Entre Otakus escrita por Van Vet
A temperatura baixa ao redor do Rio Tâmisa não espantou Hermione, suas colegas e outras dezenas de pessoas, a pararem em frente das lanchonetes, cafés e delicatessens para saborear uma refeição vespertina.
Haviam escolhido um lugar no calçadão de paralelepípedo e espalhado livros, bolsas e xícaras de chá com bolachinhas de manteiga sobre a mesa, enquanto conversavam alto e alegremente. Junto de Hermione estava Layse e Marvin (esse não era seu verdadeiro nome, mas a garota de cabelos laranja insistia em ser chamada assim). As três totalizavam uma trupe de estudantes terceiranistas da escola de medicina. Repassavam os acertos e erros do teste que tiveram pela manhã, com pequenas intersecções sobre suas vidas particulares.
— Eu não tinha como acertar essa... Por favor, garotas, porque eu ia decorar ligações iônicas e coeficientes de solubilidade enquanto Troy mostrava o que tinha aprendido a fazer com a língua. — justificou Layse sobre uma questão da avaliação de farmacocinética.
Hermione olhou para os lados, envergonhada. Layse tinha uma voz estridente de gralha ignorada.
— Meninas...
— Ah, Mione, faça o favor! A Santa Inquisição acabou há séculos, além do mais você tem um deus nórdico como noivo e nunca nos conta um detalhe que seja sobre a relação de vocês. Sobre o corpo dele. — Marvin encarou a morena com suas lentes de contato violetas. A moça tinha um estilo tão espalhafatoso que vez por outra Hermione estava comparando-a com alguma personagem dos seus mangás.
— O que tem Córmaco...? Vocês podem virar o disco, por favor! Às vezes eu acho que as duas vão estuprá-lo quando eu der de costas.
— Ele disse isso? — Layse segurou o riso.
— Ele insinuou algo sobre a Marvin secar a bunda dele no sábado passado.
As duas gargalharam, Hermione se viu vencida e teve de acompanhar.
— E a questão cinco? A sobre o mecanismo de ação da atropina, qual alternativa assinalou, Mione? — voltaram ao assunto didático.
— Foi A, obviamente. — respondeu na sua pompa famosa de sabe-tudo.
— Merda! Errei... — Marvin xingou enfiando dois biscoitos na boca de lábios cor de ameixa.
Observando as embarcações deslizando pelo rio, Hermione saiu um pouco do mundo das suas colegas e deixou uma brisa gostosa e úmida ondular pelos seus poros. Amava Londres, o frio, o tempo cinzento, os cachecóis de lã, sobretudos e botas, os rostos pontuais brancos de cera. Ficar nas lanchonetes que ladeavam o percurso do Tâmisa estava entre os momentos que a levavam a uma doce meditação. De repente ele chegou pedalando rápido e derrabou na amurada de ferro de frente para as águas escuras. Saiu da bicicleta, arrastou-a para um canto e encostou-se despretensiosamente para vislumbrar a mesma cena que ela, dali do outro lado da rua. Tinha uma selva de cabelos vermelhos, revoltos a tremular pelo vento gelado que parecia ter vindo junto com suas pedaladas.
Hermione ficou encarando-o até reconhecê-lo por completo: O rapaz da banca de revistas! O tal Rony. Um impulso incomum a fez levantar da mesa, anunciar as amigas que iria respirar um pouco o ar úmido do Tâmisa, atravessar a rua e parar bem ao lado dele, olhando um barco cheio de contêineres navegando adiante.
— Não vai me dizer que está pensando em pular porque Berserk está em pausa. — comentou para chamar-lhe a atenção.
Rony virou os olhos causalmente, mas pareceu um pouco espantado ao vê-la ali. Observou-a por completo, emoldurada num cachecol vermelho até ela começar a acreditar que havia alguma coisa errada com sua cara.
— Nossa... Você!
— Tava esperando alguém? Desculpe interromper seus pensamentos.
— Não! — ele adiantou-se — Estava de bobeira mesmo. Tá passeando por aqui?
— Eu vim com as minhas colegas comer algo, estou sentada nas mesinhas do outro lado da rua, então te vi correndo com a bike daquele jeito bem legítimo seu e o reconheci.
A touca o abandonara pela primeira vez aos olhos dela, concluindo suas suspeitas sobre sua cabeleira genuinamente ruiva e ímpar.
— É que eu desenvolvi um método para motoriza-la e ainda parecer com uma bicicleta comum. Embaixo do banco existe um motor de dezenas de cavalos. — brincou, dando um tapinha no meio de transporte. — Será que seria conveniente eu perguntar se você vem sempre aqui?
Ela relaxou encostando mansamente na amurada de ferro, imitando o ruivo.
— Só quando minha cabeça está fumegando de ansiedade pelo resultado de alguma avaliação na faculdade. Ou seja, regularmente.
— Parabéns pelo mérito do ensino superior. Eu não aguento nem pensar em estudar novamente. — revelou, mostrando um pouco mais de sua pessoa a ela. — Minha irmã está tentando passar no curso de medicina para o ano que vem, mas ainda é uma pirralha.
— Quantos anos?
— Gina? Dezoito. — disse com desdém. Hermione ficou tentando imaginar uma moça tão sardenta quanto ele.
— Dezoito pra vinte e poucos não é muita coisa.
— Ela faz questão de parecer uma diferença de idade assustadora, a cabeçuda.
Rony argumentou. Havia notas de aborrecimento, mas muito amor implícito entre ele e a irmã naquele comentário. Hermione sempre teve curiosidade e desejo sobre os relacionamentos entre irmãos já que era a bajulada filha única.
— HERMIONE! O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO AÍ? VEM PAGAR SUA PARTE NA CONTA! — gritou Marvin do outro lado da rua.
Ela empertigou-se, levemente ruborizada. Rony mirou-a, provavelmente achando divertido a garota de cabelos laranjas e botas de couro, acenando de longe.
— Sua amiga? Bem original. — brincou.
— É, eu atraio pessoas meio afetadas mesmo. — rebateu a morena. — Então tchau. — acenou desajeitadamente.
— Até a próxima compra. — ele levou dois dedos à testa e acenou no ar.
O risinho charmoso passou quicando pelos lábios cheios dele.
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