca. No clima de incerteza e mortes, seu filho de 16 anos guiou sua mãe para outras terras. Mais tarde descobriram que o exército tinha intervido na situação e um grande massacre na comuna que tinha vido a nascer daquela rebelião aconteceu. Até mesmo no gueto da cidade que puderam fugir para, Xupa Cabrinha sentia medo das autoridades que muitas vezes estavam distantes. Mas, quando próximas, oprimiam os mais pobres e inclusive seus amigos de trabalho.

Xupa Cabrinha enquanto uma criança estava aos cuidados das idosas que há muito tempo trabalharam naqueles campos e viram seus companheiros morrerem de exaustão explorados por Fonseca, ou seja lá qual fosse o dono. Pouco via a sua mãe, que trabalhava com os homens no plantio de soja, enquanto as mulheres geralmente trabalhavam nos milharais. Quando a via, estava cansada e pouco conseguia dizer algo para o filho. Isso apenas aumentou com o passar dos tempos. Ele não fora alfabetizado durante essa época, só conhecera a leitura e a escrita aos nove anos quando fugiu com a sua mãe. Aos seis anos, desfrutou de tempos queridos e que sentiria falta com outras crianças e tias nos milharais, onde crianças aprendiam a colher e onde Xupa trabalharia até os 13 anos, depois, seguiria para o mesmo terreno que sua mãe trabalhava.

No gueto, a mente da criança tornou-se confusa sem saber o que seria de si longe dos campos. Estava em um novo cenário e não imaginava perspectiva para ele e para sua mãe, lá. Nos primeiros dias refugiaram-se num dos dormitórios para moradores de rua, mas em menos de uma semana lidaram com a realidade de que eram muitos os pobres, e eles eram apenas dois na fila do dormitório. Sua mãe não sabia mais como continuar vivendo uma vida tão conturbada. Vivera na fazenda para voltar novamente a mesma, vivera no gueto no deserto para voltar para um gueto diferente. Não existiria um lugar que pudesse prosperar com a sua criança que tanto prezava? Pelo menos conseguiam passar mais tempo juntos, mas isso logo mudaria: encontraria um ganha-pão e Xupa também. Queria que seu filho estudasse. Não sabia o que isso significava, pois nunca tinha conhecido alguém que estudara e nunca teve a chance de conhecer instituições de ensino. Mas algumas existiam, naquela comunidade que agora moravam. Conseguia imaginar um futuro melhor para o filho, enquanto andavam de mão dadas.

Xupa Cabrinha não era mais uma criança e sabia disso. Sua avó de coração, Dorneles, o dissera aos seis anos que já era um homem e por isso tinha que trabalhar para ajudar na colheita. Levou isso consigo, quando saíra do vilarejo. Em alguns momentos pensava se alguém teria sobrevivido ou se estavam bem, isso antes de descobrir do destino cruel daqueles com quem convivia. Assim como sua mãe, que trabalhou como operária numa fábrica de tecidos, Xupa Cabrinha exerceu profissão de ajudante de um ambulante em trânsitos da cidade mais baixa.

Não entendia como os lugares eram tão diferentes. Não entendia como, em alguns metros de distância, ocorresse uma transformação daquelas: tudo onde trabalhava brilhava, todos pareciam felizes e ocupados, todos pareciam estar desfrutando seu tempo de lazer nas cafeterias e lanchonetes, todos pareciam estar com pressa para atravessar o semáforo. Não pareciam se preocupar com as necessidades básicas que ele e sua mãe se preocupavam. Tinha sobrevivido ao mundo com a ajuda de algumas pessoas, é verdade: receberam comida assim que chegaram a esse novo lar que agora moravam, receberam ajuda e teto provisório de outros, mas não eram pessoas como essas que moravam na terra reluzente, nome que deu nos primeiros dias antes de descobrir que a cidade se chamava Vila Nova. Duvidava se essas pessoas sequer sabiam a diferença entre esses dois mundos, separados por alguns passos pequenos. Duvidava se essas pessoas sequer se importavam, pois ignoravam sempre sua presença quando tentava vender o que tinha que vender como trabalho. Geralmente se frustrava porque a falta de clientes era motivo de bronca e mau humor do seu chefe, que pouco também parecia notar a presença do menino ou se importar com ela. Era um homem bastante ocupado com jornais. Das seis horas da manhã até as nove, trabalhavam juntos. Depois, Xupa Cabrinha estaria em frente a uma estátua que era bastante conhecida enquanto o homem de trinta e poucos anos e de chapéu de palha continuaria na praça. A cada três horas, Xupa andava por trinta minutos para retornar e dar dinheiro a Menegel. Ás vezes trocava de lugar, quando o velho ordenava, ou quando via oficiais do exército passando mesmo apenas transitando como qualquer outro civil ou quando estavam fazendo suas inspeções. Policiais também. Xupa Cabrinha tinha esse medo por homens uniformizados o tempo todo. Por homens que subiam no gueto para fazer filas de homens de sua cor e matá-los sem motivo. Ninguém parecia se preocupar com isso, mas tinham medo quando ouviam o marchar pela janela de casa. À noite, enquanto na escola, escutava tiros e temia pelo que se repararia quando saísse do pequeno prédio de dois andares.

Quem diria que Xupa Cabrinha se tornaria um militar? No fim da história da sua vida, quer dizer, no fim do flashback, vamos descobrir que Xupa Cabrinha entrou numa academia militar aos 16 anos de idade com o intuito de poder ajudar a sua mãe. Seria um cabo da infantaria assim que se formasse com 18 anos. Não era uma posição alta, mas ainda assim poderia ajudar sua mãe. Militares tinham privilégios, como sua família poder ter acesso a hospitais militares e a moradia grátis para a família dos mais necessitados. Xupa Cabrinha era um necessitado, mas não conseguiu a moradia para Jéssica, que ficou quase por dois anos completos sem ver o filho, que estava mudando completamente. A cada férias, tornava-se um homem cada vez mais quieto e mais complicado de conseguir entender. Não costumava falar muito e, quando falava, era para agradecer sua mãe pela sopa que era servida naquela noite ou para comentar de algumas de suas vivências fora de casa. Depois que se formou, estaria à serviço do exército durante a semana e aos finais de semana iria visitar a sua mãe. Era com ela que ele estaria realmente em casa, comendo sopa ao final do dia enquanto viam uma televisão que só pegava um canal uma novela que pouco estavam interessados, mas estavam interessados em conversar um com o outro.

O caminho até a praia já estava acabando, e seria lá que Xupa Cabrinha encontraria o seu maior inimigo: um peixe. Não teria que combatê-lo, mas seria examinado por aquele que era o guardião dos mares. Uma sardinha, diferente das outras sardinhas, mantinha-se sempre próximo à praia para saber se algum perigo estava se aproximando. Sardinhas são uma espécie de peixes guerreiros e nômades, sempre passeavam em grupo para que pudessem derrotar e pilhar todos os corais que encontrassem pelo o caminho. Não fugiam da batalha, é verdade, mas isso não quer dizer que saiam atirando para qualquer coral sem prestar atenção. Com seus sensores de vibrações na água e com os seus observadores pelos oceanos podiam se comunicar e saber cada barco, navio, lancha e banhista que nadava pela superfície de seus mares.

Entenda bem: Xupa Cabrinha não era o tipo de pessoa que costumava falar consigo mesmo. É estranho dizer isso porque há poucos capítulos foi descrita uma cena em que ele, pelado e sentado em sua escrivaninha, conversava supostamente com o espírito de Krom Hellrock. Mas, para qualquer um que assistisse a cena, seria como se ele estivesse conversando consigo mesmo. Não é algo que ele fazia normalmente, mas é algo que, por algum motivo que ele não ousou perguntar e nem pensou em perguntar por conta do momento de clareza que estava passando por sua mente, ele fez agora:

— Muito bem, só mais um pouco – disse, como algo instintivo. Tinha encontrado as areias que fizeram seu renascimento, seguiria o oceano. Mas para qual direção? O oceano parecia tão imenso dali. E realmente era tão imenso quanto imaginava. Na verdade um pouco mais. Se deparou com uma incerteza, enquanto saia da vila, mas não tinha tempo para ficar pensando, não era como se tivesse alguém para perguntar. Levantou, voou... E foi embora.

Dom Picone não iria pensar muito e supor quem era o inimigo ou o que estava fazendo ali naquela hora. Pela hora que sentira a magnitude do ataque, a única coisa que supôs foi que seja quem fosse o inimigo, seu alvo era certamente seu mestre. Era óbvio que não deixaria seu mestre morrer ali, indefeso, protegê-lo-ia com tudo o que tinha e tinha bastante. O velho poderia ficar tranquilo, mesmo inconsciente. “Depois de acabar com ele, descobrirei o que aconteceu contigo, ó mestre. Descanse tranquilamente, sem qualquer receio, espere alguns minutos.”

Dom Picone sabia quem era o inimigo e não se sentia nem um pouco preocupado, também. Raul, um dos seus antigos amiguinhos de equipe que agora tinha traído a organização e tudo pela qual ela prezava. Só precisava estar em posição para derrotá-lo e, óbvio, saber a posição do seu inimigo. Para que pudesse prosseguir, teve que começar a fazer algumas suposições. Tinha que fazê-las, por mais que não quisesse e pensasse que era uma perda de tempo, até porque Raul não era um inimigo tão forte assim. Não, não deveria pensar, era pela segurança de seu mestre e pela sua honra como futuro protetor da vida e do universo. Um título e responsabilidade que dificilmente poderia segurar, mas que deveria. Era seu orgulho, sua honra como cavalheiro e homem bondoso que o dizia para aceitar o pedido de seu Mestre. Não fora escolhido à toa, e sabia disso, nada que precisasse de um flashback. Apesar de ser o momento perfeito para um, Dom Picone não é o tipo de homem que gostaria de ter flashbacks mostrando como fora escolhido a ser discípulo. Não queria ter flashbacks sobre seu treinamento. Tinha vergonha do que uma vez fora e não queria pensar nos seus momentos de passado, apenas no renomado guerreiro que um dia poderia se tornar. Tornara-se forte antes que tivesse percebido e notou que agarrar a chance de tornar-se que tinha era o melhor que poderia fazer para si mesmo e para a Terra. Nunca entendeu esse lance de proteger o universo e dificilmente conseguiria, sendo o ser humano que era. Mas sabia que não deveria contrariar seu mestre, que conhecia todos e o escolhera em especial.

Várias suposições passaram pela cabeça do garanhão, mas poucas puderam permanecer. Muitas delas eram apenas suposições bestas que viam a tona porque, por algum motivo, sentia-se empolgado. Fazia bastante tempo que não era aproximado por um inimigo, mesmo que fosse um fraco como esse, e sentia que era a sua chance de brilhar. Se o objetivo do inimigo fosse realmente derrotar Ramon enquanto estivesse inconsciente, então não poderia deixá-lo de lado. Não poderia carregá-lo por aí, mesmo sendo um homem de mente e corpo forte. Isso atrapalharia sua movimentação e sua concentração. Precisava da sua concentração principalmente para poder rastrear seu inimigo e terminar com ele antes que ele percebesse que ele tivesse sido terminado. Não, não teria graça, nem um pouco. Precisava terminar com ele com uma pose, uma pose muito legal. O tipo de pose que nunca tivesse feito antes.

Raul, por outro lado, tinha pouco de interesse em acabar com o inimigo usando poses e frases legais. Também não queria ser acabado com um inimigo que usasse poses legais, e sabia que Dom Picone era um desses. Estava pronto para as poses e frases que viessem. Por mais que o tempo que os dois tivessem passado juntos era pouquíssimo, sabia de sua habilidade assim como Picone sabia da sua. Não sabia, entretanto, como Picone poderia utilizar sua habilidade o que, momentos depois, resultou em seu fim.

Apesar de ter se atrasado alguns capítulos atrás para o jantar que Molly o tinha convidado, Picone tinha uma incrível noção de espaço, tempo e uma observação implacável. Não a utilizava em momentos comuns de sua vida, quando precisava encontrar o seu celular, poderia facilmente rastreá-lo caso fosse uma situação de vida ou morte, algo que era comum no seu trabalho. Digo, trabalho antigo. Agora estava desempregado e se perguntava como conseguiria ter outro trabalho.

Na verdade não estava bem desempregado... Era ainda dono da Corporação Picone, mas não considerava esse um trabalho de verdade. Queria mesmo é poder fazer justiça. Bem, não que precisasse de um trabalho para isso. Já fazia justiça todo dia sendo belo da forma que era, pensou. Isso sim é justiça.

Picone tinha uma incrível percepção. Conseguia diferenciar cada molécula pela forma que ela vibrava, ou melhor, pela forma que ela vibraria. Era algo complicado de explicar, mas Picone gostava de dizer que o que ele sentia era o potencial de cada molécula. O potencial que ela tinha de se chocar com tudo e com todos, de cair, de explodir, e tudo mais. Portanto, não era como se ele conseguisse sentir uma molécula de hidrogênio pela aparência, mas sim pela diferença que de seu potencial comparado a uma molécula de oxigênio. Isso, entretanto, fazia com que as coisas complicassem para ele. Ele não conseguia focar em uma molécula específica, apenas conseguiria saber onde moléculas desse tipo estariam presentes. Comparando com o quanto conseguia perceber na época em que tinha adquirido essa habilidade, que não será explicado como nesse capítulo, tinha conseguido evoluir bastante. Mas se sentia estagnado.

Você talvez diga: mas no capítulo 13 você disse que Picone tinha a habilidade de controlar a gravidade! Eu não disse nada, foi ele mesmo que disse isso. O que não é uma mentira completa. Não é que o garanhão controle a gravidade, mas ele pode ativar ou desativar o potencial gravitacional que cada corpo tem, que, na verdade, é a energia potencial caso algum indivíduo se chocasse com a Terra. Então, supondo que seu inimigo não estivesse caindo, Picone ainda poderia fazer com que esse potencial se tornasse realidade caso conseguisse tocar no corpo do indivíduo, como fez no capítulo que apareceu pela primeira vez.

Não se aplicava, entretanto, apenas para a gravidade. Picone poderia fazer, como faria mais tarde contra Raul, um de seus truques preferidos para assustar inimigo. Não tinha utilizado muito esse truque por estar sempre em situações complicadas em seu combate. Mas essa não era uma situação complicada, pelo menos não julgava ser, apesar de toda a complicação nela que estava envolvida como o seu mestre precisar de seus cuidados e ter desmaiado misteriosamente.

Talvez tivesse chegado a sua hora, pensou o empresário garanhão e galante em relação ao seu mestre.

Esse pensamento, por mais que tivesse sido apenas um palpite pequeno e que só passou pela sua mente como um vento fraco em um coqueiro que não fora nem o suficiente para balança-lo, fez com que alguns milésimos de segundos depois percebesse que, se aquilo fosse mesmo verdade, o que ele faria? Seria ele agora o grande defensor do universo? Considerava-se um homem poderoso mas não sabia se conseguiria salvar o mundo de inimigos que nem tinha ideia do que eram, inimigos que nem conseguia imaginar mas conseguia imaginar Ramon enfrentando-os porque era esse seu trabalho: enfrentar inimigos tão fortes que eram quase impossíveis de enfrentar. Estava enfrentando um inimigo desses, agora, talvez? Será que fora obra de Raul que Ramon estava assim? Provavelmente saberia se Raul usufruísse de uma habilidade tão poderosa assim que pudesse nocautear um alvo em uma fração tão pequena de tempo. Até tinha, podia derrotar inimigos facilmente com os altos níveis de decibéis de suas ondas sonoras, mas Don Ramon poderia impedir isso. Picone também saberia se existisse alguém em seu antigo trabalho que tivesse uma habilidade como essa, e não sabia, mas isso talvez fosse porque quem possuísse tal técnica fosse bastante discreto com a sua utilização. Deduziu que, bem, ele ainda estava em pé e que se realmente existisse um aliado de Raul que tivesse tal habilidade era difícil entender o motivo de ainda não tê-la usado em Picone. E, segundo, seu velho muito provavelmente ainda estava vivo, porque, se não estivesse, por que Raul o teria atacado?

Depois de um parágrafo tão grande de suposições, Picone percebeu que estava fazendo realmente o que queria evitar. Passou o parágrafo inteiro fazendo suposições que no final acabou percebendo que era incríveis bobagens. Pelo menos a duvida que fora formada pelo passageiro pensamento que Ramon estava morto tinha ido embora de vez. Não queria afirmar para si mesmo, mas a ideia de ter que enfrentar inimigos que fossem tão poderosos quanto seu mestre fazia com que o potencial de suas calças ficar molhadas aumentasse.

Enquanto tentava reafirmar que era uma pessoa viril e que não sentia medo de nada, sentiu outra onda poderosa de vibrações que caminhavam na humilde e modesta velocidade sonora. Não que Picone pudesse se mover mais rapidamente do que a velocidade do som, mas ele tinha os seus próprios truques. Ele podia facilmente neutralizar as ondas sonoras que chegassem próximo a ele utilizando as moléculas de ar entre ele para desviar as ondas sonoras para distante de si mesmo. Mas seria apenas nos últimos milisegundos, pois apenas teria controle do potencial das moléculas de ar mais próximas dele, por terem entrado em contato com seu corpo.

As ondas sonoras chegaram e foram desviadas para cima. É meio tarde para falar da localização de Picone e Ramon, que ainda estava deitado aos braços do garanhão, mas estavam em um dos últimos andar de um prédio em construção no centro da cidade. O prédio não tinha ainda sido concluído e por sorte não tinha sido afetado pelo ataque de raiva de Molly quando encontrara Mario por aquela região. O teto vibrou com o ataque de Raul e conseguiu Picone conseguiu perceber que não era seguro continuar naquele andar. Ainda tinha algumas pedras no chão que caminhara pensando nos velhos sermões de sua avó que ele podia sentir o potencial e que ele havia tocado, sairia por lá. Era difícil conseguir acertar isso, mas as pedras voariam diretamente para o seu pé e tentaria encontrar em equilíbrio. Pela direção que os ataques vinham, tinha certeza que Raul estava em uma região mais alta. Mas onde deixaria o velho? Ficaria ali, ou levaria para enfrentar Raul? Não poderia enfrentá-lo carregando com Ramon, ou melhor, não poderia fazer as suas poses carregando-o. E fazer suas poses e frases marcantes era tudo o que queria naquele momento. Antes que o próximo ataque de Raul viesse, percebeu em uma resolução que era simplesmente o seu jeito. Deixaria assinado que era com Picone que Raul estava se envolvendo e quando se envolve com Picone você precisa estar preparado para os fogos de artifícios e beijos à luz do luar.

Essa parte não fazia parte do seu show, era como a preparação para o espetáculo. Retirou o seu sapato respeitoso de homem de negócios e tacou-o pela janela, em direção contrária a qual sairia quando estivesse pronto. Não se sentia orgulhoso por ter depravado uma propriedade privada, mas podia passar por alguns limites para que o show ficasse melhor. Antes que começasse a entrar na reflexão profunda de se ele era um homem maquiavélico ou não, deixou o velho ali mesmo e pulou com convicção de que uma pedra voaria até o seu pé no momento certo. Teve alguns milisegundos de desequilíbrio quando a primeira pedra veio ao seu pé direito, mas segurou na segunda que tinha passado do ponto com sua mão esquerda e então, com um pouco de dificuldade saltou mais um pouco para a próxima pedra que viria, e para a próxima. Estava com medo de cair, mas nunca revelaria isso a ninguém. Era o que sua vó sempre dizia, pensou. Na verdade pensou de nunca e sua avó nunca tinha dito nada assim, apesar de ter certeza de que alguma vez isso tivesse acontecido. De onde estava, flutuando com dificuldade com duas pedras abaixo de seu pé, já poderia pular e alcançar a cobertura, mas uma pedra inesperada chegou a alta velocidade e acertou sua barriga. Foi como tomar um soco de Molly, não que já tivesse levado um soco de Molly alguma vez, mas o autor precisava de alguma comparação baseada em uma habilidade de um outro personagem. Já podia sentir o próximo de Raul sendo preparado e também conseguiu, com seus olhos, visualizar a localização de Raul. Estava a alguns metros distantes, mas era o suficiente. Não podia ficar chateado e teria que suportar a dor da pedrada que ele mesmo dera sem querer em seu estômago.

Redirecionou com toda a sua sabedoria a sua pedra para Raul, em uma velocidade mais alta do que a anterior. Sabia que Raul cancelaria o ataque por ficar surpreso com o ataque. Raul era um medroso, afinal. Desviaria, mas o verdadeiro ataque estava ainda para vir. A pedra era apenas uma distração.

A pedra avançou rapidamente e Picone não viu nenhuma reação de Raul, que continuava carregando seu ataque. Ok, pelo menos seu ataque era em sua direção e não de seu mestre. Será que Raul estava planejando destruir a pedra? Bem, era algo provável, até porque pedras não são tão poderosas assim. Mas esse é o mesmo Raul de antes, que gritara ao pisar numa barata quando tiveram que invadir o covil dos mineiros comunistas? Era uma das histórias que não Picone, mas o C da ABC Works, Cheila, adorava usar para tirar sarro de Raul. Raul não ficava feliz com isso.

Picone não poderia continuar ali, teria que dar uns pulinhos com a pedra de novo. Sentiu na vez anterior que usara sua habilidade fantástica para desviar o ataque do inimigo de óculos quadrados que seus ouvidos tinham zumbido um tanto e sabia que poderia acabar surdo assim. Não queria ficar surdo, não poderia ouvir a belíssima e charmosa risada das moças quando as cantassem se ficasse surdo. Ainda descalço, o garanhão simplesmente pulou para desviar do ataque do inimigo. Não pensou no que estaria para fazer, deixaria para pensar enquanto estava caindo. E já estava caindo.

Antes de passar os últimos momentos da sua vida, Picone tentou pensar no que direcionaria para ele para que conseguisse se salvar. Era meio idiota, pensou, pular e acabar se matando porque não queria ouvir um zumbido. Não queria pedras, não mais uma em seu estômago e não sabia se conseguiria direcionar outra perfeitamente para o seu pé. Pensou no que havia tocado naquele dia e que estava próximo dali. Não tinha passado o dia ali, só tinha chegado lá depois de se reunir com seu mestre para assistir que ele matasse aquele coitado de Cracker que nem parecia ser malvado no fundo.

No que seria os últimos segundos de sua vida, Picone teve uma das ideias que considerou uma das mais estúpidas e mais brilhantes da sua vida. Estúpida porque era uma ideia obvia e que nunca tinha tentado, provavelmente porque não conseguia muito bem mexer em corpos humanos como um todo, era mais fácil com seu corpo. Mas poderia tentar consigo, e tentou com seu tronco. Sempre estava trazendo coisas para ele, por que não poderia levá-lo até as coisas com seu poder? Levaria seu tronco, rezando para sua avozinha que ele não se partisse para além de seu corpo, até o seu sapato e desativaria a potencial de suas forças para que pudesse pousar numa das coberturas dos vários prédios da região urbana, um que tivesse bem próximo de Raul, de preferência, para observar a cara dele quando o espetáculo começasse e ele seria completamente derrotado.

Por ser um dos personagens principais da trama nesses últimos capítulos e atualmente o defensor do universo enquanto Ramon estava ausente, Picone não morreu e nem teve seu tronco separado do seu corpo, o que seria um desastre. Um personagem como esse não pode morrer por causa de uma de suas decisões estúpidas. Picone com sucesso, não tanto por ter caído de bunda numa das coberturas e com um pouco de enjoo no estômago pela experiência que considerou traumática e preferia nunca ter que fazer mais uma vez. Talvez morrer fosse melhor, mas não morrer naquela hora. O show estava para começar. Depois de apalpar a bunda para aliviar a dor e tirar qualquer sujeira de suas calças caríssimas, Picone levantou-se rapidamente para ver os fogos de artifício começarem. E seria assim que derrotaria Raul. Depois de desativar a força entre ele e o sapato, reativou a força entre a pedra e o sapato, que estava ativada antes dele pular e ter que recorrer ao seu último plano para não morrer de uma forma nada honrosa.

Raul tinha seu ataque quase lançado na posição que Picone estava antes e não tinha percebido que tinha mudado de posição, até porque Raul precisava fechar seus olhos e ativar os bloqueadores sonoros em seu ouvido para que não ouvisse e acabasse sendo afetado pela sua própria habilidade. Fechava os olhos porque tinha que se concentrar bastante, como se precisasse fazer um cocô que estivesse bem complicado de sair. A questão é que a manobra que o garanhão fez para salvar-se do ataque do maléfico inimigo durara poucos segundos, apenas de ter parecido uma experiência bastante longa para ele, principalmente os segundos antes da queda antes de chegar à ideia fantástica. “Agora será meu momento de brilho e glamour”, pensava. Ajeitou a sua posição, porque Raul iria se perguntar de onde o ataque veio, olharia ao redor e encontraria a alguns metros de distância, em outra cobertura de um outro edifício, Picone, em sua pose magistral.

A pedra, bastante próxima de Raul foi destruída. Mas a pedra era apenas uma distração que, na verdade, Raul nem isso a considerou. A pedra era apenas a isca para que a sapatada viesse na nuca de Raul. E ela chegou. O garanhão orgulhou-se. Raul caiu de cara no chão.

Era difícil entender o que o protetor da Terra estava esperando do resultado daquele ataque. Raul não morreu, nem deslocou a medula e teve nenhuma fratura em seu esqueleto. Simplesmente, depois de alguns segundos de tontura, levantou-se e olhou para a direção de Picone. Não entendeu o que tinha acontecido, até perceber que tinha um sapato à sua direita e Picone estava à sua esquerda. O sapato era obra dele, mas???? Por que tinha feito isso? E como tinha feito isso? A habilidade de Picone não tinha algo a ver com a gravidade? Ah, não se importava muito, iria enfrentá-lo corpo a corpo e ele provavelmente não conseguiria suportar tantas vibrações vinda do seu corpo. Não demorariam para chegar até ele e não precisaria fazer careta de cocô difícil de sair, usaria as habilidades que lhe foram aperfeiçoadas com a ajuda de novos equipamentos providenciados por Rossiano. Estava ansioso para usá-los. Na verdade, foi por causa deles que se sentiu confiante de atacar a pedra. Sabia que Don Picone era um homem perigoso e que suas chances contra eles eram provavelmente bem pequenas, mesmo com todo aquele equipamento. Mas fez o máximo para tirar isso da cabeça. Confiança é a chave, tinha dito Will a ele um outro dia, quando ainda eram homens de bem que matavam trabalhadores que só queriam um salário justo.

Mas a verdade é que realmente Raul nunca o derrotaria, e Picone sabia disso. Agora que vira o seu espetáculo cair a parte e perceber então o quanto o roteiro desse show era completamente ridículo, apesar de ser bastante criativo, enfureceu-se. Não era do tipo que gritaria ou que mostraria a sua raiva, simplesmente guardaria para a si mesmo e xingaria tudo que conhecia e que não respeitava em sua mente. Tinha sido um erro seu e já estava cansado.

Raul era um vilão sem nenhuma importância. Contratado por uma agência cujo líder era um dos amigos de Shepard que já tinha dado adeus a essa história. Era um vilão que só estava exercendo seu papel hoje porque Shepard tinha falhado e tinha dado à Rossiano a ordem de deliberar todas as suas forças contra os Imperadores Solares, antigos membros da ABC Works que não mais trabalhavam para ele e Don Ramon. Nem mesmo Shepard, que deu essa ordem, acreditava que as forças de Rossiano seriam capazes de fazer alguma coisa sobre isso, inclusive acreditaria menos se soubesse que Raul estaria incluso nessa lista. Mas pelo menos seriam uma distração, caso algo desse errado, caso fosse assassinado por uma inteligência artificial que guardava rancor desde o dia que seu nome foi-lhe dado Mendel.

Dom Picone percebeu que não tinha motivo para continuar fazendo um show. Não estava apenas decepcionado consigo mesmo, mas também sentia que Don Ramon ficaria decepcionado se soubesse que seu discípulo, protetor da Terra em exercício e futuro protetor da Terra em tempo integral, era tão patético assim. Sinceramente, já tinha se machucado mais do que Raul apenas com as suas próprias pedras e ideias idiotas de pular de prédios. Sentia o peso do planeta nas costas, agora, e se sentia responsável por ter falhado com a humanidade e tudo que conhecia caso Raul fosse um inimigo verdadeiro. Caso que, se fosse um inimigo de verdade, sua abordagem seria completamente diferente desde o início.

Picone, sem mais pensamentos e sem nenhum sermão de sua avó, sem flashbacks motivacionais e sem nada para se acalmar, apontou para Raul, no momento em que seu sorriso bobo passou para o olhar de um homem que tinha que conviver com pesos inimagináveis e uma raiva que não conseguia expressar. Disse:

— É o seu fim, cowboy. – Não tinha nenhum senso de humor nessas frases, apenas seu descontrole sobre suas emoções e pura frustração consigo mesmo.

Raul se deparou com o fato de que estava para morrer sem nem ao menos dizer algo a mais nesse seu retorno para a série. Era assim que seria lembrado? Como um vilão secundário? Não tinha tempo para dizer nada, mas queria dizer alguma coisa e, mesmo se tivesse tempo, talvez não conseguisse, sabendo que em alguns instantes depois seria apedrejado por outras pedras que vinham em uma velocidade inigualável à pedra anterior, que pode se preparar e derrotar. As pedras, ligadas ao sapato de Picone por meio da habilidade mortal do garanhão enfurecido, seguiram o seu caminho e apedrejaram o corpo de Raul. Principalmente a parte debaixo.

Sem mais descrições, Raul morreu enquanto Picone se virava para a escadaria e desceria em seu ritmo até o primeiro andar ir ao outro prédio e verificar como estava seu velho. Percebeu a falta de maturidade que fora seu comportamento nesse capítulo enquanto dava seus passos pesados e velozes pela escada.

Mas, pelo menos, tinha terminado de uma forma bastante estilosa Raul, foi o que pensou em alguns segundos que sua raiva tinha sido substituída por uma singela e passageira felicidade. Talvez fosse realmente estiloso e não precisava se forçar para isso. "Sim, eu sou estiloso de natureza, desculpe aos meus fãs por ter feito um show tão horrível hoje. É que eu tentei me esforçar a ser estiloso sendo que eu já sou, hahahaha. Mil perdões, foi ótimo estar aqui com vocês, eu vos amo.", ele disse, para você.


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