Facção. Dos. Perdedores escrita por jonny gat


Capítulo 104
Bote todas as esperanças do mundo nas mãos da deusa que se acha a maioral.




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O encontro desses personagens pode ser tanto inconsequente e indiferente quanto uma mudança de tudo que poderia acontecer, mas nenhum deles tinham ideia de tudo que estava envolvido ou o que estava para estar envolvido. Muitas coisas estavam envolvidas e encaixadas naquele instante, mas nenhum deles naquele momento poderia saber.

 

Hipátia conhecia um Picone, esse? Não. Picone e o Cosmos tem uma conexão profunda. Robin conheceu Edésia. Edésia e Hipátia estão há tanto para se encontrarem, mas Edésia deixou para trás seu trabalho prático e experimental o qual Hipátia pôde encontrar e prosseguir.

 

Aqueles que não podiam ter líderes ou serem agressivos, ambiciosos, estavam para perecer quando essa nova deusa encontrou-os. Edésia há muito desaparecera em uma em observações quando procurava observar a natureza dos quadrados, dos dragões e a conexão entre isso tudo com o mundo que os pequenos seres vivos existem. Era tudo isso que poderia compreender pela sua visão. Além disso, o que conhecia era apenas o Alto das Constelações. Claro que há muito mais além. E foi esse além que acarretou em uma tragédia.

 

Xupa presenciou essa tragédia. Mas ao retornar para o local da queda de Edésia, foi interrompido de interagir de qualquer forma pela Ordem. Depois disso, aquele mesmo homem misterioso de muito tempo atrás deu uma bronca em Xupa.

 

E um homem tão misterioso encontrara Robin.

 

— Meu nome é Hipátia – disse, percebendo que os outros não se pronunciariam.

 

Estavam confusos, no caso de Picone, e acesos demais para conseguiram trocar palavras normalmente. Algo atiçava o interior do espírito de Robin, deixando com que estivesse pronto para qualquer tipo de combate. O vazio do universo ainda o espantava, e o colocava em uma situação complicada em que não conseguia ter animo nenhum, mas algo o guiava na direção daqueles que o encontrava. Não era interesse, era como seu corpo reconhecendo a necessidade de focar nesses para que seu espírito de vida não se esvaísse como quase ocorreu.

 

— Eles são os Prósperos, homens justos que protegem o mundo. – Continuou, percebendo que por mais que estivessem atentos não estavam aptos para começar uma conversa. Aproveitaria que tomara a iniciativa. – Tais como acredito que sejam.

 

Não sabia quem eram. Pelos seus olhos divinos e avançados encontrou no Robin traços do que poderia ser o objeto de seu estudo. Era esse Robin, então, um escolhido. E o outro...?

 

Hipátia percebeu que a tensão não diminuíra.

 

— Como disse, não somos inimigos. E vocês claramente não são desse mundo. – Sabia pois era diferente a correnteza que sentia de seus corpos. Não correspondiam ao fluxo quase que inexistente do mundo a qual pisavam. Eram terras mortas.

 

— Não? – indagou Robin, começando a também tornar-se conscientemente interessado nessa conversa.

 

— Não. A população desse planeta foi vítima de ataques consecutivos de seres mau intencionados. O fim dos que moravam aqui e também desses ocasionaram pela destruição da troposfera devido à alta emissão de radiação X. Todos morreram.

 

A felicidade de seu companheiro poder estar vivo e também o mundo que o cercava perdeu foco quando percebeu que, de mesma forma, uma inevitável destruição foi causada.

 

— Tragédia após tragédia – disse Picone, dramático, compreendendo a história do mundo onde estava. Sentindo-se mais próximo de uma realidade compreensível.

 

— E nada pôde ser feito para evitar? – perguntou Robin. Seus olhos sentiam lágrimas tão próximas. Estava tão sensível.

 

Hipátia aproveitava a deixa que lhe era dada. Os rapazes estavam abatidos. Estavam perdidos, claro. Ela poderia ser a única opção para eles, e devia mostrar-se assim. E eles uma ótima opção para ela.

 

— Não. Nada pôde ser feito por aqueles que viviam aqui. Tanto pelos invasores ou pelos escravizados anos após a Guerra de Invasão. – Seu olhar era profundo. Em certos instantes, brilhava da mesma forma que alguns olhos distantes dos prósperos brilhavam. Dos que inicialmente estavam, poucos restaram visto a pacificidade dos dois heróis encontrados.  

 

Robin examinava as cinzas que sujavam o chão morto daquele mundo. Mesmo não sendo a morte do mundo que conhecia, era a morte de um mundo. O que poderia ser do seu sem que lá estivesse? Qual fora o fim do homem da espada flamejante?

 

Antes que expressasse em termos de determinação e bravura a necessidade de retornar ao seu mundo, Hipátia decidira que ali seria onde expressaria o melhor de si.

 

— Nós podemos fazer. Você, Robin, sabe mais do que ninguém. O mundo está morrendo. Nós lutamos contra isso. Lutamos pela possibilidade do mundo resistir e viver, contra a possibilidade de morrer. Esse mundo ou o de vocês, está à deriva a cada segundo de forças superiores que conspiram a favor do fim de tudo que conhecemos, inclusive nossas próprias vidas. Como seres humanos... Não. Como deuses, nada mais justo do que usarmos nossa própria força e inteligente para que possamos mudar a direção dessas forças superiores.

 

— Deuses? – O seu inconsciente estava tão atento, focado e determinado em seguir Hipátia de forma que Robin não conseguia compreender ou sequer aceitar. Suas pernas estavam rígidas e prontas, seus braços firmes. O Robin triste pelo mundo estava distante, morrera nos parágrafos anteriores.

 

— Você é um deus, Robin. Ou o mais próximo do que um humano pode ser considerado um deus.

 

Não compreendia como tal discurso poderia ser encaixado de forma completa no contexto que se encontravam. Não conseguia aceitar o estado de certeza que se encontrava. Mas ele subiria, e não mais indagaria das situações que se encontrava. É claro, sentia ao decorrer dos dias as coisas perdendo a sua voz. Sentia como elas murmuravam tristezas e mortes.  Tudo que Hipátia dizia fazia sentido. Tanto que ela não precisava dizer mais nada.

 

No meio desse momento místico que fazia sentido para todos menos para o mesmo, Picone voltava a sentir que tudo que presenciava era uma confusão maravilhosa. Como poderia estar lidando com deuses? Estava suspeito de Hipátia conhecer Robin. A masculinidade exacerbada presente em sua personalidade fragilizou-o por sentir-se como um mero coadjuvante.

 

— Como posso acreditar em você? – indagou Picone, em uma tentativa de ser notado.

 

Hipátia encarou-o com um olhar de que era alguém que liderava uma civilização alienígena inteira e de que possuía um poder divino, e que se não fosse realmente uma aliada já teria botado esses dois rapazes no saco. Além disso, era também fácil de lembrar em seu olhar que Picone e Robin estavam perdidos em um mundo desconhecido e de que na verdade Picone deveria agradecer por poder fazer parte de sua iniciativa em prol do universo. Sim, seu olhar dizia muito e Picone não tinha como refutar o olhar que já invocava tudo que ela era.

 

Seu olhar também não mentia seus maniqueísmos e como acreditava que conseguiria consertar tudo desde que as cordas de cada engrenagem estivessem conectadas em seus dedos como marionetes.

 

Essa parte de seu olhar, Picone não conseguiu interpretar. Estava para conhecer e compreender.

 

— Peço que acredite em mim. Vocês dois são de extrema importância para o mundo e poderão contribuir muito na nossa batalha pela vida. – Era mais sutil com as palavras. Divertia-se, também, por adotar tal postura acolhedora em uma situação que não tinham escolha.

 

Picone não conseguia acreditar completamente na mulher, mas em seu corpo um sentimento de acolhimento começou a ser sentido nas regiões mais frágeis e cansadas. Antes de estar naquele mundo morto, estivera horas e horas lendo contratos e assinando papéis. Um trabalho muito difícil e seu cérebro de um homem simplista, preguiçoso e rico era de aceitar a boa ajuda, até porque teria menos problemas assim.

 

— É muito estranho – deixou escapar, perdendo a compostura e murmurando como uma criança.

 

— Tudo irá ser esclarecido em Prosperidade Nova – disse, forçava uma voz doce que não era natural. – Prometo.

 

Picone sentia-se seguro.

 

— Vai ficar tudo bem. – Picone surpreendeu-se quando um próspero de barba senil aproximou-se repentinamente em sua frente e tocou em seu ombro. O espanto foi esvaindo e Picone começou a sentir um conforto na presença e na fala naquela criatura exótica um pouco menor que ele, de peles azuis e tatuagens interessantes por onde conseguia observar em seu corpo. Vestia-se de puros panos que cobriam desde seus joelhos como uma curta saia até os seus ombros. Possuía três antenas e um olhar bastante senil também.

 

Por um instante as tatuagens pareceram piscar em um tom amarelo dourado e o espanto se foi de vez.

 

— Oh! Perdão por não me apresentar. Eu sou Uuuon, um dos primeiros prósperos a conhecer a deusa Hipátia. Não se preocupe com ela, é uma boa pessoa. – Uuuon era sincero e Picone levou as palavras do ser para o coração ao invés do cérebro. Encarou Hipátia e parecia ter aceito a posição que estava.

 

Era o lugar certo para estar, pensava Picone. Pode ser que tivesse se esquecido  por um tempo que é o protetor de seu mundo e que isso pode ter causado uma destruição grandiosa próximo da cidade em que vive – ou vivia – causando destruição e a morte de diversas pessoas. Mas era ali, sem dúvida, que seus esforços eram necessários. Não entendia as forças superiores que Ramon enfrentava, até porque nem o próprio entendia. Esperava que Hipátia pudesse explicar algo.

 

Estava a encontrar novos aliados que também planejavam pela proteção do mundo. Mas o que será que estaria acontecendo nele? As pessoas estavam bem? Um grande mal estava o atacando? Antes que expressasse a necessidade de retornar para defender o seu mundo, ou para simplesmente saber se estava tudo bem e avisar Jane – uma jovem que conhecera há poucas horas antes do incidente em um aplicativo – que não poderia sair com ela aquela noite, Hipátia convidou-os para seguir caminho até sua espaçonave.

 

Grandiosa. Como um templo grego revestido de mármore cujo design não estava distante dos protótipos dos aviões faturados pela mão humana. Era grande o suficiente para ser do tamanho de um prédio grande do centro de qualquer cidade emergente do mundo que estava acostumado a viver e largo o suficiente para ser comparada à distância de quatro quarteirões. Picone subia aquela bela e épica monstruosidade por uma escada que surgira com o aproximar de Hipátia. Estava pisando na parte inferior de uma das “asas” do avião espacial da idade antiga, que se conectava com a parte superior através de, obviamente, pilares.

 

Estavam lá dentro. Robin estava hipnotizado. Toda tecnologia dentro da máquina demonstrava-se de uma forma tão diferente da que estava acostumado. Pequenas flores cresciam nos cantos e musgos quase que impossíveis de reparar cresciam nas pequenas rachaduras da parede. Alguns pequenos fragmentos de minerais davam a pouca luz ao ambiente. Luzes roxas, azuis, vermelhas, amarelas, verdes... Todas se alteravam de forma que a realidade era apenas algo que não poderia ser compreendido. Passavam por estátuas e figuras de criaturas e seres vivos que não conseguiam entender, tal como signos e símbolos que não faziam sentido nenhum.

 

Hipátia precisava descobrir mais sobre esse Picone e saber utilizá-lo. Pelo tensor métrico dos vetores de variação de fluxo quântico que Picone emanava obtinha resultados de descontinuidade no plano cartesiano da massa universal. Todo objeto, obviamente, emana um tal de fluxo quântico e tem muito a ver com as cores que as substâncias absorvem e emitem, também, mas um pouco mais além.

 

De qualquer jeito, pelo resultado na equação com o tensor métrico lá, isso significaria que Picone não deveria existir e sua existência naquele mundo era uma coisa estranha que não queria se preocupar, mas já era o assunto principal dos debates em seu subconsciente. Com os equipamentos da nave, poderia facilmente fazer análises diretas de Picone sem que ninguém soubesse. E era o que estava fazendo enquanto caminhavam pela nave que impressionava o galã. 

 

Robin, bem mais distante mentalmente, encarava as estátuas reestruturadas em ligas metálicas e sentia como se isso demostrasse o quão estranho o mundo era e imaginava que seu inimigo seria à altura. Até porque, Hipátia era uma deusa que lhe designara uma missão para ajudá-la para salvar o mundo. Seria o seu inimigo, talvez, um deus maléfico?

 

— Vocês gostariam de algo para beber ou comer? – Perguntou, como uma doce anfitriã.

 

— Estou bem – disse Robin, convicto.

 

— Eu também – ambos mentiam.

 

— Vai negar mesmo o néctar dos deuses? – indagou brincando. Gostava de se exibir com uma divindade e tudo de “mágico” em sua vida. A reação dos mortais eram sempre as melhores, por compreenderem pouco ou mistificarem demais suas concepções do divino.

 

— Como assim? – perguntou Robin, que tentava não prestar atenção demais nas coisas a esse ponto, mas não podia deixar de perceber o quanto cada momento era mais estranho.

 

— É o que deuses comem- respondeu vagamente.

 

— Façam como eu. – Hipátia ergueu os braços e Robin seguiu no geto. Em cinco segundos, xícaras de madeira apareceram em suas mãos. O líquido e amarelo e parecia ser grosso. Robin não sabia o que sentir sobre isso ou se queria comer de primeira, mas o cheiro lembrou-o o de baunilha e manteiga, então passou a se sentir tentado.

 

Picone não quis ficar de for a e repetiu o gesto, não hesitando em seguir Robin no consumo da bebida. Depois de experimentar uma pequena quantidade, o calor da bebida passeava pelo seu corpo e o que não era líquido tornava-se líquido na língua, dando uma sensação bastante saborosa. O gosto era doce e ao mesmo tempo leve e delicado, ficando na boca tempo o suficiente para se sentir no paraíso.

 

— É uma tradição divina que se beba do néctar junto de seus campeões - invento u. Gostava de brincar com os mortais um pouco. Não era uma tradição, de fato, mas era algo que apenas deuses compartilhavam entre eles e Hipátia gostava de compartilhar com os mortais de boa índole que encontrava pelo caminho.

 

Ela não tinha intenção de encontrá-los. Não esperava por essa e esse evento era simplesmente resultado das possibilidades que se concretizaram nessa Corrente Probabilísticas e esperava conseguir tirar o melhor deles. Não dependia deles, de fato, até porque já tinha planos em ação. Seus planos não estavam concretizados e muitos passos ainda precisavam ser tomados. Primeiramente, ela precisava encontrar Edésia. Seguiu os rapazes e bebeu boa parte de sua bebida em um gole. A sensação era sempre a melhor de todas, desde a primeira vez que consumira pela primeira vez no Alto das Constelações.

 

— Do que és deusa, se me permitir perguntar, Srta. Hipátia? – indagou Picone, confortado e abraçado pela bebida. O calor se espalhou pelo seu corpo e estava numa manhã ensolarado em um parque pronto para um piquenique.

 

— Da Matemática, por assim dizer – respondeu sem hesitar.

 

— Da Matemática? E existem deuses da História e Artes também? Como na escola? – perguntou Robin, lembrando de sua breve educação em um supletivo.

 

— Mais ou menos. Tem muitos deuses da Matemática também. Há outros deuses da matemática, como Pitágoras, Euller, Euclides...

 

— Os grandes matemáticos da antiguidade eram deuses?

 

— Não exatamente, mas algo próximo de deuses. Representavam já a evolução humana de seu intelecto que a levou futuramente à divindade.

 

— Os outros deuses também lutam pelo bem do universo? – indagou Picone. Estava se sentindo  interessado de uma maneira tão eufórica como uma criança para saber mais sobre o que estava acontecendo com o mundo. Será que Ramon sabia de Deuses?

 

Era uma pergunta de responder para Hipátia. Não existia mais uma unidade de deuses desde que foram expulsos do Alto das Constelações e não sabia se queria tocar nesse assunto com eles. Não parecia algo conveniente de dizer para alguém que queria controlá-los. 

 

— Não. Há também deuses malignos, acredito que por conta das possibilidades destrutivas que nosso universo vem tomando a cada milésimo de segundo pela destruição ser uma possibilidade. Mas não acredito que sejam o motivo do fim gradativo de tudo, mas acredito que sejam consequência, por assim dizer. – Falou muito, sendo sincera em tudo que dissera. Nunca tinha se encontrado com deuses malignos. Quer dizer, não sabia se Arquimedes e Aristoteles eram de fato malignos porque, para ela, eles são só uns cuzões.

 

— E qual é a causa? – perguntou Robin, direto.

 

— A possibilidade, apenas.

 

— Então estamos lutando contra a possibilidade. Isso é tão amplo e vago.

 

— Sim, mas também somos a possibilidade. Só que da manutenção desse universo, ao invés da sua destruição.

 

A nave já voava suavemente pelo espaço, cortando o vácuo em uma velocidade que Picone não acreditaria caso fosse dito. Não se sentia como se estivesse viajando pelo espaço. As estrelas estavam por trás das paredes metálicas, a anos luz.

 

— Sim – Hipátia precisava ser sincera, também, até porque esses jovens não eram bobos.

 

— E somos a possibilidade – disse Robin.

 

— Sim, Robin. Você é a Possibilidade.

 

— Eu? – surpreendeu-se, junto com Picone.

 

Picone não se sentia muito seguro quanto sua missão ou a situação atual do universo porque não conseguia entender o que Hipátia dizer.

 

— Como assim possibilidade? – indagou Picone, precisando de pelo menos alguma resposta. – Gostaria que pudesse ser mais clara, ó Deusa.

 

— Possibilidade se manifestou nele como uma alternativa de nos ajudar. Por isso que você é tão importante, Robin.

 

Robin não tinha certeza se sentia-se importante, na verdade não. Sentia-se convicto de algo, isso era certo, e essa convicção fazia com que não precisasse de tantas certezas e que podia continuar aceitando tudo numa boa. De certa forma, havia esperança no coração do rapaz. O seu mundo não havia sido destruído em um fatalismo distante de seu controle. Outros mundos sofriam disso, entretanto, e agora deveria combater isso. Robin sentia que poderia ser algo mais de novo, da mesma forma que sentia-se antes de pensar que tinha perdido tudo e nada fazia sentido. Algo fazia sentido, de alguma forma, e ele fazia parte desse algo.

 

— Mas como? Tu falas de forma tão mística que nós, mortais, não compreendemos – alegou Picone, educado e respeitando a deusa agora que estava sob seu acolho nesse outro  mundo.

 

Hipátia lançou-lhe um olhar de decepção, mas então se lembrou que apesar de tudo eram apenas breves mortais. Não sabiam os conceitos básicos da Matemática Multiversal.

 

— Não há nada de místico, apenas matemática. – A resposta sólida fez com que Picone mudasse seu estado de espírito por conceber-se em uma diferente perspectiva no momento. 

 

— Matemática?

 

Um suave som de pouso fez com que lembrassem que estavam em uma nave espacial e os surpreendeu, de fato pouca noção tinham de que atravessaram milhões de anos luz em alguns poucos minutos enquanto tinham essa conversa com a deusa.

 

— Nós já chegamos – avisou Hipátia. – Posso te mostrar a matemática, Picone, mas não tenho certeza se entenderia – disse, sincera.

 

— É a matemática então a sua dádiva, por ser dela a sua Deusa? – perguntou Picone, como se  empolgado por estar sob o acolho da matemática.

 

— Sim, – disse – nela baseio nosso planejamento para salvarmos o mundo. – Não era bem assim, mas percebeu que Picone precisava se sentir mais seguro. 

 

— Mal exploramos a nave, tinha muito a mostrar a vocês, meus heróis. Teremos outras oportunidades. As portas abriram-se já, é momento de conhecerem Prosperidade Nova.

 

Retornando ao caminho, as estátuas captaram os olhos de Robin. Era como o selecionado, o messias, como sentiu-se enquanto voava pelo mundo salvando camponeses. Salvaria muitos outros camponeses agora em prol da manutenção da vida e da paz. Hipátia, que caminhava a frente dos nossos queridos garanhões, olhou brevemente de lado e encontrou com o olhar de Robin que se direcionava também para a direção da Deusa. Mesmo não estando de acordo com o plano, Hipátia não desperdiçaria a chance de guiar a Possibilidade.  Essa nunca tinha sido a sua intenção e provavelmente teria que refazer vários cálculos uma vez que o Princípio de Incerteza estava em vigor. Agora, interferia nas ações dos próprios agentes do seu plano.

 

Picone continuava seguindo-a. Tornava-se um de seus seguidores a cada segundo em que se acalmava. Estava pronto para doar-se para Hipátia e seu plano em prol do universo a fim de seguir os passos de Ramon.

 

Da porta voltaram a encarar o exterior exótico de mármore envelhecido e luxuoso e as pilastras que sustentava o segundo andar da nave. Seus olhos encontraram-se com um sol esbranquiçado e o mundo parecia ser outro. O calor penetrava seus corpos como se fossem virgens de radiação cósmica. Eram, de fato, virgens de radiação de tamanha intensidade. Robin não reagiu ao clarão e seguiu de olhos abertos observando Prosperidade  Nova até o horizonte.

 

Rochas – ou árvores – vermelhas e amarelas estavam dispersas por toda a cidade que observavam. Era sem dúvida gigantescas. Os edifícios tinham todos formatos octaédricos e alguns ousavam mover-se lentamente com uma grande paciência. Suas paredes refletiam a radiação solar e não conseguia observar nenhuma individualidade nos edifícios que observava. Estátuas mostravam-se no  extremo da cidade. Ao redor dessa, um deserto arenoso se alastrava.

 

— Esse é o mundo dos prósperos – disse Robin, enquanto Picone voltava a abrir os olhos.

 

— És daqui, Deusa? – indagou Picone.

 

— Não, mas é aqui que vivemos – disse o ancião, retornando à cena.

 

— E aqui nos encontramos – completou Hipátia, enquanto se entreolhavam. Os olhos do ancião piscaram várias vezes no pequeno período de dois segundos. Hipátia permanecia estática.

 

Picone entendia a situação como uma troca de potencial, mas não entendia nada direito. Robin não prestava atenção, descendo a escada de mármore que surgira com o decorrer de seus passos.

 

Era um mundo belo. Era um mundo distante de tudo, onde a vida nascera através das mãos de uma e resistia através das mãos de outra. 

 

Era bom poder apreciá-los. Essa radiação revigorante, os ares pesados e carregados de oxigênio. As rochas – ou planetas – e como seu tecido era translúcido. Era uma planta, deveria ser, segundo Robin. Observava uma de perto. Eram poucas e pequenas ao seu redor, que parecia uma região de transição para o deserto. 

 

Era do fluído que corria pela sua estrutura que corria o corpo da planta. Por serem pequenas, Robin teve dificuldade de perceber que apresentar apenas pequenos galhos com folhas perfeitamente cristalinas que pela difração da luz exibiam diferentes cores em cada um de seu vértice. Era lindo.

 

Ao aproximar-se da cidade que se fundia às plantas rochosas, Robin observou como podiam ser maiores e cada vez mais magníficas. Milagres da existência e do espaço.

 

Não demorou muito e mesmo com passos lentos de um admirador Robin estava frente à estátua de um dos Prosperos. No granito, o Prospero parecia estar bastante focado na leitura de um pergaminho. Nele, estava escrito uma equação que ele não conseguia muito compreender. Olhando com mais atenção, reconheceu uns símbolos estranhos, daqueles que apareceram. Claro que isso não ajudou com que entendesse coisa alguma, mas despertou um interesse para além da beleza desse mundo.

 

Hipátia e os outros apareceram logo atrás. 

 

Picone estava chocado com um mundo tão diferente, mas preferia tentar não observá-lo demais pela dificuldade de seu cérebro humano comum de conseguir conceber cada vez mais a realidade de que realmente estava em outro mundo. Sentia como que se o potencial de Robin estivesse aumentando a cada instante que chegara ao planeta. Conhecia pouco sobre o homem, mas aceitara que ele é tudo de que Hipátia dizia. Um Deus, inclusive. 

 

Era o mortal. Era o impotente.

 

O ancião aproximou-se de Robin e o fez mover depois de alguns longos segundos de admiração estática à estátua.

 

— Através dessa equação, descobrimos como manter o mundo seguro.

 

— Por que vocês não a usam?

 

— É nela que baseamos nossos atos, apesar de que ela não foi criada para essa finalidade. Foi criada para descobrir como atos científicos e de alteração universal podem assegurar a existência, ainda. Buscamos promover atos científicos ao redor da resposta da equação.

 

— Entendi.

 

— Estou há setenta anos procurando adaptar essa equação de forma que saibamos como estender de forma infinita a estabilidade de nosso mundo.

 

Dessa vez Robin não entendeu e apenas confirmou com a cabeça, aceitando seja lá o que a Deusa dizia. Não era muito bom em matemática, aprendeu muito pouco no supletivo.

 

— É incrível, sem dúvida, a beleza desse mundo. – Robin estava sem dúvida alegre.

 

Enquanto observava os rapazes recém-conhecidos que andavam em conjunto a ela, a mente de Hipátia estava em um espiral de diferentes pensamentos sobre como lidar com a situação. As possibilidades sobre quem eram ou como afetariam em seu Plano eram infinitas e não cabiam a ela analisa-las uma de cada vez. 

 

Estava calma, tranquila. Os jovens eram tranquilos e cooperativos e teria todas as informações que necessitava sobre eles assim que adentrasse em sua residência, não distante. 

 

Um lugar belo, mas estranho. Por mais que estivesse acolhido, Picone sentia-se como se não devesse estar ali. Como se tivesse nos últimos instantes fosse um sonho estranho que deveria ter acordado para levantar e voltar para o trabalho. É parte da vida que escolheu, é claro, Ramon também lidava a todo momento com realidades que pareciam sobrenaturais onde sua mente não poderia se perder do seu foco.

 

O ancião próspero ergueu sua mão à estátua enquanto trocava olhares com a deusa. Certas manchas e tatuagens em seu corpo, não antes observáveis, brilhavam em um amarelo brilhante demais para esse mundo. A conexão entre os dois possibilitou que da estátua, os símbolos escritos se alterassem para uma equação diferente. Em alguns segundos, ela foi reescrita de diferentes formas como em uma resolução matemática. De um ponto antes apenas ocupado por gás surgiu uma grande esfera translúcida cujo perímetro era revestido quase que inteiramente por diferentes ligas de metais, com cores que se alteravam ao longo dos poucos segundos. Seu raio era de mais de cinquenta metros. Sua altura total, de cem metros.

 

Após a aparição, todos os brilhos passaram a se extinguir em um pequeno raio além onde se encontravam. Tanto o brilho proveniente do líquido da seiva das plantas como o brilho do ancião apagaram-se. 

 

Hipátia aproximou-se da esfera e objeto contorceu-se suavemente retorcendo parte pequena de sua estrutura para que a deusa, o ancião e os visitantes pudessem entrar.

 

Dentro, era como se não houvesse nada. Picone pisava em um vazio exorbitante e não sabia em que tempo estava em qual lugar. Ou se havia um tempo e lugar. Que grande confusão! Realmente estressante.

 

O seu redor passou a existir como um belo jardim com o soar dos passarinhos e sons distantes e relaxantes de lira.  Era um mundo belo e plano. Um plano e longo campo revestido das mais variadas flores. Encantando, abaixou-se e examinou um girassol, que estava bem ao lado de uma samambaia. Tocou-lhe por repleto a costas da mão, sentindo suas texturas.

 

Admirando a vastidão desses campos, Picone encontrou Hipátia conversando com três prósperos. A conversa parecia de teor reflexivo e filosófico, a julgar pela expressão e postura dos lados da conversa. Hipátia passou a explicar algo e o homem complementou. Os prósperos não pareciam concordar, mostrando-lhes algo escrito e um tábua rochosa, como uma prancheta sem papel.

 

Pareceram chegar a um consenso que gerou mais dúvidas do que existiam inicialmente, para todos. Hipátia passou a caminhar em direção a Picone, junto a seu companheiro desconhecido, que parecia uma pessoa muito séria, com barba cheia e manto surrado que lhe cobria o corpo dos ombros até os joelhos. Havia elegância em seu andar, e carregava em sua boca um cachimbo aceso, mas não parecia estar queimando ou fumando coisa alguma por não haver fumaça.

 

— Olá, Senhorita Hipátia – disse Picone, completamente em paz com seu espírito.

 

— Olá, Picone! Gostaria de apresentar um amigo.

 

— Prazer, sou Filolaus. Faremos muito por esse mundo, Picone – disse o homem, expressando um carismático sorriso de um idoso bondoso e inocente dos pecados da vida, apesar do rostinho de vinte e sete.

 

Cumprimentaram-se pelas mãos de forma amigável.

 

— Prazer, amigo Filolaus. Meu nome é Picone e tenho enorme prazer em conhece-lo nesse belo e maravilhoso lugar.

 

— É o Jardim Infinito, onde todos nós, deuses e prósperos, estudamos e nos planejamos com toda calma e tranquilidade possível.

 

— Também és divindade?

 

— Represento a matemática e a harmonia. A música e a paz.

 

— Trouxe você e Robin para cá para que conhecessem Filolaus – disse a deusa, com um aspecto tranquilo e sereno.

 

— E Robin? Onde ele está? – As coisas foram começar a voltar a reaparecer na cabeça de Picone e ele voltou a ter completa noção de tudo que esteve acontecendo em sua vida louca nos últimos minutos. A leveza em sua mente foi desaparecendo e voltando a se tornar insegura, determinada e confusa.

 

— Ele já partiu, tem muito a fazer – disse Filolaus. 

 

— E o que eu tenho a fazer para ajudar com vosso plano para salvação universal?- indagou Picone, demonstrando o primeiro sinal de determinação e coragem após o capítulo anterior. Era como se seu cérebro tivesse sido reiniciado e agora estivesse pronto para qualquer coisa, como ignorando a situação estranha e delicada que se encontrava. Não importava mais os sinais confusos e a sobra de sua sanidade, a maravilha dos deuses estava bem em frente aos seus olhos. 

 

Sentia-se bem naquele lugar calmo e tranquilo, como se naquele momento fosse o máximo de si mesmo que poderia ser. Como se seu Potencial estivesse às alturas graças àqueles que encontrou. Pouco importavam seus compromissos de empreendedor, estava ali para ser o herói que sempre sonhou. Estava ali por Don Ramon.

 

Hipátia não tinha a resposta para a pergunta. Passou uns bons meses calculando de que forma o reencontro com Robin e aquele Picone influenciaria no decorrer da equação que ela trabalhava a cada dia a fim de interpretar os melhores passos. Não vinha conseguindo encontrar o melhor passo. Todos os passos eram estranhos, incertos. Foi então que pediu a ajuda de Filolaus, amigo divino que vem revisando seus cálculos e ajudando quando necessário.

 

Filolaus também não tinha chegado à melhor alternativa, mas conseguiu chegar perto disso. Na alternativa mais próxima da melhor. Aquela que, ignorando um conjunto de variáveis importantíssimas, poderia ser a melhor alternativa. Hipátia comprou a ideia.

 

Ficou muitos outros meses também paralelarmente estudando quem é esse Picone e como aproveitá-lo. Estava incerta, tal como Filolaus.

 

Picone, assim como Robin, ficou alguns meses em estado de paralisia cerebral e física completa, sob custódia das deusas. Estavam sendo manipulados, assim como estavam para ser manipulados. Se Hipátia acreditava que era para um bem maior? Tinha certeza disso. Como deusa, havia em si uma convicção egocêntrica de que era justo manipular os mortais para fins, sejam eles quaisqueres.

 

Picone, alienado, estava apto para ouvir as ordens que fossem necessárias.            

 

— É isso que vocês irão tratar, Picone – disse Hipátia, com seus olhos focados no de Picone, que a observava vidrado da mesma forma.

 

Hipátia não estranhava o ideal heroico e determinado dos rapazes. Estarem aptos para colaborarem de forma tão fácil poderia ser um sinal do universo de que havia uma janela de oportunidade maior que o universo os dava para que fosse salvo. As Correntes poderiam ter mudado.

 

Ou seria tudo uma grande ironia e tudo terminaria, de um jeito ou de outro.

 

Filolaus, por mais que fosse um deus e estudasse consideravelmente de forma massiva a extensão e a profundidade do Cosmos que residia, procurava não ter considerações humanas demais. Tentava buscar dentro de si o consenso que as coisas poderiam muito bem acontecer sem propósito algum.

 

 - Pois bem – disse Picone -, estou pronto.

 

Com meses passando em um piscar de olhos para nossos heróis, seria difícil dizer que fim seu planeta Terra teria dado. Estava a alguns dias para descobrir e não acreditar.



   




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Notas finais do capítulo

Muito obrigado pela leitura pessoal!!! Acredito que estamos entrando no final da história, as coisas vão ficar cada vez mais estranhas e espero que bem interessantes. Daqui a pouco tudo vai conspirar junto e vamos ver uma bagunça toda só que vai ser muito divertida. Abraços!!!



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