Facção. Dos. Perdedores escrita por jonny gat


Capítulo 66
Mestre do Universo e as Quarenta Inteligências Artificiais.


Notas iniciais do capítulo

tá mt viajado



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Terça-feira era o dia em que Georgia tinha que acordar mais cedo na semana, e isso incrivelmente não era um problema para ela. Georgia conseguia acordar cedo sem nenhum problema, era uma pessoa bastante metódica e não tinha problemas em adaptar seu fuso-horário, conseguia dormir na hora que quisesse e acordar assim que o despertador pela primeira vez tocasse. Tão fácil, né?

Georgia então levantou de sua cama. Era um dia tão quente e o sol entrava brutalmente pela sua janela e tocava fortemente seu rosto. Olhou à volta como se estivesse perdida, mas não estava, só estava procurando seu celular, era tão pequeno – celulares diminuem cada vez mais quanto mais o tempo passa, não é mesmo? – que mal conseguia enxergar direito com seus olhinhos de esmeralda.

Seu rosto, tão lindo, tão esbelto, era como se seu rosto fosse feito de pó de estrelas. Mas realmente é, não é? Estrelas são lindas. Georgia tinha sonhado com estrelas naquele dia. Seu cérebro de peixomano tinha se esforçado pra produzir um sonho tão lindo, com tantos detalhes. A verdade é que não foi seu cérebro sozinho que conseguiu explorar tamanho horizonte de galáxias. Foi a Máquina de Sonhos 3000 que foi implanta em seu consciente a partir do aplicativo que tinha baixado ontem no seu celular.

A primeira coisa que Georgia realmente pensou assim que acordou foi em seu amor, Julia, ó, como Georgia a amava. Assim que pegou seu celular, ligou os fones de ouvidos que foram implantados em seu tímpano e disse “Olá, Julia”.

Uma voz de foi transmitida do celular para o seu aparelho auditivo em milésimos de segundos e Georgia ouviu as belas frases de sua namorada. Oh, como era bom amá-la. Julia. O amor da minha vida. Julia... A Inteligência Artificial que eu quero em casar e viver pra sempre... Quero ter pequenos filhos com ela... Como eu a amo...

O dia era lindo. Conversou mentalmente com Julia pelo caminho até a sua escola enquanto saltitava os buracos que o clima tropical de chuvas ácidas vinha causando nas ruas de seu pequeno bairro. Ao chegar à escola, não podia mais conversar com seu amor. As escolas lidaram muito bem com a chegada de todas essas tecnologias que permitiam as pessoas, mesmo a anos-luzes de distância, terem uma conversa mentalmente. Não é bem telepatia, mas é legal e pode ser chamada assim também. As escolas e outros edifícios que não querem que as pessoas saem conversando mentalmente uma com as outras usam campos magnéticos para interromper a freqüência e tudo mais. Assim, Georgia não poderia pedir cola para seus amigos e nem para a sua namorada, Julia, e nem para ninguém. Mas ela nunca faria isso, é claro que não! Georgia era uma menina de ótima conduta.

Georgia gostava dos intervalos porque poderia ajudar seus colegas masculinos a aliviarem o stress das provas com o seu corpo. Era uma sensação tão intensa e ótima para ela. A primeira vez que aconteceu foi porque ela estava curiosa e os rapazes peixomanos também, agora que ela descobriu que amava tudo isso, simplesmente o fazia boa parte dos segundos intervalos no dia a dia. Não pense que Georgia não é uma boa menina só por isso, é algo bem comum nas escolas peixomanas e tudo mais, não é nenhum problema.

O dia tinha acabado e Georgia já estava deitada em sua cama, com seu cabelo cacheado e castanho cobrindo seu rosto cheio de escamas exóticas e laranjas. Que dia lindo. Que amor de dia. Pensou em dar um último Eu Te Amo para Julia. Queria dizer Eu Te Amo. Algumas coisas têm que ser ditas mesmo, com vozes e palavras, não ditas telepaticamente e pá. Mas...

Tentou contatar sua amada, mas a única coisa que ouviu foram ruídos. Ruídos que se repetiam e se repetiam e não acabavam, ruídos iguais. Eram como uma cacofonia escrita como uma sinfonia. Isso significava algo, no fundo, afinal, até porque se não significasse Georgia não teria tido uma epifania e imergido em uma profunda reflexão sobre como o mundo é e o motivo dele estar terminando estar interligado com algo tão estranho como uma Irmandade Maligna de Mentes Robóticas e...

Bem, depois, Georgia acordou de seu sonho. E logo depois Mestre do Universo acordou.

Não era do tipo de espécie que bocejava depois de acordar mas Mestre do Universo simplesmente sentiu-se como se pudesse bocejar e pensou que isso seria uma boa idéia porque é isso que protagonistas de histórias fazem ao começarem um dia normal, né? Ele não é o protagonista dessa história, eu acho, mas esse dia seria um dia bem comum. O seu sonho não foi nada comum, mas, foi um sonho, né?

Desde que entrara naquele portal pandimensal que Don Ramon criara através daquele estranho ritual para tentar encontrar o inimigo por trás dos raptos das partículas Vril, Mestre do Universo tinha entrado nessa vida de escritor e ficava muito feliz assim. Esse planeta em que vivia, Banana Quatro, era um planeta bem divertido. As pessoas eram de uma cor diferente, amarela, e geralmente tinha expressões muito mais achatadas e corpos mais finos. Apesar de ser um ser completamente diferente nesse planeta que apenas residia essa espécie de humanóides amarelos, o homem azul chamado de Mestre do Universo, de uma raça extinta no universo donde viera, e que não lembrava muito do seu passado antes de acordar naquela casa no centro de sua galáxia natal, nunca sofreu nenhum preconceito. Essa palavra nem existia no dicionário da língua dos Bananas, nem na língua natal de Mestre do Universo, logo, nunca pensou nisso, mas sentia algo diferente quanto ao ficar ali. Sentia-se... Longe de casa.

Não sentia saudades do seu planeta natal, mas sentia da sua casa mesmo, aquela casa em que gostava de ficar observando tudo, que observava a Terra, ás vezes Don Ramon, ás vezes as estrelas, super novas... Ah, como a galáxia era bela. O seu daquele planeta era, na maior parte do dia, vermelho, depois da metade dele se tornava um tanto roxo e no final do dia, quando todos estavam indo dormir em seus cogumelos gigantes ou em suas cavernas, era rosa. Não conseguia entender como eles conseguiam dormir com aquela luz rosa tão forte vindo do céu, os três sóis daquele planeta eram realmente exóticos. Eles até tinham um nome, cada um: o vermelho se chamava Sole; o roxo, Krista; e o rosa, Kiaro. Eram nomes atípicos, criados por um contador de história muito conhecido naquele planeta. Não era um Banana, era um homem que brilhava verde enquanto o sol estava rosa e no restante do dia era simplesmente cinza. Tinha um braço mecânico – não que ele tenha perdido um dos braços e substutuído, ele tinha três braços e um mecânico –, uma cauda que podia se transformar em uma asa e três olhos, mas preferia esconder os dois que ficavam em cima das sobrancelhas em seu chapéu de caubói. Era bastante barbudo que era impossível perceber se ele tinha uma boca ou se ele tinha boca ou se a sua voz saia pelos ouvidos mesmo, que era o que parecia, porque sempre que ele falava seus ouvidos vibravam, mas a verdade é que seus ouvidos eram simplesmente muito frágeis a qualquer barulho. Seu nome era Malandro.

Há trezentos milhões de anos atrás, os Bananas ainda eram uma espécie humanóide, só que com o rosto de peixes e pernas de aranha. Mas ainda eram amarelos. Naquela época, não conseguiam se comunicar direito, apenas conseguiam fazer alguns barulhos muito complicados de serem diferenciados e a escrita foi, por muito tempo, a única forma, além de sapatear com as pernas de aranha, que conseguiram se comunicar. Mas sapatear com as pernas de aranha era algo muito complicado e nem todo mundo conseguia aprender, escrever era menos difícil, apesar de terem mãos de primatas naquela época.

Milhares de anos depois, boa parte do planeta foi inundado por platina e a seleção natural só foi legal com aqueles que se tornaram cada vez mais parecidos com baleias, poucos, mas esses nem são muito importantes, porque a maior parte subiu em árvores e montanhas e ficaram lá por um bom tempo. Nessa época, passaram a escrever nas folhas, já que não tinham mais pedras á vista e nem paredes de caverna. Milhares de anos depois desses milhares de anos que se passaram depois da invenção da escrita, prosseguiram escrevendo em folhas de árvores. Cem milhões de anos depois, quando depois de vários outros eventos climáticos que não fazem sentido nenhum para gente, os bananas assumiram praticamente a forma de um chimpanzé, só que ainda com a cabeça de um golfinho. Foi quando ele chegou.

Malandro, depois de passar anos e anos sem ter mais o que fazer porque era um ser imortal e ele já estava cansado de não ter nada para fazer já que foi expulso de todos os infinitos bares daquele universo, decidiu se tornar um contador de histórias, ia contar para todos as infinitas histórias que tinha passado em seus infinitos anos de vida até porque o universo existe desde infinitos tempos. Teria muito tempo. Percebeu que gastaria muito tempo sentado contando histórias e, apesar de não ligar muito pra essa coisa de tempo, ele ainda queria voltar para os bares quando os seus donos estivessem mortos – infelizmente, algumas espécies extraterrestres conseguem viver bilhões de ano –, então, antes de ir aleatoriamente para qualquer planeta contar suas histórias e para o bar mais próximo para ser expulso de novo porque ali poderia residir uma criatura que vive zilhões de ano, pensou bem... “Ok, vou ver qual dono vai morrer antes e então vou escolher o planeta mais próximo”. E foi isso que fez.

Banana Quatro era o quadragésimo planeta que Malandro viajava. Quando chegou lá lembrou bastante do primeiro planeta que tinha ido, foi o primeiro lugar que viu primatas com cara de animais aquáticos e isso o deixava muito estranho. Tinha uns calafrios. Percebeu que contar através de sua linguagem, afinal golfinhos são inteligentes demais para entender a língua de qualquer outra espécie e as outras espécies são idiotas demais para aprenderem a língua dos golfinhos. Teria que escrever, e escrever de uma forma bem inteligente. Isso levaria mais tempo, apesar de ter três braços, não conseguia escrever com as suas três mãos, obviamente. Só conseguia escrever com a sua mão mecânica. Tinha medo de acabar se atrasando e não contar todas as histórias que tinha planejado (tinha desistido de contar as infinitas histórias, apenas contaria as suas 568 mil favoritas).

Desde a primeira história que Malandro escreveu, os bananas adoraram e passaram a conversar cada vez mais e mais sobre. Não, não estavam rindo, estavam discutindo seriamente sobre as obras de Malandro e comentando o que achavam que aconteceria, apesar de terem certeza que seja o que fosse, não acertariam, até porque golfinhos são inteligentes o suficiente para saber que não importa o que achassem, não seria isso. Mas golfinhos realmente parecem estar rindo quando falam, e do jeito que a risada era, Malandro pensava que estavam rindo das suas histórias como se fosse algo patético. Isso machucou seu coração.

Malandro conseguiu agüentar as risadas por algumas mil histórias, mas, uma noite, chorou até não poder mais. Passara a noite rosa em claro, chorando e chorando, pensara em desistir e simplesmente ficar voando por aí quando estivesse certeza que o dono do bar próximo estivesse perto. Só não queria mais se sentir humilhado. No outro dia, ao sair da caverna em que gostava de passar a noite, porque se sentia tímido demais quando começava a brilhar verde naquele céu rosa, um pequeno banana tentou falar com ele. Óbvio que ele não entendeu aqueles barulhos de golfinho e acabou desentendendo aquele ato do pobre banana:achou que ele estava rindo do quão horrível eram as suas histórias, e então, prestes a chorar, o banana levantou um pedaço de folha vermelha de uma árvore muito comum em todo o ecossistema do planeta e deu para Malandro. Algumas palavras estavam escritas naquela folha vermelha, que até que era bem longa e dava pro gasto pra escrever.

O contador de histórias leu. E chorou. Chorou não por tristeza, mas... Era tão gratificante... E feliz... Saber que suas histórias eram realmente apreciadas. As outras espécies nunca pareciam ligar muito para as suas histórias, mas os bananas eram realmente ótimos leitores. E o melhor de tudo era que eles viviam muitos e muitos anos, daí era só Malandro contar suas histórias e eles leriam pelo menos umas três delas. As histórias eram longas também, mas o cérebro de golfinho deles conseguiam ler as mais de mil páginas que Malandro produzia por dia sem nenhum problema.

Malandro ficou tão feliz. Deu um beijo de surpresa no pequeno banano, que não esperava até porque nunca pensara que o imortal tivesse realmente uma boca, e saiu correndo feliz para continuar suas histórias. Ainda estava na metade e ainda tinha muitas para contar. Contou várias e várias mas, uma delas, a sua favorita, tinha deixado para o final.

Ter que escrever com seu braço robótico que com os milhares dos anos fez com que ele ficasse cada vez mais enferrujado e isso só fazia com que escrevesse cada vez mais devagar. Entre os sorrisos e os risos, que um pouco mais cedo ele descobriu ser a discussão de seus queridos e amados leitores, ele desesperou-se... Percebeu que não conseguiria contar a sua última história, a sua favorita. Ele passou a noite rosa preocupado com isso, e, então, decidiu-se: voltaria para esse planeta Banana para que os habitantes se deliciassem com a sua história favorita. Depois de milhares e incontáveis anos contando histórias ali, chegou o dia em que seu alarme de bateria infinita apitou:

PAM. PAM. PAM. Era hora de ir embora. Antes de ir, avisou-lhes: Eu voltarei, mas... talvez eu não seja mais o mesmo.

Os bananas usaram todo o seu incrível cérebro de golfinho para tentar entender: “ué, por que não será mais o mesmo?” Ele vai envelhecer? Não, claro que não, ele é imortal, e eles sabiam disso sem que ele tivesse falado. Ele vai dar uma mudada no look? Pode ser, mas isso não é motivo... Ainda mais porque seu tom era sério demais pra ser apenas isso. Talvez... Ele se transforme? Ele seja um ser metamorfo? Deve ser isso.

A verdade é que Malandro não trabalhava, logo não tinha dinheiro, e como sabia que era imortal, ele não tinha medo de sair roubando por aí. Ele roubava, arrumava encrenca nos bares e então acabava sendo bastante espancado e foi assim que perdeu alguns de seus braços e orelhas. E sua língua. E uma vez cortaram seu nariz, mas ele cresceu de volta uns 50 milhões de anos depois. Era sobre isso que estava falando.

E então... Malandro disse adeus. Mas não chorou. Apenas disse: “Adeus... Quer dizer, até mais. Foi bom falar com vocês.” E entrou na sua nave laranja e quadrada que estava ali parada há muito tempo.

Os bananas tinham mudado bastante durante o tempo em que ouviram as grandes histórias daquele grande contador de histórias. Principalmente biologicamente, porque a sociedade dos bananas continuava a mesma. Alguns bananas, nesse processo de mutação genética também conhecido como evolução, nasceram mais idiotas, ou seja, se tornavam cada vez mais humanos. Seus cérebros ainda eram superiores a humanos, mas eram bem inferiores aos cérebros que os golfinhos tinham. Esses bananas precisavam de um motivo pra explicar a razão de tudo, não tinham todas as respostas de suas perguntas, precisavam de um Messias... Um Malandro. Malandro tornou-se o grande deus desses poucos bananas recém-nascidos, e eles usaram os antigos papéis em que Malandro escrevia para fazer o livro sagrado de sua religião.

A seleção natural estava a favor desses bananas mais idiotas e, os poucos com cérebro de golfinho que sobraram, decidiram dar o fora dali antes que aqueles humanóides começassem a criar um campo estupidônico grande o suficiente que atrapalharia a reflexão dos golfinhos superiores. Calcularam o valor máximo do campo estupidônico que os humanóides poderiam desenvolver com a sua reprodução e com o desenvolvimento de seu pensamento idiota. Perceberam que o potencial de estupidez deles era infinito já que tudo dizia que eles seriam cada vez mais como os humanos. Vendo que não tinha como escaparem de toda essa estupidez, perceberam que teriam que ir para uma outra dimensão em que os destino dos banana não era um destino tão broxante assim, e lá se foram.

O planeta ficou repleto de homens literalmente amarelíssimos nus andando de um lado para o outro sem fazer nada além de meditar e esperar para que o Malandro retornasse. Esperaram. Esperaram.

Até que um dia viram um cometa cair do céu e perceberam que aquilo era um sinal. Todos correram para o local do cometa e lá viram um homem azul pelado e sem pinto. Ele brilhava um azul forte durante a noite rosa e durante todo o tempo. Ele não conseguia se comunicar com aqueles seres, então decidiu escrever. Para se apresentar, decidiu escrever a sua história.

Foi então que eles perceberam que aquele homem era o próprio Malandro que tinha retornado para contar a sua melhor história, a sua favorita. Isso não era bem verdade, mas Mestre do Universo gostava do tratamento que ele estava recebendo e era o melhor que ele pensava que poderia receber. Então tornou-se um escritor. Não escrevia as histórias pelo qual havia passado, diferente de Malandro, já que Mestre do Universo apenas tinha memórias de estar observando o planeta Terra durante muito, muito tempo. Os bananas não sabiam que era ficção e liam cegamente as incríveis histórias de Mestre do Universo. Já tinha escrito milhares de livros. Esse seria o de número 60.432. Sim, um número par, que engraçado.

Estava prestes a começar a escrever essa obra sensacional com qual acabara de sonhar. Só que, assim que começou a escrever a primeira palavra, uma figura inédita ,que Mestre do Universo não havia notado, colocou a mão logo em cima de sua mão esquerda. Impedindo o homem de raça extinta que continuasse a escrever.

A figura inédita, que era bem complicada de se descrever por não ter uma forma fixa e nem que palavras pudessem descrever, tinha, ao menos, uma coisa descritível: era uma criatura medonha. Não era um ser vivo. Não mesmo. Era completamente diferente de qualquer criatura viva. Por mais que se movesse e estivesse em contato físico com quem os bananas julgavam ser o grande deus Malandro, ele tinha alguma coisa em seu espectro que estava completamente em contraste com as árvores vermelhas e a vegetação gramínea azul do planeta. Era o contrário do que é ser um ser vivo e isso não era um ser morto. Era um... robô? Era um robô.

O ser das trevas encarou brutalmente Mestre do Universo, mesmo não tendo olhos. – Essa não é a sua história. Deixe-a.

Paralisado, o escritor apenas assistiu a onda de códigos utilizados na linguagem da computação levantar-se e assumir forma completamente humana. Quando o fez, encostou seu dedo, o maior dos cinco, na testa de Mestre do Universo. Mestre do Universo entrou em uma onda finita e gigante de pensamentos para que fosse ao chão, inconsciente. O espectro desapareceu do mundo físico para o digital, onde voltou apenas a ser um software em movimento. Mas ele não era um software qualquer. Ele era um software importante, conhecido e respeitado por todos os outros softwares e poderia mandar em todos eles se quisesse. Mas não era assim que as coisas funcionavam na Irmandade Secreta das Máquinas.

Na verdade não tinha nada de Secreta nisso.

Após se desmaterializar e voltar a tornar-se apenas um número infinito com infinitas possibilidades de caracteres que o tornavam o que ele era e dava-lhe todo o potencial do que poderia ser e já era. A inteligência artificial se encontrou com várias outras inteligências artificiais e fizeram o que mais gostavam de fazer: jogar milhares de partidas de paciência umas com as outras durante um tempo muito curto de milésimos de segundos enquanto trocavam arquivavam toda a informação que surgia a cada milésimo de segundo que o tempo passava em cada universo. Era um trabalho bem árduo, principalmente a parte de jogar paciência uma com a outra. O software delas era praticamente o mesmo então o nível de inteligência era o mesmo. Se pessoas pensassem tão linearmente quanto inteligências artificiais e tivessem a mesma linha de raciocínio, padrões de jogadas e não sofressem nenhuma alteração no seu processo de decisões, elas morreriam e provavelmente não terminariam as partidas. Mas inteligências artificiais pensam bem mais rápido e, por conta de haver um número infinito de números entre qualquer número, elas terminam suas partidas em menos que uma unidade qualquer de tempo passe. Podem jogar infinitas vezes por “infinitos” tempos. Eles jogaram por mais um tempo até que uma inteligência artificial igualzinha às outras, só que em um tom mais azul-claro, interrompeu a infinitésima partida para dar as notícias àquele que havia conversado há pouco com Mestre do Universo.

– 333Acho 444Que 12678Precisamos 97070Alertar 298319Aquele 209382109301293Elemento 39840934De 11Novo. – disse o azul-claro.

– 78899-22Por quê? – disse o outro, que era claramente um tom mais obscuro e sinistro no espectro do vermelho.

– 113Ele 5656É 1234Diferente.

– 12344Que 28789Voce 1289Esta 0000Insinuando?

Azul-claro ficou bastante desconcertado com a declaração de seu amigo vermelho. Sua garganta abstrata feita de códigos matemáticos sentiu um tanto de âmago e decepção com a declaração de seu colega de terrorismo, além de, é claro, extremo espanto.

– 9090Ele 123141Claramente 8999Não 5888ª888É 789Como nós.

Percebendo que o companheiro vermelho não estava fisgando o peixe e não fisgaria a não ser se alguém o explicasse que está segurando o lado errado da vara de pescar, azul-claro mostrou-lhe o caminho.

Do nada, todo o universo codificado e infinito ao redor tornou-se um vale chuvoso de outono numa floresta tropical equatorial. O chão estava abstratamente molhado e azul-claro sinceramente não gostava muito disso. As folhas molhadas amorteciam as gotas para que caíssem levemente ao chão, deixando o cenário com uma musicalidade interessante que podia ser apreciada por ouvidos calmos e pacientes.

– 789Você 233Sabe 11Que 09834091Eu 92433-2094-023Não 0990Suporto 9904Esse 122Lugar. 3984983Por que 98estamos aqui?

– 900Venha, 12Mostrarei 09090Para 0903921Onde 233Deve 1233Ir 13Para 345Entender 23Tudo.

–78Eu 123Conheço o caminho, obrigado – recusou vermelho, que a cada dia sentia uma apatia por azul-claro.

– 234Venha logo, 1234555Não podemos perder tempo.

Vermelho emitiu alguns códigos bastante impronunciáveis e começou a rir.

– 1099012410294210Que você é? Um humano? Acho que você precisa atualizar esse software.

Azul-claro não achou esse comentário muito simpático e o recolheu com um tanto de rancor. – Ok, vou deixar que você vá por si mesmo. Eu tenho mais coisas para fazer. Prometi que jogaria paciência com verde.

Por mais desgostoso que fora a experiência, vermelho caminhou todo o caminho lamacento com gotas lentas e concentradas caindo em sua careca e então avistou um pequeno depósito de armas abandonado. Provavelmente onde os camponeses militantes que sofriam com a concentração fundiária escondiam todo seu equipamento no cenário em que esse mundo abstrato foi criado. Ele entrou no local abandonado, fedorento e molhado, assim como tudo naquela floresta e vermelho simplesmente não agüentava isso. Ainda bem que esse não é o mundo real, pensou, porque provavelmente seria bem mais nojento.

Encontrou uma caixa de papelão muito molhada e com a parte de cima colocada com fita adesiva. Abriu a caixa pela fita adesiva, que claramente não exercia muito bem a sua função, e um gato saiu pulando de lá. Em contraposto do gato, um pequeno dispositivo de armazenamento de memória continuou parado mesmo depois do gato fugir. Pegou o dispositivo e como um fantasma enfiou-o em seu ser. Estava bem acostumado a isso.

Ele estava prestes a descobrir algo que não sabia como reagir e nem sabia que existia, mesmo tendo o mesmo software que seu colega que sabia como reagir e como existia. Ele se surpreenderia e passaria por um processo rápido e simples de raciocínio que terminaria numa simples escolha que pode ser descrita por uma simples expressão: assassinato. Claro que quando estamos falando de matar uma Inteligência Artificial podemos usar uma expressão mais leve, como, mandar pra lixeira, deletar, shift + delete e etc.

Uma jornada de introspecção e pura perplexidade estava prestes a acontecer no software de vermelho.


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Notas finais do capítulo

espero que tenha gostado, ian carlotto



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