O misterioso caso de Ayne Clearwater escrita por Menino das Sobrancelhas Firmes


Capítulo 9
9 - Sad Serenade




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Acordo com a maior dor de cabeça já sentida por alguém na face da terra, por todo meu corpo, as marcas e dores de mil elefantes aparecem sobre a fina camada de luz.

Levanto com o atordoado som de passos no primeiro andar, mais barulho do quê já ouvi desde que cheguei aqui. Ponho as duas mãos no criado mudo ao lado de minha cama e com todas minhas forças, me impulsiono para a porta. Olho para trás e vejo uma seringa vazia perto de um copo de água.

Pouco me lembro da noite passada além de vizinhos começando a surgir para ver o fogo, Judas apagando o espantalho em chamas, eu implorando para Reeser ‘Não me deixe só, pelo amor de Deus, eu não estou seguro, ela está em todos os cantos dessa casa, você estava certa sobre Jude, apenas não me deixe só’, e então, todos me forçando a entrar enquanto eu quebrava os móveis no caminho para o meu quarto, e Reeser me aplicando um sedativo.

–Cheira a lar. –Digo quando chego na cozinha.

Reeser e Judas estão comendo enquanto Angus apenas espera que um pedaço de bacon caia de um dos pães para que ele agarre no ar.

–Relaxa, eu não estou possuído pelo capiroto hoje. –Sorrio.

–Sente-se e coma. –Reeser ordena.

Judas levanta da mesa sem trocar olhares comigo e some para dentro da casa levando seu cachorro.

–Ele está um gelo. –Digo.

–Não é por menos, certo? Você foi preso após uma ligação anônima denunciando que você matou a namorada do cara, e quando volta pra casa... Ateia fogo na vizinhança... Você não é lá o melhor amigo pra dividir uma casa. –Ela diz rindo. –E afinal, eu só ficarei aqui por mais está noite... E a Jil vai ter que dormir comigo hoje, eu prometi pra minha irmã que ficaria com ela. –Jil era a sobrinha de Reeser, agora a menina devia ter uns seis anos de idade.

–Por mim tudo bem. –Pego um copo de suco e saio da mesa.

Depois de minha epifania na noite passada, eu estava mais focado do quê nada... Eu começava a ter mais respostas do quê imaginava, se Ayne matou os pais, ela teve um motivo! Eu simplesmente mergulharia de cabeça em um mar desconhecido que acabará de se tornar a vida complexa de Ayne Clearwater.

Vou até o quarto de Ayne, empurro a porta e a deixo entreaberta, tudo parece exatamente como era muito tempo atrás. Reviro seu guarda roupa, deve ter algo lá, qualquer coisa que me leve até antes de Ayne se tornar Ayne, quando ela ainda era Bridget Jones, uma menina assustada que matou o próprio pai e cortou os pulsos da mãe.

No fim de seu guarda roupa há uma gaveta pesada, mas está trancada. Sem pensar duas vezes, pego um velho guarda-chuva e enfio no pequeno espaço aberto forçando a abertura da gaveta.

O cheiro que toma conta do ar me leva para três anos antes onde uma noite chuvosa marcava pra sempre a vida de um pequeno garoto de cabelos emaranhados.

(...)

–Nós vamos pegar uma pneumonia e a culpa será TOTALMENTE sua. –Digo rindo enquanto tento proteger Ayne embaixo do meu velho casaco.

–Porquê? Você não gosta de chuva Ian? Você não acha que as estrelas brilham mais quando o céu está molhado? –Ela sorria com aquele velho ar questionador.

–Você não é normal garota. –Digo.

–O que é ser normal Ian? –Ela ria novamente.

–Eu acho melhor a gente parar em alguma varanda e dar um tempo até que a chuva passe.

Ayne e eu usávamos roupas dos anos 80 após sairmos de uma festa com a temática de tal ano, ela tinha um vestido rodado amarelo com os cabelos bem presos á um coque com um laço mais engraçado do quê bonito e eu era uma mistura de Jhon Travolta com Jim Carrey.

–Você consegue ouvir a musica? –Pergunta Ayne.

–Que musica? –Lhe puxo para baixo de uma grande árvore na alto estrada, não estamos tão longe da casa de Amanda, a dona da festa da noite... Não muitos dias depois viria a festa de Phelipe, seria uma temporada de muita cachaça e sorrisos.

–Está baixa, mas se você se concentrar a gente pode ouvir. É minha musica favorita. –Ela diz.

Seus olhos se fecham e ela balança o corpo suavemente enquanto pequenas gotas caem das folhas até seu rosto, seus lábios começam a cantar em um ritmo incoerente, pelo menos até que eu note que ela está sincronizada com a canção. Ayne não está comigo, Ayne está dançando em mundo que ela mesma criou, de vez em quando ela faz algo do gênero, como se vivesse para dentro dela mesma.

Toco uma de minhas mãos em sua cintura e ponho a outra em sua mão, levanto ela até que esteja lhe puxando para uma dança na chuva. Permanecemos calados, por um segundo meu coração bate mais forte do quê já bateu em qualquer outro dia de minha vida. Meus olhos no dela, apenas nós dois, no meio do nada... Dançando uma musica que ninguém mais poderia ouvir.

Ela escora seu rosto em meu ombro e sinto sua pele aquecer meu corpo por inteiro. Eu te amo tanto Ayne Clearwater.

Ouço ela soluçar, não sei se quero perguntar porquê ela chora. Apenas quero ficar ali para sempre, vivendo um sonho contido desde que lhe conheci, desde que lhe entreguei para Jude.

Ela continua a chorar.

–O que foi? –Pergunto.

–Eu sou uma idiota, não sou? –Ela responde com uma pergunta, digno de uma Clearwater.

–Porquê seria? –Seriamos só interrogações está noite.

–Eu sei o que você sente Ian. –Ela deixa de me olhar nos olhos. –Eu sei exatamente o que sente.

Uma raiva crescente explode dentro de mim, não sei bem se dela ou de mim.

–Co-co-como assim? –Pergunto.

–Eu nunca poderia retribuir metade do que você tem ai dentro. –Ela diz. –Porque eu te amo de uma maneira diferente. Eu te amo mais do quê você me ama. Mas... Eu também amo Jude. –Ela diz.

A explosão interna acaba saindo para fora de mim de uma maneira que não contenho, empurro Ayne para fora longe. Ela quase cai na estrada e meus olhos começam a ser tomados por água, dessa vez, não da chuva.

–Você é uma babaca Ayne. –Porque ela falaria isso? Ela não precisava! Nós dois sabíamos que nunca aconteceríamos, mas não havia necessidade de deixar algo tão óbvio, mais óbvio ainda. Ayne estragou nossa serenata, um momento tão doce e delicado... Agora, não mais uma serenata, uma triste serenata!

Começo a andar para dentro da floresta.

–IAN. PRA ONDE VOCÊ VAI? –Ela pergunta. –NÃO ME DEIXE SOZINHA. –Foram as ultimas palavras que eu ouvi ela dizer, porque me escondi de mim mesmo, me escondi dentro da floresta para nunca mais ver a luz da lua.

Não muitos minutos depois, eu já estava na frente de minha casa, assustadoramente, uma menina que acabou de fugir dos anos 80 está me esperando na sacada. Como diabos ela chegou antes de mim?

–Você é um idiota! –Quem está chorando agora é ela. –Você sabe o que poderia ter acontecido comigo? Você é o babaca aqui. –Ela está em prantos e eu não consigo me conter.

Lhe abraço, o abraço mais reconfortante que já tive em minha vida. De repente, somos dois bebês chorões na varanda de minha casa.

Ela está com o rosto bem colado ao meu peito, ouço ela soluçar enquanto me mato mentalmente, como eu posso ter deixado alguém tão pequena e frágil sozinha no meio de uma estrada escura no meio da noite?

–Eu te desejo o melhor, realmente desejo... –Minha boca está se movendo só, não consigo me controlar. –Mesmo que eu saiba que ainda não lhe superei. Talvez vá doer por um bom tempo aqui dentro, mas eu te terei pra sempre dentro de mim. –PRA SEMPRE DENTRO DE MIM, ecoa em minha cabeça.

–Você é um babaca. –Ela dá uma pequena risada e levanta a cabeça para por seus grandes olhos azuis dentro dos meus. –Eu não acredito que você não lutou bravamente por mim.

Então sua mão esquerda subiu até meu rosto, e ela me puxou para que seus lábios colassem nos meus, permanecendo ali... Por toda a eternidade que aquela noite durou.

(...)

A lágrima que havia se criado em meu olho finalmente cai até o chão, o cheiro de Ayne está em todo quarto agora como se eu fosse virar e lhe encontrar perguntando de onde eu assistia as estrelas quando era menor.

Balanço a cabeça para afastar todas as ideias de minha mente. Me perco dentro da gaveta e gasto todo meu dia tentando ler cada folha que ali está guardado até que o maior de todos os presentes é me dado, um caderno de anotações de Ayne que bate exatamente com o ano em que ela se mudou para a cidade.

A noite já caiu do lado de fora da casa e eu mal podia dizer que estou duas horas dentro do quarto de Ayne, ouço a voz de Jil em algum lugar da casa quando saio para o corredor mas já estou cansado demais emocionalmente para ir procurar a garota então simplesmente tomo a agenda de Ayne em minhas mãos e me dirijo para meu quarto.

Guardo o caderno em meu criado-mudo e deito como se tivesse mil quilos a mais, relaxo e ouço o som da chuva começar a cair sobre o telhado.

Reeser está ao fundo cantando para Jil e Angus latiu do lado de fora da casa. Pisco. A voz de Reeser está mais fraca, me pergunto se é a Jil que ela quer fazer dormir ou a mim. Pisco. Angus calou, Reeser também. Pisco. Ayne está sorrindo para mim na beira do velho lago á beira das montanhas.

–Eu achei que você nunca fosse me encontrar de novo. –Ela ri.

–Eu te vi o dia todo hoje. Talvez tenha sido o dia em que mais te vi desde de sempre.

–É preciso eu morrer para que você me dê alguma atenção não é Ian? –Ela volta a sorrir. –De onde você...

–Não Ayne... De onde VOCÊ via as estrelas quando era menor? –Pergunto pela primeira vez. Seus olhos se arregalam, ela nunca esperou que eu fosse perguntar.

–Daqui... Por isso você sempre me encontra aqui, na beira do lago... Você lembra Ian? Aqui foi a ultima vez que você me viu, antes de eu partir... Claro!

–Foi? –Pergunto tentando lembrar da ultima vez que vi Ayne antes de todos os boatos de seu suicídio. –Eu não lembro.

–Como eu. –Ela sorri. –Meu pai sempre me trazia aqui, pelo menos até os sete anos...

–O que você fez á ele Ayne? O que você fez com sua mãe? –Questiono.

Ouço Angus latir em algum lugar, não lhe vejo, mas sei que é ele pelo som de seu latido.

–Talvez Jude esteja por aqui, você ouviu o Angus? –Digo enquanto procuro pelo cão em toda extremidade do lago, mas ele não está lá.

–O lago não é um canto para demônios Ian, ou talvez seja... Mas Jude fez coisas que você não imagina, você não perdoaria como eu não perdoei. Posso te contar um segredo?

–Eu quero saber sobre seus pais... –Lhe lembro.

–Esse cachorro está começando a me dar nos nervos. –Ela sorri, dessa vez diferente! Como se estivesse pensando em algo ruim.

Angus late novamente e eu acordo. A casa está em um escuro total, o cachorro está na porta do meu quarto olhando para o canto do armário onde não consigo ver nada. Ele encara por um bom tempo e dá um latido como se estivesse conversando com alguém ali. Me cubro da cabeça aos pés, não quero ver Ayne de novo... Acorde, acorde Ian... Não é um sonho!

Angus late novamente, dessa vez, mais longe. Ele está saindo do quarto, seguindo alguma coisa... Levanto da cama, ouço seu latido sumir. Chego ao corredor, não há ninguém, apenas escuridão. Uma pequena brecha de luz sai por baixo do quarto de Ayne, toco na maçaneta e sinto que vou me deparar com a garota da franja escura por trás da porta, mas então, só há uma pequena menina loira me encarando assustadoramente por cima da cama.

–Eu tive um pesadelo. –Jil fala.

–Oi Jil, você lembra de mim? –Pergunto me aproximando da cama.

Ela me analisa e fala por trás de um sorriso com poucos dentes. Um sorriso tão assustador quanto o de Ayne agora a pouco.

–Tio Ian. –Ela estende os dois braços para que eu lhe agarre no colo.

Noto a janela do quarto aberto e vou até ela para abaixar.

–Reeser é louca? Porque ela deixou a janela aberta? –Pergunto.

–Não foi ela. –Jil ri. Ouço Angus chorar em algum lugar não muito longe. –Você não disse que havia sido a menina dos olhos azuis?

Angus chora mais alto dessa vez.

–Fique aqui. –Coloco Jil no chão e corro para fora do quarto.

Reeser começa a subir a escada. Empurro a porta do banheiro do corredor e Angus está chorando enquanto uma corda velha lhe pende no ar enforcado e suas tripas saem de dentro de sua barriga com um único corte em forma de ‘I’.


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Notas finais do capítulo

'Esse cachorro já está me tirando do sério'. Capitulo 10 sendo postado em 2, 1...



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