A Dama Solitária escrita por Alice Zahyr


Capítulo 20
Magnestimo Fatal


Notas iniciais do capítulo

Quero dar créditos de ideias à linda, maravilhosa, diva e sambista da B Angel, cuja fic Mystic High me inspirou a ter algumas ideias para ADS! Quem quiser saber, sugiro que leia MH! ^^



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/453300/chapter/20

No capítulo anterior...

Morgan sacou as duas facas das botas.

– É um ataque! - ela gritou, esperando que outros servos das sombras que estivessem por perto pudessem ouvi-la.

Daniel se levantou e olhou para Jennifer. Seu olhar indicava uma pergunta: consegue lutar?

A morena afirmou, meneando a cabeça.

Fui treinada por aquela bruxa nojenta para esse tipo de ocasião, Jennifer pensou.

Quando os três sacaram suas armas, Serena arquejou.

– Fomos descobertos.

***

Desde o momento em que os quatro se uniram no terraço do Castelo Bellator para fazer o feitiço de translocação, Logan havia se esforçado para manter a bolha invisível ao redor do grupo. No entanto, esse não era seu poder, e usar os dons de bellator para fazê-lo requereu muita energia. Por ser um elementar do fogo, precisou retirar grande parte de energia disso. Agora, sentia que não conseguiria manter a bolha por muito tempo.

– Brian - ele sussurrou, mas o mágico estava concentrado na fumaça roxa que invadia a floresta, intoxicando o ar. Logan respirou fundo, sentindo os músculos abdominais contraírem na tentativa de fortalecer o corpo. - Brian - ele gemeu, chamando-o mais alto.

De repente, Logan perdeu a visão. Não fosse por seu incrível equilíbrio, teria caído. No mesmo momento um barulho de estouro soou.

– A bolha estourou - Serena avisou, jogando os braços para trás e empurrando-os para a frente, reforçando seu poder.

Aos poucos, os quatro começarem a tornar-se visíveis em meio as sombras da floresta. Morgan semicerrou os olhos, tentando enxergar de quem se tratava.

– Quem são esses... - ela perguntou, quando repentinamente foi jogada metros adiante. A quimera - agora gigante, graças ao feitiço de Brian - havia lançado Morgan para longe com sua cauda cheia de farpas tóxicas. Mogan caíra e por pouco não rachou a cabeça nas grossas e sinuosas raízes de árvores.

Agora estavam completamente visíveis.

– Elementares! - Daniel gritou, pulando em cima da quimera. Ele agarrou-se em seu pescoço e lutou para tentar tirar a adaga de prata da cintura.

Daniel era um estrategista, servo das sombras, cujas habilidades foram abençoadas por Kyle. Os servos das sombras possuíam dons não tão abrangentes quantos os elementares, como por exemplo os Bellators, que eram telepatas, excelentes lutadores e podiam controlar o fogo (como Logan), mudar de forma (como Elizabeth) e manipular moléculas (como Serena), no entanto, nas poucas coisas que eram capazes de fazer, eram praticamente imbatíveis. Daniel sabia lutar muito bem - suas estratégias eram inimagináveis - e sua astúcia era sua salvação. Porém, Elizabeth era uma transmorfa perigosa. Como Daniel, a garota de olhos esverdeados sabia ser ágil como uma serpente e forte como um urso.

Jennifer Carter estava com as mãos machucadas por causa da fumaça roxa, de que fugia correndo em círculos, mas isso não impediu a mensageira de se defender. Logan ainda estava no centro do que segundos antes foi uma bolha invisível, e ele tinha as mãos em chamas. Ele tentava focar na garota de cabelos castanhos e olhos negros, mas era impossível. Jennifer era assustadoramente ágil. Ela simplesmente... Desaparecia em meio a escuridão da floresta, como se virasse uma sombra.

Onde diabos ela está?

Os vultos corriam em círculos conforme a fumaça a perseguia, mas nunca paravam num lugar só. Logan começava a ficar tonto. Foi quando arriscou lançar uma bola de chamas no corpo que se mexia - uma brisa de escuridão que translocava de lugar rapidamente. Nada aconteceu; a chama foi sucumbida como um sopro de ar, impossível de ser visto.

Logan arregalou os olhos.

– O que? - perguntou. Brian tremeluzia como um holograma, sua magia enfim cansando.

Elizabeth conseguira jogar Daniel no chão, mas isso não foi o bastante. O estrategista calculou mentalmente onde poderia acertar aquele monstro gigante a tempo o bastante de se levantar e correr. O seu peito parece um lugar vulnerável. Daniel sorriu, esperançoso. Talvez - certamente - pudesse derrotá-la.

A transmorfa tombou de lado repentinamente quando sentiu algo penetrar em seu peito, quebrando dois ossos de seu tórax. A quimera diminui de tamanho até voltar a ser apenas uma garota. Sua caixa torácica parecia estar sendo incendiada individualmente; a sensação era de que alguém fazia cócegas com um bistúri naquela região. Elizabeth suprimiu a vontade de gritar de dor para evitar chamar a atenção de outros inimigos.

Daniel se aproximou para retirar sua adaga de prata do peito de Elizabeth. Mas no momento exato em que tocou no objeto, seu urro de dor e surpresa foi interrompido pela sensação de calor intenso que tomou seu corpo. Em questão de segundos, Daniel caiu no chão. Agora, era apenas cinzas.

Logan estava ao lado de Elizabeth, ele arfava, tentando controlar a respiração.

– Elizabeth! - ele correu e se agachou. - O que ele fez com você?

Elizabeth franziu as sobrancelhas e fechou os olhos antes de falar, esforçando-se para não externar aquela dor agonizante que queimava suas entranhas.

– Ele... A adaga...

Brian parou de liberar a fumaça tóxica quando certificou-se de que ninguém mais estava ali. Serena também interrompeu a ilusão das projeções.

O mágico pôs-se ao lado da transmorfa e colocou as duas mãos em sua barriga. Quando tirou-as, seus dedos estavam sujos de algo como fuligem.

– O que é isso? - Logan perguntou.

– Sombras - Brian respondeu. Ele limpou as mãos nas calças e colocou-as na cabeça. - Elizabeth foi envenenada.

– Como é? - ele aumentou o tom de voz; agora não mais preocupado, mas furioso. Faíscas corriam pelas veias de seus braços de forma tão intensa que era visível; certo calor apropriou-se do ambiente naquele momento. - Então faça alguma coisa!

Brian respirou fundo e suspirou.

– Não sei o antídoto pra esse veneno.

Logan mexeu a cabeça.

– Brian, você é o mágico. Como assim não pode curá-la? Diga alguma coisa, sei lá, umas baboseiras persas e pronto! Elizabeth, estará, curada! - Ele idealizou.

– Não é tão simples assim - Brian retrucou.

Logan levantou-se e deixou que sua fúria saísse de seu corpo queimando dez metros inteiros de árvores.

– Não... Logan, não faça isso - Elizabeth sussurrou. Ele se virou para ela. - Vai chamar atenção.

– Desculpe - ele disse. - Mas não posso vê-la assim. Ela é uma das nossas Brian, você a colocou nisso!

– Eu sei! - Brian gritou. - Que droga, eu sei disso, Logan. Mas eu não sou uma dama, sou apenas um mágico...

– O melhor que já vi e quem sabe o único - Logan falou. - Deve haver alguma coisa! Por favor, tente.

Brian suspirou e fechou os olhos, tentando encontrar algum feitiço que se aplicasse à ocasião. Elizabeth e Logan entreolharam-se; será que daria certo?

– Sei de um - ele anunciou. Logan arqueou as sobrancelhas, incentivando-o. - Mas não vai curá-la. Vai apenas manter sua vitalidade até que possamos levá-la de volta a Cineres.

Elizabeth desesperou-se.

– O que? Não! - ela pediu. O esforço para falar alto fez com que a dor piorasse. - Maldição – praguejou.

Brian estreitou os olhos, reprovando sua atitude; ela se encolheu mais ainda, a sensação da cócega de bisturi querendo alcançar seu coração.

– Se eu ligar a sua vitalidade à minha, você vai ficar viva por tempo suficiente - o mágico disse. - Eu sou muito forte, posso suportar.

– Não - Elizabeth pontuou. - Não, não, não.

Brian franziu o cenho.

Por que? É a única forma, Elizabeth.

Ela demorou alguns segundos para conseguir falar.

– Brian, eu tenho os poderes de Maya, e ela é a dama da terra. Sua vitalidade é muito intensa - Elizabeth parou e pôs as mãos na barriga. - Você morreria se nos ligássemos. Não posso fazer isso, não posso. Não vou.

Brian levantou-se.

– Então o que vamos fazer? Precisamos de tempo para levá-la de volta a Cineres.

– Espere - Logan disse. - Acho que tenho uma ideia. - O que? Não, eu não tenho ideia nenhuma, e isso é uma tremenda idiotice. Logan, cale a boca. – Se Elizabeth tem a vitalidade de Maya, talvez você possa ligá-la a mim. - Brian arqueou as sobrancelhas. - Eu também tenho a vitalidade de uma das damas. Alanis. Posso aguentar isso.

– É uma ideia boa - Brian concordou, então olhou para Elizabeth. - Vou fazer isso. Nem tente me impedir. Você precisa.

Elizabeth suspirou, vencida, e deixou que ele fizesse o feitiço.

Quando Brian terminou de conjurá-lo, ela já se sentia diferente. A sensação era de que seu corpo estava em chamas. Será que era assim que Logan se sentia na maior parte do tempo?

– Podemos tirar a maldita adaga? - ela pediu, mas Brian negou.

– Não sabemos o que vai acontecer se tirarmos. Você pode ficar contaminada com as sombras para sempre. Acho... Que você não quer isso, certo?

Elizabeth fez uma careta, então deixou que Logan colocasse-a em seus braços.

– Não posso nem andar? - ela protestou. - Posso virar uma ave, ou uma serpente.

Brian fez cara feia; e aquilo foi o suficiente para que Elizabeth se calasse.

– Certo, agora precisamos voltar para Cineres. - Logan disse. - Brian, você vem conosco ou vai continuar?

– Preciso continuar - Brian respondeu. - Ter entrado aqui não é algo que se faz todo dia. Mas você pode seguir com Elizabeth, que eu prosseguirei com Serena.

Logan e Elizabeth franziram o cenho simultaneamente. Então olharam um para o outro.

Oh, droga.

– Onde está Serena? - os três perguntaram.

***

Gabriela andava pela torre de vigia quando esbarrou com Sahé, a líder dos Milites.

– D-desculpe - Gabriela gaguejou. Sahé olhou-a dos pés a cabeça e então seguiu seu caminho.

Espere. Talvez ela saiba de algo.

– Hey, Sahé - ela correu para alcançá-la. - Posso falar com você?

– E já não está falando? - Sahé suspirou.

– Você sabe onde está o pessoal? - Gabriela questionou.

– Tenho cara de oráculo, minha querida?

Gabriela ergueu as sobrancelhas.

– Entendo sua admiração por mim - ela disse, com sarcasmo - Mas agora preciso de um pouco de seriedade. Será que consegue conversar civilizadamente por um minuto? Isso não é um campo de batalha - Gabriela sorriu.

Sahé pôs as mãos nas cinturas. O sarcasmo daquela garota fazia com que sua mente só visualizasse uma coisa: sua espada naquele rostinho lindo.

– O que você quer? - Sahé perguntou, ríspida.

– Desde ontem não vejo ninguém. Serena, Logan, Elizabeth, Brian... Angelo - ela engoliu em seco. Detestava ter de perguntar por ele. Ela sabia, sabia, que não deveria tê-lo beijado - agora ele havia simplesmente sumido. Típico de garotos, pensou. Mas o que poderia fazer se o controle era simplesmente impossível quando estava perto de Angelo?

– E por que acha que eu sei de alguma coisa? Quer dizer, olhe para mim. Não é como se eu estivesse conspirando a favor deles, escondendo algo. - Sahé debochou, nervosamente. Gabriela franziu os olhos. O que diabos essa mulher está falando? – Bem, se me dá licença, tenho mais o que fazer.

Sahé empurrou seu ombro e desapareceu de vista.

Quando estava descendo as escadas da torre, não pôde evitar de massagear o ombro. O empurrão que dera em Gabriela fora forte - mais forte do que o esperado. Agora essa garota também tem ossos de cerâmicas, é isso?

***

O tempo passava tão devagar quando estava sozinha que Gabriela gravou as imagens de cada etapa do fim do dia conforme ele passava. Havia passado horas procurando seus amigos, mas não encontrara nenhum, nem alguém que soubesse de seu paradeiro. A sensação de solidão apoderou-se dela de vez, sem nada com que pudesse lutar contra. A única diferença é que, agora, a solidão não era mais deprimente. Na verdade, era reconfortante. Como se fosse sua origem desde o início, sua essência; estar só.

Gabriela passara o dia sentada no vinco da janela, observando o tempo andar vagarosamente através dos vitrais velhos e meio empoeirados. As lembranças de sua família já não vinham mais com tanto frequência, e quando vinham, não doíam tanto. Era apenas um filme entrecortado por pensamentos avulsos, e ela era a espectadora. Ver o rosto de sua mãe - a mulher mais doce e gentil que já existiu na face da terra - e de seu irmão abraçando-se em frente a lareira tornou-se uma canção já conhecida.

Logo no início, quando caíra em Cineres, Gabriela tinha muitas perguntas. Quem cuida desse lugar, quem faz a comida, quem faz as roupas, como se toma banho, como se escova os dentes, há música por aqui, por que não posso voltar, por que todo mundo brilha tanto. Mas agora? As perguntas eram tão inúteis quanto querer ser uma alma pura. Por que precisaria tê-las respondidas, se não importavam? O que realmente importava era que ela agora tornara-se um ser sombrio, sedento por emoções sangrentas e com medo de si mesma. Gabriela riu ao pensar nisso. Como posso ter medo de mim mesma sendo tão poderosa? Na verdade, o poder a machucava. Parecia que todos queriam se afastar, até seus amigos sumiram sem deixar pistas. Amigos. Ela riu outra vez. Sua risada era seca, sarcástica. Sem nenhum resquício de verdadeira alegria.

– Gabriela? - alguém chamou-a.

A garota foi interrompida de seus pensamentos vazios por uma voz familiar. Ela não precisou virar para trás para ver quem era. Conhecia exatamente aquela voz - calma, aconchegante.

– James - ela disse. - Entre.

James entrou em seu quarto; ela surpreendeu-se com o quanto o som de seus passos eram audíveis. Quando foi que seu ouvido tornou-se tão aguçado?

– Olá - ele sorriu, colocando-se a sua frente. Seus olhos castanhos estavam fixos nela, observando algo muito além de sua aparência. Gabriela encostou a cabeça na parede do vinco da janela. Estar na presença de um mentalista era meio desconfortável, já que ele podia ler seus pensamentos.

– Por que está aqui? - ela perguntou.

– Sei que tem ficado sozinha - James colocou as mãos dentro dos bolsos. - Não acho que seja bom que fique só.

Gabriela arqueou as sobrancelhas.

Relaxe – ela ergueu as mãos enluvadas. - Não vou matar ninguém, se é disso que tem medo.

James deu um gargalhada.

– Eu não acho que você vá matar alguém. Mas acho que você vai acabar matando a si mesma desse jeito.

– Não gosto das suas metáforas - Gabriela comentou. - Fazem eu me sentir um objeto de estudo, como se você fosse meu psiquiatra, e eu, uma louca varrida.

Ele riu novamente.

– Pare de ler meus pensamentos - ela pediu. - E pare de me olhar assim.

– Tudo em mim te incomoda? - James perguntou, erguendo as mãos.

– Basicamente, sim. Essa sua sabedoria toda, meu Deus. Como irrita.– Gabriela passou as mãos no rosto. - Desculpe. Eu desaprendi a ser gentil.

James agachou-se ao lado dela e segurou suas mãos.

– Eu sei o que você está sentindo - ele disse. - Sei como é, toda a raiva, o vazio, a solidão. Parece que há uma bomba atômica prestes a explodir dentro de você.

– Como sabe como estou me sentindo? - Gabriela perguntou. Seus olhos, como os de um guepardo, fitavam os olhos de James sem ceder. Uma espécie de luta interna - quem aguenta mais a pressão.

– Porque isso é mau de telepata - James admitiu, rindo em seguida. Gabriela franziu o cenho, confusa.

– Então todos os bellators já ficaram assim?

James semicerrou os olhos.

– Hum... Não - ele respondeu. - Logan, Serena, Elizabeth e Scorpia não são tão telepatas assim. Na verdade, a telepatia dos bellators é uma espécie de rede privada em que apenas os quatro estão conectados. É uma forma de se comunicarem mais rápida e seguramente. Eles não podem ler a mente de todo mundo, como eu, e como você.

– Ah... - Gabriela balbuciou. - Espere, você disse... Scorpia? Ela é uma bellator também?

James assentiu com a cabeça, então desviou o olhar para a paisagem além dos vitrais.

– Quem é ela?

O mentalista suspirou antes de responder.

– Scorpia é uma bellator antiga. A primeira - ele disse. Seus olhos brilhavam quando falava dela; o que será que essa mulher realmente era para ele? - Ela foi a primeira pessoa a passar no teste de Mirty. - James riu, observando uma lembrança, preso em seu próprio mundo. - Lembro-me de que Mirty ficou tão furiosa com Scorpia que quis matá-la. Encarou aquilo como um desafio ao seu poder.

– E o que aconteceu com ela?

O sorriso se desfez do rosto de James.

– Depois de um tempo, quando Logan e Serena já estavam aqui e antes de Elizabeth chegar, Scorpia... Ela foi seduzida. Por um servo das sombras. Ela traiu os Elementares e entregou nossa localização. A partir daí, vivemos inseguros. Tememos que os irmãos das sombras nos ataquem, peguem-nos desprevenidos.

Gabriela olhou para baixo.

– Eu... Sinto muito. - Ela disse. - Você gostava dela, não é?

James assentiu e levantou uma sobrancelha. Parecia, agora, pensativo.

– É claro que eu gostava dela - ele respondeu. - Scorpia era minha irmã.

Gabriela arregalou os olhos, completamente surpresa.

– Vocês... Cairam juntos? Minha nossa! - exclamou.

– Na verdade, não. Ela caiu antes de mim, eu ainda era uma criança quando ela desapareceu. Caí na Dimensão quando tinha já vinte e quatro anos de idade. - Ele apoiou um braço na parede de pedras. - Ainda me lembro de como foi quando Scorpia sumiu. Meus pais ficaram loucos, procuraram a polícia, contrataram detetives particulares... Até mesmo a Interpol entrou no caso, pois era um mistério aparentemente irresolúvel.

Gabriela desviou os olhos para a mesma direção de James.

– Vocês ficaram muito tristes? - ela perguntou.

– Se ficamos? Ah, sim. Ficamos muito tristes. Mas depois de alguns anos, acabamos conseguindo passar por cima dos dias e viver nossas vidas. Era horrível, mas dava pra viver. - James respondeu.

Uma dor palpitou no coração de Gabriela. Droga, aquilo pegara-a desprevenida.

– Eu... - seus olhos chamejaram; buscavam formas de reprimir as lágrimas olhando para todos os lugares possíveis. O teto, as mãos, a cama. Nada. Em rápidos segundos, as lágrimas já desciam, fora de seu controle.

Por Deus, era a pior sensação do mundo. Gabriela lembrou-se da profecia; havia uma esperança - ela. Ainda veria sua família. Eles não haviam morrido. Havia uma esperança.

Mas esses pensamentos não estavam servindo para nada. Ela tinha certeza de que nunca se sentira tão triste antes - nem mesmo quando seus avós morreram.

– Não consigo - ela curvou-se sobre as pernas - controlar isso.

James sentou-se ao seu lado e abraçou-a.

– Shhh - ele acalmou-a. - Está tudo bem, são apenas as emoções. Elas ainda estão incontroláveis, não é?

Gabriela assentiu. Era confortável estar ali, com alguém que a entendia. Por a cabeça no ombro de James fez com que seu coração palpitasse menos de ansiedade.

– Você estragou tudo vindo aqui - ela falou.

James riu.

– Então deixe-me consertar isso - ele pediu, afastando sua cabeça de seu ombro e colocando seu rosto entre as mãos. Quando estavam a uma distância praticamente imensurável, James se aproximou mais. Agora ela podia sentir sua respiração secando suavemente suas lágrimas.

James tocou sua nuca e puxou seu rosto, encaixando seus lábios nos dela. A sensação era... Impossivelmente boa. Reconfortante. Calma. James tinha algo que ninguém tinha: ele conseguia dominar seus sentimentos ruins.

Gabriela manteve-se parada, a êxtase esvaziando seus pensamentos, levando suas emoções ruins pra longe dela. James beijava com uma ternura inigualável. Seus lábios eram aveludados, cuidadosos.

– Não - ela murmurou.

Mas isso é tão bom.

Gabriela abriu os olhos.

– James, pare - ela pediu. Ele se afastou no mesmo momento.

Por que você parou? Os lábios de James... Oh, céus. Volte, volte! Eu já estava me sentindo muito melhor!

Gabriela levantou-se e colocou as mãos na testa. Ela se olhou no espelho que ficava do lado de sua cama e observou seus olhos. Algo dentro deles girava, pulsava intensamente como luzes de pólvora. Suas orbes haviam adquirido um tom vermelho intenso, como as rosas têm, e eram incrivelmente atraentes.

– James, me desculpe - Gabriela falou.

James se aproximou e franziu as sobrancelhas.

– O que? Por que? Não, me desculpe eu, fui eu quem te beijei.

– Você não vê? - ela perguntou, desesperadamente tentando mostrar a ele. - Olhe para mim, James. Me descreva nesse exato instante.

James parecia completamente confuso. O próprio mentalista não conseguia entender o que tinha acontecido!

– Hum... Você está linda, como sempre. - Ele fez uma careta, constrangido. - Seus cabelos estão mais longos e ondulados... Hum...

Gabriela ficou impaciente.

– James, meus olhos.

– Estão... Meio vermelhos? - ele curvou os ombros.

Ela baixou a cabeça e suspirou, frustrada.

– James, eu atraí você. De alguma forma, eu... Foi como se você tivesse ficado encantado por mim. - Gabriela disse.

James virou a cabeça de lado, tentando ler seus pensamentos. Ela permitiu. E então ele viu que fora verdade. No mesmo instante, a sensação que tinha no momento em que a beijou, de repente, sumiu. Ele havia sentido um intenso desejo de beijá-la, de protegê-la. Agora, não sentia isso mais. E sabia exatamente porquê.

– Gabriela... - ele tentou falar.

– Tenho que sair daqui - ela disse; em seguida, saiu correndo de seu quarto.

James não tentou ir atrás dela, sabia que ela precisaria ficar sozinha. Quando leu seus pensamentos, não só viu o que realmente tinha acontecido como também viu a cena do beijo com Angelo dois dias atrás. E James pôde sentir o que ela sentiu. Quando beijou Angelo, havia borboletas em seu estômago. Faíscas sendo contidas em seus dedos para não matá-lo. A sensação que Gabriela teve foi tão intensa que mal pôde controlá-la - já com James, não houve sensação nenhuma. Apenas conforto. Calmaria. Um cais emergencial numa tempestade.

Gabriela correu as escadas com toda a rapidez que podia até descer ao último andar do castelo. Ela abriu a porta com força e trilhou as pedras sob o gramado, quase se esquecendo da grama tóxica. Quando conseguiu atravessar o forte do castelo, vestiu o capuz de sua jaqueta e andou em direção à floresta que ficava logo após a Zona. A Floresta Cinza - o limite máximo do território de Cineres com a Terra das Sombras. Sem pensar, ela apressou o passo para alcançar o local. Por algum motivo, aquele lugar a atraíra como um ímã. Um ímã letal.

O percurso não foi muito demorado; não tanto quanto da primeira vez. Não precisou cortar tantos galhos como Angelo fizera para abrir caminho entre as árvores e galhos interligados - dessa vez, a floresta parecia facilitar o trajeto. Gabriela só precisou atravessar alguns metros de muitas árvores até chegar ao grande descampado que era a Zona. Logo adiante dela, havia outra floresta; formada por árvores negras, tão escuras quanto as sombras.

Gabriela andou devagar pela Zona. Ainda podia sentir a força que a magia exercia sobre seu corpo - a pele arrepiava-se conforme se aproximava mais do limite, um aviso biológico - como se estivesse sendo pressionada contra o chão. No entanto, a sensação era boa, agora. Divertida. Um jogo de limites. Até onde a Imortal aguentaria até que esvanecesse e caísse morta?

Quando seus pés alcançaram o limite, Gabriela parou. Havia uma cratera no chão que separava a Terra das Sombras de Cineres. Havia algo semelhante a fuligem que lutava por espaço com uma espécie de fumaça roxa - o que seria aquilo? Então era isso o que significava o limite da Zona? O lugar onde nenhum lado venceu?

– Você - uma voz metálica se aproximou dela. - Você vem comigo.

Gabriela ergueu a cabeça. A figura era familiar. Sabia quem era, mas isso não mudava um fato: sua aparência era extremamente assombrosa, de causar calafrios da espinha à nuca.

– O que está fazendo aqui? - ela perguntou, tentando não encarar demais seus olhos negros.

– Nós precisamos de você - Mirty respondeu. Gabriela afastou-se para tentar esquivar-se da sensação que sua voz lhe dava. - As Damas requerem sua presença imediatamente.

Gabriela respirou fundo e prendeu o ar nos pulmões.

– Por que? O que houve? - ela esperava sinceramente que as damas não tivessem visto a cena de seu beijo com James.

Mirty fechou os olhos e abriu-os. Agora sua aparência era pavorosa. A fúria era visível em seu olhar.

– Nossos melhores elementares desapareceram.

Gabriela arqueou as sobrancelhas. Bem, disso ela já sabia.

– Mas por que precisam de mim? Acham que... Posso ajudá-las?

Mirty assentiu, mecanicamente.

– Você vai ajudar - ela informou. - Porque você também tem as sombras dentro de si.

Gabriela franziu a testa, procurando o sentido daquela frase. Foi quando Mirty ergueu uma mão e apontou para o outro lado que o limite da Zona revelava: a Terra das Sombras.

Você também tem as sombras dentro de si.

Então, a atração era isso.

Gabriela tinha as sombras, mas também tinha o elemento. Era isso. Dois pólos opostos. Poderia separar a parte ruim sem desaparecer? Ou teria de conviver com esse magnetismo para... Sempre?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Hey! Oi, pessoal, vim aqui só pra deixar uns recadinhos. Bem, como esse capítulo foi MUITO mais extenso do que os capítulos normais,não sei se postarei outro cedo, até porque logo vou viajar e não sei se terei tempo de escrever. Cara, eu gastei uma madrugada inteira, tipo de uma da manhã até cinco, só pra sair essa bagaça, então por favoooor, comentem seus lindos. Segunda coisa é que eu tô sentindo falta de agito nessa fic! Leitores, seus maravilhosos, que tal promover ADS pros amigos, outros leitores, escritores, sei lá??? Eu acho uma ideia ÓTIMA, kkkkk. Enfim, obrigada a todos que estão acompanhando! Beijos da Alice!