#09/03#

Tia e sobrinha passaram o resto da manhã lavando o carro, que há muito tempo não recebia uma faxina completa. Embora o trabalho tivesse sido cansativo, elas se divertiram e Maitê aproveitou a descontração para sondar o que havia acontecido, com o seu jeitinho especial de envolver as pessoas com as palavras.

— Emilinha! Te deixo virar o balde de água sobre mim se adivinhar quem me ajudou a te trazer para casa, ontem! — disse ela, aguçando a curiosidade da garota, que se perguntava sobre isso desde que despertara. — Mas se em três tentativas não conseguir, a ensopada será você!

— Ah, tia! Assim não vale, como vou saber. Eu estava dopada, lembra! — comentou, rindo, tentando pensar em alguém. — Me dê uma dica pelo menos! — pediu, enquanto ensaboava as janelas do lado do motorista.

— Primeiro você se arrisca. Se errar eu te dou a dica! — Maitê estava louca para que ela errasse. — Vamos lá, diz ai!

Sol pensou um pouco e logo deduziu.

— Mas é claro, só pode ter sido o prof.º Faraize! — disse, já com o balde na mão, certa que havia acertado.

— E você acha mesmo que se tivesse sido ele eu teria colocado minha cabeça a mercê do balde! — referiu Maitê, informando que a jovem estava totalmente errada.

Sol não conseguiu pensar em mais ninguém, talvez o inspetor de alunos ou a enfermeira Fran.

— Eu quero a minha dica, tia! Pode falar! — pediu, movida mais pela curiosidade que pela chance de molhar a tia.

— É um dos garotos da sua escola. — contou, limpando o retrovisor, que refletia seu sorriso malicioso. — E muito educado por sinal.

Ao ouvir que o tal rapaz era educado Sol só conseguiu pensar em duas pessoas, Nath e Lys, desejando que tivesse sido o loiro.

— Foi o Nath, tia? — perguntou, demonstrando mais preocupação do que curiosidade no tom de voz, com um olhar que lhe denunciava. Maitê, percebendo que aquele nome significava alguma coisa, se fez de esquecida.

— Ai, Emilía, agora você me pegou. Eu não me lembro o nome do rapaz. Terá que descrevê-lo para mim.

Para descrevê-lo bastaria apenas dizer que era loiro, visto que Lys tinha o cabelo tingido de prata, quase branco, mas Sol, ao pensar na possibilidade do rapaz tê-la carregado nos braços até sua casa, se derreteu em elogios.

— O Nath é gentil e educado. É muito dedicado na escola, acho que o mais dedicado. É inteligente. O cabelo dele brilha quando o sol bate, fazendo o loiro ficar quase dourado... — falou com um brilho no olhar que fez Maitê desvendar um dos segredos da sobrinha. Sol estava interessada naquele tal Nath.

— Não! Não foi o Nath! — informou, interrompendo-a entes que percebesse que estava falando mais do que devia. — Você só tem mais uma chance. Pense bem! — avisou, enchendo o balde, apreciando aquele momento pré Sol encharcada.

— Se não foi o Nath, só pode ter sido o Lys! — respondeu, aproximando-se da tia, na intenção de pegar o balde dela, pois o seu já estava vazio.

— Epa! Devagar ai, mocinha! Eu nem sei quem é este Lys. Pode descrevê-lo, por favor? — pediu, desligando a mangueira e posicionando-se na frente do balde.

— O Lys? Bem. Ele é gentil e calmo. Diz sempre a coisa certa na hora certa. Tem a sensibilidade de um artista. Seus olhos, cada um de uma cor, seduzem qualquer garota... dizia, deixando Maitê meio confusa, pois Sol falou do Lys com tanto carinho que a fez pensar que o tal Nath tinha concorrência, embora Nath parecesse exercer certo fascínio sobre a jovem.

— Não! Não foi o Lys! — interrompeu novamente os elogios da garota, erguendo o balde. Mas antes que o levantasse a mais de dois palmos do chão Sol implorou por mais uma chance.

— O acordo foram três chances e você errou as três! — referiu Maitê, louca para ver a sobrinha ensopada da cabeça aos pés.

— Mas a primeira foi injusta, eu não tive nenhuma dica. — choramingou, tentando convencer a tia a lhe dar mais uma chance. Ela não queria se molhar toda. — Três chances para eu adivinhar entre centenas de pessoas foi injusto! — argumentou, conseguindo sua chance extra.

Sol não queria errar, mas ela não conseguia pensar em mais ninguém. Quem ela conhecia que era gentil entre os garotos não eram. Os outros garotos ela não tinha muita amizade para pode pensar em alguém. “Quem foi afinal de contas?” pensou, tendo certeza apenas de quem não podia ter sido.

— Bom. Não foi o Nath e nem o Lys. Dos garotos da minha turma eu não consigo pensar em ninguém, porque eles são tão bobos que mal converso com eles. — pensava alto, tentando encontrar a resposta. — Só me sobra aquele ruivo folgado e desaforado. — referiu, pensando no Castiel. — Mas com certeza não foi ele, pois aquele dali só pensa nele mesmo. Talvez se eu tivesse as curvas das garotas da faculdade ele teria feito o sacrifício, mas magrela deste jeito, até parece... — resmungava, sem perceber que estava extravasando sua raiva do ruivo, pelo que lhe foi dito por ele no jardim e no ginásio. Maitê sentiu que ali sim, morava o perigo, porque Sol estava parecendo a mãe dela falando.

— Nossa, querida. É muita raiva para pouco coração! Isso envenena a alma! — comentou, deduzindo que a gota final do copo foi a relação conturbada entre ela e Cast. Sol estava tão irritada que não se deu conta que estava deixando transparecer uma de suas aflições recentes e continuou a detonar o ruivo.

— Se pudesse eu o envenenaria, isso sim. — ralhou, jogando a esponja dentro do balde vazio. — Assim seria um a menos para me ofender só por diversão naquela escola... — desabafou, fazendo a tia saber que ela tinha inimizades na escola

— Ele me pareceu tão gentil! — pensou alto, fazendo Sol saber que foi o Cast que a carregou, espantando-se.

— C-como assim, tia? Foi o Castiel? — perguntou, sem acreditar. Maitê confirmou e ainda elogiou o ruivo.

— Ele foi super educado comigo e zeloso com você.

— T-Tem certeza que foi o Castiel tia? — perguntou Sol, que nunca imaginaria ele sendo zeloso com ela. — Pensa bem, ele é ruivo, tem os olhos acinzentados, usa uma jaqueta preta...

— Sim, Emília, foi o Castiel! — afirmou, deixando Sol pensativa por um instante. — Inclusive ele apoiou o seu rosto no peito dele o tempo topo, para que você não ficasse com a cabeça pendente, e deve ter sido incomodo para ele, já que teve que forçar o braço para te manter assim. E olha que ele te carregou no colo, da escola até o seu quarto, sem reclamar, nem na hora de subir as escadas.

Cada palavra da tia sobre o Castiel soava aos ouvidos de Sol como se ela estivesse falando de outra pessoa, uma que ela não conhecia.

— Ele parecia preocupado com você e ainda disse que você era uma garota legal antes de ir embora! — revelou, levando Sol a pensar que poderia ter se precipitado em seu julgamento.

— Eu não acredito que eu me enganei! Eu nunca me engano com as pessoas! — dizia Maitê para si mesma, enquanto enrolava a mangueira e a guardava, dando as costas para Sol, que a chamou.

— O que foi Em... 

SPLASH!

— Ahhh....

Emília jogou toda a água do balde sobre a tia, tão rápido que Maitê mal pode concluir sua frase, quanto mais desviar. Ela estava totalmente encharcada, dos pés a cabeça e Sol ria descaradamente.

— Desculpa tia, mas trato é trato. — disse ela, que no vacilo da tia, descobriu que foi Cast e respondeu certo, sem nem mesmo Maitê perceber que ela havia descoberto.

Maitê riu, embora preferisse que Sol fosse a encharcada e não ela. Elas guardaram o material, limparam toda a bagunça que fizeram e voltaram para o apartamento. E como não poderia deixar de acontecer, Maitê foi repreendida pelo zelador do prédio por subir a escadaria encharcada, molhando tudo.

Sol estava mais tranquila. Sem perceber ela havia colocado para fora uma pequena parte do que lhe incomodava; e saber o que Castiel havia feito por ela a deixou feliz.

Maitê também estava feliz, pois tinha conseguido o que queria. Fez Sol se abrir, mesmo que só um pouquinho e sem ela se dar conta disso. Agora ela sabia um pouco mais da sobrinha e assim seria mais fácil para ela lhe ajudar a lidar com alguns dos seus problemas e sentimentos.

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