Enquanto eu corria escada abaixo até a sala do treinamento, o suor gelava minha nuca e umedecia a raiz dos meus cabelos; não por causa do movimento, mas por causa de nervosismo, descrença no que eu acabara de fazer e agitação incontrolável. Por quê eu beijara Effie? Eu pensara em fazer isso antes, claro, por isso não contara a ela que tinha namorada, mas desistira da ideia rapidamente. O que, então, me impulsionara a beijá-la daquela maneira? O jeito como ela falava que nunca se tornaria o que eu odiava? O modo como seus cabelos loiros, sem peruca para cobri-los, caíam do rabo-de-cavalo e seus olhos azuis brilhavam com... Pare, Haymitch, a voz da razão exclamou em minha mente Pare de pensar nela. Esta foi a última vez que vocês se viram e remoer o que aconteceu não ajudará em nada em sua sobrevivência. Muito pelo contrário, argumentei, ela pode até me ajudar. Motivar-me de alguma maneira, talvez. Ela acredita em mim, acha que eu posso ganhar. E se eu quiser acreditar nela? Se você vencer, voltará para o Distrito 12. Para sua mãe, seu irmão e sua namorada. Claro. Ela. Uma pontada de agonia e culpa acertou meu coração ao lembrar-me da minha namorada. Principalmente porque, quando estava com Effie, eu me esquecera completamente da existência da garota do 12 que me entregara seu coração. Balancei a cabeça, tentando espantar todos os pensamentos amorosos que nublavam minha mente. Tinha de me focar no treinamento e na minha sobrevivência.

Ao chegar no arsenal, Maysilee me viu entrando. Repetindo, Maysilee Donner percebeu que eu não estava treinando com os outros tributos. Não que ela fosse um problema; nunca contaria a ninguém, mas pelo jeito que ela me olhou, sabia que teria de dar uma bela e longa explicação à noite.

E assim aconteceu. Passei o dia no arsenal fazendo, basicamente, nada. Podia sentir o olhar de Maysilee me procurando o tempo todo, como se ela quisesse ter certeza que eu não fugira novamente. Quando finalmente retornamos ao apartamento, ela esperou o fim do jantar para me arrastar até um canto da sala.

– O quê você estava fazendo lá fora? – ela sussurrou raivosamente, vermelha até a raiz dos cabelos louros.

– Eu... saí pra... hm, tomar ar.

– Tomar ar? – seus olhos se estreitaram – Você está mentindo!

– Não estou não.

– Está, sim. E se não me contar o que você andou fazendo fora do arsenal, eu vou dizer pra Pekinns que você escapou... – ela sorriu malevolamente – e eu sei que você odeia os chiliques da Pekinns.

Dei de ombros, tentando ignorar minha batida do coração se acelerando.

– Você também odeia.

Maysilee bufou.

– Haymitch!

– Certo, certo – decidi contar para ela de uma vez, afinal, nós dois morreríamos e ela não diria nada se eu pedisse segredo – Eu realmente saí pra tomar um ar, mas isso foi ontem.

– Você saiu ont...

– Não interrompe – revirei os olhos – Ontem eu estava tenso e aborrecido, então resolvi dar uma volta. Fui pro telhado e fiquei lá por um tempo... lá eu... conheci uma garota da Capital – involuntariamente, visualizei os traços de Effie e seu vestido gritantemente verde do dia anterior.

– E você combinou de encontrá-la novamente? Haymitch, você está maluco?

– Não. Maysilee, você não a conheceu. Ontem ela já era incomum pra alguém da Capital e hoje ela tem capacidade de ver as tragédias escondidas pelos Jogos. E mesmo que ela esteja treinando pra ser mentora, eu sei que ela é diferente. Eu posso confiar nela.

– Você pelo menos sabe que nunca a verá de novo, né?

Silenciei por um momento e torci que minha expressão encarando Maysilee não fosse muito dura.

– Sei. Por isso peguei um trapo da roupa dela pra me lembrar. – arregacei a manga da minha blusa e mostrei uma tira de tecido bege amarrada no meu braço. Effie definitivamente não daria falta daquilo

– Você rasgou o vestido de uma estranha pra usar nos Jogos Vorazes mas não trouxe nada da sua namorada?

Fiquei quieto de novo. Por quê diabos aquela garota conseguia calar a minha boca tão bem?

– Minha namorada nunca acreditou que eu fosse sobreviver a isso. Effie tem certeza que eu voltarei pro 12 e eu acho que a lembrança dela pode me ajudar.

Maysilee balançou a cabeça levemente em desaprovação.

– Muito bem. Se é isso que acha que vai te salvar – ela olhou nos meus olhos, azul no azul, como se espetasse as entranhas da minha alma. Eu sustentei seu olhar e ela suspirou – Eu vou tomar banho. Boa noite, Haymitch.

– Maysilee.

– O quê?

– O que você acha que vai te salvar?

Ela parou no meio do caminho, virada de costas pra mim. Vi suas omoplatas e ombros ficarem tensos e ouvi sua voz firme e delicada ao mesmo tempo.

– Esperança.

– Por quê?

Ela não se virou pra mim.

– Esperança é mais forte que o medo, Haymitch. Lembre-se disso.