Carla

Era incrível olhar aquele edifício assim tão de perto. Era a realização de um sonho pelo qual lutei anos a fio. Parecia mentira, mas não era. Eu estava mesmo ali, na Procuradoria Geral da República e não era mais uma visita da faculdade. Não mesmo... Eu estava subindo o elevador para assumir o cargo que conquistei com anos de estudo e dedicação que valeram à pena. Quando estava na faculdade de direito, sonhando com grandes cargos, não sei ao certo se mesmo eu acreditava que estaria tão alto, tão cedo. Era o começo de uma nova vida, a partir de agora tudo mudaria radicalmente, disso eu tinha certeza. E estava mais que ansiosa para viver aquela nova fase da minha vida.

–Nossa acho que é hoje meu dia de sorte! – Disse um homem ao meu lado.

Eu estava tão perdida em meus pensamentos que nem ao menos havia notado a presença daquele rapaz no elevador.

–Oi? Desculpe-me, você falou comigo?

–Ah! Perdoe-me a grosseria, nem me apresentei. Eu sou Tiago, totalmente aos seus serviços, minha deusa. Você está procurando alguém? Seu grande amor talvez? – Ele deu um sorrisinho do tipo arrogante que consegue me irritar. – Por isso hoje é meu dia de sorte. Uma mulher tão linda assim me procurando logo de manhã.

O observei mais detidamente, era alto e moreno. Tinha um corpo atlético que, devido à camisa colada que usava, eu diria que ele gostava de exibir. O cabelo era um pouco comprido, cuidadosamente despenteado. Era bonito, mas de uma forma bem comum. Não pude fazer nada além de rir com meus próprios pensamentos. Como é pretensioso e idiota! É bonitinho e nada mais, mas já deu para perceber que ele se acha o último biscoito do pacote.

–Na verdade estou indo para a minha sala. Desculpe-me te desapontar assim.

A porta do elevador se abriu e saí rindo, deixando o moreno com cara de inconformado pela falta de atenção que lhe dispensei. Não me dei ao trabalho de olhar para trás quando ouvi seus resmungos cada vez mais distantes à medida que o elevador se fechava.

–Essas mulheres não andam bem de vista. Não enxergam mais seu futuro perfeito quando esbarram nele no elevador. Metade da Procuradoria sonha em me ter assim por um instante no elevador. A outra metade são homens...

A porta do elevador se fechou e não avistei mais Tiago naquela manhã.

–Você é a novata que vai trabalhar com a Maitê? Se for, corra porque faltam apenas 15 minutos para o horário marcado. Ela não vai gostar nada disso.

Eu entrava na sala onde deveria me encontrar com minha nova chefe quando veio essa mulher falando sem parar. Não pude deixar de examiná-la, afinal era bem bonita. Baixinha e magra, mas com uma pele muito branca que se destacava mais por seu cabelo preto e seus olhos escuros.

–E você é?

–Paula, Assistente Junior do supervisor Guilherme. Eu imaginei que fosse você a nova assistente da Mai. E vou logo avisando, ela não suporta atrasos.

–Mas eu não estou atrasada...

–Para ela 15 minutos adiantada é estar muito mais que atrasada. A Maitê é genial, mas é muito rigorosa e exigente, ela vai sempre esperar que você esteja por aqui antes dela pra resolver tudo pro dia apertadíssimo que ela vai ter. Boa sorte ruivinha... Com ela você vai precisar.

Fiquei observando Paula sair da sala com um sorriso que me pareceu vagamente um sorrisinho de prazer.

–Incrível como essas pessoas gostam de fazer terrorismo com os novatos. Não podiam ser apenas gentis e me desejar boa sorte? Pelo menos o tal Guilherme tem bom gosto pra assistentes, se ela calasse a boca alguns instantes eu poderia admirar sua beleza. – Eu me perdia em devaneios enquanto batia na porta da sala onde havia uma placa com o nome: “Maitê Palhares, Procuradora Geral da República”, engoli em seco e esperei.

–Entre... Você está atrasada.

Eu realmente não acreditei que estava mesmo ouvindo aquilo. Achei que tudo não passara de terrorismo, mas Maitê parecia mesmo ser do tipo ditadora, respirei fundo e entrei.

–Perdoe-me senhora, mas eu não estou atrasada. A não ser que meu relógio esteja muito errado eu estou adianta 13 minutos. – Gaguejei e travei no mesmo instante em que olhei aquela mulher, me arrependendo absurdamente do que disse. Não da parte do “relógio estragado”, mas da parte do “senhora”. De alguma forma eu esperava uma velha ranzinza de cabelos grisalhos e pele carcomida, mas Maitê não chegava nem perto disso, pelo contrário, era jovem para uma Procuradora, aparentava ser muito séria, mas era linda. Meus olhos pareciam ter tomado vontade própria ao encarar aquela mulher e eu não conseguia impedi-los de passear livremente por suas mãos de unhas longas e bem feitas, seus braços esguios sob o terninho preto e muito sério, o que só tornava mais gritante o decote fundo que me deixava notar os seios muito fartos quase saltando para fora do sutiã. Minha imaginação voava por aquele corpo perfeito e por seu cabelo muito longo e preto. Seus olhos eram agitados, frios e exigentes, pareciam avaliar tudo à sua volta incessantemente. Ao fitar seu rosto aristocrático entendi na hora como ela chegou tão alto com tão pouca idade, ela exalava poder por cada poro. Estava sentada em uma cadeira alta e segurava o rosto com as mãos apoiadas nos cotovelos na mesa. Ela me encarava tranquilamente e parecia se divertir com a situação.

–Bem, essa é quase sempre a reação quando me vêem pela primeira vez. Esperava uma velha mal humorada, não é?

–Na verdade era exatamente o que eu imaginei de você quando a garota na porta me disse que você ia me arrancar o couro porque eu estava apenas 15 minutos adiantada. Bem, eu errei no que imaginei de você, mas ela falou a verdade, não é?

Maitê ficou me observando com um olhar fixo por alguns instantes, avaliando a situação. Senti-me nervosa, pois não pude decifrar o que se passava em sua cabeça apenas pelo olhar. Não sei se ela estava indiferente ou furiosa, mas com certeza estava desconcertada, parecia não estar nem um pouco acostumada a ouvir as verdades daquela forma. Ela, então, soltou uma risada totalmente inesperada e me pediu que me sentasse.

–E eu sempre faço essa pergunta a todos que me olham espantados, mas ninguém nunca teve coragem de dizer que realmente havia imaginado uma velha. Gostei da sua personalidade forte, vai te fazer muito bem por aqui, mas você parece bem jovem, qual a sua idade?

–Eu tenho 23. Desculpe-me se te ofendi de alguma forma, mas...

–23 anos é muito menos do que eu imaginava. – É ela me interrompeu descaradamente mesmo, mulher mandona e... Deliciosa. – Estou surpresa de verdade agora. – Continuou – E não peça desculpas porque o que eu admirei em você foi sua coragem de defender sua opinião. Você tem futuro criança... Desde que chegue aqui uma hora mais cedo amanhã. Você foi corajosa, mas isso não muda o fato de que você deve estar aqui antes de mim. Bom dia! Está dispensada por enquanto. Vou chamar o Gui para te apresentar o lugar... Ele sempre ama fazer isso. Pode ir agora.

Maitê

Fiquei observando a criança metida se retirar até que a porta se fechou. Peguei o telefone para ligar para o Gui, mas não disquei número algum. Estava perdida em pensamentos.

Nunca tinha visto alguém com tanta coragem, essa menina tem futuro comigo. – Mordi os lábios rindo da minha própria imaginação que não parava de passear pelas curvas bem feitas do corpo dela.

E com certeza depois de me comer com os olhos daquele jeito, eu também tenho futuro com você. – Sacudi a cabeça afastando esses pensamentos – Maitê controle-se imediatamente, ela é só mais uma funcionária com um talento especial que você admirou. – Eu não parava de rir pensando no que realmente admirara em Carla. Ouvi o som distante do telefone dando sinal e esperando por uma discagem, o que me trouxe aos poucos de volta à realidade. Disquei alguns números e esperei.

–Bom dia Guilherme! Você tem mais uma novata pra levar em excursão pelo prédio fazendo seu grande show. Eu sei que você adora. Pode me fazer esse favor?

–Eu vou amar como sempre, minha diva... Adoro interpretar o guia turístico, e vai cair super bem com meu modelito.

–Sabia que podia contar com você. Obrigada. E por favor, tente se controlar Guilherme, isso é um ambiente de trabalho. O nome dela é Carla e está te esperando na recepção.