Entre Segredos e Bonecas escrita por Lize Parili


Capítulo 78
Domador de ruivo


Notas iniciais do capítulo

Cast até pode ser emancipado, mas seus pais ainda dão as ordens na vida dele. Mas como se certificar que ele vai andar na linha vivendo eles para suas viagens?

Desculpem pelo título, mas não consegui pensar em nada e o capítulo precisava ser postado...rs



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# 14/03 #

Apesar de terem trocados socos no ginásio, os dois galinhos de briga eles estavam bem. Fran, enquanto lhes passou um sermão, fez o Nath pressionar o nariz por uns minutos até o sangramento cessar e limpou o corte do Cast, que não estava com uma aparência muito boa, provavelmente por causa das pancadas de Nath. Ela o orientou a procurar seu médico para ser adequadamente medicado e até para suturar o corte – como se ele fosse fazer isso – para evitar uma possível infecção.

Depois de passar pela enfermaria os dois galinhos de briga foram levados para a sala do Coordenador Pedagógico. Para sorte dos dois a Sra. Shermansky não estava na escola e o vice diretor ainda estava de licença, então a conversa deles foi com o Sr. Sartre, que por mais duro que fosse, não era como a diretora. Ele era mais compreensivo.

Enquanto os rapazes ouviam seu discurso sobre autocontrole, limites, bom convívio em grupo, respeito, escolhas e consequências, a secretária da escola informava seus pais do ocorrido, sendo que ligar para os pais de Nathaniel foi o mais difícil. Ela sabia que o Sr. Chevalier não ia lidar bem com aquele problema, então, na esperança de dar uma chance ao rapaz, ela ligou para a mãe dele, deixando que esta decidisse o que ia fazer, comunicar o esposo ou ela mesma ir a escola e resolver a questão. Depois ela ligou para o aeroporto, para solicitar que os pais dele fossem avisados de que precisavam entrar em contato com a escola do filho, para resolver problemas disciplinares. Uns 20 minutos depois o pai dele ligou para o S.A. de um hotel perto do aeroporto de Barcelona, onde ele a esposa descansavam do último vôo.

Assim que a casal Chevalier chegou a escola, os garotos foram levados a inspetoria e ficaram aos cuidados de Leonel. Nath não chegou a vê-los.

O clima dentro da pequena sala do inspetor estava tenso. De um lado o ruivo de braços cruzados e cara fechada tentando não demonstrar o arrependimento, pois apesar de sua rixa com Nathaniel, ele não devia ter dado a entender que estava falando de Emília, ela não merecia. Ele também estava receoso dos pais pedirem a dispensa de algumas viagens para ficar com ele em casa por um tempo, de olho nele. Ele não tinha medo dos pais, pois estes não eram severos, muito pelo contrario, ele só teria que ouvir um sermãozinho, alguns conselhos e curtir um castigo, que ele sempre dava seu jeito de burlar. Ele só odiava perder sua liberdade.

Do outro lado estava o loiro, de cabeça baixa e semblante pesado. Ele apertava as mãos tentando controlar a ansiedade gerada pelo arrependimento, pois além de saber que errou ao perder o controle, sabia que seu sensei não aprovaria sua atitude. Mas, maior que sua vergonha era seu medo; ele não sabia o que o pai faria com ele; foram anos para que este confiasse um pouquinho nele e tudo se perderia no momento em que este tomasse ciência do ocorrido, e daquela vez não tinha como justificar, ele deu o primeiro soco, não importa o quanto foi provocado, palavras eram apenas palavras e ele deveria saber ignorá-las.

Uma hora e meia depois a secretária chamou o inspetor na porta e lhe comunicou algo. Os garotos não conseguiram ouvir, mas logo souberam, pois assim que Leonel entrou na sala os comunicou.

— Então, garotos. Sartre decidiu que vocês dois não serão expulsos, porém terão que concordar com o castigo escolhido por eles e acordado com seus pais. — informou-os com a folha do registro interno na mão. O coração de Nath disparou. Seu pai já sabia de tudo. Castiel percebeu a mudança súbita no semblante do loiro. — E se não quiserem que este "incidente" de hoje vá para a ficha estudantil de vocês, é melhor aceitarem sem reclamar. — avisou entregando a folha na mão do ruivo, que ao ler não gostou nadinha.

— Mas que merda! Eu não vou fazer isso! — bradou largando a folha sobre a mesa do inspetor. Nath a pegou e leu.

— O q-que acontece se um de nós não concordar? — perguntou tentando controlar seu estresse. Ele já sabia a resposta, mas queria a confirmação.

— Se um de vocês dois não concordar com o que o coordenador decidiu e que seus pais já concordaram, o pequeno desentendimento de vocês vai para a ficha permanente e vocês serão suspensos por duas semanas. E ambos sabem bem o que isso significa para quem quer entrar numa boa universidade.

Nathaniel já estava dizendo adeus as melhores universidades americanas e inglesas, pois este era seu objetivo, quando teve a folha puxada de sua mão e assinada por Castiel.

— Para de enrolar e assina logo essa porra, mauricinho. — disse grosseiramente devolvendo-lhe a folha. — A merda já está feita mesmo, te aturar por um tempo é o menor dos meus problemas agora. — ironizou. Na verdade Cast não estava nem ai para a ficha permanente, ele não almejava o Ensino Superior; depois do colégio ele iria para um bom conservatório de música. Ele só concordou com o castigo para manter a ficha do loiro "limpa".

— Agora que resolvemos isso como pessoas civilizadas, — disse Leonel ironicamente, colocando a folha assinada no envelope para entregá-la ao Sartre. — vocês dois vão sair desta sala, comportadamente, sem se provocar pelos corredores, pegar suas coisas e ir para casa. — abrindo a porta para eles, que não viam a hora de sair dali.

— A propósito, Nathaniel. Seus pais estão te esperando na frente da escola. — avisou. O rapaz não disse nada, continuou andando, sem baixar a cabeça, porém, com a vista voltada para baixo, pois desta forma ele conseguia controlar o que estava sentindo. Encarar qualquer pessoa naquele momento seria estressante para ele. Castiel apenas o observou se afastar. Ele sabia o que o esperava.

— E quanto a você, Catiel, espero que goste da companhia!

— Que companhia? Do que você está falando? — questionou, mas Leonel não respondeu, deixando-o no vácuo, indo para a coordenação.

— Meus pais virão pra casa, só pode ser isso! — murmurou, mas isso não seria um problema, no máximo sua guitarra e violão trancados no sótão, que por sinal ele tinha uma cópia da chave, e uma seção de conselhos do seu pai.

"Em uma semana, no máximo, estou sozinho de novo." pensou enquanto entrava na sala para pegar seu material, sem nem mesmo pedir licença ao professor.

Depois de pegar o material na sala de aula e guardá-los no armário, Cast foi para o pátio externo. Nathaniel estava entrando no carro dos pais. A cara do Sr. Chevalier não era das melhores.

"Pelo menos sua mãe também veio, CDF." pensou ao ver que a Sra. Chevalier estava dentro do carro. Ele sabia que ela era legal com o loiro por Nath sempre se referir a ela com carinho para os colegas, apesar dele reclamar dela pegar no pé dele em relação a Ambre, que já estava no carro, séria. – ela estava com medo pelo irmão – Fora que ele sabia que Nath só treinava na academia do Guerin porque ela autorizou sem o marido saber.

— É melhor eu ir embora antes que o sinal toque. — disse a si mesmo vendo no relógio que já estava perto do horário de saída.

Ele estava com dor de cabeça e seu corte ainda incomodava, apesar do analgésico. Tudo o que ele menos queria naquele dia era ser incomodado pelos fofoqueiros da escola que naquele momento estavam recebendo seus celulares de volta, confiscados para evitar que o vídeo dos garotos fosse parar na internet. Na verdade, quase foi, mas ninguém quis se arriscar depois de ouvirem os professores avisarem que o aluno que postasse a briga na internet seria expulso da escola e responderia judicialmente por apropriação e uso indevido de imagem de menores de idade, e ainda seriam processados pelos pais dos garotos.

— Aonde você pensa que vai, Cassy?

Putain l'enfer [1]. Me fodi! — mumurou Cast, surpreso ao ouvir aquela voz grave e cheia de ironia atrás dele e que desde o Natal não ouvia. — O-Oi, tio Kage. — cumprimentou de cara amarrada. Ele esperava qualquer coisa dos pais, menos aquilo. Ele gostava do tio, mas tê-lo como babá era pior que ter os pais em casa, pois Breno era o único que conseguia domá-lo e mantê-lo na linha; eles eram iguais em personalidade e comportamento, mas Breno, 15 anos mais velho que o ruivo era mais vivido e tarimbado.

Cast e Kage eram como passado e presente ou então presente e futuro, como no ditado que diz "A escola em que você estuda, eu já me formei e com louvor!" O metaleiro de olhos cinza e cabelos negros e compridos tirado do rosto pelos óculos aviador de lente escura no alto da cabeça, pele clara e tatuada protegida pela jaqueta de couro preta, piercing na língua, jeans preto rasgado com cinto de tachas de metal e coturno de motoqueiro era um cara legal quando sua visita era por saudade da família, mas quando era para "ficar de olho" no filho do irmão mais velho a coisa mudava de figura. Ele sabia ser linha dura caso Cast resolvesse bancar o rebelde sem causa justamente com ele, que foi o rei da rebeldia na idade dele.

— Não adianta me olhar com essa cara não, Cassy! O único que tem o direito de ficar irritado aqui sou eu, que tive que mudar meus planos por sua causa, garoto!— ralhou ele com o sobrinho. — Seu pai me ligou estressado, e você sabe que para o mano velho se estressar contigo é porque você pisou na bola e feio!

— Então, como eles não podem perder a viagem, mandaram você pra me servir de babá. — debochou, tentando não demonstrar que aquela situação lhe era desconfortável; como se o tio não o conhecesse bem.

— Pode debochar o quanto quiser, Cassy. Você sabe muito bem que eu não tenho vocação para babá de marmanjo. Eu tô mais para podador de asinhas de moleque metido a rebelde! — debochou de volta, passando a bolinha do piercing entre os dentes, com um sorrisinho de lado, olhando direto no olho do ruivo, que estava uns 3cm mais baixo que ele por causa do solado da bota, pois eram da mesma altura. — Então, é bom se acostumar com a ideia, pois vou ficar até eu achar que você realmente não precisa da minha tesoura!

Cast preferiu ficar quieto, pois se abrisse a boca seria para soltar uns palavrões, que aprendeu com o tio por sinal. Seu único pensamento naquele momento foi "Caralho, pai." e todos os palavrões que ele não podia verbalizar em voz alta sem tomar um esculacho, já que ele tinha pisado na bola e o tio não ia aliviar, pelo menos, não naquele momento.

— Anda logo, Cassy! Está esperando o que para irmos embora? Seus pais virem te buscar? — ironizou enquanto caminhava na frente do sobrinho, em direção a sua moto.

— Para de me chamar de Cassy, ou vou passar a te chamar de Breno! — pediu o rapaz, irritado, incomodado com o apelido, enquanto caminhava na direção da Harley Heritage Classic 2008 preta e vermelha que fazia seus olhos brilharem a cada vez que via o tio chegar a sua casa com ela.

— Ok, Cast. Eu esqueci que só a sua mãe pode te chamar assim. — disse entregando-lhe o capacete, a mochila e a guitarra acústica. Ele não gostava de ser chamado pelo nome. — E antes que eu me esqueça. — comentou enquanto o ruivo se ajeitava na moto. — Sua mãe te mandou um abraço apertado, Ca-ssyyy! — O capacete cobriu seu sorriso debochado, enquanto o de Cast cobriu a careta que fez ao sentir o toque dele perto do seu machucado, pois tudo ao redor do corte estava sensível.

Em casa, enquanto Cast tomava banho, após jogar sua mochila sobre a cama no quarto de hospedes e pendurar sua guitarra no cabide de roupas da parede, Kage foi preparar alguma coisa para comerem, pois estava morto de fome. Assim como Cast, a culinária rápida era sua especialidade, pois ou aprendia a se virar ou ia gastar boa parte dos seus cachês em restaurantes e lanchonetes enquanto estivesse na estrada com a banda.

Enquanto ele arrumava a mesa para a refeição Cast, de banho tomado, desceu a escada e foi a cozinha; ele queria pegar a caixa de primeiros socorros que ficava no armário do banheiro social, pois seu corte estava doendo muito, apesar de não sangrar mais. Kage não gostou da aparência do corte, que além de aberto estava arroxeado. Enquanto ele fazia o curativo, a contra gosto de Cast, percebeu que também estava dolorido e a região ao redor super sensível.

— Eu já fui ao médico! Não tem o porquê ir de novo! — reclamou, negando-se a ir ao Pronto-Socorro.

— Mas esse corte está inflamando, garoto. É melhor cuidar direito!

— Que inflamado o quê! Ele está só um pouco dolorido e roxo porque aquele loiro filho da puta deu uma cotovela em cima dele. — afirmou — AIIIIII! — puxando o rosto ao sentir o toque dolorido de Kage que apertou o curativo propositalmente na intenção de fazê-lo sentir a dor.

— Nem vem Castiel, eu te conheço. Aposto que não está tomando sua medicação direito. —— Estou errado? — questionou, guardando o kit dentro da maleta plástica branca, esperando uma resposta, mas o ruivo levantou da cadeira sem responder e foi para a geladeira, pois estava com sede.

— Tudo bem. Depois não reclama quando isso infeccionar e você tiver que tomar umas agulhadas dentro do corte para não ver esse rasgo na sua cara apodrecer. — comentou enquanto guardava a caixa de volta no armário do banheiro social, com ar de não estou nem ai, o azar é seu. — Eu sei bem como é e vou falar, dói pra caralho!

Kage sabia que o medo que o sobrinho tinha de agulhas o faria mudar de ideia, com o "incentivo" certo.

— E o pior são as injeções de antibiótico durante 7 dias. Eu pensei que nunca mais ia conseguir me sentar direito. — disse enquanto brincava com seu piercing, com um sorriso sarcástico no rosto, de costa para o sobrinho de olhar assustado, sentindo os pelos do seu corpo arrepiarem de aflição. — Se eu tivesse cuidado direito eu teria evitado todas aquelas agulhadas.

— ESTÁ BEM! EU VOU A ESTA MERDA DE P.S., MAS CALA ESSA BOCA! — bradou jogando a lata do refri dentro da pia, irritado, tentando não transparecer seu medo, como se pudesse fazê-lo do tio, que tantas vezes presenciou seus surtos de pânico diante das enfermeiras quando ele era criança.

Enquanto Kage degustava sua omelete com queijo, tomate e cebola acompanhada de brioche e refrigerante, Cast esperava sentado no sofá, de cara amarrada, irritado por ter que ir ao Pronto-Socorro conveniado ao Seguro Social novamente por conta daquele corte. Por sorte o seu plano de mutuelle tinha uma excelente cobertura, do contrário já teria ficado sem dinheiro só por causa daquele corte. Tudo bem que o Seguro Social o reembolsaria, mas até o valor ser estornado em sua conta ele ficaria no vermelho.

— Eu só vou fazer a assepsia e nada mais que isso. Só vou lavar esta porra com a medicação e fechar com o micropore para não ficar uma cicatriz horrorosa, entendeu!? — disse ao tio de forma grosseira enquanto subia na moto. Kage quis rir da sua triste ilusão, mas conteve-se, ou ele ia se ligar que uma vez diante do médico só voltaria para casa depois de no mínimo uma injeção de antibiótico.

"É hoje!", pensou Kage com seu sorriso malicioso nos lábios, enquanto dirigia sua Harley, vendo a cara fechada do sobrinho pelo espelho, cujas mãos já estavam geladas e não era pelo toque da brisa.

Para azar de Cast seu médico de anos não estava de plantão naquela tarde. Ele foi atendido por outro profissional, um que não tinha laço de afetividade com ele, um que não sabia do seu medo excessivo de agulhas, um clínico geral que não estava de bom humor, irritado por ter que trabalhar na sua folga pelo plantonista ter faltado.

Não adiantou pedir o uso do micropore para suturar o corte, como seu médico sempre fez com ele, muito menos seu tio interveio para que este não fosse suturado com agulha e linha.

Um procedimento simples e rápido nunca foi tão estressante para aquele médico, que teve a mão segurada umas três vezes pelo ruivo, que pediu, quase num sussurro:

— C-Calma... s-só um minutinho... — àquele que tinha a seringa na mão, quase optando por suturar sem anestesiar, de tanta raiva daquele adolescente "fricoteiro".

— Enfermeira! Chame o acompanhante do paciente que está na minha sala. — ordenou o médico visivelmente irritado, voltando em seguida para o consultório.

Kage sabia que Cast não ia segurar a onda e até tinha compaixão por ele, pois sabia o que era ter muito medo de algo, mas não aliviou sua barra, pois sabia que o melhor era suturar aquele ferimento, que estava inflamado por ele ser irresponsável. A pedido do tio, que sabia como lhe passar segurança, lhe acalmar, ele deitou na maca, de braços cruzados sobre o corpo - trêmulo -, assim ele se apertaria ao invés de tentar segurar a mão do médico, que só conseguiu anestesiar e suturar o corte porque Kage segurou sua cabeça, tendo suas mãos molhadas pelas lágrimas que escaparam dos olhos cerrados do garoto.

Cast mal levantou da maca e colocou os pés no chão para seus lábios perderem a cor e ele sentir as pernas bambearem. O tio o segurou e o colocou sentado na cadeira, fazendo um esforço enorme para não rir na frente do médico, pois apesar de se compadecer, não conseguia não ver graça naquela cena.

A ele foi prescrito o mesmo antibiótico e analgésico que o Dr. Ronald havia prescrito – estava anotado no prontuário do rapaz –, mas que ele não estava tomando direito. Na verdade ele só estava tomando o analgésico, motivo do machucado ter piorado ao invés de melhorado.

— A sala de procedimento fica no meio do corredor, ao lado do filtro de água. — disse o médico entregando dois papéis ao Kage, uma receita para ser levada a farmácia e uma prescrição com a dosagem da medicação que Cast ainda teria que tomar antes de ir embora. — E não esqueça de retornar com seus exames. — cobrou, lendo as anotações do colega de profissão.

Quem viu Cast sair do consultório, branco como papel, de braços cruzados como se quisesse se encolher, tenso e de olhar amuado, deve ter pensado que ele estava doente, mas na verdade ele estava vivendo a continuação do seu suplício. Parecia até castigo, pois fazia apenas um dia que ele havia sido torturado por uma sanguessuga que furou seus dois braços várias vezes em busca de sangue, e depois ainda tomou uma vacina dolorida.

Se Cast pudesse teria ido embora assim que a porta se abriu, mas o tio o conduziu até a sala de procedimento. E ver a enfermeira preparar sua medicação foi uma tortura. Ele ainda se arriscou e pediu para trocarem a injeção por medicação via oral, mas não deu certo. Por um instante ele pensou em Maitê e sentiu falta da sua mão segurando a dele, pois outrora a mão dela lhe encheu de coragem, pensamento que dispersou ao ouvir uma palavrinha.

— Agora não adianta choramingar, Cast. Se você estivesse tomando a medicação conforme o Dr. Ronald prescreveu, não precisaria ter levado uma agulhada dentro deste corte e nem costurado a cara, tampouco tomar esta "benzetacil" agora.  — Kage não podia demonstrar que estava compadecido com o sofrimento dele, pois o conhecia bem e sabia o quanto era negligente com a própria saúde. Ele tinha que passar por aquilo para aprender a se cuidar direito.

Cast ouviu cada palavra do tio, mas a única que seu cérebro registrou foi benzetacil, o terror das injeções, agulha grossa e enorme, dolorida na hora e por dias.

Cu-um, bi-ite, e-enfer[2]... — murmurou, com a voz trêmula e a respiração ofegante, mais pálido que quando entrara naquela salinha de odor característico. Ele estava apavorado e Kage já sabia no que ia dar aquilo.

— Não esquenta, moleque. Eu tô aqui. Ok? — disse-lhe, abraçando-o pela cintura, fazendo-o abraçá-lo de volta e apoiar o queixo em seu ombro. — Eu tô aqui.

— Por favor, rapaz, desça um pouco a calça. — pediu a enfermeira, mas Cast nem se mexeu, então Kage fez isso por ele, que cerrou os olhos e agarrou sua jaqueta assim que sentiu o toque do álcool em sua nádega, amolecendo nos braços do tio, que o segurou.

Assim que Cast sentiu o toque da agulha em sua nádega apagou nos braços do tio.

— O rapaz está bem? — perguntou a enfermeira preocupada, tirando a agulha que não havia entrado nem um centímetro na nádega do ruivo, querendo chamar o médico.

— Não se preocupe, isso sempre acontece quando ele entra em pânico, e depois de uma anestesia dentro de um corte inflamado e uma sutura na testa, uma benzetacil é o limite para quem tem pavor de injeção desde criança. — contou ajeitando-o em seus braços para evitar que ele caísse, sem saber que as agulhas já estavam furando o garoto desde o dia anterior. — É melhor a senhora aplicar a injeção enquanto ele está desacordado, porque depois que ele despertar, vai estar com um humor do cão e não vai te deixar chegar perto dele com essa seringa na mão. — disse com um sorriso que ela não conseguiu identificar se era de quem estava brincando ou de sarcasmo, pois ele parecia estar se divertindo com a reação do sobrinho.

— Eu não estou brincado, porra! Aplica logo essa merda antes que ele acorde! — ordenou grosseiramente. Ele odiava ter que falar duas vezes a mesma coisa. – além de que, Cast não era mais um garotinho; além de alto ele era pesado.

Ela não gostou da grosseria, mas antes de rebater, o metaleiro se desculpou e ela aceitou, pois sabia o quanto os pais e familiares podiam ficar estressados ao ver seus filhos e entes queridos doentes ou feridos.

Depois de aplicar a injeção naquele jovem ruivo que desfalecido parecia um anjo de tão belo, a enfermeira foi chamar o médico enquanto Kage o deitou na maca. Ele não sabia se ria do sobrinho que daquele tamanho todo ainda tinha paúra de agulhas, ou se beijava-lhe a testa. Quando o médico chegou ele já estava despertando. Ele ficou na sala de repouso até se recompor totalmente, a pedido do plantonista.

"Que bom que ela não está aqui!" foi seu pensamento ao ver o tio ao seu lado ao invés de Maitê, do contrário estaria morrendo de vergonha naquele instante, sentindo-se um garotinho bunda mole diante daquela que ele queria que o visse como um homem.

Durante os 15 minutos que permaneceram na sala de repouso do P.S. Kage não perdeu as piadas, tirando sarro do sobrinho, que naqueles 15 minutos verbalizou a ele mais palavrões que todos os que disse naquele mês inteiro, inclusive em seus pensamentos, palavrões que alimentavam os deboches do tio. A enfermeira não sabia dizer quem era o pior, se o tio debochado ou sobrinho boca suja que foi de anjo adormecido a demônio desperto em minutos.

Naquele dia Castiel não foi à casa de Emília. A irritação por conta das agulhadas e da dor na nádega lhe fez companhia pelo resto da tarde, findando apenas no meio da noite quando ouviu o tio dedilhar sua Gbson acústica, sentado no sofá da sala., convidando-o para um dueto, que ele aceitou. O sono do Dragon ao pé do sofá foi embalado pelo dueto de duas Gbsons, a guitarra acústica do tido e o violão do sobrinho. Cada um, à sua melodia, estava dizendo ao outro que estava feliz por estarem juntos de novo. Kage se via mais jovem no sobrinho, que se espelhava no tio, vendo-se mais velho.

No dia seguinte, depois da escola Cast passou numa loja de animais de estimação e comprou um presentinho para o tio.

 

 

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Notas finais do capítulo

[1] Putain l'enfer: Puta que o pariu.

[2] Cum: Porra / Bite: Caralho (forma de expressão); pau, rola, pinto (gíria) / Enfer: puta que o pariu, maldito inferno, diminutivo de putain l'enfer


Eu ri muito ao pensar em Cast fricontado por conta da agulha. Tadinho, primeiro aquela vampira colhendo seu sangue - por sorte ele estava com Maitê - agora um médico sádico costurando sua testa e um tio igual ou pior que ele...rs Se Maitê tivesse com ele, na certa teria aguentado sem apagar, ou então teria acordado morrendo de vergonha....rs

Minha cunhada riu ao ler a descrição que fiz do Cast, ela viu meu irmão todinho - na verdade eu me inspiro nele quando penso em algumas reações do ruivo - A diferença é que meu irmão não é um rebelde sem causa e nunca foi, mas é roqueiro (metaleiro), cabeludo, largadão, morre de ciúme da sua guitarra, feita por ele por sinal, e do seu violão, mais até que da mulher, e tem medo de injeção ao ponto de passar mal com uma vacina. A diferença dele e Cast é que ele ri dele mesmo e Cast fica estressado.



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