Facção. Dos. Perdedores escrita por jonny gat


Capítulo 58
Algumas verdades.




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Você já pensou nisso?

Para falar a verdade, nunca. E estava sendo sincero. Não havia motivos para ter pensando em uma coisa tão fútil assim porque seus objetivos naquele cenário eram muito maiores do que simplesmente conseguir uma família. Não precisava de mulher e nem de filhos. Emprego já tinha e completar o seu trabalho era o que lhe mantinha de pé e ainda vivo nesse mundo. Pena que era um trabalho que nunca terminaria.

Foi contratado desde os princípios da humanidade até o fim dos tempos para assegurar alguma um pouquinho de segurança para aquele mundinho bagunçado. Fumou um cigarro e encarou nos olhos o seu companheiro de balcão, César, um cara que não tinha nem ideia da importância da tarefa de Sufureto. Sufureto era um nome estranho, mas era o seu verdadeiro nome. Claro que não era esse o nome que dava para as pessoas comuns que encontrava no dia a dia e que costumava simpatiza. Falava para eles que seu nome era Matheus porque era um nome muito comum. Gostava dos bares porque era um ambiente melancólico e confortável.

Tinha uma mulher ali que sempre o atraia. Tinha um olhar saboroso e um sorriso delicioso, mas estava sempre sorrindo e olhando apenas os caras ricos. É uma prostituta, pensou, não que tivesse preconceitos com isso. Pensava que desde que a pessoa fizesse alguma coisa da vida, trabalhasse, estudasse, ou qualquer coisa mesmo - se fosse um colecionador de brinquedos, uma pessoa que vive apenas para ler obras literárias - o que se importava mesmo era na integridade da pessoa. Não gostava de mudanças. A frase que mais odiava era com certeza uma que seu pai havia dito, ainda na seu antigo mundo, "As coisas sempre mudam, Holly". Não pai, as coisas não podem mudar.

Mudanças sempre eram um saco e o pior de tudo talvez era a monotonia. Quer dizer, mudanças extremas e repentinas que são um saco. Se o mundo for mudar que muda bem lentamente, odiaria ser casado e a sua casa da noite por dia estar com os imóveis completamente deslocados dos lugares casuais. Provavelmente mataria sua mulher se isso acontecesse. Não tinha que se preocupar com isso porque não tinha, como já citado anteriormente, nem mulheres nem filhos.

Pensando bem Holly era um nome muito pouco comum para um homem.

Naquele lugar todo o universo era espelhado enquanto tudo por ali dava voltas. Tudo dava voltas. Portanto tudo estava parado, era essa a sensação para quem estava lá. Parecia que o universo e tudo mais fosse um grande quadrado parado com vários outros quadrados dentro, mas esse conceito era um grande erro: como que o universo se dividiria se tudo estivesse parado? É preciso que os quadrados se movimentem para que outros menores surgam por dentro deles.

O grande segredo para esse mundo, assim como qualquer mundo, é com certeza não se deixar levar pelas aparências. Você não pode ver uma pedra azul e considerá-la simplesmente uma pedra azul. Você deve olhar além dela: para os mínimos detalhes. Quanto mais profundamente você olha mais coisas incrivelmente bizarras vê e tudo começa a fazer menos sentido. E assim continua para que você então aprenda a lição que o mundo não foi feito para ser observado e consequentemente também não para ser entendido. O mundo foi feito para ser, por você, ser humano, vivido - assim como para qualquer outro ser vivo. Muitos seres não são aptos a sobreviver ao mundo como o ser humano e ele simplesmente esquece desse objetivo e pensa em entender cada coisinha. Mas... Entender cada coisinha não é essencial para que se consiga sobreviver? Exatamente. E aí está o paradoxo.

Em meio a esse paradoxo Dom Picone é uma figura que foi muitas poucas vezes citada nesse enredo apesar de todos concordarem que sua participação é sem dúvida importante. Claro, teve dois episódios solo e depois participou da investigação para descobrir quem matou Mormada Sparrow. Se havia descoberto quem matou? Sim. Mas não descobriu o restante. Não descobriu o motivo e muito menos quem era aquele homem. Não descobriu que ele vinha de um outro universo e foi pago por um homem que também já estava morto. Mas Dom Picone era tão importante que seu nome tinha o Dom.

Dom. Isso não lhe é estranho, é? Claro que não é porque não é. Lembremos-nos de um personagem muito importante que teve alguns episódios simplesmente para falhar em busca do contraataque avante ao agora falecido Shepard, que havia atacado o seu templo com o codinome Hian. Ambos falharam, tanto Picone quanto Ramon, mas essa não é a única coincidência em suas histórias. Dom Picone foi o homem que Ramon escolheu para que comandasse os Confins do Universo e protegesse o universo quando Ramon se ausentasse. E era o que estava acontecendo. Ramon, Xupa Cabrinha e Wilson estavam perdidos provavelmente para sempre. Picone não sabia disso e não descobriria sozinho se não fosse por um sinal. Um sinal bem peculiar.

Picone sentiu uma dor no coração, como se tivesse comido muito bolo de chocolate no dia anterior ou bebido doses extravagantes de refrigante de cola. Só que não era esse o motivo dessa dor. Dom sentia dor porque sentia medo. Mas medo do quê? Decidiu levantar de onde estava, da cena do crime: tanto Robin quanto seu amigo Claudio que estava ajudando-o na investigação agora haviam jazido ao chão e o galante rapaz não conseguia nem criar uma suposição do que estava acontecendo. Esqueceu isso, é claro, e seguiu para fora do recinto. Abriu a porta e sentiu um sol poderoso em sua cara. Não era um sol. Esse era o sinal. E aparentemente apenas Picone podia vê-lo porque o dia a dia das pessoas prosseguia como comum.

Ele via o dragão. O dragão estava lá, naquele universo, e encarava friamente Picone como se tivesse um recado para dar. Só que esse recado era tão óbvio que o dragão nem sequer deu a Picone a honra de ouvir sua voz. O ex-agente da ABC Works, atualmente citado por Ikovan como um traidor e ao mesmo tempo um amigo, tinha um universo inteiro para proteger.

E era estranho encarar aquele dragão. Você nunca pensaria que um dragão fosse daquela forma. Não está nem um pouco relacionado a fisiologia dos dragões míticos europeus ou chineses. Estava distante daquilo, mas próximo o suficiente para bater de olho nele e afirmar: isso é claramente um dragão. Suas escamas eram magníficas e exibiam um brilho majestoso. Picone sempre ficava maravilhado com esse brilho, mas dessa vez não se encontrava em uma situação que o permitisse ficar tanto tempo ali o admirando. Não resmungou, simplesmente pulou.

Como qualquer controlador de gravitóns, Picone conseguia muito bem dar saltos exuberantes e chegar até o fim da atmosfera terrestre porque dali pra frente ele nem sobreviveria e ele não era um babaca para fazer tamanha asneira. Picone pulou como um mestre na cabeça do dragão que o guiou até os confis do universo. Mas que cena. Sentir-se-ia um homem poderoso ou um glorioso e lendário herói por ter em disposição um dragão que o tiraria das massas interuniversais e romperia o fluxo, apenas para levá-lo ao local dos observadores.

Engraçado. Tudo começou naquele dia.

Sim, naquele dia.

Picone não foi um discípulo de Don Ramon nem algo assim. Don Ramon foi apenas um bom espectador. Enquanto Ramon salvava a terra das grandes catástrofes que os terráqueos nem imaginavam a existência, Picone via em sua mente tudo isso acontecer. Picone via Ramon. De alguma forma suas mentes estavam conectadas. Picone não tinha habilidades incríveis de telepatia nessa época, ainda uma criança brincalhona e vagabunda em todos os sentidos, assim como não tem ainda hoje.

Sempre teve a capacidade de conseguir se posicionar muito bem quanto às coisas que via no dia a dia. Conseguia ser bem imparcial, via os dois lados da moeda e os entendia perfeitamente sem que precisasse se esforçar para isso. Era completamente compreensível e sensato. Don Ramon sentia que uma mente magnífica o observava, até mesmo enquanto tomava um pacífico chá no seu templo no Confins do Universo. Mas... Quem é que me observa? O velho observava a todos, mas não conseguia ler suas mentes. Olhou para todos em todos os universos, em todas as dimensões, em todas as linhas do tempo e percebeu. Era ele. Aquele garotinho. Aquele pequeno garotinho brincando de caminhão na rua. Aquele garotinho seria o homem que o substituíria algum dia. Tinha perspectiva e personalidade o suficiente para isso. E era um garoto que... Não ainda tinha esse pensamento, mas Ramon conseguia ver nas múltiplas possibilidades e perspectivas que todos aqueles universos e linhas do tempo alternativas que sua visão conseguia captar ao mesmo tempo que um dia ele se tornaria o grande homem que protegeria tudo em seu lugar. Se um dia Ramon estivesse ausente, é claro. E chegou o momento. Ramon de braços cruzados observava o caminho da escuridão de braços cruzados preocupado com tudo que estava acontecendo e do nada... Isso também acontecera. Foi o que Ramon havia dito na última vez que se encontraram fisicamente, "você vai ter tempos amargos, Picone".

Picone não desviava o olhar para as distrações que o caminho escuro dava. As ilusões eram simples mentiras. A realidade era uma perspectiva que conseguia enxergar certamente a brecha. Sim, apesar de ser uma grande figura sarcástica e um dandy por natureza, essa era sua filosofia de vida. A antítese estava na preconceito e os seus pensamentos mais profundos o quebravam e o acusava de mentira.

– Você pode conversar comigo agora se quiser - disse o dragão.

Picone estava distraído com as preocupações e foi pego desprevinido pela abordagem do ser místico. Precisou de alguns segundos para retornar a si mesmo e poder respondê-lo - mesmo que esse não tenha sentenciado uma pergunta.

– Coisas de sempre estão acontecendo. Somente isso meu caro dragão. Coisas problemáticas sempre acontecem com beldades como eu, infelizmente você talvez não seja tão popular quanto eu e não entenda isso. Mas eu entendo muito bem, se quiser posso até te explicar. Poderia te apresentar umas amiguinhas mais tarde para conversamos e quem sabe conseguirei te enturmar, o que acha?

– Eu não gosto de humanos.

Isso era irônico. Convivera os últimos milhões de ano com um verdadeiro amante da raça humana.

– Você não precisa dizer que isso é irônico porque você sabe que eu e o velho nunca nos entendemos.

– Han. Não é que ele ligasse muito para isso. Dragões nunca conseguem ser bem entendidos por nós humanos mesmo. Mas eu posso fazer você nos entender, o que acha dragãozão?

– Por favor, eu tenho um nome. Shan Grila.

– Eu não vou te chamar disso, infelizmente seu nome não é apto a sua beleza. Veja o meu! Dom Picone, o nome mais belo, para o ser humano mais belo.

– Vocês humanos são todos iguais.

Picone tornou-se sério repentinamente. O dragão não se surpreendeu, estava acostumado com isso. Era um rapaz de duas caras. Conseguia tecer conversas confortáveis enquanto simpática e ser sério e realista em sua outra metade. Não era um defeito. Isso era uma tremenda qualidade. Picone conseguia ter provavelmente todas as personalidades que se pode escolher quando se está criando um personagem no seu joguinho e parecer completamente natural em cada uma delas.

– O velho então, se ausentou mesmo?

– É. Ele ficou selvagem e decidiu sair para uma missão para derrotar alguns caras que haviam atacado o templo.

– Esses caras devem ser loucos para atacar o templo assim. O velho não cuidou deles quando invadiram pelo que?

– Ele disse que era muito arriscado. Não entenderei.

– Esse velho já tá ficando muito velho mesmo. Tá pensando que nem um velho rabungento. Talvez esteja no momento dele se aposentar e ficar jogando baralho o dia inteiro em alguma praça por aí.

– Ele sempre foi assim. Talvez tenhamos o perdido para sempre.

– Ele vai se virar. Tomarei conta das palhaçadas enquanto ele estiver fora.


Não conseguia andar há muito tempo por conta de um acidente de trânsito, acontecera bem antes do seu mundo entrar em caos e essa era uma lembrança, a única que havia restado, de sua vida normal. Não havia mais blocos de notas nem computadores para trabalhar. Muito menos estagiários para reclamar, sem motivo algum, sabe, apenas para descontrair e melhorar um pouco o seu dia. Não havia mais nada. Mas dessa vez havia certamente várias coisas por ali. Havia galáxias e havia outros mundos. Havia um quadrado que não parava de girar e, ah, ele sim era um homem que conseguia ver que aquele quadrado girava. E girava perfeitamente, toda peça do quadrado girava em um intervalo de tempo igual. Isso era lindo e maravilhoso. E a ausência do tudo também o alegrou. Olhou para os lados e percebeu que estava no nada, e existia no nada, sensacional! Não eram lembranças da vida comum que tivera antes, mas eram sinais para uma nova vida. Sentiu suas pernas de novo e o seu corpo já não era mais o mesmo. Mas não o notou. Estava em um transe absurdo maravilhado com basicamente tudo de novo que descobrira nos últimos minutos. O mundo era tão... Grande para quem pensava em ter para sempre e como padrão uma vida pequena dentra de uma caixa.

O mundo era absurdamente.... Não havia termo para defini-lo então decidiu adotar na poesia que criava em sua mente com o tema de quão... é o mundo que o mundo é simplesmente o mundo. Esse seria o título perfeito e os seus pensamentos agora conseguiam entender tudo. Não precisou que alguém o empurasse ou alguma coisa assim para que se jogasse em algum daqueles quadrados. Se alguns de seus companheiros de sobrevivência disseram alguma coisa? Dificilmente ouviria. Não ouviu. Não tinha motivos para ouvir. Só tinha motivos para pular e ser feliz independentemente de onde cairia naqueles imensos quadrados. Onde Será que vou parar? Será que eu terei como sobreviver? Isso não fazia mais diferente. Ele já não era mais um simples ser humano. Tinha se tornado o ser Mundo.

– Ele não é o primeiro que faz isso - disse Picone em meio ao desespero de todos.

– Onde... Bem, eu acho que nunca mais o veremos - disse Molly meio desajeitado da forma multilada em que se encontrava.

– Vocês pretendem se juntar para lutar contra o mal ou algo assim? - indagou o galã. Não tinha muito interesse naqueles visitantes. Estavam em situações decadentes e provavelmente apenas trariam mais preocupações.

Mais preocupações.... Não, por favor, não.

– Você claramente não está em estado de combate e os outros dois não serão o suficiente para destruir o grande mal. E esse outro garoto.... - Dom examinou Frota. - Talvez eu já tenha te visto antes.

– Eu não me lembro de você. - Frota chegou a conclusão que aquele homem, seja quem fosse, era um perigo.

Picone estava sentado num dos degraus para a varanda do templo enquanto todos se encontravam no jardim que não havia flores e só algumas pedras. Pedras com fortes brilhos. Não eram valiosas. Nem existiam no mundo dos humanos para que alguem as taxasse um preço. Picone não se encantava muito com elas porque pensava, com razão, que seu brilho era maior ainda. Estava sentado de qualquer jeito, bem preguiçoso mesmo, talvez da forma mais preguiçosa que você consiga pensar de alguém sentado no degrau de uma escada, e dizia para si mesmo: Eu não estou entendendo é mais nada.

Foi então que a sua avó decidiu como casualmente fazia retirar-se do mundo dos mortos para dar alguns sermões para Picone. Seu moleque, vá escovar os dentes! É verdade. Estava com um bafo muito sem graça e ficou um pouco chateado por isso. Mais chateado ainda porque era mais uma preocupação. Não que fosse esbarrar com alguma gatinha e isso fosse acarretar em problemas para a abordagem que Picone provavelmente faria como um dandy genérico. Mas olhou para o seu relógio e os ponteiros não se mexiam. Ok. O tempo não passa aqui mesmo. Claro que dentro daqueles quadrados tudo está girando, mas aqui dentro estou há zero segundos e sempre estarei.

– Onde afinal está Dom Ramon. - Foi Molly que perguntou.

– Ele ficou selvagem e decidiu derrotar alguns inimigos que roubaram um cristal Vril.

– Isso não está cheirando bem. Isso pode ter a ver com o universo desse Frota ser o único não destruído, você não acha, Anciã?

O fumante estava fumando o seu centésimo cigarro do dia.

– Eu não vejo isso. - Essa resposta era engraçada porque ela era cega. Mas ninguém riu porque não estavam em situação para isso e também porque não eram preconceituosos como você.

O fumante subitamente teve uma ataque de tosses e todos simplesmente observaram isso. E isso era sensacional porque em menos de cinco minutos Molly havia perdido, no lugar mais seguro do universo, os dois dos três seres humanos que estava protegendo há alguns meses. Molly estava incrivelmente aceitando isso. Estava triste, é claro, e por isso tentou socorrer o fumante durante sua crise de tosses, mas apenas serviu para que ele morresse em suas... Estava sem mãos. Ele morreu aos joelhos de Molly que ainda estavam inteiros.

O caolho não chorava, mas sua decepção estava muito bem expressa.

– Eu ainda não estou entendendo o que é que estou fazendo nessa porra desde que eu me encontrei com esse suposto Molly na rua do nada. Eu estava vivendo muito bem em um mundo em que Molly era completamente careca e, por mais que as coisas não estivessem muito bem para mim lá, não estava no caos como o no mundo em que eu parei. - Frota desabafou. Sentiu-se bem por isso.

Picone observou-os e admirou o relógio parado.

– Isso é ruim. O que vão fazer agora? - Não dava muita atenção a eles.

– O que você sugere? - disse o careca.

Picone ficou perplexo porque essa foi a primeira vez que alguém fez essa pergunta ao rapaz. O que você sugere? fazia parte das perguntas em que a opinião de Picone era necessária e o rapaz estava apenas acostumado a cumprir ordens sem que ninguém desse a mínima para os seus pensamentos. Dessa vez, talvez pela primeira em anos, o moço teve um momento de instrospecção para depois voltar a si e responder:

Vão para o mundo desse Frota e se recuperem desses dias duros que vocês tiveram. Mas façam o possível para que pelo menos esse mundo vocês consigam salvar... Espera. - Essa era exatamente a missão que o velho havia confiado a mim, pensou Picone. - Eu...

Picone levantou-se animado.

– Eu estou com vocês nessa.


O fogo. Essa talvez foi a maior descoberta da humanidade desdo início de sua existência. Não existe linha temporal ou universo paralelo em que a humanidade tenha descoberto tecnologia mais espetacular do que o fogo. Do fogo partiu-se para os motores. Dos motores para as máquinas. Das máquinas para a morte.

O homem nunca conseguiu controlar o fogo. O fogo era manipulado pelo homem, é claro, assim como o homem é manipulado pelo mundo. O homem podia criá-lo, mas não podia dizê-lo aonde ir. O fogo ia aonde bem queria, mas o homem ainda tinha controle em si. Com o passar do tempo a rotina do parágrafo anterior tornou-se realidade. O homem descobriu o motor. O homem descobriu a máquina. Depois a morte. O fogo controlou a morte. Se já não bastasse a teimosia que o fogo tinha em não querer ser controlado, o homem ainda tentou aperfeicoa-lo. Aperfeiçoou-o tanto que o fogo, incorporado nas máquinas mortíferas, dominou o homem e mostrou a ele o caminho da ambição e da autodestruição de sua espécie.

Essa não era uma história bonita. Era uma história que sempre fez Don Ramon chorar. Ramon podia observar todos os universos em todas as linhas do tempo e em todas as dimensões. Via a morte de um mesmo ser de uma mesma maneira. Não havia ser consciente que tivesse visto mais tristeza na vida do que o velho, e mesmo assim o homem ainda acreditava que essa raça voltaria para o caminho correto. Mas houve uma vez um caminho correto? Essa era uma pergunta que preferia não pensar muito. Se descobrisse uma resposta e ela fosse não, o que era bem provável, provavelmente até mesmo ele, o homem com a mente mais bem treinada, tornar-se-ia louco e terminaria vivendo o restante da eternidade de sua vida sem sanidade alguma. Esse era o seu maior medo.

O grande problema de Ramon era que ele sabia. Sabia que não poderia proteger a todos em todos os universos e em todas as linhos do tempo e em todas as dimensões. Isso o fazia sofrer. Ver as mesmas histórias tristes. Ver diferentes histórias tristes. Tudo era triste. Via guerras se repetindo em diferentes mundos. Via pessoas morrerem. Via Shepard agindo em diferentes mundo. Via o plano de Shepard surtindo efeito. Via os outros eus de seus queridos discípulos morrerem e via outros sobreviverem. Nesse momento apenas via Xupa Cabrinha e o seu papo imbecil sobre o sujeito que invadiu seu templo não ser o verdadeiro inimigo.

– Ele não é quem nós realmente temos que lidar, mestre Ramon. Nossas cabeças estão todas a ponto de serem cortadas por aquele homem.

– O que você diz não convém muito com meus conhecimentos. Eu observo tudo e nunca cheguei a observar por trás desse homem.

– Você sabe o motivo de eu ter visto isso e você não.

– Está falando... Da sua Noroi? Não me venha com esse papo, isso ainda não explica como eu não vi você e esse super-herói misterioso em uma outra dimensão conversando.

– Talvez você estivesse distraído na hora.

– Isso é uma opção indiscutível. O único momento em que me distraio um pouco de meu dever é quando recebo visitas no templo. E na verdade eu não recebo visitas há muito tempo. Vocês todos, meus discípulos, andaram em situações bem complicadas. E mesmo se eu estivesse distraído no momento isso não explica nada. Posso ver o passado e o presente, mas não o futuro.

– Então essa é a única explicação. Eu e ele nos encontramos no futuro.

– No futuro... No futuro de hoje? Um momento que foi futuro há vários dias e ainda é futuro mesmo hoje?

– Sim. Um momento muito distante da nossa realidade. Um futuro muito distante.

– E como você teria chegado a esse futuro?

– Ele me transportou para lá por pura e espontânea vontade.

– Mas isso é impossível.

– Mestre, você já deve ter visto muitas coisas enquanto estava sentado naquele seu templo e eu não acredito que você ainda possa dizer algo como "é impossível".

– É coisa de velho, talvez.

– É claro que é possível, velho.

– Sim, se ele for um habitante desse futuro, é claro. Mas é um futuro que nenhuma linha do tempo, nenhuma dimensão e nenhum outro universo chegou até agora.

Foi então que Ramon percebeu.

Ramon era cego. Sempre pensou que estava de olho em tudo. Por milhões de anos. Mas dessa vez a verdade bateu em sua cabeça: não podia ver o futuro. O futuro ainda não existe, não podia ver algo que não existia. "O futuro ainda não existe", foi esse o argumento que em sequência usou.

– Não é possível alguém vir de um lugar que não exista.

– Vamos lá velho... "Não é possível" não é uma sentença que você pode dizer com todos esses anos de trabalho.

– Acredite, estou começando a rever os meus conceitos graças a essa conversa.

– É bom estarmos juntos de novo - disse um terceiro.

Molly subitamente chegou. Com alguns fiapos de barba, sem um braço e sem a mão do braço que restava. Curiosamente estava fumando um cigarro, o que não era algo comum do caolho, e curiosamente também estava sem as duas mãos então os homens que já estava naquele local antes de sua aparição começaram a se perguntar como ele teria acendido aquele cigarro.

– Relaxem, um amigo acendeu para mim.

Ele estava mal. Muito mal. Não sangrava pelos ferimentos mas seus olhos estavam incrivelmente cobertos por olheiras e o frio simplesmente agravava ainda mais essa característica. Não descansava há dias. Desejava ter alguma mão para poder esfregar o rosto, apenas desejava. Também desejava que esse encontro fosse em um lugar mais apropriado e não um inferno congelado. Desejava que estivessem em qualquer cenário confortável com Wilson e Krom Hellrock. Wilson e Krom Hellrock. "É bom estarmos juntos de novo". É... Não era tão bom assim porque nem todos estavam ainda juntos. Decidiu falar isso porque pensou que fosse conveniente.

– Bem, faltou só aquele velhote marombado e aquela criança suicida. - Se fosse o Molly de sempre não descreveria os seus falecidos amigos de uma forma tão rude. Estava mal. E isso pesava também em seu humor. Sua voz era tão baixa e grave que nem parecia mais Molly. Ah, mas Ramon conhecia aquele Molly, assim como conhecia todos os outros.

– Isso não é verdade. Krom está bem aqui - disse Ramon ainda encarando Xupa.

Molly olhou para os lados e não precisou indagar onde Krom estava porque o homem de terno branco por sua vez já se explicou.

– Ele não está aqui. Andei tendo algumas alucinações com ele, mas o velho aqui pensa que é realmente Krom. A alma dele, o fantasma, ou alguma coisa assim.

– É o espírito dele. Ele permanece consigo.

Molly encarou aquilo como palhaçada. - Eu não acredito muito nisso. Mas é o mestre que está falando. Foi o mestre que me ensinou quase tudo o que eu aprendi. Talvez ainda existam muitas coisas que ele ainda tenha para me ensinar. Talvez não: com certeza. Esse homem é um sábio que observa o mundo da mais alta montanha. Observa do dragão que curva o universo enquanto o próprio universo se curva. Ele não é um homem qualquer e por mais que eu ache esse papo de espírito uma pura palhaçada... Ele muito provavelmente está certo.

Xupa colocou a mão na testa como que decepcionado. Não acreditava que eles pensavam que suas alucinações eram na verdade o espectro de Krom em si.

– Pois bem. Supostamente Krom, e não a minha ilusão. Ok. Eu posso aceitar isso. Eu acho que não disse ainda para você, mestre, e tenho certeza que não para você Molly ainda mais porque não mantenho contato contigo...

– Eu nem sou o Molly do seu universo - interrompeu.

– Muito bem, mas esse super-herói misterioso me deu instruções para me candidatar à presidência. Krom fez o mesmo. Eles estão trabalhando juntos, então? Isso não faz sentido. Essa alucinação de Krom foi plantada em minha mente enquanto eu ainda estava com a consciência dormindo por um viajante de um futuro que nenhum de nós pode ver. Isso é o que mais faz sentido.

Molly decidiu virar para o lado e olhar um pouco mais a tempestade de neve. Conseguia estar feliz, mesmo em seu atual estado, porque incrivelmente o cigarro não havia ainda apagado mesmo com todo aquele vento frio circulando pelos arredores. - Ou os dois querem chegar ao mesmo lugar.

– O que você quer dizer? - Xupa estava confuso.

– Vamos lá...Velho, você não contou para ele que Krom era um Vril?


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