Todos nós tentávamos melhorar o astral, dia após dia, semana após semana. Já fazia dois meses desde que Natally se fora. Levei o quadro para seu pai, e ele pendurou imediatamente na parede da casa, agradecendo o presente. Poucos dias depois da morte da filha, ele se mudou para algum lugar bem longe, cheio de praias e coisas que a mãe de Natally adorava. Aparentemente, a morte da filha unira os dois novamente.

Havia ainda mais tempo desde a morte de Seth. Nenhum de nós admitia, mas ainda sentíamos falta dele, e sempre seria assim. Tentávamos não falar disso, mas sempre faltaria alguma coisa.

Enquanto Jonathan não tinha mais nenhum problema devido a guerra, fora a cicatriz, Ryan melhorava lentamente. Primeiro começou a ficar completamente consciente, depois a andar e gesticular. O único porém era sua voz que hesitava em voltar. Quando tentava falar, grunhidos estranhos saíam de seus lábios. Tanto os médicos quanto Julie pareciam otimistas com as melhoras dele nos últimos dois meses.

Max trabalhava, tentando voltar a ter uma vida normal, e Rose continuava a vender os quadros que eu pintava. Comecei a dar uma porcentagem do que eu recebia à ela por sua imensa ajuda. Todos na cidade já conheciam meus quadros, o que era ótimo, já que mais pessoas compravam, me ajudando com a renda para a faculdade.

Jonathan conseguiu ingressar em uma faculdade perto da que eu escolhi, com uma bolsa, já que jogaria no time de hóquei de lá. Eu também consegui uma bolsa, mas pelos estudos e tudo o mais. Não tive tempo de estudar e foi uma grande surpresa conseguir.

Enfim, tudo parecia estar caminhando bem novamente. As vidas voltariam ao normal aos poucos.

Me peguei revendo mentalmente todos esses acontecimentos ainda de manhã, deitada e fitando meu teto. Só parei de pensar nas últimas semanas quando Julie mandou uma mensagem de texto.

"Liz, o Ryan recebeu alta! Encontre-nos na casa de Jonathan."

Não estranhei o fato de eles irem para lá, já que Ryan e Jonathan eram melhores amigos. Mas foi uma surpresa encontrar Max lá. Ele não parecia se importar em ser o único ali a não namorar, e tentei dar atenção a ele tanto quanto possível.

Passamos a tarde conversando. Quer dizer, todos com exceção de Ryan. O pobre garoto não falava nada, sequer tentou. Apenas olhava para os lados, segurando a mão de Julie tão forte que os nós de seus ficaram brancos após algum tempo.

Ele continuava usando jaquetas e blusas de frio, cobrindo o pescoço. Há algum tempo, Julie me contara que ele odiava a cicatriz em seu pescoço. Ela explicara que uma queimadura também estava lá, por isso ele as escondia.

Olhei para Jonathan, que estava sentado ao meu lado. A cicatriz em seu rosto estava bem menos visível. Agora era apenas uma linha avermelhada em seu rosto, cortando a bochecha. Eu já perdera a conta de quantos quadros dele com essa cicatriz já pintei. Por algum motivo, eu gostava de tocá-la e sentir o fio cicatrizado. Jonathan não ligava mais. Nos primeiros dias, parecia tenso, como se a cicatriz o incomodasse muito. Agora, ele parecia mais relaxado quanto a isso, talvez Ryan também ficasse. Agora eles, além de melhores amigos, tinham cicatrizes da guerra em comum.

– Pare de encarar minha cicatriz, Lizzy. – ele riu, cobrindo a bochecha.

Sorri para ele constrangida. Minha antiga mania de encarar Jonathan.

~

Quando a tarde já estava acabando e o Sol se pondo no horizonte, Julie me chamou até a cozinha, para conversar, com a desculpa de que levaríamos salgadinhos para a sala.

Ela parecia incomodada com algo.

– O que foi? - perguntei, iniciando a conversa.

– Ryan... - ela suspirou. Levou algum tempo para voltar a falar, mas não a apressei. Sua expressão estava triste. - Ele vem tentado falar nos últimos dias, até conseguiu alguns barulhos que se assemelhavam a palavras, mas ele quer voltar a falar. - encolheu os ombros. - Disse que não pode ficar sem falar...

Ela tirou um papel do bolso e me entregou. Li duas vezes aquela pequena frase fofa:

"Minha Juliette, preciso voltar a falar que te amo. Escrever isso não parece o bastante."

– Julie... - olhei para ela e seus grandes olhos verdes me encarando. Puxei-a para um abraço. - Eu sinto muito.

– Eu também, Liz. - ela sussurrou. - Gostaria que ele apenas tivesse uma cicatriz, mas que pudesse falar comigo. Eu até tentei explicar que posso me acostumar com isso, o lance de ele não poder falar... - sua voz falhou. - Mas ele não me escuta. É teimoso demais.

Pode parecer estranho ou bobo para uma outra pessoa que não tenha passado por isso, mas você não sabe o quão importante sua voz é até perde-la. Eu não podia me imaginar sem falar para todas as pessoas importantes para mim o quanto eu as amo.

– Lizzy? Julie? - ouvi a voz de Jonathan chamando. - Onde estão os salgadinhos?

– Vá levar isso. - Julie me entregou um saco de salgadinhos que pegou rapidamente em cima do balcão da cozinha. - Eu vou lavar o rosto. - ela limpou as poucas lágrimas que surgiram durante a conversa. - Onde fica o banheiro?

– É a última porta do corredor. - expliquei e ela se afastou.

Voltei para a sala e abri o salgadinho. Jonathan estava pintando o rosto de Max que estava em um canto do sofá, dormindo. Ryan sorria enquanto olhava para a cena. Agora, meu pobre amigo estava com o rosto pintado, com a maquiagem de Juliette.

– Uau, como você é crescido. - comentei, sorrindo.

Não deu tempo de Jonathan terminar a sua bela obra de arte no rosto de Max, já que o pobre garoto acordou.

– Mas que merda...? - ele esfregou o rosto, olhando a maquiagem nas mãos em seguida.

Em seguida, teve um ataque e jogou almofadas em Jonathan, como duas garotas brigando. Max reclamou mais algumas coisas e deitou-se novamente.

Juliette apareceu com um sorriso tímido nos lábios. Não havia mais vestígios da garota com lágrimas de poucos minutos atrás.

De repente, Ryan levantou-se e segurou as mãos da garota, levando-a para fora. Ela se despediu enquanto atravessava a porta, parecia não saber para onde estava indo. Rapidamente, Jonathan encostou a orelha na porta, e eu fiz o mesmo.

– Julie... Amo você. - ouvi a voz de Ryan, agora rouca e estranhamente baixa.

– Eu também amo você! - só por sua voz, era fácil saber que ela estava nas nuvens por ouvir aquilo de novo.

– Aproveitando o clima romântico... - Jonathan disse, olhando para mim. - Eu nunca lhe dei um anel de compromisso, certo?

Não tive tempo para responder, pois ele puxou uma caixinha do bolso com um anel. Era pequeno, delicado e de muito bom gosto. Uma pequena jóia no topo, ônix.

– Eu te amo. - ele disse, colocando o anel em meu dedo. - E credo, isso parece um pedido de casamento, mas não se assuste, ainda não é.

Ri do último comentário. Ele sorriu para mim.

Puxei seu rosto e beijei seus lábios, tocando sua bochecha, sua cicatriz, seus cabelos, meu Jonathan.

– Eu também te amo. Para todo o sempre.