Entre Segredos e Bonecas escrita por Lize Parili


Capítulo 58
Vestindo as luvas - parte 4/10 - Espelho


Notas iniciais do capítulo

Nós temos mais de nossos pais do que gostaríamos, pois somos reflexo do que vemos e vivemos ao lado deles.
Querer ser diferente requer muita força para conseguir quebrar o círculo, interrompendo ali aquele ciclo de erros.
Tal pai tal filho não é algo que Nath gostaria de ouvir. Será que ele terá forças para evitar vivenciar este dito popular?



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CONTINUAÇÃO DO FLASHBACK

Em casa, ao contrário do que todos pensaram, Nath não apanhou e nem ouviu mais repreensões. Seu pai apenas o colocou de castigo ordenando que fosse para seu quarto e pensasse sobre o que havia feito, privando-o de jantar com a família, comendo sozinho no quarto. Para muitos, aquilo podia não ser nada, mas para ele era muito, visto a importância que os pais davam àquele momento, pois era o único momento do dia que podiam fazer a refeição todos juntos.

Jhonatan também não jantou naquela noite, trancando-se no escritório, querendo ele mesmo pensar no que havia feito. Ele cortaria a mão fora se tivesse coragem, e como não tinha, chorou por ter feito aquilo que ele jurou a si mesmo que nunca faria quando tivesse um filho; chorou por não conseguir dizer ao seu primogênito que estava feliz por não ter acontecido nada de ruim com ele; e chorou mais ainda por medo de estar se transformando na cópia do seu próprio pai, que pelo que ele sabia pelas histórias que o pai lhe contara, era cópia do pai dele, apesar dele sempre afirmar que era diferente.

No quarto Nathaniel só conseguiu pensar naquela bofetada. Seu coração doía como se o tapa tivesse batido diretamente nele; e pensar naquilo lhe deu vontade de gritar e revirar tudo a sua volta, mas as palavras de seu professor não paravam de ecoar em sua mente e foi graças a elas que ele conseguiu se conter.

Depois do jantar, por um instante ele fraquejou. Ambre entrou no quarto com sua cara de desdenho de sempre. Na verdade ela queria ver se ele estava bem, mas assim como o pai, não conseguia demonstrar o que sentia pelo irmão.

— Eu pensei que você tinha fugido de casa! — debochou tentando não se mostrar preocupada. — Que pena, pensei que ia me livrar de você!

— Por favor, Ambre. Não me provoque hoje! — pediu. Ele não queria mais problemas com o pai. — Deixe-me sozinho!

— Se quer tanto ficar sozinho, por que não continuou sumido? — questionou debochadamente. Ela não queria aquilo, mas disse só para chateá-lo.

— Saia do meu quarto, Ambre. Saia do meu quarto, agora! — ordenou. Sua voz já tremulava. Ambre conseguiu chateá-lo, mais que isso, ela conseguiu magoá-lo.

A caçula deu-lhe as costas e saiu, mas antes que ela cruzasse a porta ele disse o que achou que ela queria ouvir, voltando a ter a face riscada.

— Mas não se preocupe, maninha. Da próxima vez eu sumo de verdade.. e para sempre! Agora sai daqui! — ordenou dando-lhe as costas.

Ambre saiu do quarto com o coração apertado, pois Nath falou de uma forma que ela entendeu aquilo como uma verdade, indo para seu quarto chorar escondida, pois apesar das diferenças ela amava o irmão.

No fim da noite Ambre voltou ao quarto do irmão, entrando sorrateira, pois não queria acordá-lo, aproximando-se de sua cama, na ponta dos pés.

— Por favor, não some não! Eu gosto de você! — disse baixinho chorosa perto dele, acreditando que ele estava dormindo. — Não foge de casa... Eu te amo! — confessou, saindo correndo do quarto, trombando com a mãe no corredor, que ao vê-la sair correndo e chorando do quarto do irmão perguntou o que havia acontecido, achando que ele havia judiado dela novamente, preocupando-se com o que ouviu em meio aos soluços da filha.

— Por favor, mamãe, pede para o Nath ficar. Eu não quero que ele vá embora!

— Do que você está falando, Ambre?

— Ele disse que da próxima vez vai sumir para sempre, mas eu não quero que ele vá embora.

Do outro lado do corredor estava o pai da garota, que também a ouviu.

— Vá dormir, Ambre. — pediu à filha. — Seu irmão não vai a lugar nenhum, eu prometo. — afirmou e assim que a garota entrou em seu quarto ela se aproximou do marido e fez algo que nunca havia feito, se manifestou, desatando o nó que havia em sua garganta desde que o viu esbofetear a face que ela tanto acariciava.

— Você não podia ter feito aquilo, Jhonatan... não podia... — fez saber de sua indignação, as lágrimas, sentindo o peito doer tanto que sua voz tremulou. — C-Corrija isso agora... a-antes que eu... antes que eu perca o meu bebê. — pediu com medo de que Nath fugisse de casa por medo e/ou mágoa do pai, que não suportava ver a esposa sofrendo. Ele já havia decidido conversar com o filho, e depois de que ela, que nunca dizia nada, fez-se ouvir, amargurou ainda mais o arrependimento.

O Sr. Chevalier entrou no quarto do rapaz que continuava deitado. Ele pensava no que a irmã havia dito e desejava que fosse verdade, pois ela achou que ele estava dormindo e portanto não ouviria sua confissão. Ao ouvir o barulho da porta abrindo ele pensou se tratar dela, virando para vê-la, mas ao ver que era seu pai fechou os olhos umedecidos. Seu coração acelerou; ele estava com medo de ainda ser punido com algo mais que ficar no quarto por ter sumido, acreditando ser este o motivo da visita.

Seu pai sentou na beirada da cama e o observou por alguns instantes. A penumbra não o permitia ver a marca de sua mão na face do filho, mas ele sabia que ainda estava lá.

— Olha para mim, filho. Eu sei que está acordado. — pediu. Sua voz não era branda, pois não sabia como ser assim com o mais velho, tampouco enérgica como o garoto estava acostumado a ouvir. — Temos que conversar!

Nath, mesmo com medo do pai, abriu os olhos, mas permaneceu deitado, sem se mexer. Apenas seus olhos fitavam o patriarca daquela família, que ao ver os olhos assustados do filho fitando-o sentiu o peso de sua mão em sua consciência mais uma vez. Ele queria se desculpar e dizer que não faria mais aquilo, mas as palavras não vinham a sua boca. Então, direcionou sua mão até o rosto do garoto, querendo lhe fazer um carinho, sentindo mais ainda o peso de sua mão ao ver a reação dele, que num impulso inspirou assustado, levantou a mão e protegeu o rosto, como se fosse levar outra bofetada, tanto porque seu pai havia deixado de acariciá-lo antes dele ter idade para lembrar, e se tinha, as lembranças das repreensões eram tantas que se sobrepuseram as dos afagos.

Percebendo que o pai não ia agredi-lo Nath tirou a mão da frente da face, que depois de tantos anos sentiu o carinho da mão do pai de novo. Carinho que ele tanto desejava. Sua face marcada pela mão pesada do pai no meio da tarde estava sendo remarcada pela mesma mão, que naquele instante estava leve, e senti-la sobre seu rosto o fez desabar. Seu pai já o havia visto chorar diversas vezes, mas aquele choro era diferente. Havia uma angustia clara naquele pranto, pranto que fez o próprio choro de seu pai emergir. Da face, a mão dele foi para o pescoço do garoto, que foi puxado para o peito daquele pai, que o abraçou com força. Embora fosse penoso admitir, aquela senhora de cabelos grisalhos estava certa. Ele estava errando com seu filho.

Toda uma infância foi o tempo que Nathaniel esperou por aquele carinho e por aquele abraço. Algumas horas foram o suficiente para aquele pai lembrar o quão grande era seu amor por aquele filho; perder o controle de si mesmo foi necessário para ele perceber que o filho precisava saber que era amado.

Aquele homem tão enérgico era um ótimo líder, administrava a empresa de sua família com sabedoria, tendo o apoio e a admiração de seus funcionários. Admiração e respeito que os membros do Vasltis Club também tinham, pois assim como o pai, ele estava sendo um ótimo presidente e líder da Associação. Para ele, expor seus pensamentos era fácil, natural, mas quando se tratava do filho a coisa complicava. Ele não conseguia expor o que sentia, ele não sabia como fazê-lo. Dizer a um colaborador de sua empresa que havia feito um bom trabalho era fácil, dizer tal coisa ao filho era difícil; dizer a um colaborador que o admirava era fácil, dizer ao filho que o amava era dificílimo.

Nath queria dizer ao pai que o amava, que se sentia desprezado por ele, que sofria ao ver que toda atenção e carinho dele iam para Ambre enquanto ele era coberto de cobranças e expectativas, seguidas de repreensões por ele não conseguir supri-las, mas em meio ao seu pranto só conseguiu se desculpar e fazer uma promessa.

— Me p-perdoa, pai!... Me perdoa! Eu vou mudar... e-eu juro... Eu serei um bom filho... S-Só não me bat...

— Quieto filho! Quieto! — disse interrompendo o pedido do filho, não querendo ouvir o que ele diria, pois se a dor que sentia só por saber que o havia machucado era grande, como seria se ele ouvisse o filho dizer que ele o machucou? — Não diga mais nada! — pediu abraçando-o mais forte. Nathaniel podia ouvir o coração do pai bater acelerado.

Aquelas palavras entraram na mente e no coração do Sr. Chevalier. Ele queria acreditar que o filho pudesse mudar, que ele pudesse ser um exemplo de conduta e postura, tal qual os Chevaliers sempre foram, e sabia que para isso acontecer ele mesmo precisaria dar um voto de confiança ao filho, assim como dava aos seus colaboradores, da mesma forma que sabia que seu filho precisaria confiar nele, assim como seus colaboradores confiavam.

— Nathaniel. — disse afastando o garoto de seu peito, após respirar fundo e controlar suas emoções, algo que não foi difícil para ele, já que estava acostumado a mantê-las contidas. — O dia de hoje deve ser esquecido. — pediu sem mencionar claramente aquele triste episódio, pois ele não conseguia verbalizar que havia esbofeteado o filho. — O que aconteceu na sua escola nunca mais se repetirá. — prometeu tocando a face marcada do garoto, que entendeu através daquele toque que o pai estava jurando que nunca mais bateria em seu rosto.

— Eu vou mudar, pai... Eu serei como o senhor quer. — reiterou. — O senhor vai ter orgulho de mim. — disse sem chorar mais. Seu pai levantou e saiu do quarto, mas antes de cruzar a porta olhou para o filho e sorriu.

— Nathaniel! — chamou-o com a mão na maçaneta e a porta entreaberta. — Deixe-me orgulhoso! — pediu, saindo em seguida.

Por uns segundos o garoto pensou que o pai lhe diria "eu te amo", mas não ouvir aquela frase não o chateou daquela vez. Ele tinha conseguido muito perto do que já teve até aquela noite. Um afago, um abraço apertado, o choro, mesmo contido, uma promessa, um sorriso, e o mais importante, um voto de confiança.

No quarto, a Sra. Chevalier percebeu que o esposo havia chorado, mas não perguntou nada. Esperou ele tomar banho e deitar ao seu lado. Mas antes que perguntasse algo ele a puxou para seus braços e garantiu que ela não perderia o "seu bebê"

— E me desculpe por hoje, Nicole. Nunca mais vai se repetir. — prometeu. Por mais enérgico que ele fosse com o filho, a sós, com a esposa, ele era um homem carinhoso, apesar de não demonstrar isso em público, por ser um homem reservado.

No dia seguinte Nathaniel não foi à escola. Tudo estava muito recente e sua mãe não o queria exposto entre os colegas. Guerin passou o dia preocupado com o garoto, temendo que o pai o tivesse castigado de forma severa.

Nathaniel prometeu a mãe que mudaria, assim como prometeu ao pai, e ela também lhe deu um voto de confiança.

Na 2ª feira seguinte Nathaniel voltou para a escola. Ele estava tranquilo, calmo e prestou atenção nas aulas. Seus professores estavam curiosos em relação ao que aconteceu depois que ele e os pais foram embora, mas não perguntaram, pois foram orientados pela diretora a não fazê-lo, pois poderia constranger o aluno, porém, lhes foi pedido que o observassem nos próximos dias e notando qualquer alteração suspeita no comportamento dele, informassem-na. Ao Guerin foi pedido ainda que o observasse no vestiário e caso notasse sinais de agressão física, que a notificasse de imediato. Ela averiguaria os fatos e se algo indicasse que Nathaniel era realmente vítima de agressão doméstica não hesitaria em tomar medidas legais.

No meio do período Ambre e as amigas estavam provocando uma aluna só por diversão e Nath a repreendeu, deixando-a irritada. Ele tendia a esquecer - na verdade não dava importância - o quanto a irmã odiava que ele se intrometesse nos assuntos dela, que ele a repreendesse na frente das amigas e principalmente, no quanto ela era vingativa. Antes do término do dia ela aprontou uma das suas e deu um jeito da culpa recair sobre ele, que foi levado a sala do coordenador pedagógico.

Se fosse noutro momento, Sartre lhe daria uma advertência e comunicaria seus pais, mas depois de ter uma conversa demorada com Guerin sobre o aluno e do que ocorreu da última vez que os pais dele foram convocados, resolveu não fazer isso, optando por adverti-lo e puni-lo com algumas tarefas que deveriam ser realizadas na coordenadoria.

Nath não acusou a irmã, pois sabia que era inútil, sua fama lhe condenava. Mas daquela vez não se estressou, o fato do coordenador não ter chamado seus pais e nem mesmo ter levado o caso a direção, resolvendo tudo entre os dois, deu a ele força para manter-se firme a promessa feita aos pais.

Quando estava indo embora encontrou com Guerin, que lhe fez um convite.

— A reforma da minha academia terminou e amanhã é o coquetel de reinauguração. Será um evento simples, apenas para alguns amigos, familiares e alunos.  Eu ficarei feliz se você for, com seus pais. — disse entregando-lhe um convite. — Eles poderão ver que embora seja uma academia de luta, é um lugar seguro e familiar.

Nathaniel sorriu, feliz pelo professor ter pensado nele para aquele pequeno evento, sentindo-se importante. Após agradecer e dizer que pediria os pais, despediu-se e foi ao encontro da irmã, que o esperava do lado de fora e de cara feia pela demora.

Em casa o garoto não sabia como falar com o pai sobre a academia de seu professor de Educação Física. Ele conhecia a opinião dele em relação às Artes Marciais, então conversou com a mãe, que ficou dividida, pois acompanhá-lo sem comunicar o marido seria errado, mas se comunicasse ele não permitiria e Nathaniel queria muito ir; e depois do que havia acontecido, ela achou que ele merecia uma "compensação". E foi exatamente isso que ela disse ao esposo quando conversou com ele sobre o coquetel.

Jhonatan não gostou nada da ideia do filho estar empolgado com a tal academia, mas como ainda se sentia culpado pelo descontrole, permitiu que a esposa o levasse, mas deixando claro que seria apenas em consideração ao convite feito. Nathaniel não praticaria o esporte.

Nathaniel adorou a academia. O coordenador pedagógico do S.A., que era amigo e aluno graduado de Guerin na academia, a pedido do seu sensei, praticou um pouco com ele, que mostrou que levava jeito para o esporte. Sua mãe o observou com certo peso no coração, pois sabia que o pai nunca permitiria que ele praticasse aquele ou qualquer outro esporte Marcial. Guerin aproveitou para conversar com ela, falar sobre Nathaniel e os benefícios que as Artes Marciais trariam para a vida dele, tais como disciplina, autocontrole, confiança, autonomia e tantos outros.

— Isso seria maravilhoso Sr. Guerin. — comentou. — Mas meu esposo não aprova esportes de luta e nunca vai permitir que Nathaniel pratique.

Guerin percebeu naquela conversa que Nathaniel não era o único inseguro daquela família. A mãe também era. Ambos os filhos tinham a beleza da mãe, mas enquanto Ambre tinha a personalidade forte do pai, Nath tinha as fraquezas da mãe.

Em casa, como prometido ao filho, ela conversou com o esposo que foi categórico. Nathaniel não podia praticar Muay Thai, nem outro tipo de esporte de luta. Além dele achar que aquilo era coisa de arruaceiro, o rapaz tinha que se dedicar aos estudos para recuperar os dois anos de atraso.

Embora soubesse que o pai negaria a permissão e que sua mãe não consentiria sem o aval dele, não teve como o garoto não se decepcionar, pois queria muito praticar o esporte, ainda mais tendo Guerin como seu mestre. Só o que pôde fazer foi se contentar com as poucas vezes que seu professor ensinava alguns golpes e posturas de base nas aulas de Educação Física.

Durante as semanas e meses seguintes Nathaniel manteve a promessa feita ao pai. Seu comportamento foi melhorando dia a dia. Às vezes ele se estressava com a irmã, mas continha-se, evitando o conflito, apoiando-se em Guerin, que estava sempre pronto e disposto a ouvi-lo, não importava a hora. Foi bom para ele pode desabafar com alguém sobre os problemas que tinha com o pai. No horário de almoço e em alguns momentos do dia, com a dispensa dos professores, ele ajudava o coordenador pedagógico com seus documentos, mesmo depois de ter encerrado seu castigo. Ele gostava de ajudar e era bom rotinas administrativas. Não só o coordenador apreciava sua ajuda, mas os professores e a própria diretora abusava de suas habilidades. Estava evidente que ele puxara o pai naquilo.

O único que não acreditava na mudança do aluno era o inspetor, que estava sempre de olho nele, espreitando, esperando-o escorregar e assim dar o bote. E não tardou deste dia chegar. Nath não se conteve ao ver a irmã se amassando com um garoto do lycée, tendo ela apenas 11 anos, apesar de parecer ser uns 2 anos mais velha. Ele foi para cima dos dois, arrancando-a dos braços do garoto de 15 anos, repreendendo-a. Pela primeira vez ela teve medo do irmão, que a segurou com força pelo braço, ao ponto de marcá-la.

— E você, é bom ficar longe da minha irmã! — ordenou ao garoto que ele já conhecia do clube e sabia que não era do tipo que respeitava uma garota. — Procure garotas da sua idade!

— Então amarre a loirinha em casa, pois é ela quem fica atrás de mim! — contou, gabando-se. Nath ficou puto e olhou para Ambre como se ela tivesse cometido o maior dos pecados. Suas palavras para ela foram tão duras que a fizeram chorar, e daquela vez não foi para fazer cena, ela realmente estava magoada e sentindo-se humilhada. Ambre não era apaixonada por Guilhermo, seu coração pertencia a outro, mas como este não lhe dava a mínima, empolgou-se com um dos gatinhos do último ano do Collège. Ela só não esperava que aquele garoto tão lindo fosse um safado de carteirinha. Mas mesmo ele sendo um idiota, culpou ao irmão por ela passar por aquela humilhação.

Nathaniel puxou Ambre pelo braço em direção ao meio do ginásio, saindo debaixo da arquibancada. Mas antes que cruzassem a porta de saída ele ouviu o garoto tecer um comentário maldoso sobre ela enquanto os via indo embora e sua reação não podia ter sido pior. Ele a soltou e foi pra cima do safado. Em poucos minutos o ginásio estava cheio de alunos e de fora podia-se ouvir o eco da incitação.

— BRIGA, BRIGA, BRIGA...

Nath só parou de socar o garoto, que apesar de ser mais velho e maior que o loiro, era mais fraco, quando Guerin o tirou de cima dele.

Enquanto os alunos conversavam com a diretora, depois de terem passado pela enfermaria, expondo o porquê dos fatos, o coordenador comunicava seus pais. Ele não queria comunicar os pais de Nath, mas a situação o obrigava a fazer aquilo, já que ele havia agredido fisicamente outro aluno.

Quando os pais dos garotos chegaram na escola os dois estavam sentados na inspetoria. O olhar do pai de Nathaniel para ele foi de total desaprovação; ele nunca havia se desapontado e envergonhado tanto, ainda mais o garoto que apanhou sendo filho de um dos Vasltisianos. Nath não viu a mãe ao lado do pai, deduzindo que ela devia estar envergonhada demais para ir a escola.

— Inspetor. Pode levar o aluno Guilhermo para fora um instante. — pediu Guerin parado diante da porta da saleta do inspetor. — Eu preciso conversar com o aluno Nathaniel, a sós! — informou.

— A Sra. Shermansky ordenou-me que ficasse com eles até a conversa dela com os pais deles terminar. — contou, tentando usar aquilo como justificativa para impedir Guerin de conversar com Nathaniel. — Converse com ele outrora!

— Eu não estou pedindo, inspetor. Ele é meu aluno e quero conversar com ele, a sós e agora! — deixou claro, entrando na sala.

— E-esta bem, professor. — permitiu sabendo que não era uma boa ideia bater de frente com aquele professor. — Mas vou comunicar a Sra. Shermansky sobre isso. Não pense que pode fazer o que quer aqui no Sweet Amoris. — ameaçou-o saindo da pequena sala que só cabia uma pequena mesa usada pelo inspetor, cinco cadeiras, que os alunos ficavam sentados quando eram pegos por ele, e um armário de duas portas, levando Guilhermo consigo.

— Faça como quiser! — respondeu Guerin, sem se importar com as consequências de sua postura. Ele só estava no S.A. prestando um favor ao seu amigo e melhor aluno. Sua vida era a sua academia e seu sustento vinha de lá. Só o que importava naquele momento era Nathaniel. Ele não ia deixar que tudo se perdesse, ainda mais depois de ver que o garoto queria mudar e que sua essência era a de um rapaz gentil e de bom caráter.

Guerin sentou ao lado de Nathaniel, que continuou fitando as mãos sobre as pernas, que se apertavam devido a mistura de sentimentos que haviam invadido seu ser depois daquele episódio no ginásio: medo, angústia, arrependimento, vergonha e raiva de si mesmo por não ter conseguido se controlar.

— D-Desc...

— Desculpas nunca mais. Lembra, Nathaniel? — lembrou Guerin interrompendo o pedido de desculpas do aluno. — Prove que merece minha consideração e minha confiança com o seu comportamento, não com suas palavras. Não foi este o combinado? — perguntou sem se alterar. Ele estava calmo e embora um pouco chateado, não estava desapontado com o garoto, pois entendia que o processo de mudança era lento, mesmo para um jovem como ele, cujo caráter era dos melhores.

— Sim, professor. — respondeu amuado.

Nathaniel amava demais o pai, um amor que não lhe cabia no peito, igual apenas ao amor que tinha por sua mãe, mas ele se sentia tão distante dele e tão esquecido por ele, carente daquele calor fraterno que só o abraço de um pai tem, que sem se dar conta buscou no professor de Educação Física a figura paterna protetora que tanto lhe fazia falta; e este o acolheu, dando-lhe a atenção e o carinho que tanto lhe faziam falta. Em 5 meses aquele professor lhe fora mais fraternal que o pai nos últimos anos, estando mais presente em sua vida que o outro, embora passasse menos tempo com o aluno.

Para Nath, Guerin era mais que um professor, era seu conselheiro, alguém que ele admirava e sabia que, por pior que fosse a situação, o ouviria, tentaria entendê-lo e o mais importante, tentaria ajudá-lo a resolver o problema, mesmo que apenas aconselhando. Desapontá-lo lhe gerava uma vergonha igual a que sentira por decepcionar o pai. Porém, embora aquele sentimento tivesse o mesmo peso, tinha diferentes importâncias dentro do coração do garoto, pois o medo que ele tinha em desapontar o professor vinha, na verdade, da necessidade dele em agradar o pai, pois através dos conselhos e ensinamentos daquele homem ele tinha uma chance de se tornar o filho ideal e assim, conseguir o que ele mais desejava, que era conquistar a confiança do pai, ser-lhe motivo de orgulho, de alegrias e principalmente, ter com ele uma relação de pai e filho como as que ele via na TV, de fazer as coisas juntos, compartilhar experiências, pedir conselhos... Desapontar seu professor indicava que ele não estava conseguindo mudar e ele havia prometido ao pai que mudaria.

— É para isso que você quer aprender o Muay Thai? Para se atracar com os colegas na escola? — perguntou olhando para Nath, cujas lágrimas pingavam sobre suas mãos, que seguravam uma a outra, com força. — Você lembra o que eu te disse naquele dia na arquibancada, enquanto víamos o treino dos garotos do Wrestling? — Nath assentiu com a cabeça em resposta, tanto porquê, ele lembrava de tudo o que Guerin já havia lhe dito. — As Artes Marciais são para pessoas disciplinadas e de boa conduta!

Enquanto os dois conversavam, do lado de fora, a mãe de Nath os ouvia. Ela havia ficado no carro esperando, pois estava envergonhada demais para ficar frente a frente com a mãe de Guilhermo, uma das suas colegas do clube, e de ser, novamente, lembrada por aquela diretora que não estava educando direito o filho. Mas temendo que o esposo perdesse o controle novamente, foi atrás dele, e ao passar diante da inspetoria e ver, pela janelinha da porta, o filho lá dentro com o professor, deixou-se levar por sua curiosidade e preocupação de mãe e se postou ao lado da porta entreaberta para ouvi-los.

— Você ficou chateado por seu pai não permitir que treinasse na academia comigo; e pensando em você eu inseri o básico do Muay Thai no meu planejamento, para poder te ensinar, mesmo que só a base. — contou. — E olha só o que aconteceu. Você usou o pouco que eu te ensinei para machucar o Guilhermo. Talvez seu pai tenha razão. O Muay Thai não é para você. Mas não por que o Muay Thai seja para arruaceiros, mas porque arruaceiros não são para o Muay Thai. — comparou e ouvir aquilo de Guerin foi pior que se ele tivesse lhe dado uma bofetada. Ele não era um arruaceiro, mas se comportou como tal. Sua mãe não gostou do comparativo e teria entrado na sala se não fosse pelo que ouviu depois.

— Você não é um arruaceiro, Nathaniel. Muito pelo contrário. É um dos garotos mais educados que eu conheço. Eu sei que a situação te fez perder o controle. Talvez eu mesmo tivesse feito igual se visse um sale[1] se aproveitando da minha irmã.

A Sra. Chevalier cobriu a boca com a mão, surpresa com o que ouviu daquele professor. "Como assim, um safado se aproveitando da Ambre?" perguntou-se.

— Mas isso não justifica você usar o que aprendeu comigo para ferir um colega por conta de um acesso de raiva. Você precisa aprender a se controlar! — referiu Guerin.

— E-eu sei professor. M-mas é difícil. — disse com sua voz trêmula. Ele não queria se entregar ao choro e fazia um esforço enorme para controlá-lo

— Olhe para mim, Nathaniel. Levante o rosto. — pediu, querendo que o rapaz fosse mais seguro. — Não seja tão inseguro.

Nath ergueu a face, mas manteve o olhar de lado, fugindo do olhar de seu professor.

— Vamos, Nathaniel. Olhe para mim, não para os lados. — insistiu. — Eu sei que é difícil encarar alguém que decepcionamos, mas é isso que um homem faz. Então olhe para mim!

Nath olhou seu professor e assim que seu olhar fitou o dele ficou mais difícil conter o choro. Seus lábios começaram a tremer e Guerin não querendo que ele desabasse o ajudou a se conter.

— Shhhh, calma Nathaniel. Respira. — pediu com as mãos nos ombros do aluno, que sem desviar o olhar de Guerin, inspirava e expirava tentando se controlar. — Isso, respira. Não é o momento para perder o controle. — Nathaniel foi se acalmando aos poucos e assim que sentiu que podia falar, disse o que estava sentindo ao seu confidente.

— Professor, eu sei que não quer que eu me desculpe, pois quer que eu mude, mas eu preciso me desculpar. O senhor tem feito tanto por mim e eu vacilei. — admitiu. — Foi graças ao senhor que as coisas mudaram aqui na escola. Os professores confiam em mim e hoje me tratam da forma que eu sempre quis ser tratado. Eu até ganhei um apelido novo dos colegas, CDF; mas eu não ligo, é melhor que os outros que já tive. E é graças ao senhor que eu consigo me controlar, mesmo quando a Ambre me provoca e joga na minha cara que meus pais preferem ela a mim. E até mesmo quando ela faz coisas erradas e joga a culpa em mim e meus pais acreditam nela. — A mãe de Nathaniel não podia acreditar no que estava ouvindo. Ela sabia que a filha não era santa e até encobria algumas coisas do esposo, por medo deste a tratar mal, mas não imaginava que chegava aquele ponto. Ela não podia ser tão cega em relação a Ambre.

— Tudo isso só está acontecendo porque você mudou de postura, Nathaniel. Eu só te mostrei o caminho. São as escolhas que fazemos que determinam a nossa vida. Você é o único responsável pelas escolhas que faz. Tudo de bom que está colhendo agora são frutos das escolhas que está fazendo.

— Eu não queria ter machucado o Guilhermo, professor. Mas quando eu o vi se amassando com a Ambre embaixo da arquibancada, como se ela fosse uma qualquer... eu perdi a cabeça. — disse indignado. As lágrimas de decepção já cortavam o rosto de sua mãe do lado de fora. — Não interessa que ela deu em cima dele, que ela o provocou. Ele tem 15 anos e apesar de aparentar mais, ela só tem 11, ele tinha que ter recusado. — justificou-se.

— Sim, você está certo, Nathaniel. Mas um erro não justifica o outro, nunca. — ensinou-lhe Guerin mais uma lição valorosa. — Mas não se culpe. Sei que está arrependido e até chateado com você mesmo por ter feito essa burrada, e isso é bom. É um sinal que sua consciência tem noção do que é certo e errado e pende para o que é certo. Você ainda vai errar muito até ter total controle de si mesmo. E não pense que depois ficará mais fácil, porque não vai. Com o tempo as escolhas sempre ficam mais difíceis e as consequências dos nossos erros mais graves. Mas nada que seja impossível de lidar quando se é um homem de bom caráter. — disse sorrindo para Nath, que já respirava naturalmente, tendo espantado o choro.

— Só mais uma coisa, Nathaniel. Não importa os erros que Ambre cometa, lembre-se que ela é sua irmã caçula, cabe a você como irmão mais velho orientá-la, e não arrasá-la como fez hoje. — orientou-o, temendo que Nath seguisse os passos do pai e se tornasse um homem severo. — Aconteça o que acontecer, não a trate como você sempre odiou ser tratado. Não repita os erros dos homens da sua família. — Esta última frase entrou como agulha nos ouvidos da mãe de Nath, pois apesar de amar o esposo e o pai, ela reconhecia que eles eram autoritários, assim como seu sogro, e tudo o que ela não queria era que seu filho fosse como eles - em relação aquele tipo de postura. — Seja você a quebrar este círculo vicioso. Se quiser se espelhar em alguém, olhe-se no espelho e espelhe-se em você mesmo. Trace seu próprio destino do zero, não seja cópia de ninguém.

— Sim senhor. — respondeu Nath percebendo apenas naquele instante que agiu errado com Ambre, tendo falado com ela do mesmo jeito que o pai sempre falava com ele quando estava zangado. E tudo o que ele menos queria era ser como seu pai, apesar de amá-lo e desejar fervorosamente ser motivo de orgulho para ele.

Guerin se levantou e se direcionou para a porta, deixando-o sozinho.

— Sensei! — chamou-o e Guerin olhou para ele feliz por ouvir aquela palavra, pois Nathaniel nunca o havia chamado de sensei. — Obrigado! — Guerin sorriu e saiu dando de cara com a mãe do garoto. Ele a cumprimentou, meio ressabiado, pois ela estava chorando. Ela se desculpou e entrou na saleta sem lhe dar tempo para perguntar se estava bem.

Ao ver a mãe Nath levantou e ela o abraçou, desculpando-se. Ele não entendeu o motivo do pedido de desculpas, tampouco do choro dela, mas para acalmá-la apertou mais o abraço e disse que estava tudo bem. Eles saíram da sala e viram o patriarca daquela família conversando com Guerin no corredor e sua cara não era das melhores.

— Nathaniel! — chamou-o, fazendo-se ouvir de longe, imponente como sempre. — Vá para o carro e espere lá, enquanto sua mãe vai buscar sua irmã e eu converso com seu professor! — ordenou e ambos cumpriram sem dizer nada.

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Notas finais do capítulo

[1] Sale: Safado / Safada

O pai de Nath é reflexo do pai dele, que foi reflexo do próprio pai, o que significa que Nath tem uma forte chance de ser como o pai.
Será que ele vai conseguir se lembrar das lições de Guerin?
Com certeza Nath odiaria ouvir alguém lhe dizer Tal pai tal filho, mas na certa não se incomodaria em ouvir que o aluno é reflexo de seu professor.



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