PDV Annie

Estou sentada numa poltrona de veludo no Edifício da Justiça. O aposento em que eu me encontrava não tinha janelas, mas consegui encontrar uma rachadura na parede, grande o suficiente para que eu desse uma olhada lá fora.
Todos estavam indo embora. Alguns aliviados, outros cabisbaixos. Os cabisbaixos eram amigos meus. O resto eram pessoas que eu só conhecia de vista. Entrando no edifício, reconheci minha família e um pequeno grupo formado por meus amigos mais íntimos, que eram acompanhados por alguns Pacificadores. Outro grupo vinha logo atrás, e entre os rostos reconheci a família de Peter. Mãe, pai e dois irmãos mais velhos.
Penso um bocado. Não há a mínima chance de eu vencer. Se, por algum milagre, eu e Peter ficarmos por último, sem dúvida eu deixarei ele vencer. Mas é óbvio que nós nem chegaremos aos últimos 8.
A porta abre abruptamente. Vejo Ally e Sally entrando, seguidas por minha mãe. Todas elas tinham o rosto marcado de lágrimas.
– Anneliesse, você consegue diz minha mãe.
Não, eu não consigo, penso. Mas tudo o que eu digo é Eu sei. Porque sou egoísta o suficiente para dar esperança a elas quando sei que vou morrer.
– Você vai voltar, Annie. Sei que vai. sussurra Sally.
– Sim, eu vou. Farei o possível para voltar. Então, moraremos na Aldeia dos Vencedores e seremos tão ricos quanto Haymitch.
Uma sombra de sorriso passou pelo rosto de minhas irmãs. O dinheiro não importava, mas o fato de ter Haymitch como vizinho soava engraçado.
Enquanto olho (provavelmente) pela última vez o rosto de minhas irmãs, tentando guardar os detalhes na memória, um pensamento inesperado me ocorre. Se Shailenne ou Allana tivessem sido sorteadas, eu iria poupá-las. Iria lutar no lugar delas, nem que isso custasse a minha vida.
–Mãe eu chamo Cuide delas. Venda o leite no Prego. Luke vai trazer caça para vocês enquanto... enquanto eu estiver fora.
Luke era um amigo meu, que geralmente caçava comigo. Ele me disse que se eu fosse para os Jogos, ele daria de comer a minha família. Eu lhe disse o mesmo. Era um tipo de contrato entre nós, e chegou a hora de ele cumprir sua parte do acordo.
–Escutem bem o que eu vou falar agora digo Eu amo vocês, demais. E, não importa o que acontecer, eu sempre estarei aqui com vocês. Mas estarei em seus corações.
Dei um beijo em cada uma. Nos juntamos num abraço coletivo e permanecemos ali, até que um Pacificador abriu a porta.
– Tempo disse ele.
Então elas se foram. Para sempre, eu presumo. Não, não. Estou errada. Quem está indo embora para sempre sou eu, não elas. Elas continuarão aqui, sofrendo e chorando , observando meu corpo ferido e destruído dentro de um caixão.
Luke também veio me ver. Ele me trouxe um anel, presente dele e de Glozelle Doug, para eu usar como símbolo do meu distrito na arena.
Todos os meus amigos se despediram de mim. Vi pela última vez aqueles rostos conhecidos, as pessoas com quem eu passei bons momentos juntos, as pessoas que em breve assistiriam minha morte pela televisão.
Então eu estava sozinha. Inesperadamente, me peguei pensando em como seria minha vida se os Jogos Vorazes não existissem. Eu me casaria com Peter, teríamos filhos. Lindas criancinhas de olhos azuis como os dele, e de cabelos dourados como os meus. Eu veria meus netos brincando numa varanda, Peter sentado ao meu lado, com os cabelos brancos. Mas isso nunca aconteceria. A Capital me tirou essa opção de vida.
A Capital está, literalmente, destruindo minha vida.