Primavera no vale escrita por -thais-estrela-


Capítulo 1
Único


Notas iniciais do capítulo

Desculpe a demora, mas consegui postar e é isso o que importa. Espero que goste, tentei colocar um drama, um romancinho básico e alguns diálogos que podem te fazer rir. Espero mesmo que goste!



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O relógio tiquetaqueava insistente e ininterrupto, a cortina bege impedia a luz do Sol de entrar de uma vez para iluminar o quarto, mas achava bom, a vista nunca fora das melhores. Queria ouvir o som de algo, nem que fosse a voz melosa da garota do tempo, mas não levantaria dali para ligar a televisão, se o enfermeiro entrasse e visse seus fundilhos pela segunda vez, seria um desastre. Ela odiava ter de usar aqueles trajes de hospital. Não havia no mundo, coisa mais ridícula: verde, curta e frente única. Pelo menos o quarto não estava mais empesteado de álcool, desodorantes de ambientes fazem milagres.

Restava-lhe apenas olhar para sua rosa vermelha. Considerava-a como uma metáfora de si própria: um dia fora uma bela, alegre e grande planta; agora estava torta, murcha e sem cor. Havia só quatro pobres pétalas penduradas em seu miolo, as outras boiavam na água ou se contentavam em ficar caídas ao redor do copo. Koizumi não ligava, aquela fora a última flor dada por seu marido.

“Era de tarde, 04h30min. Os pássaros cantavam alto aquele dia, talvez porque fosse White Day, Nobuko e Nakao babavam um no outro, mais melosos do que o de costume:

– Nobu-chan, aqui está o seu presente. Desculpe se era o que estava mais em conta, prometo te recompensar depois. – disse cabisbaixo.

– Ah, Darling – berrou feliz ao receber o embrulho do namorado – , o importante é que foi dado com amor! Eu te amo.

– Eu te amo amo amo.

– Eu te amo amo amo amo amo.

–Eu te amo amo amo amo amo amo amo.

Ao lado, Koizumi suspirava sem saber se tinha mais nojo do casal ou mais raiva do namorado que a deixara esperando. Era mais fácil sentar em um dos bancos da praça e aguardar em silêncio do que reclamar para si em vão. Alguns minutos se passaram e sua impaciência só aumentava. Chiharu e Suzuki apareceram de mãos dadas, se juntando aos três jovens.

– Boa tarde, Nobu-chan, Risa-chan, Nakao-kun. Desculpem o atraso. – mesmo tendo sido ela a dizer, Suzuki também parecia envergonhado.

– Tudo bem, o Otani-kun ainda não chegou mesmo. – todos sentiram aquelas palavras pesarem ao ver mais uma das carrancas de Risa.

Era chato ver seus amigos em pares e felizes enquanto nem sabia se ganharia um presente naquele dia. Mesmo sem se importar tanto com tais datas, gostaria de saber o quão atencioso ele seria com ela. Ela havia lhe dado chocolates em fevereiro, então ele deveria retribuir, principalmente no primeiro White Day em que eram namorados. Enquanto remoía isso em sua mente, um som diferente, semelhante a um assobio lhe passa pelos ouvidos. Era estranho, mas o som parecia vir do arbusto atrás de si. Depois de alguns olhares desconfiados, desviou a atenção.

– Psiu. Koizumi, aqui! – Ela estagnou e ficou dura feito pedra, em sua cabeça se passavam várias hipóteses malucas envolvendo sequestros e vultos.

Girou a cabeça devagar para fitar o arbusto falante e, enfim, achou alguns fios ruivos em meio às folhas:

– Otani! – gritou. Ele a puxou rapidamente e fez um gesto para que ela se calasse. ­ – Não vou ficar em silêncio, não depois de me fazer esperar por horas!

– Horas?! Foram apenas trinta minutos, não faça tanto drama!

– Ainda sim, você não devia me deixar esperando. Idiota. – ela suspirou pesadamente – Mas por que demorou tanto?

O garoto abaixou a cabeça e corou levemente.

– Estava procurando o seu presente, mas não sabia o que comprar para você. Não queria te dar um coelho de novo. – lembrou-se do colar que lhe deu no dia de seu aniversário.

Mais uma vez ela estava pronta para chorar, nunca conseguia se controlar. Era bom saber que ele achava importante lhe dar algo.

– Ah, você não precisava se incomodar com isso. Eu não ligo para essas coisas. – mentiu sorridente.

– Claro que precisava, que tipo de namorado eu seria? ­– respondeu um pouco irritado – Bem, eu não queria que os outros vissem, adoram me perturbar, até porque não achei nada melhor. – puxou um buquê colorido que fez os olhos dela brilharem.

– As primeiras flores que você me deu são maravilhosas! – a garota sorria radiante, realmente tinha adorado o presente.

– Só não se acostume, não sou do tipo de homem que costuma dar flores.”

Desde aquela data, quando Otani ficava em dúvida de que presente comprar para a namorada, dava-lhe um buquê. Tornou-se um tanto previsível, mas Risa adorava. Um forte vento passou pela janela, conseguiu ultrapassar a cortina fina e soprar de leve a velha rosa fazendo com que mais uma de suas pétalas caísse.

Os tubos que lhe ajudavam respirar eram gélidos e, por vezes, incomodavam. As paredes brancas e sem vida eram tão chatas e cômodas, esticou o braço direito e o fitou. Estava mais pálida que aquelas paredes, quase que roxa, um pequeno e enrugado zumbi. Mas algo a fez sorrir: o brilho dourado da aliança no dedo anelar.

“– Rápido, filha. Será mesmo que vai querer se atrasar até mesmo no dia do seu casamento?!

– Mãe, por favor, não me deixe mais nervosa! Meu vestido não quer fechar de forma alguma.

A mulher se aproximou da noiva, pediu para que encolhesse a barriga e começou uma sequência de gestos bruscos tentando vestir a filha.

– Lhe avisei para não comer tanto ontem, mas você não quis me ouvir, Koizumi.

– Eu não acredito. – choramingava – Perderei o meu próprio casamento porque comi tofu demais! Ninguém vai querer se casar com uma giganta gorda e vou ter que morar sozinha com vinte gatos. Socorro, mãe!

– Você é tão dramática. – e com um único puxão, fechou o zíper do vestido. – Pronto, consegui. Agora pare de chorar, se não terá de refazer toda a maquiagem!

Risa se recompôs e entrou no carro que lhe aguardava na porta de casa. Quando entrou na igreja, pôde ver todos os seus convidados sorridentes, a decoração simples, mas bonita, as luzes que reluziam de forma esplendorosa naquela noite e, ao fundo, de terno e gravata, com o rosto vermelho de ansiedade, seu pequeno ruivo Otani.

A cerimônia se iniciou normalmente, mas algo aconteceu ao chegar o momento da troca de alianças. Estas não estavam na almofada. Um fio de desespero passou sobre o casal e convidados. A partir daí, uma busca incessante se iniciou. Todos tentavam achar as joias que o noivo afirmava, de todas as formas, ter trazido.

– Não lembra da última vez que as viu? – alguém perguntou.

– Sim, eu estava me arrumando para a cerimônia e... – interrompeu a si próprio, sentou-se em um dos degraus do altar e tirou um dos sapatos. Bateu-o levemente no chão e dois aros dourados rolaram lá de dentro até o chão – Aqui está! Guardei no meu sapato para ter certeza de que não ia esquecê-las.

Todos os olhares para ele eram incrédulos com exceção do que estava ao seu lado. Koizumi se assemelhava a um monstro de branco.

– OTANI, SEU IDIOTA!”

Novamente a cortina se mexia e a segunda pétala voou por alguns segundos antes de cair no chão.

O som de sua gargalhada ecoava pelo quarto. Adorava se recordar do dia de seu casamento, fora um momento que pode estar com muito amigos. E por isso, sentia-se agora uma garota de cinco anos de castigo. Ficar ali, enclausurada, não era bom, mesmo sendo um hospital. Sabia que ia morrer em breve, na verdade, não via a hora de que de fato ocorresse.

Ouviu o som de pequenos e agudos risos vindos do corredor principal. Eram os filhos do seu vizinho de quarto que vinham lhe visitar diariamente. Gostaria tanto de poder conversar com eles e saber o que se passava em suas pequenas cabecinhas infantis. Adorava conversar com crianças, lembrava-se das tardes que passava vendo seu marido trabalhar como professor.

Sentiu sede, esbarrou no criado mudo com a rosa para pegar água e mas uma parte da flor se desprendeu.

“Koizumi estava preocupada, era a primeira vez, em anos, que seu fluxo menstrual não mostrava regularidade. Como não haviam casos de problemas como este em sua família, significaria apenas uma coisa: gravidez.

Tres anos de casada, apenas. Pensava se não era cedo demais para ter um filho. Mas aos 26 anos, por que não? Correu para a farmácia da esquina, comprar um teste genérico. Chegou em casa apressada, abriu a caixa que tinha comprado e seguiu todo o protocolo lá escrito. Deveria urinar no lugar indicado e esperar cerca de um minuto e meio até o resultado aparecer. Estava quase delirando de ansiedade quando o resultado positivo surgiu.

Ao anoitecer, Otani fora bombardeado pela mulher com pulos e berros. Ele adorava crianças e acreditava que ter um filho naquele momento seria muito bom. Sua felicidade durou duas semanas e três dias, ao saber que ela havia tido um sangramento.

Pela primeira vez, foram consultar um ,médico. Aquele que, talvez, tenha lhes proferidos as piores palavras do mundo:

– Risa, você não pode engravidar.

Durante meses e meses, Koizumi procurou diversos profissionais que pudessem lhe ajudar, mas a cada não que recebia, ficava ainda mais triste. Se não tivesse o marido ao lado, talvez tivesse morrido de desgosto de si mesma.”

E uma desceu em seu rosto lentamente. Era duro aguentar tudo, ainda mais sem o ter ali perto de si. Idosa do jeito que era, diabética e repleta de problemas cardíacos, não queria morrer de velhice. Viver mais? Pra quê? Tudo o que tivera um dia já havia partido: seus amigos, sua família, seu marido, há cinco dias atrás. Não que estivesse reclamando, sempre soube que tudo tem seu tempo de acontecer e que o mundo segue um ciclo. Só estava impaciente para chegar ao final do seu.

“Ele podia ter os olhos fundos e as mãos trêmulas, mas seu espírito de garoto era visto de longe. Seu vizinho de cama, deitado no leito ao lado do seu, Otani exalava ao mesmo tempo alegria e doença. Estavam ali há mais ou menos dois meses depois de alguns problemas de saúde e depois de alguma persistência dos dois, teimosos do jeito que eram, conseguiram ficar no mesmo quarto e passar o aniversário de casamento. Fazia 56 anos que estavam juntos:

– Ei – ele chamava a esposa que mantinha toda a sua atenção na televisão até o momento –, olha o presente que eu comprei para você. – e puxou uma rosa vermelha debaixo se seu lençol.

Ela olhou e sorriu. Seus olhos, como em todas as vezes que recebia um de seus presentes, brilhavam surpresos cheios de alegria.

– Nossa, Otani! Como conseguiu isso sem que eu tenha visto?

– Esperei a cinderela giganta dormir para pedir ao enfermeiro. – ele riu maroto.

– Sempre achei que esse enfermeiro tinha uma cara muito suspeita. – sua pequenina revolta passou num instante, ao olhar o presente que recebera já em um copo com água no criado mudo ao seu lado. De repente, a expressão tenra de admiração saiu de seu rosto para dar lugar à inquietação. – Mas eu não tenho nada para te dar. E agora?

– Que tal uma bitoquinha? – o velho fazia biquinho para ela.

– Setenta e tantos anos e continua um tarado! – riu.

– Mas é só um beijinho, que mal faz? Além disso, não teremos mais tanto tempo juntos, daqui a pouco a gente morre e aí? Vou ficar sem beijo?!

– Para de dizer bobagens, ainda não vamos partir. Não é porque estamos num hospital que já vou morrer. Cama nenhuma vai me impedir.

– Mesmo assim, do que importa tudo isso? Vamos ficar juntos mesmo depois de morrer. – ela o olhava sem entender. – Lembra do que prometemos, estar juntos na saúde e na doença.

– Sim, mas só ‘até que a morte nos separe’. ­– Risa completou.

– Então quer dizer que você é mentiu para mim?

– Menti? Quando?

– Uma vez, no colegial, perto da nossa formatura, prometemos que estaríamos juntos para todo o sempre. Mentiu pra mim?

– Claro que não. Se eu morrer primeiro, volto para puxar teu pé. ­– riu.

– Mas, falando sério, acho que eu partirei em breve. – um silêncio se tornou presente no cômodo – Só queria te dizer o que já te disse há muito tempo: eu não seria quem eu sou sem você.

As lágrimas saiam rápida e incessantemente dos olhos dela. E ele continuou.

– Eu te amo minha, pequena primavera. – ela fez um pequeno esforço para conseguir encostar seus lábios nos dele. – Eba, ganhei minha bitoquinha! – comemorou.

– Otani, seu idiota!”

E a última pétala da rosa pairou no ar de forma suave até repousar na ponta esquerda dos lábios sorridentes. Koizumi fechou os olhos e foi ao encontro de seu grande vale.


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Notas finais do capítulo

Bem, é isso. Beijinhos, Ana.



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