- Querida, acorde. – Uma voz me chamou ao longe. Abri os olhos e vi minha governanta sorrindo para mim. – Bom dia.
- Bom dia. – Respondi tentando sorrir, sem muito sucesso.
Ela me ajudou a levantar da cama e a me vestir, como sempre fazia todas as manhãs.
- Azul ou verde? – Perguntou mostrando dois vestidos para mim. Optei pelo azul marinho com uma faixa branca na cintura e ela me ajudou a vesti-lo. – Seu café da manhã chegará em breve. – Disse e eu assenti, me sentando em minha janela.
Fiquei observando as crianças da vizinhança brincando e correndo por aí e não pude evitar o sentimento de inveja esmagadora que me invadiu. Eu faria qualquer coisa para poder brincar também, mas eu tenho uma doença nas pernas e por isso não consigo andar sem fazer muito esforço.
- Mingau de novo? – Perguntei e a governanta sorriu.
- Você sabe que seu médico te proibiu de comer coisas pesadas. Agora coma. – Completou e saiu do quarto.
“Sim, ele me proibiu de correr, comer coisas pesadas, ir ao jardim, andar pela casa e também de viver.” Pensei com amargor comendo um pouco do mingau de aparência estranha.
Toquei o sino e uma das empregadas veio arrumar minha cama e levar meu prato de volta para a cozinha.
- Você não comeu quase nada, Rin-sama. – Ela disse e eu suspirei.
- Não estou com fome. – Expliquei e voltei a olhar pela janela.
Passei a maior parte da manhã ora desenhando em meu caderno, ora olhando pela janela, voltando a me sentir triste.
- Rin-sama. Está na hora de sua aula de música. – A governanta voltou e me tirou de meus devaneios. Assenti e deixei que ela me ajudasse a ir até a sala enorme repleta de instrumentos musicais.
- Rin-chan! Você está linda hoje! – Meu professor exclamou assim que entramos.
- Obrigada. – Agradeci com um sorriso.
- Vamos começar com qual hoje? – Ele perguntou apontando para os instrumentos.
- Violino. – Pedi e ele me entregou o mesmo.
- Dó, Ré, Dó, Sol... Isso mesmo Rin-chan! Está muito melhor! – Elogiou-me e eu sorri. Acho que música era a única coisa que conseguia me distrair. Quando os dias eram muito ruins de suportar, eu ficava a tarde toda me divertindo com os instrumentos que mais me agradavam.
Mas era sempre assim. Dia após dia, sempre a mesma coisa. Sempre as mesmas pessoas. Sempre a mesma rotina. Se ao menos alguma coisa pudesse ser diferente...
- Rin-sama? Rin-sama! – A governanta me chamou e eu prendi a respiração, escondida entre duas colunas. – Onde ela foi agora? – Segurei o riso e continuei andando, ignorando a dor em minhas pernas.
Ouvi seus passos na escada e fiquei sem ideias do que fazer. Com certeza não queria voltar para meu quarto e descansar. Qual a graça disso?
Pensei rapidamente e me lembrei de um pequeno quarto, na parte mais alta da enorme casa, onde ninguém nunca vai.
“Vai servir.” Fiz a curva no corredor e subi o pequeno lance de escadas, com bastante esforço, devo admitir. Abri a porta antiga e em seguida a fechei atrás de mim.
Respirei fundo e imediatamente comecei a espirrar, devido ao excesso de poeira no lugar. Agora eu entendia porque ninguém vinha aqui. Não tinha nada no quarto, apenas uma penteadeira quebrada, uma cômoda extremamente gasta e um espelho sujo e velho.
Passei os dedos pela cômoda, sujando meus dedos de poeira. Me estiquei e abri a pequena janela em formato oval, deixando um pouco da luz do sol entrar ali, aproveitando para respirar ar puro, me permitindo sorrir levemente.
- Ai! – Gemi de dor quando senti uma pontada forte de dor na perna direita. Me sentei no chão sujo com as costas encostadas no espelho.
Assim que a dor passou, o que levou mais ou menos dez minutos, eu decidi que bastava daquele esconde-esconde ridículo. Uma hora teria que sair dali. Não podia fugir de quem eu era.
Me levantei e olhei de relance para o espelho, quase caindo em cima da penteadeira quando vi que a imagem refletida não era a minha, e sim a de um garoto loiro com roupas nobres, como aquelas que se vê em contos de fadas.
- Q-quem é você? – Perguntei levemente assustada.
- Eu sou... um mágico. – Ele disse hesitando por um momento.
- Eu não acredito nessas coisas... Papai diz que só tolos acreditam em magia. – Respondi com a voz trêmula, agarrando a penteadeira atrás de mim.
- Imagino que você não seja tola, não é? – Indagou e eu olhei para ele, tentando decifrá-lo.
- Se você é um mágico... então o que você pode fazer? – Decidi me render, já que estava conversando com um espelho.
- Huum... – Ele pensou. – Minha especialidade são desejos. – Sorriu e meu coração pareceu se aquecer.
Senti meu estômago se revirar e pareceu que, naquele único momento, todas as rodas do destino começaram a girar.
- Rin-sama! – A voz da governanta chegou aos meus ouvidos, junto com o barulho de seus pés se aproximando.
- Droga! – Olhei para o garoto e ele sorriu mais uma vez.
- Você devia ir. – Ele disse quando ela me chamou mais uma vez.
- Mas você vai desaparecer. – Respondi e ele riu.
- Não se preocupe. Pode ir, eu vou estar aqui quando você voltar. É uma promessa. – Falou e eu assenti, saindo do quarto pequeno.
Sorri levemente ao pensar se estaria tudo bem chama-lo de meu primeiro amigo.
Desci as escadas devagar para não me machucar e voltei para meu quarto. Aquela foi a primeira noite em que eu sonhei com o garoto preso dentro do espelho mágico.