Entre Segredos e Bonecas escrita por Lize Parili


Capítulo 108
Rio de lágrimas: parte 2-2




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/452438/chapter/108

# 31/03 #

A noite de Castiel e Maitê começou de forma conturbada, regada a altos e baixos. Primeiro Sol mentiu e cancelou o compromisso, depois Maitê aceitou o convite do ruivo e tudo pareceu ficar bem, quando, há poucas quadras da diversão, eles sentiram o medo invadir sua noite e temeram pela segurança um do outro, mas graças a duas anjas tudo terminou bem e eles finalmente conseguiram se entregar a diversão. Eles conversaram, riram, dançaram, se expuseram, se deixaram levar, perderam o compasso, se envaideceram...

Tudo indicava que a noite findaria sem mais nenhum problema, mas os dois pareciam estar em meio a uma guerrinha entre anjos e demônios, pois quando algo os fazia sorrir, outra coisa acontecia em seguida que lhes roubava aquele sorriso.

— Como você se atreve a fazer isso comigo? — questionou Shopie à sua ex-namorada, irritada, aproximando-se dela, que recuou, querendo se manter afastada. — Primeiro você me coloca em 2º plano por causa da sua sobrinha, depois você decide sozinha que o melhor para nós duas é o rompimento e me deixa, sem me dar o direito de questionar a sua decisão. E eu, como uma perfeita idiota, acreditando que você estava confusa com toda essa mudança na sua vida, aceitei esperar quieta no meu canto, até você se adaptar, para que, então, pudéssemos conversar e nos acertar de novo. Mas do nada, você simplesmente corta qualquer vínculo comigo. Você sai do Buffet, ignora minhas ligações e ainda mandou o Patrick me dizer que não quer que eu te procure na sua casa. — Ela estava mais do que enciumada e ferida pelo término da relação e o afastamento, ela estava indignada por acreditar ter sido trocada por um homem, ou melhor por um garoto do lyceé. — E agora, como se não bastasse, você começa a andar pra cima e pra baixo com um estudante do Ensino Médio, como se ainda tivesse 15 anos e morresse de medo de dizer para a sua mãe que gosta de garotas.

— Eu não devo mais satisfação a você, Sophie. Nossa história já acabou! — disse Maitê àquela que foi mais do que sua namorada, foi sua chefe, seu porto, aquela que por muitas vezes a fez se sentir segura, mesmo que uma segurança dominadora. — Aceite isso, viva sua vida e deixe eu viver a minha. — e tantas outras a fez se sentir apenas um bibelô, a bonequinha de uma mulher mimada e cheia de vontades.

— E você fala isso assim? Naturalmente! Como se os últimos 6 anos não tivessem significado nada pra você? — questionou sentindo seu coração doer com a indiferença de Maitê, que na verdade estava se segurando, pois havia jurado a si mesmo que não sofreria mais por aquela mulher a sua frente.

— E o que você esperava? Que eu passasse o resto da minha vida submissa a você? — questionou com seus olhos começando a marejar, mas sem se deixar dominar pelo choro. — Eu me cansei disso, Sophie! Agora faça um favor para nós duas, me apague das suas lembranças, porque eu estou te apagando das minhas. — pediu, afastando-se mais dela, indo em direção a porta para sair do toalete.

Sophie sempre foi mais forte que Maitê, mais altiva e orgulhosa. Ela nunca deixou nada para resolver depois, tampouco moderou suas palavras. Ouvir aquilo de Maitê a destruiu por dentro, como se um demônio de cabelos vermelhos tivesse surgido a sua frente e arrancado seu coração, levando com ele o que ainda lhe restava de razão.

— HÁ, HÁ, HÁ, HÁ... — gargalhou alto, debochadamente. — Ah, Maitê... Já arrumou emprego? — ironizou. — Como se alguém nesta região fosse te dar emprego sabendo das suas novas prioridades. — comentou cheia de sarcasmo, levando Maitê a parar diante da porta, desconfiada do real motivo dela não passar nas entrevistas que fez.

— V-Você não fez isso comigo? Você não interferiu... — perguntou com a voz começando a tremular, sem conseguir verbalizar sua desconfiança, pois aquilo seria baixo demais até mesmo para Sophie, que por mais que fosse possessiva, mimada e orgulhosa, não era mal caráter. Maitê descobriu que não a conhecia tão bem como pensava.

— Sua irmãzinha está mandando dinheiro para sustentar a garotinha? — perguntou com um sorriso que mostrava satisfação com aquela situação de Maitê. — Aposto que não! Cuidado minha bonequinha de luxo, suas economias não vão durar pra sempre! — debochou. Maitê não podia acreditar, a mulher que um dia ela amou, depositou sua confiança e escolheu para ser sua companheira estava fechando todas as portas e janelas a sua volta, com o objetivo de forçá-la a voltar para o Le Bras e com isso, para perto dela.

— D-Desgraçada! Você não tem este direito. — ralhou Maitê, voltando-se para a ex, cuja face irônica sumiu, dando lugar as marcas do seu rancor. — V-Você não pode destruir a minha vida desse jeito! — Seus olhos minavam mais que lágrimas de decepção, minavam lágrimas de arrependimento por ter dedicado anos da sua vida àquela mulher tão mesquinha.

— Não posso? Você tem certeza que eu não posso tirar de você o que eu te dei? — perguntou, sem desejar uma resposta, de cara amarrada e olhos a minar dor cujo sabor salgado parecia fel de tão amarga que eram aquelas lágrimas. — Você não era nada quando te conheci. Eu te dei emprego, uma carreira, estabilidade. Se não fosse por mim sua mãe teria ...

— CALA ESSA BOCA! — bradou, interrompendo-a, mandando-a a se calar antes de dizer algo que fizesse nascer um abismo ainda maior entre as duas, perdendo o controle das suas emoções. — C-Cala essa boca! C-Cala essa... — dominando-se pelo choro.

Por mais zangada que Sophie estivesse ela amava Maitê, como nunca amou nenhuma outra mulher antes dela. Ela não suportava vê-la sofrer, principalmente quando sabia que sua dor era por culpa dela. Como tantas outras vezes que a fez chorar, ela tentou se redimir, abraçando-a, implorando seu perdão, mas daquela vez foi diferente.

— NÃO ME TOCA! — gritou Maitê, empurrando-a. Não houve o perdão! — Não me... toca...

Sua voz foi ouvida por Patrick, que não arredou o pé de perto do toalete. Ele teria entrado na mesma hora, mas Castiel também a ouviu, pois desconfiou da sua demora e foi ver se estava bem.

— Calma, garoto. Você não pode entrar ai. A Tetê está bem, não se preocupe! — disse ele entrando na frente do ruivo, tentando impedir que ele fosse até Maitê, pois o caldo ia entornar até a última gota caso ele se metesse entre aquelas duas, cujas coisas iam de mal a pior. Ao ouvir Maitê Cast não pensou duas vezes; ele ia invadir o toalete feminino.

— M-Minha bonequi-inha... por favor... Me perdo-oa... — implorou Sophie, com a certeza de que a havia perdido e por sua própria culpa.

— C-Cala a boca... — ordenou, entre lágrimas e soluços, sentindo-se a mais idiota das mulheres por ter devotado sua vida àquela mulher por longos 8 anos, sendo 6 de namoro. — Não o-ouse me chamar assim de no-ovo... Eu cansei de dizer que não sou uma bonequinha e você nunca me ouviu. Pois bem, agora você vai ter que ouvir e aceitar. Eu não sou a sua bonequinha, nem seu brinquedinho. — disse-lhe com a voz abafada e pausada, começando a falhar.

Elas já chamavam a atenção das mulheres que entravam no toalete, e que saiam cochichando, passando pelo ruivo e por Patrick que estava rezando para as duas se resolverem logo, pois estava difícil conter o garoto sem contar nada sobre aquelas duas a ele.

Sophie apenas chorava, sem saber o que fazer com as mãos, pois queria tocar sua amada e não podia. Ela sabia que ali, naquele toalete, estava vivendo seus últimos momentos ao lado de Maitê e por mais que desejasse segurá-la entre seus braços para impedir que fosse embora, não tinha como evitar que ela a deixasse. Aquela história de amor havia chegado ao fim.

— Eu não te devo nada! Ouviu bem. NADA!

— P-Por favor, me perdo-oa... eu não quis di-izer isso...

— Se ai-inda re-estava um pingui-inho de amor em mi-im por você... saiba que e-ele morreu hoje. — disse Maitê, desejando no mais profundo do seu íntimo nunca mais ter que dividir o mesmo espaço com aquela mulher. Ela passou a mão num dos olhos, com força, como se quisesse arrancar até a última gota de lágrima que ainda estava por vir. Por sorte sua maquiagem era a prova d'água. Em seu semblante um traço de raiva.

— Está vendo isso aqui? — perguntou, mostrando a mão molhada para Sophie. Sua voz agora estava firme e rude. — Está vendo isso aqui? Olhe bem, porque essa é a última gota do amor que um dia eu tive por você, e que a sua mesquinhes fez secar, pra sempre! Nunca mais chegue perto de mim! — ordenou, saindo em seguida.

— Sai da minha frente, cara! — ralhou Cast, empurrando Patrick para o lado, forçando a passagem, obrigando o decorador a segurá-lo com força, pois apesar do ruivo ainda ser um garoto, já tinha o porte de um homem. — ME SOLTA, PORRA! — bradou, puxando o braço, pronto para socar Patrick caso o impedisse de entrar no toalete feminino novamente, coisa que não precisou, pois Maitê saiu, dando de cara com ele.

— O que houve? Alguém te machucou? — perguntou, cheio de preocupação ao ver seu estado, segurando seu rosto entre as mãos. — Diz pra mim!

— N-Nada! Não houve nada. Esta tudo bem. — mentiu-lhe, querendo evitar que aquela situação se prolongasse. — Eu só preciso sair daqui. — pediu.

Patrick apenas olhou para ela, mostrando-se compadecido sem se manifestar, pois Maitê mal saiu do toalete, Sophie saiu atrás, e ele teve que se postar entre as duas, ou o barraco ia se armar naquela pizzaria.

O olhar de Sophie para Maitê fez Cast deduzir que aquela morena de olhos castanhos e cabelo de corte médio com cachos acobreados perfeitos, de porte atlético e musculatura definida e marcada, – graças às 15 horas semanais dedicadas a musculação – cujo salto fino de 15 cm a deixavam mais alta que ele, era a responsável pelo sorriso ter sumido dos lábios de Maitê.

— Isso é coisa dela, não é? Foi ela quem te machucou? — perguntou com os nervos a flor da pele, pronto para tirar satisfação com aquela pin-up de camisa xadrez vermelha e branca com os botões abertos de forma a ressaltar os seios aumentados pelo silicone, corsário azul escuro e tamanco meia pata vermelho. — Isso não vai ficar assim!

— NÃO!... Pare, Cast! — barrou-o, colocando a mão sobre seu peito. — Isso é coisa minha, entendeu! Fica fora disso! — ordenou, categórica. — Se você quer mesmo me ajudar, só me tira daqui, por favor! — pediu, e ele acatou, apesar de querer torcer o braço daquela mulher de olhar altivo e arrogante, e que só não retrucou porque Patrick apertou seu braço e lhe sussurrou que se contivesse, para não piorar as coisas.

— Tudo bem. Vamos embora. — disse ele, conduzindo-a pela mão até a mesa para pegar a bolsa dela e sua jaqueta, que na preocupação em ver como ela estava, deixou lá, tendo a sorte de ninguém mexer.

Após fechar a conta foram embora. Como não consumiram nada além do que permitido com o voucher, não tiveram gastos extras a não ser com balas e chicletes.

Sophie ainda tentou ir atrás deles, mas Patrick a conteve, conduzindo-a pelo braço até o carro dele, obrigando-a a entrar.

— Aiiii, Patrick. Seu noob! Está me machucando! — reclamou ao ter seus cachos puxados com força pelo amigo e funcionário, que na verdade teve vontade de socá-la, não fazendo apenas por ser mulher, porque se fosse um homem o teria arrebentado.

— Olha aqui, sua bête[1]. Eu avisei que você ia se ver comigo se estragasse a noite da Tetê. — lembrou-a, soltando-lhe os cabelos. — Você tem sorte de ser mulher, porque se fossem homem eu ia socar a sua cara! — ralhou, mais que nervoso; ele estava com raiva.

— Não me provoque, Patrick. Eu não estou disposta a aguentar seus chiliques. — pediu, nervosa e chorosa, arrumando os cabelos. — Não banque a mona protetora, tampouco o ex-namorado defensor daquela traîte ingrata comigo, não hoje! — olhando em seguida para o ponto de táxi, sofrendo ao ver Maitê acolhida nos braços daquele jovem ruivo.

— Não me provoque você, Shopie. — se ela atribuísse a Maitê algum adjetivo mais pesado ele ia acabar jogando a amiga pra fora do carro só para não bater nela.

— Você conhece a Maitê melhor que qualquer um. Então me explique, Patrick... o que está acontecendo aqui? — perguntou com seus olhos marejados fixos naquele casal.

— Explicar o quê, criatura!? Você melhor que ninguém sabe o porquê a relação de vocês acabou. — falou, sem compadecer-se daquele sofrimento. — Eu cansei de te avisar sobre as suas mancadas, fazendo a Tetê sofrer. Quantas vezes nós brigamos por causa da sua postura errada com ela? Quantas vezes deixamos de nos falar por conta disso? Mas você me ouviu? Nããão. Agora não queira que eu passe a mão na sua cabeça, porque não vou! Eu quero mais que você se dane e sofra! Minha Tetê fez bem em te dar um pé na bunda!

— Como você é idiota. A Maitê resolveu bancar a curiosa e voltar a degustar um pouco do sexo oposto, mas como é difícil lidar com um homem, pegou um garotinho e nem te contou. Você sabe menos que eu desse casinho dela com aquele moleque. Bela amizade a de vocês! — retrucou-o, deixando-o irritado. Além dele odiar ser chamado de idiota, pensar que sua melhor amiga estava lhe escondendo algo, alfinetava seu coração.

— Quer saber. É melhor eu te levar para o seu duplex porque você já está me azedando! — falou, ligando o carro. — Maldita hora que eu inventei de vir aqui com você hoje. Eu devia ter ficado em casa esperando meu bartender voltar do trabalho, louquinho por uma massagem relaxante. — manobrando para a saída, passando ao lado do ponto de táxi. Maitê virou o rosto. Sophie chorou o caminho todo.

Ainda receosa em voltar por aquela rua estreita, temendo reencontrar aqueles três, ou quem sabe outros homens inconvenientes a procura de encrenca, Maitê preferiu pegar um táxi até ele. O valor gasto na corrida seria infinitamente menor do que valia a vida deles dois.

Maitê dirigiu por uns 300 metros, parando o carro de frente a uma farmácia. Ela não conseguia se concentrar no volante. Castiel já havia notado que ela estava nervosa, controlando-se para não desabar novamente. Ele queria perguntar o que estava acontecendo, quem era aquela mulher e o que ela havia lhe feito para a deixar tão nervosa, mas receou que isto a deixasse pior.

— Você sabe dirigir, Cast?

— Sei, meu tio me ensinou, mas... não sou habilitado. — respondeu ele, que apesar de ser emancipado, legalmente não podia se habilitar antes dos 18 anos, pois assim dita a lei para os jovens franceses emancipados.

— Por favor, dirija para mim. — pediu. Sua voz estava triste e baixa. — Eu não te pediria isso se estivesse tudo bem.

Cast não disse nada, apenas saiu do carro e trocou de lugar com ela, que lhe agradeceu com um afago no rosto. Ele preferia ter visto aquele sorriso, sentindo o coração apertar em ver aquela face tão linda marcada por uma dor que ele não conhecia o motivo.

Castiel dirigiu com tranquilidade, pois além dele não ter prática no volante, não queria correr o risco de chamar a atenção de nenhum guarda de trânsito e ser parado. Maitê manteve-se muda, com o olhar perdido, fitando o nada que havia do lado de fora daquele carro, através da janela. As lágrimas corriam sua face sem parecer ter fim, entre uma piscada e outra, fungando em meio a um ou outro suspiro perdido.

Castiel não suportou aquilo e fez o que seu coração mandou.

— Você errou o caminho, querido. — disse Maitê ao perceber que ele passou direto pelo cruzamento que dava a avenida que levava para a casa dela. — Mas não se preocupe, tem um retorno logo à frente. — informou, mas Cast virou antes dele, intrigando-a.

— Para onde estamos indo?

— Não se preocupe, Maitê. Logo você vai saber. — disse ele com um sorriso, tentando lhe passar alguma segurança. — Confie em mim. — pediu.

Em poucos minutos eles estavam numa das duas avenidas de frente a praia, cujas luzes e o movimento no calçadão despertaram a atenção dos olhos perdidos daquela mulher.

Cast estacionou de frente ao calçadão na primeira vaga que encontrou sem outros carros ao lado, agradecendo mentalmente por aquilo, pois está foi a única lição que ele não conseguiu aprender: como estacionar entre dois veículos sem manobrar e remanobrar até se estressar.

— Por que você me trouxe aqui? — perguntou, com a cabeça recostada no banco, fitando-o. — Nem é a praia que costumo ir.

— Porque eu sei que você sempre vem à praia quando alguma coisa te aflige. O que significa que de alguma forma, o mar, os seixos, a brisa e até o cheiro de maresia devem te acalmar. — contou, tirando dela um pequeno sorriso, quase imperceptível. — E esta praia é melhor, com menos risco de encontrarmos algum conhecido.

— Conhecidos... — disse, em meio a um suspiro desalentado. — Tudo o que eu menos quero agora é ver alguém conhecido. — voltando a fitar a janela.

— Venha. Vamos caminhar um pouco. — chamou-a, descendo do carro e abrindo a porta para ela descer. — Quem sabe isso te acalma.

A noite estava amena, uma brisa fria soprava, espalhando o cheiro da maresia e tocando gentilmente a pele daqueles que caminhavam naquele lugar. O barulho das ondas, que naquela noite estavam agitadas, era o único som que Cast ouvia, pois Maitê caminhou ao seu lado, silenciosa e pensativa. Ela nem parecia estar ali com ele. Até que num dado instante ela se abraçou, querendo aquecer-se. A brisa soprou um pouco mais forte e sua pele sentiu o efeito. Cast estava de calça e camiseta, além da jaqueta, mas ela estava de bermudinha, sandália aberta e decote. Mesmo suas ondas amaranth não aqueciam seus ombros.

— Pegue, use minha jaqueta. — ele colocou a jaqueta sobre os ombros dela, que agradeceu e parou ali mesmo, voltando-se para o mar, há poucos metros da beira d'água, ainda silenciosa. Cast parou ao seu lado.

—Maitê. — chamou-lhe. Ele não aguentava mais aquele silêncio. E assim que ela o olhou, ele fez a pergunta que não parava de martelar sua cabeça.

— Eu sei que é coisa sua e que não devo me meter, mas... — titubeou um pouco, mas não recuou. — Quem é aquela mulher? E o que aconteceu pra você ficar assim, chateada, pensativa? Nem parece que você está aqui.

Maitê voltou a fitar o mar, que parecia se agitar exatamente como sua mente naquele instante. Ela não sabia o que dizer ao Castiel. Era tão simples, bastava dizer: "Ela é minha ex-chefe e minha ex-namorada!" Mas aquilo faria com que o olhar dele em relação a ela mudasse, o que de certa forma era bom, pois ele não criaria expectativas, tampouco falsas esperanças em relação aos dois. Então por que era tão difícil dizer a verdade a ele?

Ao invés de respondê-lo ela chorou e ele a puxou para perto e a abraçou forte, sem saber o que fazer. Onde estava aquela mulher tão segura e alegre que ele conhecia e tanto admirava? Ele a queria de volta. Ele não sabia como lidar com aquela Maitê, tão frágil e vulnerável. Vê-la daquela forma lhe fazia querer protegê-la, mas quem era ele? Só um garoto do lyceé. Vê-la daquela forma lhe fazia querer ampará-la, mas toda aquela proximidade estava mexendo com sua cabeça, com seus hormônios, com seus desejos; ele estava com medo de perder o controle de si mesmo; ele estava com medo de fazer uma besteira, ainda mais com aquele lindo e fragilizado rosto tão perto do dele.

— Se você quiser, eu posso te levar para casa. — disse ele abraçado a ela, sem lhe olhar diretamente, querendo na verdade fugir da tentação.

— N-Não. E-Eu não quero voltar para casa. — disse-lhe, afastando-se de seus braços, enxugando as lágrimas. — Eu nã-ão quero ver a Sol... Eu não sei como contar a ela... que eu estou desempregada e que as coisas... não vão melhorar. — voltando a vertê-las.

Ao ouvir aquele desabafo Castiel imaginou que aquela mulher devia ter alguma ligação profissional com ela.

— Aquela mulher, ela trabalhava com você no Buffet?

— Mais que isso. — disse-lhe após respirar fundo e conter um pouco seu choro. — Ela era minha chefe! — contou, sem mencionar sua outra relação com ela. — E de alguma forma, responsável por eu não conseguir emprego. — erguendo a face para respirar melhor, pois queria parar de chorar.

— Como assim? — questionou ele, querendo entender aquela afirmação.

— Eu não sei dizer o que ela fez e está fazendo. Mas de alguma forma ela está me queimando no mercado.

— Você tem certeza disso?

— Eu nunca pensei que ela fosse capaz de algo assim, mas eu não tenho dúvidas que ela está me prejudicando junto às empresas que faço entrevista.

— E por que ela faria isso? O que ela ganha com isso? — questionou, perplexo com aquilo.

— Ela quer que eu volte a trabalhar no LeBras.

— Mas quem ela pensa que é pra fazer isso com você? — indignou-se. — É ser muito enfoiré[2]! Que chienne, bougre, bâtard[3]! — irritando-se, esquecendo que estava com Maitê e que ela não apreciava aquele vocabulário. Mas mediante a situação, ela mesma não teria atribuído a Sophie adjetivos melhores.

Maitê sentou no chão com as pernas flexionadas para a frente e começou a tirar os seixos ao seu lado, como se quisesse fazer um buraco para se enfiar. Castiel sentou ao seu lado e a observou fazer aquilo por uns instantes, até que a pilha de pedras tiradas alcançou a altura de um palmo. Ele não aguentou e perguntou se ela estava bem.

— Meu pai era guarda-vidas e seu posto era na praia que eu costumo ir. Sempre que podia minha mãe me levava até o posto e eu ficava fazendo castelinhos de pedra enquanto ela ia até o mercado de peixes e frutos do mar e ele tomava conta das pessoas, evitando que elas se afogassem. Sempre que o expediente terminava ele sentava do meu lado e me ajudava. Ele dizia que era o rei do meu castelo. — contava, saudosa, enquanto empilhava suas pedras. — Uns três meses antes de a minha irmã nascer ele se afogou tentando salvar um bêbado que resolveu se arriscar no mar, no começo da noite, indo mais fundo do que devia. Ele nem estava de serviço, só tinha ido ao posto buscar os frutos do mar que havia comprado para minha mãe e esquecido lá. Nós nos mudamos para longe do mar e ela nunca mais comeu nada que viesse dele. — derrubando aquela pequena muralha dentro do buraco, recostando a cabeça sobre seus joelhos, sentindo-os molhar.

— Maitê... Eu sinto muito. — ele queria acolhe-la novamente em seus braços, mas estava sem coragem para se aproximar novamente. — Eu nem sei o que te dizer.

— Não sinta, querido. Faz muito tempo. — disse ela, erguendo o rosto e limpando as mãos. — Eu só tenho essas lembranças porque ele adorava fotografar e filmar tudo o que eu fazia, do contrário, eu nem mesmo lembraria do mel dos olhos dele, do quão alto e forte ele era, tampouco que tinha o cabelo curto e a voz grave. — com uma expressão mais leve. Lembrar do pai a fazia se sentir melhor.

Castiel gostou de vê-la mais tranquila, mesmo que só um pouquinho.

— Então é por isso que você gosta de vir à praia quando está chateada?

— Quase isso. Quando eu tinha 8 anos e minha irmã 3, minha mãe se casou novamente. Eu tive medo de esquecer como meu pai era por conta de ter outro homem dentro de casa e mais que isso, eu tinha medo que minha irmã nunca soubesse como ele era. Então, numa noite em que minha mãe saiu com o novo marido eu fui ao sótão e peguei todas as fitas de VHS e fotos dele e fiz uma seção nostalgia com a Sara. — contava sem tirar os olhos do horizonte sobre o mar, enquanto Cast não tirava os olhos dela. — Num destes vídeos ele estava na praia comigo, fazendo um castelo de seixos. Eu chorava porque a muralha não ficava de pé. Então ele começou a retirar as pedras, uma a uma, até chegar num ponto que tinha uma pedra maior que as outras e colocada atravessada. Ele a tirou e depois disso reergueu o muro do castelo, deixando-o arrumadinho. Ele me falou que para resolver um problema, era preciso remover as pedras do caminho, uma de cada vez, até conseguir remover aquela que está atrapalhando, para depois poder reerguer o muro, certinho, como eu queria que fosse. Na época eu não entendi nada, achei só que ele estava falando de castelos de seixos. Mas com os anos eu passei a entender.

Ela sorriu com aquela lembrança e Castiel sua própria tensão, por estar preocupado, diminuir.

— Sempre que eu tenho algum problema, eu venho à praia e pergunto ao meu pai o que fazer. Ele sempre me responde. — contou a ele seu motivo. Antes ela viajava algumas horas de ônibus até chegar à praia, mas depois que se formou na faculdade, voltou definitivamente para aquela cidade e passou a construir seus pequenos muros com mais frequência, até se sentir mais segura em relação a vida.

— E hoje, ele já te respondeu?

— Ainda não. Acho que desta vez a pedra é grande demais, até para ele. — respondeu ela, suspirando, meio desalentada.

Castiel sorriu e sem dizer nada começou a retirar algumas pedras ao lado dele, em meio aos dois, empilhando-as tranquilamente. Maitê perguntou o que ele estava fazendo.

— Talvez ele só precise de uma ajudinha para pensar melhor numa solução. — respondeu, entregando-lhe uma pedra.

— Bom, três cabeças pensam melhor que duas! — disse ela, colocando o seixo sobre a pequena pilha de pedras do ruivo.

Durante quase 1 hora os dois ficaram ali, sentados, lado a lado empilhando pedras, até que num dado momento Maitê ficou de pé diante daquela muralha de quase 40 cm de altura por 60 cm de comprimento e uns 10 cm de espessura, retinha, sem inclinação nenhuma e lhe fixou o olhar. Castiel levantou e perguntou o que ela pretendia fazer.

— Ir para casa! — disse ela, serena e tranquila, estendendo-lhe a mão.

Castiel segurou sua mão e eles saíram dali, deixando para trás aquela pequena muralha de seixos, mas a poucos passos da calçada, o ruivo, sem dizer nada, soltou a mão dela e voltou a passos rápidos até a pilha de pedras.

— CHIENNE BOUGRE, ENFOIRÉ! — proferiu pensando naquela mulher, que ele já odiava, batendo a sola da bota na muralha, derrubando-a, dizendo baixinho outros adjetivos mais ofensivos, enquanto empurrava o resto dos seixos que ainda estavam de pé.

Feito isso ele voltou para onde Maitê estava e sem expressar um sorriso justificou sua atitude dizendo:

— Cada um remove as pedras do caminho como sabe! — sem parar de andar, indo para o carro, assim como Maitê que o acompanhou. Por ela, ele controlava ao máximo seu gênio forte, mas daquela vez não deu. Ele não era de ferro.

Ao contrário do que Castiel pensou, Maitê não brigou, nem se chateou, pelo contrário. Ela não se conteve e riu muito. Embora feliz por ela estar rindo ele se incomodou, pois odiava que rissem da cara dele. Ela percebeu que o chateou com seu riso debochado e se desculpou.

— Ah, querido. Me desculpa. Eu não estou rindo de você, mas do que você fez. — disse ela, parando de rir.

— Ela te magoou e eu não gostei disso! — disse ele, virando o rosto para o lado, para fugir ao olhar dela.

— Eu sei, querido. E te agradeço por isso. Você é um bom amigo. — disse-lhe de forma afável. — Agora vamos para casa. Esta tarde e a Sol já deve estar resmungando pela minha demora.

— E o que você pretende fazer em relação a Sol? — perguntou a ela enquanto entravam no carro.

— Hoje, nada. Mas amanhã lhe direi a verdade. Chega de esconder os problemas.

Castiel pegou seu celular e conectou no painel do carro, deixando suas músicas rolarem e ao som da banda Winged Skull eles foram embora.

— Mais uma vez, obrigada pela noite maravilhosa, querido, e me desculpe pelos aborrecimentos. — disse ela ao se despedir dele, diante da portaria do condomínio em que ele morava.

— Não se desculpe. Nada do que aconteceu de ruim apaga ou minimiza o que aconteceu de bom está noite. Você foi minha melhor companhia. — disse-lhe, abrindo a porta.

— Você é muito gentil, Cast. — agradeceu-lhe com um inesperado beijo no rosto antes que ele descesse. — Obrigada por cuidar de mim! — fazendo-o corar.

— Amigos cuidam um do outro. — disse ele, tentando disfarçar o que sentiu com aquele beijo, descendo do carro e fechando a porta. — Boa noite, Maitê. E por favor, não pense em nada, só durma. — aconselhou-a, querendo que ela dormisse bem aquela noite.

— Pode deixar, querido. Farei isso. Tchau. — despediu-se, saindo com o carro assim que o viu passar pelo portão social.

Em casa ela se deparou com Emília dormindo em sua cama, encolhidinha em meio a sua colcha de chenile e abraçada ao seu travesseiro. Já passava da 1h00. Ela tomou um banho, colocou um short doll de algodão amarelo pastel, confortável e quentinho, pois a noite estava fria e deitou ao lado de Emília, cobrindo ambas com um edredom. Sol não despertou de tão profundo que era seu sono.

Longe dali, Castiel deu de cara com o tio dormindo na sala, desconfortável no sofá. Ele sabia que era por causa da dona Tata e que Kage não ia admitir que não conseguia ficar naquele quarto por ter a sensação de que ela ainda estava lá, esperando por ele.

Depois de tomar um banho e colocar uma samba canção ele voltou à sala e acordou o tio, pedindo que trocasse de quarto com ele. Kage perguntou o porquê ele queria trocar de quarto e o ruivo disse que seu colchão estava machucando suas costas.

— Não é mais fácil trocar de colchão? — perguntou ele, sentando no sofá para alongar as costas. — Por mim pode trocar. Pega lá! — ele não ia usá-lo mesmo.

— Não. Dá muito trabalho. É mais fácil mudar de quarto. — disse Cast, indo para o quarto de hóspedes. — Se quiser, durma no meu quarto, ou ai na sala, mas eu vou dormir na sua cama porque o colchão é mais confortável. — subindo a escada. — Boa noite tio Kage! — entrando no quarto e fechando a porta.

Kage desconfiou, mas não disse nada. Apenas subiu a escada e se jogou de peito aberto sobre a cama do Castiel. Nem o sobrinho o tiraria dali naquela noite. Ele dormiu profunda e confortavelmente.

~~~~§§~~~~

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

[1] Betê: Besta (de idiota e de fera), animal.
[2] Enfoiré: Filha da puta
[3] Chienne: cadela / Bougre: Maldita(o) / Bâtard: Bastarda(o), desgraçado(a)

—------------------------------------------------

Hoje Cast descobriu duas coisas referentes à Maitê que lhe perturbaram:
1º que ele a deseja;
2º que ela não é tão forte quanto ele pensava e que essa fragilidade o faz querer cuidar dela.
Agora, como ele vai lidar com estes sentimentos e o grande X da questão. Ele sabe que ela é uma mulher e ele só um garoto do Ensino Médio.
Como será quando ele descobrir que ele ser um garoto de quase 17 não é seu maior empecilho?

Maitê e Sophie se conhecem há 8 anos, sendo que Maitê foi trabalhar para ela, porém a relação de namoro só teve inicio 2 anos depois durando 6 anos. Com muitos "tempos" nestes anos. Sempre que Maitê sentia que não dava mais, pedia um tempo, ficavam separadas, mas depois ela acabava cedendo e reatavam o namoro.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Entre Segredos e Bonecas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.